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Literatura infantil na perspectiva dos estudos culturais

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Academic year: 2021

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IVONETE SUELI SEGALA PEREIRA

LITERATURA INFANTIL NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS: POR UMA INFÂNCIA PLURAL

Palhoça 2014

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IVONETE SUELI SEGALA PEREIRA

LITERATURA INFANTIL NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS: POR UMA INFÂNCIA PLURAL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem.

Orientador: Prof.ª Drª. Dilma Beatriz Rocha Juliano

Palhoça 2014

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IVONETE SUELI SEGALA PEREIRA

LITERATURA INFANTIL NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS: POR UMA INFÂNCIA PLURAL

Esta Dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

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Dedico esta dissertação para uma pessoa de coração bondoso, amigo, grande colaborador, incentivador de todos os momentos, meu marido e grande amor: Cláudio Roberto Pereira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu Deus, por TODAS as coisas em minha vida.

“Você estará confiante, graças à esperança que haverá; olhará ao redor e repousará em segurança” (Jó 11:18).

Agradeço à minha brilhante orientadora Professora Dilma Beatriz Juliano, que sempre me acolheu com olhar doce, singeleza e respeito, de quem está ao lado para caminhar junto desde

o primeiro contato no processo de seleção do mestrado. Pelas orientações sábias, pela dedicação, por todas as palavras de incentivo, por me fazer acreditar que sou capaz, enfim,

por cada momento dessa caminhada que me proporcionou um aprendizado para a vida.

Agradeço a todos os professores do curso de Pós-graduação em Ciência da Linguagem (UNISUL), pessoas qualificadas e competentes, cada um com seu modo particular, contribuiu com orientações e reflexões importantes para meu crescimento, como pesquisadora e também

como ser humano.

Agradeço à professora Eliane Santana Debus, por me auxiliar a encontrar alguns caminhos quanto ao corpus da pesquisa e por me receber gentilmente em sua turma, na disciplina

Literatura e Infância na UFSC.

Agradeço ao querido professor Altino José Martins Filho por todo apoio e orientação, por suas palavras carinhosas e por estar sempre disponível quando se trata de ajudar. A conquista

desse objetivo em minha vida tem muito das nossas conversas.

Agradeço a minha amada família pelo apoio, paciência, sugestões e carinho durante essa etapa, em especial ao meu FILHO, Luis Fernando, grande sonho e amor de minha vida.

Agradeço a minha madrinha Virgínia Vieira, minha mãe de coração, por todas as orações, palavras de conforto, carinho, incentivo para alcançar meus sonhos. Te amo demais!

Agradeço as minhas irmãs Sirlene Segala e Simone Segala Andrade, por me escutarem nos momentos difíceis, sempre me incentivando e me ajudando com doces palavras, vocês são

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Agradeço ao meu amado sobrinho Vitor Hugo Segala Andrade, que partilhou de seus lindos desenhos para ilustrar essa dissertação, sempre acompanhado de muito humor, atenção e

palpites.

Agradeço às amigas queridas: Flávia Walter, Alexandra Espíndola, Jennifer Giasse e Mônica Wendhausen que são grandes presentes em minha vida, dividindo comigo momentos de angústia, choro, dificuldade, mas também muitos risos, alegrias, trocas e colaborações durante

o percurso da pesquisa.

Agradeço à secretária do curso Edna Mazon, sempre gentil, carinhosa e eficiente em suas orientações e contribuições com os alunos.

Agradeço ao Alexander Gomes Cardoso por toda sua dedicação e carinho ao me ajudar na passagem das ilustrações dos livros para a dissertação com qualidade que só foi alcançada

graças ao seu compromisso de fazer sempre o seu melhor.

Agradeço às escolas e principalmente às bibliotecárias que foram fundamentais no processo de pesquisa, pelo acolhimento, simpatia e pela colaboração.

A rede Municipal de Florianópolis pela dispensa de dois anos das atividades profissionais para cursar o mestrado, bem como a todos os funcionários que cuidaram deste processo de

afastamento.

Agradeço a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta dissertação.

A todos que marcaram de forma muito especial essa importante trajetória o meu:

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RESUMO

A presente dissertação tem como tema a literatura infantil na perspectiva dos estudos culturais: por uma infância plural. O estudo discute como a literatura infantil vem abordando, nas produções contemporâneas, questões como: identidade, gênero e etnia. Para tanto, elegeu-se o acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), investigando elegeu-se a literatura selecionada e distribuída pelo programa contribui para o desenvolvimento de um leitor literário mais crítico; se está afinada com a desconstrução de estereótipos e se está em consonância com os temas sociais e culturais debatidos pela via dos Estudos Culturais, colaborando assim na reorganização das percepções, quanto a um mundo mais plural. A escolha desse programa se deve por considerarmos que os livros passam por um processo minucioso quanto à seleção e indicação dos títulos até chegar ao leitor. Para fundamentar as discussões foram selecionadas cinco obras de literatura infantil destinadas para os primeiros anos do ensino fundamental, de autores nacionais de acordo com os acervos do PNBE de 2008, 2010 e 2012, sendo estas: Maria mole, 2002, de André Neves; O rei maluco e a rainha mais ainda, 2006, de Fernanda Lopes de Almeida; O reino adormecido, 2012, de Leo Cunha; Betina, 2009, de Nilma Lino Gomes, e Obax, 2010, de André Neves. Apesar de ser numericamente reduzido o repertório do PNBE de narrativas que propõem esse debate contemporâneo é possível perceber que este demonstra uma seleção com boa qualidade tanto na linguagem verbal quanto na visual, o que proporciona às crianças mecanismos de autoconhecimento, novas experiências, traduzindo em textos escritos, cores e ilustrações um mundo diverso daquele normativo que exclui possibilidades e diferenças.

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RESUMEN

La presente disertación tiene como tema la literatura infantil en la perspectiva de los estudios culturales: por una infancia plural. El estudio discute como la literatura infantil viene abordando, en las producciones contemporáneas, cuestiones como: identidad, género y etnia. Para tanto, se ha elegido el acervo del Programa Nacional Biblioteca de la Escuela (PNBE), investigando si la literatura seleccionada y distribuida por el programa contribuye para el desarrollo de un lector literario más crítico; si está afinada con la desconstrucción de estereotipos y si está en consonancia con los temas sociales y culturales discutidos por la vía de los Estudios Culturales, colaborando así en la reorganización de las percepciones, cuanto a un mundo más plural. La elección de este programa se debe por considerar que los libros pasan por un proceso minucioso cuanto a selección e indicación de los títulos hasta llegar al lector. Para fundamentar las discusiones han sido seleccionadas cinco obras de literatura infantil destinadas para los primeros años de la enseñanza fundamental, de autores nacionales de acuerdo con los acervos del PNBE de 2008, 2010 y 2012, siendo estas: Maria mole, 2002, de André Neves; O rei maluco e a rainha mais ainda, 2006, de Fernanda Lopes de Almeida; O reino adormecido, 2012, de Leo Cunha; Betina, 2009, de Nilma Lino Gomes, e Obax, 2010, de André Neves. A pesar de ser numéricamente reducido el repertorio del PNBE de narrativas que proponen ese debate contemporáneo, es posible percibir que este demuestra una selección con buena calidad tanto en el lenguaje verbal cuanto en el visual, lo que proporciona a los niños mecanismos de auto-conocimiento, nuevas experiencias, traduciendo en textos escritos, colores y ilustraciones en un mundo diverso de aquel normativo que excluye posibilidades y diferencias.

