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Representações da cibercultura em Blade Runner

Jefferson Veras Nunes

Professor do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP)

Rafaela Pereira de Carvalho

Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

Resumo

O presente artigo faz uma análise de Blade Runner com o objetivo de perceber como a cibercultura está representada no filme. Empreende pesquisa bibliográfica acerca do conceito de representações sociais, bem como um levantamento sobre a história do cinema e do gênero de ficção científica. Realiza pesquisa exploratória de abordagem qualitativa, utilizando como método a análise textual e a análise de conteúdo a partir de falas e fotogramas, divididos em categorias como: cidade, globalização e tecnologias da informação. Conclui que a sociedade representada em Blade Runner apresenta tanto características da sociedade do período em que o filme foi produzido, como também de uma sociedade futurista, ao se considerar complexos processos informacionais e comunicativos retratados à época, porém disponíveis à utilização pelos indivíduos apenas partir do século XXI.

Palavras-Chave

Representações Sociais; Cibercultura; Blade Runner.

Abstract

This article analyzes Blade Runner in order to understand how cyberculture is represented in the film. It undertakes bibliographical research on the concept of social representations, as well as a survey on the history of cinema and the genre of science fiction. Conducts exploratory research with a qualitative approach, using textual analysis and content analysis from speeches and frames, divided into categories such as: city, globalization and information technologies. It concludes that the society represented in Blade Runner presents both characteristics of the society of the period in which the film was produced, as well as of a futurist society, when considering complex informational and communicative processes portrayed at the time, but available to use by individuals only from the XXI century.

Keywords

Social Representations; Cyberculture; Blade Runner.

1 Introdução

O cinema surgiu no final do século XIX e desde então muitas mudanças têm ocorrido em sua linguagem, acarretando diferenças nas formas de concepção, transmissão e recepção de seus produtos pelo público. Neste trabalho, analisa-se um filme do gênero ficção científica, intitulado Blade Runner. Tal gênero se caracteriza por suscitar discussões acerca da sociedade, do homem e de suas relações com o desenvolvimento científico e tecnológico. Apesar do fracasso nas bilheterias quando foi lançado, em 1982, Blade Runner é considerado como um dos clássicos da ficção científica.

Em Blade Runner é contada a história da busca de seis replicantes por seu criador na Terra, enquanto são perseguidos por um policial. Ao longo do filme, percebe-se que mais do que uma simples história de perseguição entre homem e robôs, em sua trama são levantados inúmeros questionamentos sobre o que é ser humano e a relação da sociedade com a técnica.

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282 defende que para se analisar um filme há a necessidade de duas etapas importantes a serem seguidas para se compreender seus significados explícitos e implícitos: a decomposição e a interpretação. Para isso, utilizou-se aqui a análise textual e a análise de conteúdo. Na análise textual, o pesquisador considera o filme como um texto, onde são observados elementos do roteiro e dos diálogos entre personagens, procedendo, ainda, a decomposição de imagens, de modo a compreender a estrutura lógica do filme. Por sua vez, na análise de conteúdo, tem-se como finalidade interpretar o filme a partir de sua temática, com o intuito de identificar traços culturais, sociais, estéticos e tecnológicos relacionados à obra.

O filme analisado nesta pesquisa foi filmado durante o ano de 1981 e lançado no verão de 1982, e conta com cinco versões diferentes conhecidas (SAMMON, 1996). Nesta pesquisa, para se analisada foi adotada a versão do final de 2007. A escolha foi feita justamente em decorrência desta não contar com as modicações realizadas pelo estúdio de gravação de maneira a agradar o grande público, contando com vários detalhes que ou foram amenizados, ou extraídos nas primeiras versões. Nesta versão, não existe a narração característica da versão de 1982 e o final não é editado.

Assim, para a escolha dos fotogramas e das falas analisadas, o filme foi assistido várias vezes, aproximadamente 1.320 minutos foram utilizados para o levantamento dos dados. No processo de análise, os fotogramas passaram por um processo de decomposição, onde é feito um resumo da história apresentando a temática e o enredo do filme, necessárias para a análise de conteúdo (PENAFRIA, 2009). A análise foi realizada a partir das categorias seguintes: cidade, globalização e relações entre homem e tecnologia. A criação dessas categorias foi necessária para a compreensão do contexto e da temática do filme.