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Tua caminhada ainda não terminou... A realidade te acolhe

dizendo que pela frente o horizonte da vida necessita

de tuas palavras e do teu silêncio. Se amanhã sentires saudades,

lembra-te da fantasia e sonha com tua próxima vitória. Vitória que todas as armas do mundo

jamais conseguirão obter, porque é uma vitória que surge da paz

e não do ressentimento. É certo que irás encontrar situações

tempestuosas novamente, mas haverá de ver sempre o lado bom da chuva que cai e não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem.

Atender a quem te chama é belo, lutar por quem te rejeita é quase chegar a perfeição. A juventude precisa de sonhos

e se nutrir de lembranças, assim como o leito dos rios

precisa da água que rola e o coração necessita de afeto.

Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem o ontem te seja o mesmo

que nunca mais. Teus passos ficaram.

Olhes para trás... mas vá em frente pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te.

Charles Chaplin

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LISTA DE SIGLAS

EJA – Educação de Jovens e adultos

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação IBBY – International Board on Books for Young People IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MEC – Ministério da Educação

PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola SEB – Secretaria de Educação Básica

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SEESP – Secretaria de Educação Especial

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Capa do livro Maria Mole. ... 41

Figura 2- Recorte da ilustração do livro Maria Mole. ... 42

Figura 3- Ilustração do livro Maria Mole. ... 43

Figura 4- Ilustração do livro Maria Mole. ... 44

Figura 5- Ilustração do livro Maria Mole. ... 45

Figura 6- Recorte da ilustração do livro Maria Mole. ... 46

Figura 7- Ilustração do livro Maria Mole. ... 47

Figura 8- Recorte da ilustração do livro Maria Mole. ... 48

Figura 9- Ilustração do livro Maria Mole. ... 49

Figura 10- Recorte da ilustração do livro Maria Mole. ... 50

Figura 11- Capa de O Rei Maluco e a Rainha Mais Ainda. ... 51

Figura 12- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 53

Figura 13- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 54

Figura 14- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 56

Figura 15- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 57

Figura 16- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 57

Figura 17- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 58

Figura 18- Ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 64

Figura 19- Recorte da ilustração do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 65

Figura 20- Recorte das ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 66

Figura 21- Recorte das ilustrações do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 67

Figura 22- Recorte da ilustração do livro O rei maluco e a rainha mais ainda. ... 67

Figura 23- Capa do livro O Reino Adormecido. ... 69

Figura 24- Ilustração do livro O Reino Adormecido. ... 70

Figura 25- Ilustração do livro O Reino Adormecido. ... 71

Figura 26- Ilustração do livro O Reino Adormecido. ... 72

Figura 27- Ilustração do livro O Reino Adormecido. ... 74

Figura 28- Capa do livro Betina. ... 79

Figura 29- Ilustração do livro Betina. ... 80

Figura 30- Ilustração do livro Betina. ... 81

Figura 31- Ilustração do livro Betina. ... 82

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Figura 33- Ilustração do livro Betina. ... 84

Figura 34- Ilustração do livro Betina. ... 85

Figura 35- Ilustração do livro Betina. ... 86

Figura 36- Ilustração do livro Betina. ... 87

Figura 37- Ilustração do livro Betina. ... 88

Figura 38- Ilustrações do livro Obax. ... 89

Figura 39- Ilustrações do livro Obax. ... 90

Figura 40- Ilustrações do livro Obax. ... 91

Figura 41- Ilustrações do livro Obax. ... 92

Figura 42- Ilustrações do livro Obax. ... 93

Figura 43- Ilustrações do livro Obax. ... 94

Figura 44- Ilustrações do livro Obax. ... 95

Figura 45- Ilustrações do livro Obax. ... 96

Figura 46- Ilustrações do livro Obax. ... 97

Figura 47- Ilustrações do livro Obax. ... 98

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 15

2 LITERATURA INFANTIL E INFÂNCIA ... 21

2.1 CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DA CRIANÇA ... 30

2.2 AS ILUSTRAÇÕES NOS LIVROS INFANTIS ... 32

3 OS ESTUDOS CULTURAIS E AS SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA OS ESTUDOS LITERÁRIOS ... 36 3.1 IDENTIDADE ... 39 3.2 GÊNERO ... 61 3.3 ETNIA ... 76 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 101 REFERÊNCIAS ... 107

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1 INTRODUÇÃO

Vitor Hugo S. Andrade1

Há duas maneiras de percorrer um bosque. A primeira é experimentar um ou vários caminhos (a fim de sair do bosque o mais depressa possível, digamos, ou de chegar à casa da avó, do Pequeno Polegar ou do Joãozinho e Maria); a segunda é andar para ver como é o bosque e descobrir por que algumas trilhas são acessíveis e outras não.

Umberto Eco

É comum ouvir que os livros infantis fazem com que as crianças embarquem em fantásticas aventuras que misturam realidade e fantasia através de suas palavras e ilustrações, recheando a imaginação e fazendo das histórias, meios para compor o universo infantil.

A literatura infantil realmente desempenha importante aporte para a formação das crianças, no sentido de torná-las seres críticos e que buscam superar ao máximo a fragmentação imposta pela vida moderna. Espera-se que a criança vivencie as diferentes fases da vida em harmonia com a cultura, equilíbrio possível de ser alcançado através da boa literatura, que possibilita não necessariamente conhecimentos específicos, mas uma sensibilidade que permite o questionamento do mundo e o desejo de mudança da condição de mediocridade que muitas vezes são submetidos. Otexto literário atua na formação e dinâmica das identidades, residindo aí sua importância na busca do equilíbrio humano, já que “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (CANDIDO, 2004, p. 176). Sendo esta assinalada pelo

1 Vitor Hugo Segala Andrade é um menino de seis anos que ama se expressar através de desenhos coloridos. Com seus desenhos cria histórias e com elas encantadoras viagens. Seus desenhos fazem parte do início de cada capítulo.

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mesmo autor como fator indispensável de humanização e que corresponderia, nesse sentido, a uma necessidade universal, cuja satisfação constitui um direito inalienável.

Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo primeiro analisar a produção literária contemporânea através dos livros que compõem o acervo do PNBE de 2008, 2010 e 2012, verificando se estes oportunizam perspectivas de reflexão sobre a identidade cultural, envolvendo as percepções de gênero e etnia, indicando, na perspectiva deste trabalho, que gênero e etnia compõem o que se chama identidade. Além disso, esta dissertação tem como objetivos específicos ressaltar a importância da produção literária infantil contemporânea, em consonância com os temas sociais e culturais debatidos pela via dos Estudos Culturais; identificar as contribuições da literatura infantil para o desenvolvimento de um leitor literário mais crítico; detectar de que forma a literatura infantil pode excitar o senso crítico dos que se apropriam dessas leituras na construção da identidade; verificar se esta literatura está ou não afinada com a desconstrução de estereótipos, ou seja, se há inovações na forma de representação dos gêneros: masculino e feminino e constatar se a literatura destinada às crianças colabora ou não na reorganização das percepções quanto à etnia visando um mundo mais plural.

Para alcançar os objetivos mencionados, necessário foi mapear o conjunto de obras do PNBE, Programa Nacional Biblioteca da Escola, criado em 1997 através do Ministério da Educação (MEC), por intermédio da Secretaria de Educação Básica, sob a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que conta com a cooperação da Secretaria de Educação Especial (SEESP) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Gerido com recursos financeiros originários do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-educação, o PNBE vem distribuindo anualmente de forma gratuita, livros de literatura às escolas públicas brasileiras, sejam elas das redes federal, estadual ou municipal, no âmbito da educação infantil, do ensino fundamental, do ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA), que estejam devidamente cadastradas no censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

O PNBE tem por objetivo promover o acesso à cultura, incentivar a leitura de obras literárias que, em consonância com as demandas dos movimentos sociais, atendam aos princípios de uma educação mais democrática e multicultural.

Serão selecionadas obras com temáticas diversificadas, de diferentes contextos sociais, culturais e históricos. [...] Não serão selecionadas obras que apresentem

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didatismos, moralismos, preconceitos, estereótipos ou discriminação de qualquer ordem (BRASIL, 2007, p. 15).

Os gêneros literários que compõem o PNBE são obras clássicas da literatura universal, poemas, contos, crônicas, teatro, textos da tradição popular, romances, memórias, diários, biografias, relatos de experiências, novelas, e histórias em quadrinhos. Com um variado repertório, o Ministério da Educação acredita contribuir tanto com a leitura literária como estética, também com a leitura como instrumento de ampliação de conhecimentos, especialmente no que se refere ao aprimoramento das práticas educativas.

Os livros referentes ao conjunto de acervos literários do PNBE passam por um longo processo até chegarem às instituições, ou seja, há uma pré-inscrição pelas editoras no mês de dezembro, através de um edital de convocação do FNDE juntamente com a Secretaria de Educação Básica (SEB). Desde 2005 são convidados pesquisadores de diferentes universidades para participar do processo de seleção e avaliação, depois há negociação quanto ao valor por unidade pela equipe do FNDE e são adquiridas.

Os acervos possuem livros nacionais e traduções de diferentes níveis de complexidade. Todos os livros passam por avaliação quanto a qualidade do texto, a adequação dos temas quanto ao interesse do público, aspectos gráficos, aspectos de coerência, consistência narrativa, adequação de linguagem entre outros itens. É, ainda, proposto nessas produções abordagens de diversos temas importantes e até necessários à sociedade contemporânea, seja problematizando ou propondo entendimento dos conflitos que envolvem temas diversos e entre esses, identidade, gênero e etnia, recorte específico desta dissertação.

A distribuição dos acervos de literatura ocorre nos anos pares para as instituições de educação Infantil2 (creche e pré-escola), anos iniciais do ensino fundamental e educação de jovens e adultos e nos anos ímpares, a distribuição ocorre nas escolas dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio.

Para que os leitores possam utilizar esses livros para alargar suas possibilidades de formação como cidadãos críticos, criativos e solidários, não basta ter esses livros em uma instituição. “É necessário que haja pessoas qualificadas para armazená-los de maneira organizada e com acesso facilitado, além de promover ações que visem à divulgação desses livros e ofereçam mediações de leitura que corroborem para uma formação estética” (VIEGAS, 2013, p. 9).

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De acordo com Viegas (2013) é possível perceber nos indicadores culturais divulgados pelo IBGE, que mais de 60% das famílias brasileiras tem disponibilidade, em média, de R$ 40,66 para gastos com cultura e lazer, sendo este um valor baixo para poder contemplar a compra de livros, com isso o acesso aos livros através deste programa torna-se relevante quando utilizado de forma planejada, ou seja, a maioria dos leitores brasileiros só conta com esse benefício através das bibliotecas das instituições educacionais. Aponta também que no decorrer dos anos o MEC encomendou pesquisas que tinham o objetivo de avaliar o alcance do programa, bem como apontar seus sucessos e suas falhas para que mudanças acontecessem quando necessárias.

A iniciativa tinha como principal objetivo fazer uma avaliação diagnóstica do programa, apontar seus sucessos e suas falhas para aprimorar a política pública analisada. Além disso, pretendia-se que fosse material formador; ou seja, que dialogasse com os agentes escolares diretamente envolvidos com os acervos distribuídos e seus usuários potenciais, mostrando possibilidades de mobilização dos acervos, a partir do relato de práticas bem-sucedidas, e alertando para as práticas que são desserviços à formação de leitores (VIEGAS, 2013, p. 18).

Outro ponto relevante destacado pela pesquisa é que:

A Região Sul possui a menor taxa de analfabetismo, além de ter o maior índice de escolas com bibliotecas: 58% na região Sul, 11% na região Norte, 9% na região Nordeste, 44% na região Sudeste e 33% na região Centro-Oeste. As escolas em zonas rurais costumam apresentar mais problemas de não recebimento dos acervos (VIEGAS, 2013, p. 19).

As pesquisas apontaram como “pontos positivos”, que através deste programa há valorização da leitura, pois a mesma é vista “como ferramenta para viver na sociedade, como ponte para escrever, conversar e entender melhor, como meio de vivenciar outros “mundos” e também como fonte de prazer” (VIEGAS, 2013, p. 20). Contudo, destaca “pontos negativos” como zelo em demasia pelos livros, chegando os mesmos a permanecer nas caixas para que não se “estraguem”, falta de estrutura para que os livros sejam melhor manuseados, formação precária de pessoas para trabalhar com o acervo, falta de projetos de leitura ou descontinuidade dos mesmos quando há rotatividade da pessoa responsável pelo projeto, falha na divulgação do programa, inclusão nos acervos de coleções de mais nítida identidade cultural e a partir disso, “o programa foi considerado de baixo impacto, pois a precariedade de espaços e práticas é muito mais significativa do que o pequeno incentivo à leitura constatado” (VIEGAS, 2013, p. 22).

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Apesar das pesquisas não apontarem somente pontos positivos “o programa se justifica pela noção de que se apropriar da linguagem escrita pela leitura é um requisito para o exercício da cidadania, além de ser um direito de todos o acesso ao patrimônio artístico-cultural da sociedade” (VIEGAS, 2013, p. 11). Afinal, como já mencionado anteriormente, uma produção literária consente a abertura de um leque de leituras que possibilitam ao leitor, e neste caso na criança, o vir a ser, o constituir-se, congregando uma trama de relações marcada pela experiência de cada ser. Cada leitor faz o seu percurso de leitura focalizando ideias a partir de seus interesses, pois, ainda que se trate do mesmo texto, cada leitura, interpretação, feita por cada leitor sobre o esse texto constitui um texto “diferente”.

Por isso, para esta pesquisa inicialmente foi realizada uma leitura extensiva do conjunto de obras infantis, do PNBE de 2008 com 5 conjuntos contendo 100 livros, de 2010 com 4 conjuntos contendo 100 livros e de 2012 com 4 conjuntos também contendo 100 livros, em bibliotecas escolares (Colégio Donato e Escola Básica Professora Maria Heloísa Prazeres de Farias, ambas no município de Biguaçu e Colégio Aplicação na Universidade Federal de Santa Catarina em Florianópolis) contendo textos e ilustrações de diferentes autores nacionais com indicação para o ensino fundamental; pretendendo com isso selecionar um pequeno elenco que, abordasse questões de identidade, etnia e gênero. A partir da leitura inicial, de forma exploratória, os recortes temáticos foram consolidados e entre os acervos acima mencionados foram escolhidos cinco livros: Maria Mole escrito e ilustrado por André Neves; O Rei Maluco e a Rainha Mais Ainda escrito por Fernanda Lopes de Almeida e ilustrado por Luiz Maia; O Reino Adormecido escrito por Leo Cunha e ilustrado por André Neves; Betina escrito por Nilma Lino Gomes, com ilustrações de Denise Nascimento e Obax escrito e ilustrado por André Neves.

Cabe destacar que esta pesquisa tem relação direta com minha experiência profissional nos últimos anos, pois, durante 2011, a partir de um convite profissional para “organizar” o setor infantil de uma biblioteca municipal, venho desenvolvendo um trabalho que possibilite maior envolvimento das crianças com o mundo da literatura. Neste espaço vem sendo desenvolvidas atividades para as crianças, como contação de histórias e poesias, exposições e exibições de livros pelos próprios autores, realizaram-se algumas parcerias com instituições públicas para apresentações teatrais de adaptações de livros infantis, projetos sociais que buscam na literatura oportunidades para envolver e chamar atenção para assuntos atuais, entre outros que tem contribuído para um repertório rico e variado, aproximando o público do mundo literário.