2 Representações sociais e arte: sobre o lugar do cinema na

sociedade

O termo representações sociais foi abordado por Moscovici em 1961 e 1976 em sua obra La psychanalyse, son image et son public, com a intenção de reorientar os estudos, os objetivos, os problemas e os conceitos da psicologia social (SÁ, 1996). A noção de representação social tem inspiração na concepção durkheimiana de representações coletivas, porém diverge dela em seus esquemas teórico-conceituais. Isto porque, enquanto as representações coletivas de Durkheim se caracterizam como conceitos, a noção de representações sociais defendida por Moscovici encontra-se no nível do fenômeno.

Assim, segundo Moscovici (2003), as representações sociais são concretas e têm dois propósitos principais, a saber: convencionalizar ou dar forma a objetos, acontecimentos e pessoas, o que possibilita ao homem conhecer o que representa o que; além disso, são prescritivas, impõem-se aos indivíduos, sendo coletivamente transmitidas como tradições.

As representações sociais são criadas a partir da interação dos indivíduos entre si, possibilitando que através delas sentidos sejam conferidos à realidade. Uma vez criadas, elas adquirem autonomia e vida própria, conforme assinala o autor, “circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem” (MOSCOVICI, 2003, p. 41). Isto não significa, contudo, que as representações desempenham um papel externo, coercitivo e geral sobre os indivíduos (conforme analisa Durkheim acerca do fato social), mas, sim, que elas surgem e podem desaparecer a partir de mudanças ocorridas na própria estrutura e dinâmica da sociedade.

Da mesma forma que Moscovici (2003) entende as representações enquanto frutos de ações coletivas, em Becker (2009) há a ideia de que todos são produtores e usuários de representações em algum momento. Assim, é justamente a partir do modo como essas

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283 representações são utilizadas que se pode define o papel que o indivíduo estará exercendo num dado momento da realidade, ou seja, se este indivíduo estará atuando como produtor ou enquanto usuário de determinadas representações. Segundo Becker, para os produtores, “as representações assumem a forma de argumentação, uma apresentação apenas daquele material que constitui os aspectos que o produtor quer tornar claros”. (BECKER, 2009, p. 37). Muitos usuários, contudo, recorrem às representações como inspiração à criação e organização de suas próprias ideias e produtos, difundindo-os à sociedade.

Em decorrência disso, a arte tem sido constantemente adotada como forma de representação social. Muitas obras artísticas buscam analisar ou recontar aspectos concretos da vida, reconstruindo, através de suas expressões, determinadas realidades sociais e seus microcosmos. Como exemplo, vale citar o cinema, meio que há tempos tem atraído o interesse das pessoas, mesmo não se sabendo com precisão quando, onde, nem quem realizou as primeiras exibições cinematográficas.

Conforme Costa (2009, p. 18), “não existiu um único descobridor do cinema, e os aparatos que a invenção envolve não surgiram repentinamente num único lugar”, mas a sua criação se deve a uma conjunção de circunstâncias. Sua história se confunde com a história da cultura de atrações do fim do século XIX, a qual também engloba uma parte da história da sociedade. Ainda segundo a autora, “a história do cinema faz parte de uma história mais ampla, que engloba não apenas a história das práticas de projeções de imagens, mas também a dos divertimentos populares [...]” (COSTA, 2009, p. 17).

Na história do cinema, duas exibições públicas de um aparelho cinematográfico são tomadas como marcos de sua apresentação à sociedade. A primeira delas ocorreu em Nova Iorque, onde Thomas Edison apresentou, em 22 de março de 1985, o seu cinetoscópio. Uma década depois, no entanto, foi a exibição que aconteceu em Paris, em 28 de dezembro de 1895, que ganhou notoriedade (MATTOS, 2006), justamente porque é a partir dela que se passou a reconhecer os irmãos Lumière como os inventores desta arte. Como explica Rittner (1965), Auguste Lumière e Luis Lumière construíram um aparelho simples e prático, que fazia o papel de câmera e projetor.

Os primeiros 20 anos do cinema são divididos em duas fases, que de acordo com Costa (2009), são nomeadas como “cinema de atração”, que vai de 1894 até 1906 ou 1907; e a segunda recebe o nome de “período de transição”, indo de 1913 a 1915, momento em que “os filmes passam gradualmente a se estruturar como quebra-cabeça narrativo, que o espectador tem que montar baseado em convenções exclusivamente cinematográficas” (COSTA, 2009, p. 26). Sobre o “cinema de atrações”, Matos (2006) afirma tratar-se de filmes constituídos por breves registros do dia a dia, sobre espetáculos e atualidades. Já no que tange ao “cinema de transição”, testemunha-se o desenvolvimento de narrativas mais complexas.