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Durante essa caminhada no setor infantil da Biblioteca foi desenvolvido um projeto intitulado “A Literatura nos envolve”, projeto que celebrou convênios e parcerias com instituições educativas, editoras, ONGs da região da Grande Florianópolis, com o intuito de proporcionar às unidades educativas, famílias e comunidade “situações” que pudessem estimular o gosto por obras literárias. E isso por acreditar que a literatura, em suas múltiplas possibilidades, pode influenciar o público que lê, fazendo-o viver suas histórias e acreditar em suas representações, pois, trata-se de uma “linguagem de representação, linguagem imagística [...] o meio ideal não só para auxiliá-las a desenvolver suas potencialidades naturais, como também para auxiliá-las nas várias etapas de amadurecimento que medeiam entre a infância e a idade adulta” (COELHO, 2000, p. 43).

Para tanto, essa pesquisa foi organizada em três capítulos, sendo que no primeiro encontra-se a introdução fazendo uma apresentação geral do estudo. No segundo capítulo é traçado breve consideração sobre o percurso histórico da literatura infantil e da infância, também abordando sobre as contribuições da literatura para a formação da criança e a importância das ilustrações nos livros infantis. No terceiro capítulo é realizado um levantamento histórico sobre os Estudos Culturais e sua relação com a literatura no que diz respeito aos temas sociais e culturais contemporâneos, como identidade, gênero e etnia. Encontra-se ainda nesse capítulo as analises dos livros selecionados do PNBE de 2008, 2010 e 2012. Por último indicam-se considerações que pretendem uma síntese final da pesquisa empreendida.

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2 LITERATURA INFANTIL E INFÂNCIA

Uma imagem, assim como um texto escrito, pode apresentar várias camadas de leitura, o que requer daquele que a examina um olhar atento e calmo, uma atenção que poderíamos chamar de flutuante, apta a captar além daquilo que é visto em um primeiro momento.

Graça Ramos

A literatura é uma linguagem específica que expressa uma determinada experiência humana e pode ser entendida como “a arte que expressa o belo e o humano por meio da palavra, ou seja, a literatura é a arte da palavra” (DEBUS e DOMINGUES, 2009, p. 19). Para Frantz (2001, p. 16), “a literatura infantil é também ludismo, é fantasia, é questionamento, e dessa forma consegue ajudar a encontrar respostas para as inúmeras indagações do mundo infantil, enriquecendo no leitor a capacidade de percepção das coisas”.

E ainda segundo Coelho (1991, p. 5), a literatura é:

[...] abertura para a formação de uma nova mentalidade, além de ser um instrumento de emoções, diversão ou prazer, desempenhado pelas histórias, mitos, lendas, poemas, contos, teatro, etc., criadas pela imaginação poética, ao nível da mente infantil, que objetiva a educação integral da criança, propiciando-lhe a educação humanística e ajudando-a na formação de seu próprio estilo.

Cada época compreende e produz a literatura a seu modo, refletindo a singularidade de cada momento da marcha da humanidade em sua constante dinâmica. Seus autores contam histórias de sua época, suas crenças, seus valores, medos, angústias, alegrias, oportunizando aos leitores construir seu amadurecimento cognitivo e psicológico. Assim, “conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e se fundamenta)” (COELHO, 2000, p. 27 – 28).

A história da literatura infantil está atrelada à história da própria concepção de infância. Segundo Amarilha (1999), a palavra infância advinda do latim infantia significa “incapacidade de falar, mudez”, conceito derivado do fato de se considerar que até os sete

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anos a criança era incapaz de falar, consequentemente pode-se agregar por extensão conceitual os sentidos de “ser incapaz de pensar”, “incapaz de expressão”, gerando com isso uma atitude e educação condescendente do ponto de vista intelectual que continuava a diminuí-la, ou seja, era vista como “adulto em miniatura”.

É interessante destacar que, desde a velha sociedade tradicional até o fim da Idade Média havia uma carência do sentido da infância e os textos que circulavam entre as crianças eram somente através da oralidade, pois não existia a presença de material impresso de leitura. A literatura veiculada para adultos e crianças era exatamente a mesma, pois não existia a chamada “literatura infantil”, oral ou escrita, já que esses universos não eram distinguidos por faixa etária ou etapa de amadurecimento psicológico.

A infância não era vista como um período de formação do indivíduo, mas como uma etapa a ser rapidamente ultrapassada para que se tornasse um ser produtivo e contribuísse efetivamente na e para a sociedade (COELHO, 2000).

Richter (apud ZILBERMAN, 1998, p. 40), também estudando a história do conceito de infância, afirma:

Na sociedade antiga, não havia infância: nenhum espaço separado do mundo. As crianças trabalhavam e viviam junto com os adultos, testemunhavam os processos naturais da existência (nascimento, doença, morte), participavam junto deles da vida pública (política), nas festas, guerras, audiências, execuções, etc... tendo assim seu lugar assegurado nas tradições comuns: na narração de histórias, nos cantos, nos jogos.

O período de imaturidade (infância) deveria ser breve, com uma educação tanto rigorosa quanto inibidora da espontaneidade, apenas com o intuito de transmitir os valores do modelo familiar centrado na valorização da vida doméstica, do casamento e da educação de herdeiros.

De acordo com Ariès (1981), o “sentimento de infância” variou conforme o período histórico, sendo mais valorizado em alguns momentos e em outros menos, porém, não significando desprezo. Segundo esse autor, a infância era muito reduzida, quando a criança adquiria certa independência, como andar, falar e comer sozinha era introduzida no mundo adulto e passava a circular nos mesmos ambientes. Com aproximadamente sete anos de idade crianças de classes subalternas eram encaminhadas para aprenderem alguma profissão, adquiriam conhecimentos, principalmente, através do aprendizado prático e pela convivência social, ocupavam o papel de um pequeno adulto. Compartilhavam da vida adulta, dos costumes sociais, hábitos, linguagem, jogos, brincadeiras e festas, independentemente de sua faixa etária.

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Apesar de estarem analisando tempos históricos diferentes, podemos observar também através dos escritos de Walter Benjamin (2002), como eram diferentes os modos de educar da classe burguesa e da classe proletária. Segundo o autor, na educação proletária as crianças sentiam-se mais livres para demonstrarem sua expressividade e aprendiam de maneira voluntária, predominava um estado de alegria, de realização plena da infância. “A pedagogia proletária demonstra a sua superioridade ao garantir às crianças a realização de sua infância” (BENJAMIN, 2002, p.118).

As crianças eram educadas de forma lúdica através do teatro infantil proletário, em que predominava a improvisação em seus atos durante as encenações, originando com isso, autenticidade da arte teatral e consequentemente uma aprendizagem prazerosa. Cada gesto infantil era observado pelo diretor como sinal comunicativo do desenvolvimento da criança, o que para Benjamin (2002), constitui o componente principal para se educar de forma autêntica e eficaz, sem as máscaras da pedagogia.

Benjamin (2002) ressalta ainda que, a educação proletária permitia o desenvolvimento pleno da criança e a valorizava dentro do contexto proletário, ou seja, como uma coletividade. As crianças eram consideradas pela classe proletária uma coletividade tão importante quanto o exército, a fábrica e as assembleias populares. “E é prerrogativa da classe operária prestar a máxima atenção à coletividade infantil, a qual jamais pode adquirir contornos nítidos para a burguesia” (BENJAMIN, 2002, p.115).

Enquanto que, a educação burguesa não era fundamentada na observação dos atos da criança, predominava a variação de métodos pedagógicos e psicológicos, com intenção voltada para correção com autoridade moral e intelectual dos pedagogos. “A disciplina que a

burguesia exige das crianças é o seu estigma” (BENJAMIN, 2002, p.118). As crianças manifestavam, nas salas de aula, cansaço e enfado.

Na análise feita por Ariès (1981), o conceito de infância se deu nas construções sociais de três períodos históricos: na Antiguidade, do século XIII ao século XVIII e do século XVIII a atualidade. No primeiro período, segundo este autor, a criança era comparada a um delicado e querido bichinho de estimação, ou ainda, como já mencionado, era considerada um adulto em miniatura; por não haver distinção entre o mundo adulto e o mundo infantil, a criança “ingressava na sociedade dos adultos” desde cedo. A morte de uma criança pequena, por falta de higiene, por doenças, por fome ou por causa das intempéries, era fato corriqueiro e, apesar do sofrimento da perda, o episódio era tido como banal, possível de ocorrer em qualquer família.

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Num segundo período, século XIII ao XVIII conforme evidencia o teórico Ariès (1981), ocorreu uma mudança na perspectiva de ser criança, inicia-se o processo de constituição da infância; a criança passa a ser o centro das atenções na família, no campo da psicologia, pedagogia e pediatria. A sociedade ao final deste período passa a prezar pela inocência, portanto, separa a criança da vida dos adultos e ela passa a frequentar a instituição escolar, local em que receberá formação.

Por fim, o terceiro período é caracterizado pela consolidação do conceito de infância, tal qual concebido hoje. Ariès (1981) destaca que, neste período, a criança começa a ocupar o lugar central da família devido à sua ligação com a figura dos anjos que são tidos como seres puros e divinos. A infância passou a ser compreendida como uma construção histórica e cultural e não mais como uma fase natural, universal e homogênea. Assim, cada sociedade em determinado tempo histórico atribui determinados significados à fase inicial da vida humana, ou seja, ser criança em diferentes lugares, classes sociais ou épocas é passar por diferentes experiências e poder representar vivências, hábitos, valores muito diferentes. Atualmente no Referencial Curricular Nacional (BRASIL, 1998, p.21) por exemplo “a concepção de criança é uma noção historicamente construída e consequentemente vem mudando ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e época”.

Para Schmidt (1997), ocorreu neste terceiro período o “fenômeno do entusiasmo pela infância no Brasil”, com a preocupação dos intelectuais com a preservação, prevenção e preparação da infância, além da “produção e difusão de diferentes saberes acerca da criança”, ou seja, ela se tornou “o sol do mundo” e passa a ser vista como alguém que possui luz própria e cujos raios possuem utilidade desde que aproveitados de modo adequado, “também passa a ser o centro, em torno do qual poderia girar a sociedade”. E ainda, temos uma visão sobre “criança” ligada ao nosso contexto histórico, social, científico e cultural, em que a infância é respeitada, (na maioria das vezes) habitando um universo delimitado por assuntos escolares, certo vocabulário, certas brincadeiras e certos assuntos. Porém, cabe lembrar que há diferenças quanto às experiências vivenciadas nas relações sociais, econômicas e, também, naquelas individualmente constituídas, de cada ser com relação à infância (traumas, superações, perdas, sonhos, entre outras situações); é necessário levar em conta as tradições, culturas e diferentes concepções de mundo, no contexto de cada um.

Com as novas possibilidades tanto da estrutura social como econômica e familiar, a criança passa a ser pensada como um sujeito despreparado para tal sociedade e com isso

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surge à necessidade de prepará-la para viver, ou seja, escolarizá-la, prepará-la para o futuro, e esse é um olhar que surgiu com a industrialização.

Com o passar dos anos, a criança passa a ser vista como um sujeito que aprende também por meio da brincadeira, pois esta é uma maneira de interagir com o mundo a sua volta, já que ela está sempre aberta para as novidades, esperando saciar suas curiosidades através da interação com os adultos, na escola, na família, com a literatura, entre outros.

É durante este período que surge a literatura infantil, quando o conceito de infância começa a tomar visibilidade, ou seja, a criança passa a ser considerada diferente do adulto, com necessidades e características próprias. Por este motivo, deveria receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta, para sua integração ao mundo, através de um material essencialmente educativo.

Assim, o aparecimento da literatura infantil decorre da ascensão da família burguesa, do novo olhar em relação à infância e da reorganização da escola, já que “antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma consideração especial para com a infância” (ZILBERMAN, 1998, p. 87). E é nesse contexto de transformações que a literatura serviu como um instrumento para ensinar, as histórias passaram a ser usadas a serviço de ações pedagógicas, não possuindo valor de arte literária.

Os estudos sobre a infância tornaram-se significativos, acompanhando a expansão da escolarização, o discurso pedagógico incorporando a relação educação-infância com a valorização da criança. Com estas mudanças de perspectiva em relação à infância, a criança passa a produzir conhecimento e cultura e não ser apenas consumidora do que os adultos consideram adequado (YUNES, 1982, p. 56). A criança passa a ser vista como um ser em formação “cujo potencial deve desenvolver-se em liberdade, mas orientada no sentido de alcançar a maior plenitude em sua realização” (COELHO, 2000, p. 141).

A necessidade de educar a criança, nos moldes da cultura burguesa, abre um campo potencial de produtos culturais, dentre eles o livro e a literatura e, consequentemente, a literatura infantil, produzida em grande escala, tendo como primeiro repertório para infância as fábulas e os contos de fadas. As fábulas e os contos, apesar de terem sofrido alterações conforme as necessidades de cada época, sobreviveram porque na sua origem não foram concebidos como gêneros para crianças, mas como manifestações culturais de diferentes grupos sociais. Para Lajolo e Zilberman (2006), só com o surgimento da categoria infância esses gêneros foram adaptados para educar e foram escritas algumas histórias, tais como: As Fábulas, de La Fontaine, que foram editadas entre 1668 e 1694, As aventuras de Telêmaco, de Fénelon, lançadas em 1717 e Histórias ou narrativas do tempo passado com moralidades,

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publicado em 1697 por Charles Perrault, que vieram a ser caracterizadas como literatura destinada à infância. Recorrendo à história, vimos que o livro e a produção literária para crianças são datados na Europa no final do século XVII, início do século XVIII e, gradativamente, foram expandindo-se e consolidando-se.

O francês Charles Perrault foi responsável pelas primeiras obras de literatura infantil e também pelos contos de fadas, oriundos da oralidade, que relatavam a cultura de seu povo. Seu primeiro livro, publicado em 1697, ficou conhecido como “Contos da Mamãe Gansa”, tendo três histórias: “O Pequeno Polegar”, “As Fadas” e “O Mestre Gato” (também conhecido como “O Gato de Botas”). Seus livros alcançaram públicos de todas as idades e lugares, surgindo assim um novo gênero da literatura, “a literatura infantil”. Os contos de Perrault traziam consigo um cunho moral e foi a partir disso que os contos de fadas ficaram conhecidos pelas crianças. Destacamos também Wilhelm Karl Grimm e Jakob Lwdwig Karl Grimm, conhecidos como os irmãos Grimm; na Alemanha, influenciados pelo romantismo, suas obras tiveram como base as histórias orais populares folclóricas, científicas e camponesas. Outro nome de relevância para a literatura é o de Hans Christian Andersen, dinamarquês que se dedicou a construir obras literárias voltadas para crianças, sempre partindo de uma visão cristã. Nessa época, os leitores desses clássicos eram somente as crianças filhas de nobres, enquanto que os mais pobres só tinham acesso à narrativa oral.