Um dos responsáveis por essa evolução, segundo Costa (2009), foi D.W Griffith que, a partir de 1915, começou a se notabilizar por utilizar técnicas de montagem avançadas para a época, mostrando o papel importante que o narrador tem na concepção dos filmes para o espectador. Foi nesse período que o cinema passou a ser percebido mais do que mero registro da realidade, caracterizando-se, também, como meio transformador da realidade através de sua linguagem e de sua forma peculiar de suscitar a construção de sentidos (TURNER, 1997).

Do século XIX até os dias atuais, muitas foram as mudanças ocorridas tanto na linguagem do cinema, como em sua indústria, onde formas de produção, distribuição e consumo têm sido constantemente reformuladas para continuar atraindo o interesse das pessoas por suus produtos artísticos. O cinema assim como outros meios de comunicação de massa que utilizam a imagem como produtora de significados, acaba influenciando seu público e de alguma maneira modificando suas vidas. Conforme Bernadet (1985), assim como outras expressões artísticas, o cinema precisa que seu público reconheça seu ar de realidade, sendo o público quem, através de suas emoções, vivenciam as histórias dos filmes como algo

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284 real. Ainda segundo o autor, o cinema é capaz por criar a sensação de que é a própria vida o que se vê na tela; e, mesmo quando sabe-se que não é real, o cinema tem a capacidade de conferir às fantasias alguma realidade (BERNADET, 1985).

Para Turner (1997), a compreensão das narrativas do cinema depende das experiências vividas pelo telespectador, isto significa também que o sucesso ou o fracasso de um filme depende do público que se mobiliza em torno dele. Assim, é necessário que as imagens façam sentido para o público, conectando-se às suas vivências. Essa “impressão de realidade” proporcionada pelo cinema, para Aumont (2009), pode ser identificada de dois modos: o realismo causado pelas linguagens de expressão utilizadas (imagens e sons), associado ao realismo dos temas abordados nos filmes. Para o autor, o desenvolvimento da linguagem cinematográfica é um fator estético e técnico que possibilitou ao cinema que sua representação aludisse ao realismo (AUMONT, 2009).

Os filmes que evocam alguma quantidade e qualidade de realismo através dos seus temas são aqueles que, por meio de suas histórias, levam os indivíduos a pensarem e a analisarem suas próprias vidas, como se elas estivessem acontecendo na própria tela, gerando identificação, mesmo quando se trata de uma ficção, pois, conforme assinala Bernadet (1985, p.13), “no cinema, fantasia ou não, a realidade se impõe com toda a força”.

3 Ficção científica: evocações do presente e do futuro

Os gêneros cinematográficos surgiram como uma forma de intensificar a sensação de realidade criada pelo cinema. Segundo Mattos (2006, p.80), “o filme de gênero é uma forma de expressão coletiva, um espelho voltado para a sociedade, que incorpora e reflete os problemas em comum e valores dessa sociedade”. O cinema como uma prática social não escapa ao ambiente em que ele foi criado. Isto porque o contexto social, cultural e a arte do período sempre serão encontradas em suas obras, uma vez que a construção do cinema depende da relação com a sociedade que o produz (TURNER, 1997).

O cinema como meio de informação e comunicação já foi utilizado para propagandas políticas, como entretenimento e escapismo da realidade, mas, mesmo em momentos como esses, o cinema continua caracterizando-se enquanto uma forma de arte baseada na representação, na imaginação e na realidade. Nesse sentido, a ficção científica, gênero ao qual pertence o filme analisado neste artigo, tem origem na literatura. Segundo Amaral (2004, p.02), tal gênero “nasce no contexto da Revolução Industrial e vem consolidar o imaginário cientificista da época”. Conforme Dufour (2012, p.201), “o cinema de ficção científica é o cinema da modernidade”, justamente por retratar as “paranoias da civilização moderna – com tudo o que isso implica, não só ao nível dos avanços tecnológicos e das suas consequências (das mutações engendradas pelas armas nucleares às modificações do corpo e do espírito do homem), como também no terreno social e político [...]” (DUFOUR, 2012, p.201).