A literatura infantil sempre esteve relacionada às ideologias vigentes em cada período. No Brasil não foi diferente, passando por fases semelhantes às europeias, porém, posteriores cronologicamente, se levarmos em conta, segundo Lajolo e Zilberman (2006), que é somente com a chegada de Dom João VI ao Brasil, em 1808, que o setor editorial e gráfico no país começa a se desenvolver.

As traduções e adaptações dos clássicos infantis europeus foram feitos, marcando o início da circulação de textos destinados à infância no Brasil. Com isso, o livro infantil brasileiro também surge numa relação com a urbanização, o comércio, a industrialização e a propagação da escola como instituição, além do desejo de modernização e desenvolvimento do país.

No Brasil, a literatura destinada ao público infantil começa a se desenvolver sensivelmente; assumindo características brasileiras. E, com isso, a literatura passa por um movimento renovador, “vão-se articular estudos, leituras e análises das mais diferentes naturezas”, tendo como marco histórico Monteiro Lobato (COELHO, 2000, p. 150), que é considerado o grande articulador da literatura como veículo de expressão da criança e não somente da sua educação. Monteiro Lobato é um dos mais influentes escritores que propõe

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uma nova estética para a literatura infantil durante as primeiras décadas do século XX. O gênero começa a se desvincular do cunho ideológico e moralizante e ganha legitimação artística.

Monteiro Lobato escreve seu primeiro livro, A menina do narizinho arrebitado, para o público infantil, tendo como protagonista uma menina. Lobato cria personagens que vão, gradualmente, reestabelecendo o equilíbrio na relação da criança com o adulto via literatura. Como estratégia de aproximação do seu texto com a infância, Lobato cria Emília, que é uma boneca, ou seja, brinquedo relacionado à criança/infância para escapar da censura do adulto, pois não estava referindo-se diretamente para a criança e sim para uma boneca. Lobato escreveu suas obras para crianças por acreditar que só elas poderiam mudar o mundo que precisava de transformações. Em seus livros, aborda questões morais, uma vez que, para ele, a literatura estimula bons sentimentos, que são aperfeiçoados com o tempo, conduzindo o leitor a praticar boas ações, o amor pela justiça e verdade. Uma das características de sua obra é a maneira de misturar o fantástico com o real, aproximando-se de como a criança lida com o mundo.

A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto. O meio de interessá-la é fainteressá-lar-lhe à imaginação. Vive num mundinho irreal e dele só sai para, aos poucos, ir penetrando no das duras e cruas realidades, quando com o natural desenvolvimento do cérebro, a intensidade vai se apagando (LOBATO, 1964, p. 249).

Em seus livros, Lobato demonstra que tanto as histórias contadas quanto as lidas, para as crianças, devem falar sobre o mundo em que vivem e com uma linguagem na qual se comunicam, para tornarem-se atraentes e interessantes. Suas narrativas romperam com a visão eurocêntrica, com a dependência dos modelos estrangeiros, cedendo lugar a uma produção local.

Alguns anos após, nas décadas de 1960 e 1970, há um grande crescimento em relação à literatura infantil brasileira, tanto com um expressivo número de obras, quanto com autores dedicados a escrever para esse público, com a finalidade de divertir, dar prazer, emocionar e também ensinar, transmitir valores e proporcionar conhecimento, destacando assim as funções deste gênero pertencente a duas áreas: arte literária e pedagogia, como afirma Coelho (2000, p. 27), pois, ao mesmo tempo em que tem um papel social a cumprir, também provoca prazer, divertimento, ensina novos modos de ver o mundo, de viver e possibilita o encontro com valores que contribuem para uma formação mais humanística.

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Colaborando com esta ideia, o sociólogo francês Marc Soriano afirma que “ainda que não tenha a intenção de ensinar, o livro infantil ensina”, pois:

[...] por mais simplificado e “gratuito” que seja, aparece sempre ao jovem leitor como uma mensagem codificada que ele deve decodificar se quiser atingir o prazer (afetivo, estético ou outro) que se deixa entrever e assimilar ao mesmo tempo as informações concernentes ao real que estão contidas na obra. [...] Se a infância é um período de aprendizagem [...] toda mensagem que se destina a ela, ao longo desse período, tem necessariamente uma vocação pedagógica. A literatura infantil é também ela, necessariamente, pedagógica, no sentido amplo do termo, e assim permanece mesmo no caso em que ela se define como literatura de puro entretenimento, pois a mensagem que ela transmite então é a de que não há mensagem, e que é mais importante o divertir-se do que preencher falhas (de conhecimento) (apud COELHO, 1993, p. 27).

Ainda neste sentido, a literatura popular oral tinha como objetivo ensinar por meio de exemplos, como através das fábulas, contos de fadas e contos maravilhosos. Há outras características específicas desta literatura que merecem destaque: a presença da fantasia e de personagens maravilhosos, preocupação com aspectos gráficos, ilustrações, diálogo entre texto verbal e visual, linguagem de fácil entendimento, tamanho das letras e do texto, presença do humor e de temas atuais.

A literatura infantil contemporânea, no entanto, de acordo com Oliveira (2007), busca ser diferente das literaturas clássica e tradicional, rompendo com preconceitos, estereótipos e padrões culturais historicamente construídos, dando ênfase a inovações, ao respeito à diferença e à igualdade. Diante das “evoluções” e atenção com a literatura infantil, cresce o prestígio dos autores nacionais, e os títulos brasileiros ganham destaque e são conhecidos internacionalmente, com títulos publicados em todas as línguas do mundo e merecedores de prêmios.

Atualmente contamos com escritores e ilustradores premiados em diversas partes do mundo, como Lygia Bojunga Nunes, que, em 1982, recebeu a Medalha Hans Christian Andersen, concedida pelo IBBY (Internacional Board on Books for Young People) e considerada o Prêmio Nobel da Literatura Infantil pelo conjunto de sua obra, conferido pela primeira vez a um autor fora da Europa ou dos Estados Unidos; e Ana Maria Machado, com dupla vitória - ao repetir a proeza recebendo esse mesmo prêmio em 2000 e assumir a cadeira número “1” da Academia Brasileira de Letras em 2001, avaliado pela escritora como: “uma vitória da literatura infantil”.

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[...] a valorização da literatura como experiência humana, o poder da palavra como construtora, ordenadora do real, lidando com a dialética entre razão e imaginação, aplicando conhecimento do eu em interação com o outro e interpretando o caos moderno como fenômeno de transformação (COELHO, 2000, p. 153-154)

Nelly Novaes Coelho (2000, p. 44-45) afirma ainda que:

[...] toda leitura que, consciente ou inconsciente, se faça em sintonia com a essencialidade do texto lido, resultará na formação de determinada consciência-de- mundo no espírito do leitor; resultará na representação de determinada realidade ou valores que tomam corpo em sua mente. Daí se deduz o poder de fecundação e de propagação de ideias, padrões ou valores que é inerente ao fenômeno literário, e que através dos tempos tem servido à humanidade engajada no infindável processo de evolução que a faz avançar sempre e sempre [...]

Com a literatura é possível que os seres se reconheçam e dialoguem independente de suas ocupações, geografias, das circunstâncias em que se encontram, dos acontecimentos históricos que lhes determinam o horizonte, podem também se defender da estupidez dos preconceitos e racismos. A literatura incita à reflexão e, por esse motivo, pode significar um risco para aqueles que se sentem satisfeitos com a organização do mundo como é atualmente, pois não traz paz ao espírito, mas indagações e angústias. Como afirma Llosa (2009, p.67), “a literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade”. É neste contexto que a produção infantil tem avançado, através de pesquisas e adequações com intenção de levar aos leitores alegria, mobilidade, surpresa, encantamento e acompanhar as transformações sociais, culturais e/ou políticas. O que se pode perceber nas recentes obras literárias, destinadas não a “qualquer” leitor, mas ao leitor que questiona, é a capacidade de imaginar um mundo melhor, que faz críticas diante dos acontecimentos em seu entorno e que procura intervir.