Definir, contudo, ficção científica não se mostra como uma tarefa fácil. Isto porque é comum confundir obras de ficção científica com outros gêneros, tais como horror e fantasia, por exemplo (AMARAL, 2004). Todavia, existem temas que são comuns no âmbito da ficção científica, elencados por Roberts (2000) a partir de categorias como viagens interplanetárias e interestelares, alienígenas e encontro com alienígenas, robôs mecânicos e biológicos (ciborgs), engenharia genética, tecnologias avançadas e realidade virtual; utopias futuristas ou distopias, dentre outros. O autor salienta ainda que, diferente do que muitos acreditam, a ficção científica não está necessariamente relacionada ao futuro. Em muitas situações, ela reflete a realidade atual da sociedade, suas dúvidas e anseios (ROBERT, 2000).

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285 autores está presa ao tempo e à sociedade em que eles vivem”, talvez por isso as classificações dos períodos da ficção científica mudam de acordo com os avanços tecnológicos de um determinado período histórico da sociedade, ajudando, dessa forma, a narrar também a história da ciência ao longo dos anos.

Na história do cinema, relata-se que a ficção científica surge em meados dos anos 1950, contudo, há referências a outras cinematográficas que fazem alusão à ficção científica antes dos anos 1950, como, por exemplo, o filme francês Viagem a lua, de 1902, o qual foi baseado na obra de Júlio Verne (AMARAL, 2004). Em 1927, é lançado na Alemanha, o filme Metrópolis, do diretor Fritz Lang. Segundo Kemp (2011, p.69) “apesar da trama precária, é até hoje uma das evocações mais visualmente impressionantes do futuro já vistas nas telas”. Não é sem motivos que o filme foi utilizado como referência por Ridley Scott para construir a cenografia de Blade Runner (DANGEROUS DAYS, 2007).

Contudo, a ascensão dos filmes de ficção científica na década de 1950 se deve principalmente a uma crise nos estúdios cinematográficos americanos, devido ao surgimento da televisão e com ela a necessidade de se reinventar para agradar a público que estava sendo formado naquele período pelo novo meio. Além disso, após o fim da II Guerra Mundial houve um aumento vertiginoso no desenvolvimento técnico e científico que serviria como fonte para a formulação de roteiros e temas de ficção científica (DUFOUR, 2012).

Para Kemp (2011), foi na década de 1960 que a ficção científica atingiu certa maturidade e começou a se manifestar de outras formas, sendo o grande sucesso dessa década o filme 2001: uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick lançado em 1968. A década de 1970 é marcada pelas grandes produções e recordes de bilheteria. As produções desse período atraiam um público maior, o que levou as pessoas a questionarem o cinema como forma de arte. A ficção científica ganha destaque com as produções de sucessos de diretores como Spielberg, com o filme Contatos Imediatos de 3º grau, e George Lucas, através de Star Wars. Ambos reinventam a forma de produção do gênero. (KEMP, 2011).

Nos anos 1980 a ficção científica é marcada pela continuação das grandes produções da década anterior, bem como o lançamento de dois filmes que impactaram a história do cinema. São eles: ET, um sucesso de bilheterias; e, Blade Runner, tido como um dos melhores filmes de ficção científica já produzidos, na visão de Kemp (2011). Blade Runner constitui-se numa adaptação do livro “Androides sonham com ovelhas elétricas?”, autoria de Philip K. Dick, publicado em 1968, e é, também, um dos precursores do cyberpunk no cinema (SAMMON, 1996).

3 A cibercultura na tela de Blade Runner

Nesta seção, tem-se como objetivo discutir de que maneira a cibercultura é representada em Blade Runner. Desse modo, algumas cenas e falas do filme foram selecionadas e analisadas tomando como ponto de partida a noção de representações sociais de Moscovici (2003) e Becker (2009), assim como a própria noção de cibercultura defendedida por Lemos (2003; 2004a; 2004b; 2005) e Lévy (1999).

Como dito anteriormente, Blade Runner foi baseado num livro publicado em 1968, cuja autoria é de Phillip K. Dick, o qual tem como título Androides sonham com ovelhas elétricas. No livro, Rick Deckard, um ex-policial, tem como missão encontrar quatro androides suspeitos de assassinarem funcionários de uma empresa de engenharia genética, chamada Tyrell Corporation.

Por sua vez, no filme, um grupo de seis replicantes vêm para a Terra com o intuito de encontrarem seu criador Eldon Tyrell, em busca de respostas sobre suas vidas, com a

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286 finalidade, ainda, de lhe pedirem uma prolongação do tempo de vida que os seis têm, já que os replicantes foram criados a partir de um sistema de segurança que lhes garante apenas quatro anos de vida. Esse sistema foi criado porque os cientistas descobriram que depois de um período, os replicantes começam a criar emoções humanas, o que dificultaria diferenciá-los dos humanos e controlá-diferenciá-los. Ao longo do filme assiste-se a uma caçada aos replicantes, enquanto são suscitados, no telespectador, questionamentos existenciais acerca dos personagens.

Do grupo inicial de seis replicantes, dois foram aposentados ao se chocarem acidentalmente no campo magnético da Tyrell. Inicialmente, a caçada aos replicantes restantes fica a cargo de David Holden, que, durante o filme, é atacado pelo replicante modelo de combate Leon, enquanto realizava o teste Voight-Kampff. Os demais replicantes fugitivos são: Zhora, programada para ser uma assassina política; Pris, um modelo militar de prazer; e, Roy, programado para ser líder do grupo. A história do filme se desenrola com a caçada de Deckard em busca dos replicantes, responsável por substituir Holden depois do ataque sofrido. Contudo, no decorrer de sua caçada, Deckard conhece Rachel, uma funcionária da Tyrell Corporation. Na história, Rachel não tem consciência de sua condição de replicante, e acaba se envolvendo sentimentalmente com seu o algoz. Durante a caçada, tem-se ainda a presença constante de Gaff, um agente especial responsável por assegurar total sigilo à operação capitaneada por Deckard; e, Bryant, um chefe de polícia que avisa a Deckard que, além dos replicantes já identificados, ele precisará matar Rachel.

3.1 Análises da cidade

Em um futuro distópico, o crescimento populacional desenfreado e sucessivas guerras acarretam numa espécie de colapso do mundo. O planeta foi deteriorando-se, a poluição tomando conta das cidades, os animais se extinguindo e a chuva tornando-se incessante. É nesse clima que tem início a história de Blade Runner. Assim, para escapar desse ambiente, o homem decide explorar o espaço sideral, com a finalidade de iniciar colônias de exploração como uma solução para os problemas na Terra.

Nesse período, a Tyrell Corporation, através da robótica e da bioengenharia, consegue expandir seus projetos até a criação de androides, nomeados pela própria empresa de modelos Nexus 6. Com o lema “mais humanos do que os humanos”, a corporação cria seres maquínicos que são idênticos aos humanos, porém fisicamente mais ágeis e superiores em força e inteligência. Esses seres são conhecidos como replicantes, e são utilizados em trabalhos perigosos tanto na Terra, como fora dela. Em pouco tempo, no entanto, os replicantes se revoltam com sua condição e se rebelam, obrigando o Estado a adotar, como medida de punição, o seu banimento da Terra, momento em que se decide por enviá-los às colônias espaciais, justamente porque o seu projeto de engenharia lhes permite melhores capacidades de adaptação às diferentes condições de trabalho em outros planetas.

A desobediência a essa lei é punida com a “aposentadoria”, uma espécie de eufemismo criado no filme para aludir ao assassinato de um replicante por algum representante legal do estado. A partir daí, são criadas unidades especiais da polícia para caçar aqueles replicantes se recusaram a abandonar a Terra. Esses policiais são conhecidos como blade runners, e têm como missão aniquilar qualquer replicante que encontrarem.

Logo nas imagens iniciais é possível ter uma ideia do mundo a ser representado pelo filme. A escuridão da noite e a fumaça densa que cobre a cidade é iluminada pelas dezenas de prédios e explosões de fábricas, evocando não só uma ideia de crescimento acelerado e desordenado da metrópole, como também o aumento excessivo da poluição, acarretando em prejuízos à qualidade de vida da população.

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287 Figura 01 - Vista aérea de Los Angeles em Blade Runner

Fonte: Blade Runner(2007)

A cidade apresentada tem também como propósito conduzir o espectador à conclusão de que o uso das tecnologias acarretam mais problemas do que soluções. Desde as primeiras cenas, percebe-se que Blade Runner levanta questões acerca do avanço tecnológico e científico, assim como outras obras de ficção científica do período.