A sociedade livre e democrática requer cidadãos responsáveis, críticos, independentes, difíceis de manipular, em constante efervescência espiritual e cientes da necessidade de examinar continuamente o mundo em que vivemos, para tentar aproximá-lo do mundo em que gostaríamos de viver. [...]. Talvez seja esta a maior contribuição da literatura ao progresso: lembrar que o mundo pode ser melhor, mais parecido com o que a imaginação é capaz de criar (LLOSA, 2009, p. 4).

Desde o seu surgimento até os dias atuais, a literatura infantil, tanto no Brasil quanto no mundo, tem ampliado consideravelmente seu repertório, mostrando-se expansiva, flexível, dinâmica, fenômeno de criatividade, que, através da palavra, aborda assuntos referentes ao mundo, à espécie humana, à vida, tornando-se fonte de fruição não somente para crianças, mas para qualquer pessoa.

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2.1 CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DA CRIANÇA

A literatura tem poder de estimular traços essenciais à formação do indivíduo, tais como: o exercício da reflexão, aquisição de saberes, proposição de indagações ao leitor; a estimulação da curiosidade, incentivo à produção de novos conhecimentos; a apropriação de uma linguagem rica e variada facilitando o uso de expressões adequadas para exposição de ideias; o afinamento das emoções, boa disposição com o próximo, capacidade de penetrar nos problemas da vida, percepção da complexidade do mundo e dos seres; o cultivo do humor, capacitando o ser humano a interagir no mundo de modo criativo e transformador, isso porque “a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (CANDIDO, 2004, p. 180). Segundo Vargas Llosa (2009, p. 67):

[...] a melhor contribuição da literatura ao progresso humano: recordar-nos (involuntariamente, na maior parte dos casos) de que o mundo se acha mal-acabado, de que mentem os que sustentam o contrário - por exemplo, os poderes que o governam -, e de que poderia ser melhor, mais próximo dos mundos que a nossa imaginação e a nossa palavra são capazes de inventar.

E para Oliveira (2007, p. 125):

Os livros infantis, além de proporcionarem prazer, contribuem para o enriquecimento intelectual das crianças. Sendo esse gênero objeto da cultura, a criança tem um encontro significativo de suas histórias com o mundo imaginativo dela própria. A criança tem a capacidade de colocar seus próprios significados nos textos que lê isso quando o adulto permite e não impõe os seus próprios significados, visto estar em constante busca de uma utilidade que o cerca.

A capacidade de percepção da criança através das narrativas e poemas infantis proporciona criar um mundo em que a realidade e a fantasia estarão unidas. A imaginação da criança permite que ela se projete momentaneamente nos personagens, adentrando no mundo da fantasia, para assim vivenciar estreitamente seus sentimentos, organizando seus conflitos e emoções. Desta maneira,

A magia e o encanto que os contos de fadas transmitem até hoje estão no fato de que eles não falam a vida real, mas à vida como ela ainda pode ser vivida, apresentando situações humanas possíveis ou imagináveis [...] os contos não se prendem a contingência do real e veiculam mais de uma significação. Assim, a criança encontra na literatura respostas às questões vividas e as dúvidas típicas de sua faixa etária (De onde vem? Quem imitar? É filho legítimo ou não?…) (AGUIAR, 2001, p. 80 e 81).

As histórias são essenciais na formação de crianças, pois preparam para assimilação das regras, valores e símbolos da sociedade, oportunizam a elaboração de

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conceitos sobre a realidade, compreendendo-a e modificando-a. É importante considerar também que possibilita a expansão da capacidade de comunicação, de compreensão da linguagem e, consequentemente, o acesso aos demais bens culturais. O bom leitor, envolvido numa relação de interação com a obra literária, encontra significado quando lê, procura entender o texto e o relaciona com o mundo à sua volta, construindo e elaborando novos significados do que foi lido.

No entanto, há outro ponto relevante a se observar: os textos literários, bem como os livros dirigidos às crianças, são escritos em grande parte por adultos. De modo que o “livro infantil”, mesmo que dirigido à criança, é de invenção e intenção do adulto, ou seja, pode ter pontos de vista que este (autor) considera mais úteis para os seus leitores. Isso acontece na linguagem e no estilo que o adulto igualmente crê, adequados à compreensão e ao gosto do seu público.

A literatura produzida para atender esse público pode alcançar seus objetivos e benefícios mediante livros que respeitem as necessidades de povoar a imaginação, estimular a curiosidade, divertir, complementar aprendizagens, divulgar informações, desenvolver a criatividade, cultivar o gosto pela leitura, entre outras dimensões. Assim, cabe lembrar as palavras de Lobato:

Há homens que passam a vida sem ler um livro, fora dos escolares, justamente por não terem tido em criança o ensejo de ler um só livro que lhe falasse à imaginação. [...]. Quem começa pela menina da capinha vermelha pode acabar nos Diálogos de Platão, mas quem sofre na infância a ravage dos livros instrutivos e cívicos, não chega até lá nunca. Não adquire o amor pela leitura (LOBATO, 1964, p. 256).

Numa era de tantas tecnologias, convivendo com meios de comunicação rápidos, alusivos e dinâmicos, em que as informações, notícias, músicas, jogos, filmes podem ser trocados por emails, cd's entre outros meios, o lugar do livro parece ter sido colocado em “segundo plano”. É como se o livro fosse “coisa” do passado, na era da tecnologia eletrônica e digital, porém, quem conhece a importância da literatura na vida de uma pessoa, quem sabe o poder que tem uma história bem contada, quem sabe os benefícios que uma “simples” história pode proporcionar, sabe também que não há tecnologia no mundo que substitua o prazer de tocar as páginas de um livro e encontrar em cada uma delas um mundo repleto de encantamento e descobertas, pois “pensar nas crianças e na sua relação com os livros de literatura é pensar no futuro, e pensar no futuro é ter responsabilidade de construir um mundo com menos espaço para a opressão das diferenças” (GREGORIN FILHO, 2009, p.09).

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2.2 AS ILUSTRAÇÕES NOS LIVROS INFANTIS

A literatura infantil contribui de variadas maneiras para o desenvolvimento do leitor, pois o convida a embarcar e conhecer outros mundos através da imaginação, guiando-se pelas palavras e também pelas ilustrações que recheiam as páginas dos livros. Ilustrações estas que podem ter diferentes definições, dentre elas a defendida por Zimmermann (2008, p. 11) como “uma imagem que exemplifica, ornamenta e explica um texto escrito, mas pode ser também uma imagem que o amplia, que adiciona a ele informações, que o questiona ou que o substitui. Muitas vezes é o ponto de partida de uma leitura, que não se encerra nas palavras”.

A criança necessita ser estimulada a refletir e buscar suas respostas diante dos acontecimentos da vida, uma vez que já recebe variadas “coisas” prontas como por exemplo alimentação, brinquedos, materiais didáticos, entre esses até cadernos e livros já desenhados para a criança apenas colorir, isso quando não vem indicando as cores. Assim, o livro infantil torna-se um elemento fundamental em seu universo, e a imagem que é parte integrante desse elemento torna-se essencial para instigar o pensamento, uma vez que as imagens não servem apenas para evidenciar o que lemos no texto, mas para mostrar caminhos, propostas e incentivo a novas leituras. Dessa maneira, “cada livro deveria nutrir a criança de alguma forma – com novas ideias, descobertas, humor ou vocabulário” (AIKEN, 1998, apud ZIMMERMANN, 2010, p. 159), seja através das palavras ou das ilustrações, imagens.