Conforme assinala Becker (2009), as representações narram aspectos da vida em sociedade, logo, ao falar sobre o futuro e suas perspectivas, o cinema não pode deixar de levantar questões pertinentes à sociedade, suas dúvidas, bem como anseios relacionados ao período em que o filme foi produzido. A cidade, em Blade Runner, é tão protagonista quanto seus personagens. Toda a ambientação foi criada com o intuito de dar suporte à ideia da existência de androides quase humanos. A atmosfera hostil faz com que o espectador consiga imaginar que a história do filme ou, pelo menos, uma parte dela, possa ser real. A linguagem cinematográfica e os efeitos criados pelos diretores dão uma sensação de realidade (TURNER, 1997).

Assim como no filme, na cibercultura a cidade desempenha um importante papel, sua estrutura tem sido modificada ao longo do tempo com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Lemos (2004a) coloca que a cidade contemporânea tem suas raízes no imaginário das ficções científicas ao mesmo tempo em que se buscou fugir dos excessos artificiais promulgados pelo próprio gênero. Dentre os responsável pelo visual da cidade de Blade Runner, pode-se assinar a contribuição marcante de Syd Mead. O designer criou uma cidade que pode facilmente ser confundida em alguns momentos com cidades como a Tóquio e a Xangai dos dias de hoje.

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288 Figura 02: Cidade de Blade Runner

Fonte: Blade Runner (2007)

Syd Mead conseguiu visualizar, já naquela época, a importância que alguns países orientais representariam hoje para o mundo, principalmente do ponto de vista tecnológico. Em todas as cenas de Blade Runner, percebe-se características da cultura oriental, sejam em propagandas, letreiros, lugares ou mesmo personagens. É possível associar essa convergência de culturas urbanas como uma representação da globalização (LEMOS, 2005). No filme, a mistura entre diferentes culturas apesenta-se como um aspecto comum da sociedade contemporânea.

3.2 Figuras da globalização

Na cena retratada a seguir, Deckard está sentado em frente a uma loja de produtos tecnológicos, com diversos letreiros neons – escritos a partir de algum alfabeto de origem asiática –, enquanto aguarda atendimento em um restaurante de comida oriental. Apesar de não falar o idioma do atendente, Deckard consegue realizar seus pedidos sem nenhum problema, manuseando utensílios típicos. A globalização tem sido facilitada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, aproximando as culturas e tradições de locais distantes geograficamente, conferindo-lhes traços globalizados.

Em Blade Runner é possível observar também que, no dia a dia dos personagens, há a assimilação de valores que pertencem a diferentes culturas. Se na atualidade essa aproximação está relacionada às novas relações sociais que foram estabelecidas especialmente a partir do uso da internet e das tecnologias de informação, no filme, isso se deve à ocupação de diferentes culturas na cidade onde se desenvolve sua trama, ou seja, a cidade de Los Angeles de 2019. Os letreiros e as propagandas são apenas um dos exemplos da globalização no filme. Além delas, as falas de Gaff também podem ser assinaladas como outro traço da representação de uma cidade global.

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289 desconhecida ao público em geral para falar com o detetive, que finge não entender a conversa e pede ao atendente para traduzi-la. Em poucas palavras, Gaff diz a Deckard que o chefe de polícia Bryant precisa dos serviços dele como caçador de androides.

A linguagem utilizada é denominada cityspeak e foi criada pelo próprio ator, Olmos – responsável por interpretar o personagem Gaff – com o objetivo de ser utilizada como um tipo de dialeto especial da cidade, de modo que representasse a diversidade cultural dos seus habitantes. Dessa maneira, o ator decidiu aprendeu algumas frases aleatórias em alemão, húngaro, francês e esperanto para poder criar o cityspeak, mesclando-as com base no que acreditava que as pessoas deveriam falar na cidade de Blade Runner (DANGEROUS DAYS, 2007).

Em diferentes cenas do filme, observa-se um ou outro personagem fazer uso dessa linguagem, porém, não com a mesma fluência de Gaff. A utilização da linguagem demonstra a cultura global da cidade. Durante a caçada de Deckard aos replicantes, há situações onde é possível notar as múltiplas culturas que permeiam a cidade, tais como um mercado com negociantes supostamente de origem árabe, um grupo de punks que transita na rua, monges etc. É possível associar a cidade de Blade Runner à cidade-ciborgue descrita por Lemos (2004b), uma cidade que permite interações entre culturas variadas, constituindo-se num ambiente onde o fluxo informacional é constante, e a reconfiguração do tempo e do espaço ocorrem com a mesma fluidez em que as mudanças tecnológicas acontecem.

3.3 Relações entre homem e tecnologia

Na figura a seguir, pode-se perceber Holden – o primeiro blade runner designado à caçada dos replicantes – iniciando a realização do teste Voight-Kampff com o replicante Leon. O Teste Voight-Kampff é de cunho psicológico e tem como propósito diferenciar os replicantes dos seres humanos a partir de suas respostas às perguntas que lhes são direcionadas, levando em conta a existência ou não de reações emocionais. Nele, o entrevistador conta com o auxílio de uma máquina que examina a dilatação da pupila do entrevistado. De acordo com os comportamentos apresentadas, são detectados os níveis de empatia dos sujeitos submetidos ao teste.

No interrogatório de Leon, observa-se um processo de distanciamento das relações face a face. Mais do que analisar os movimentos oculares e as reações da retina de Leon, o papel da máquina neste interrogatório é mostrar como as relações humanas têm sido modificadas ao longo do tempo a partir da técnica. Em um mundo onde as máquinas estão no centro dos negócios e fazem parte da vida humana, buscar mediar relações, criar vínculos ou desfazê-los utilizando máquinas é apenas mais um aspecto da cibercultura.

Para Lemos (2003), a cibercultura possibilitou ao homem a percepção de que existem diversas formas de sociabilidade. As relações através das tecnologias, entretanto, não atuam como substitutas das relações sociais, face a face, mas acrescentam variadas possibilidades de interação às relações humanas. Assim, além de expor outras formas de relações sociais, a utilização de uma máquina para analisar a humanidade de Leon tem o intuito de torná-lo menos humano, erigindo barreiras entre a condição humana do entrevistador e a condição de máquina de Leon. As relações mediadas pelas tecnologias indicam outro aspecto importante da cibercultura que é possível ser identificado em Blade Runner.

Na imagem abaixo é retratado o momento em que, durante a caçada por um dos replicantes, Deckard entra em contato com Rachel para falar sobre o incidente em que ela teve certeza sobre sua origem androide. Deckard não conseguia compreender as dúvidas que acometiam Rachel, assim como os sentimentos que a acometiam, uma vez que, sendo

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290 máquina, ela não deveria ser dotada de qualquer tipo de emoção. No bar, o detetive nota que sua atitude constrangeu Rachel e realiza uma videoconferência para lhe pedir desculpas.

Figura 03 - Ligação para Rachel

Fonte: Blade Runner (2007)

Além de mais um exemplo do uso de tecnologias mediando relações, um ponto de interesse nessa cena é a utilização de um tipo de telefone público para realizar uma chamada de vídeo, o Vid-Phon, como podemos ser visto no fotograma. A chamada de vídeo no filme tem como intuito a aproximação entre os dois personagens, diferente do teste Voight-Kampff, que tem como finalidade separar entrevistador e entrevistado. Essa prática comunicacional é apenas mais uma dentre as muitas que marcam as mudanças no cotidiano da sociedade na cibercultura.

Vale ressaltar que no período em que o filme foi feito, início dos anos 1980, as chamadas de vídeo sofreram mudanças e desenvolvimentos significativos, mas ainda estavam longe de se caracterizarem como se conhece atualmente, tampouco de terem a mesma facilidade em serem utilizadas pelos indivíduos.

Em 1980, a tecnologia para chamadas de vídeo já existia, porém, a qualidade das chamadas ainda era baixa e relativamente cara, já que a internet estava no processo de “popularização” que foi possível testemunhar a partir dos anos 1990. Atualmente, existem diversas plataformas e aplicativos para realização de chamadas de vídeos. De certa forma, ao se passar na cidade de Los Angeles de 2019, o filme consegue abordar elementos do cotidiano informativo e comunicacional, bem como algumas das relações sociais advindas com a cibercultura, com a internet e com as novas tecnologias de informação e comunicação evidenciadas no século XXI.

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291 Figura 04 - Tecnologias de localização em carros

Fonte: Blade Runner (2007)

No fotograma acima, Deckard está sendo transportado até o escritório do chefe de polícia Bryant. Para dirigir, Gaff utiliza conta com o auxílio de um sistema de localização geoespacial, via satélite, através de comandos de voz. Em 1980 esta tecnologia ainda estava em desenvolvimento pelos militares. O sistema de localização por satélites só foi declarado operando de forma plena na década de 1990. Nesse ponto, é interessante destacar que filmes do gênero de ficcção científica buscam estar constantemente em consonância com as descobertas científicas e tecnológicas.