Quanto mais variadas forem as técnicas de desenho utilizadas, materiais, formas de representação, composições e combinações de cores, maior será o repertório de imagens do leitor. Além disso, sendo este estimulado a perceber essas diferenças, é também preparado para uma leitura crítica frente às imagens (ZIMMERMANN, 2010, p. 159).

Sendo assim, as ilustrações presentes nos livros constituem o texto visual e são consideradas uma forma de linguagem que instiga a curiosidade e interage com a criança, ajudando-a a compreender suas necessidades, problemas e aflições na infância. Quando a criança lê um livro transporta ao seu imaginário as histórias e também as imagens que vê, interpretando o livro como parte de seu universo, pois “uma ilustração rica, associada a um texto também rico, estimula a imaginação e a criatividade do leitor” (BIAZETTO, 2008, p. 89).

As ilustrações podem ser consideradas um importante componente mediador no processo de construção do conhecimento, pois cooperam para a aquisição e desenvolvimento da linguagem, fornecem experiências que permitem ir além das vivências do leitor e ainda

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“além do enriquecimento visual, incentivam o espírito criativo da criança na busca de soluções alternativas e no relacionamento com a diversidade” (LINS, 2003, p. 43).

Outro aspecto importante a ser destacado é que são as imagens contidas nos livros que atraem, fascinam e direcionam muitas vezes seus leitores, como sendo um dos fatores principais na escolha de um livro de literatura infantil, pois antes mesmo de explorar o interior de um livro, a criança, cada vez mais exigente em suas escolhas, é atraída pelos recursos visuais e somente depois de observar as figuras é que os pequenos leitores se decidem por ler ou não a história contada pelas palavras.

Assim, a ilustração mesmo “competindo” com tantos estímulos visuais e até eletrônicos, continua chamando atenção e dialogando com o público infantil, podendo também produzir na criança a vontade de ver a mesma imagem diversas vezes, ou seja, não se importando de ver, rever, ir e voltar, ler e reler, porque é diferente em cada uma das vezes, e isso torna a leitura instigante.

Cabe lembrar que a ilustração nem sempre teve essa atenção ou foi vista com a mesma relevância, passando por modificações no decorrer do tempo, pois lhe era atribuída apenas a tradicional função de ilustrar o texto, porém atualmente é possível perceber que imagem e texto são, igualmente, responsáveis pela narrativa. Em certos casos, a imagem toma a frente da narrativa e o texto pouco aparece ou se torna um roteiro. Em outros casos, como no livro de imagem, a narrativa é construída através da imagem, enquanto que a palavra destina-se somente ao título, nome do autor e sinopse, por exemplo.

De acordo com Zimmermann (2008, p. 24), “não há exatidão sobre quais teriam sido as primeiras publicações de livros infantis ilustrados e os nomes de seus ilustradores, devido à falta de registros e o anonimato de muitos profissionais”. Contudo, acredita-se que seus precursores foram os livros religiosos, as cartilhas escolares, principalmente as gramáticas e alfabetos ilustrados, além das enciclopédias.

Já no início do século XX, houve grande variedade de estilos de ilustração, estimulada pelo desenvolvimento tecnológico na área editorial. Também começa a aparecer no Brasil o livro ilustrado por profissionais brasileiros, porém, assim como na Europa, os ilustradores mantiveram seu anonimato, dificultando sua identificação, sendo que muitos desses ilustradores iniciaram suas carreiras como chargistas e cartunistas de jornais e revistas. Somente no final da década de 1960 é que a ilustração começa a ganhar destaque dentro do livro infantil brasileiro, uma vez que busca explorar estilos próprios e fugir de padrões europeus (ZIMMERMANN, 2008).

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Com a necessidade de se expressar através de imagens, nasce o profissional das ilustrações, artistas que se especializaram em ilustrações. Assim como o escritor tem o papel de elaborar discursos usando as palavras, o ilustrador faz o mesmo através de ilustrações, ou seja, conta histórias e estimula emoções das mais variadas no leitor.

A imagem faz parte da história e ajuda a contar essa mesma história. [...] A imagem, portanto, não é uma mera figuração. Ela não está lá para o livro ficar bonitinho. É também uma linguagem. [...] por meio da interpretação do ilustrador, a criança tem a oportunidade de conhecer outras visões da história. [...] a ponto de cada parte de uma imagem poder gerar diversas histórias (LINS, 2003, p. 1).

As imagens podem indicar um ritmo, um movimento para a leitura, até mesmo através de suas cores, que provocam a atenção das crianças. Ilustradores atentos fazem uso desse conhecimento para aprimorar suas técnicas, obtendo resultados harmoniosos usando cores3 quentes, frias e complementares, que possam envolver ainda mais o leitor e a obra literária. Como afirma a ilustradora Fittipaldi (2008, p. 105), “quando há, na leitura esse relacionamento empático entre o ilustrador e o texto, a criação de imagens visuais pode melhor realizar sua potencialidade expressiva, tornando-se mais que uma tradução”.

Contudo, é importante lembrar que, em alguns livros, as ilustrações servem de apelo comercial ou de brindes para mascarar textos pouco ou nada criativos e até mesmo inexistentes. Já nos bons livros de literatura infantil a ilustração assume o importante papel de chamar atenção para determinados “detalhes”, provocar questionamentos, instigar a curiosidade, quem sabe até para alguma descoberta nas entrelinhas das palavras ou em relação a formas, cores e até quanto a desenhos “inusitados”.

As obras literárias são reconhecidamente provocadoras e divertidas e convidam os leitores a uma participação ativa, ou melhor, interativa, pois não fornecem respostas prontas.

Nesse sentido, é válida a reflexão acerca da produção de livros ilustrados para crianças, uma vez que, como qualquer forma de expressão artística, reflete valores, atitudes e conhecimentos pertencentes ao momento histórico, social e cultural em que é criada.

[...] as ilustrações dos livros infantis são elaboradas a partir de um contexto, o qual é formado pela cultura visual presente no universo do ilustrador e da criança, estas mesmas imagens, depois de incorporadas ao livro, também passam a fazer parte destes universos, num processo interativo e recíproco, entrelaçando ilustrador, criança e cultura (ZIMMERMANN, 2008, p. 90).

3 São consideradas cores quentes o vermelho, amarelo e laranja; cores frias o azul e verde azulado; cores complementares: azul x laranja, vermelho x verde, amarelo x violeta.

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A partir dessas referências, percebemos o valor das ilustrações e o quanto estas podem contribuir para uma aprendizagem rica, para a aquisição da linguagem, para o desenvolvimento do desenho a partir da imitação, e para estimulação da imaginação, fornecendo experiências diversificadas, que colaboram para compor o repertório imaginário da criança.

As ilustrações participam da composição estética, percebida em obras de qualidade artística, que também colaboram no sentido de proporcionar experiências profundas que atingem o leitor, causam inquietações e possibilitam o desenvolvimento de novas formas de pensar e experienciar o mundo. A partir dessa possibilidade de “experimentação” da literatura, percebemos um movimento de revitalização, atualização e melhor capacidade de reflexão, não necessariamente de algo novo, mas de algo que possa possibilitar uma aprendizagem mais significativa, profunda, duradoura e prazerosa. E é a partir desse prazer com a literatura que possibilitará ao leitor tornar-se mais “sensível, autônomo e crítico – vida afora; apto, inclusive, ao uso da linguagem nas suas funções mais pragmáticas do cotidiano” (DEBUS, DOMINGUES, JULIANO, 2010, p. 22).

Segundo Coelho (2000), a literatura infantil é arte que expressa com criatividade o mundo, o homem, a vida e, ainda, funde o imaginário e o real, os sonhos e suas possíveis/impossíveis realizações através de palavras e ilustrações.

Referências

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