Amaral (2004), por exemplo, assinala que, a partir de 1938, os autores de ficção científica começaram a se preocupar cada vez mais em conhecer os avanços em ciência, tecnologia e inovação. De certa forma, esse interesse foi responsável por alimentar a ideia de que a ficção científica pareça prever o futuro, ou, pelo menos, representar uma parte do que ainda se encontra em desenvolvimento por setores ligados à pesquisa científica. Vale ressaltar também que a ficção científica, por diversas vezes, influenciou pesquisadores, justamente porque o imaginário construído em torno e a partir dela está relacionado não apenas aos avanços tecnológicos em si, mas às possibilidades de uso, estudos ou aprimoramentos advindos de determinada descoberta científica.

Assim, não faltam exemplos da influência da ficção científica no mundo real, especialmente no que pode ser chamado de cibercultura. Conforme afirma Lemos (2001), a própria ideia de ciberespaço surgiu inicialmente na literatura de ficção científica, mais especialmente a partir do subgênero cyberpunk. O termo ciberespaço apareceu pela primeira vez no livro Neuromancer, publicado em 1984, cuja autoria é de William Gibson, e depois passou a ser amplamente utilizado pela sociedade. Segundo Lévy (2009, p. 92), o ciberespaço pode ser definido como um “espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”, o qual “consiste de uma realidade multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que funcionam como meios de geração de acesso” à informação.

Numa das cenas do filme, Deckard analisa a fotografia que encontrou no apartamento de Leon, utilizando um aparelho que pode ser descrito como uma mistura de computador, videocassete e impressora. Todas as ações do detetive para analisar a foto são transmitidas ao “leitor de fotografias” por comando de voz. Assim, de acordo com os comandos de Deckard, o aparelho analisa todas as nuances da imagem, ampliando e recortando pedaços da fotografia, até o detetive poder encontrar aquilo que considerava importante à caçada aos

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292 replicantes, permitindo-lhe imprimir uma nova foto ampliada a partir do recorte que lhe interessava.

Para Sammon (1996), esta cena foi um dos principais motivos para o sucesso do filme depois que ele saiu do cinema. À época, o videocassete estava se popularizando, e como o filme utilizava um aparelho parecido, as pessoas acabavam se identificando com esta ferramenta tecnológica utilizadas no filme.

Além de misturar tecnologias com as quais o público podia se identificar, essa cena antecipa aspectos da complexa relação entre homem e técnica, a qual tem se intensificado cada vez mais. Em um diálogo na Tyrell Corporation, Rachel questiona Deckard sobre o que ele pensa das tecnologias desenvolvidas pela empresa, como pode ser visto adiante:

Tabela 02 - Diálogo Rachel e Deckard

Rachel Parece achar que nosso trabalho não traz benefícios ao público.

Deckard Os Replicantes são como qualquer outra máquina: um benefício ou um risco. Não tenho com que me preocupar se forem um benefício.

Fonte: Blade Runner (2007)

A partir do diálogo entre os personagens, pode-se notar que, para Deckard, as tecnologias são válidas desde que não tragam nenhum risco a vida humana, esse pensamento de Deckard, vai de encontro ao pensamento de Lévy (2009) sobre o impacto das tecnologias na sociedade. Para o autor é equivocado pensar que as técnicas e as tecnologias têm um impacto na vida em sociedade, pois elas foram criadas, utilizadas e reestruturadas pelo homem, sendo então mais válido pensar que essas tecnologias como fruto da sociedade e da cultura, e que a forma como o homem as utiliza é que causam um impacto na sociedade.

Para Levy (2009), uma das dificuldades encontradas em se estudar as influências da utilização das tecnologias de informação na vida cotidia diz respeito à velocidade com a qual elas se modificam. Em Blade Runner, a relação homem e tecnologia é marcada por uma ambiguidade entre o uso cotidiano das tecnologias por parte da sociedade, ao mesmo tempo em que esta mesma sociedade se sente ameaçada pela possibilidade dos replicantes terem vida própria, pensarem e criarem emoções.

A partir de J. F. Sebastian é possível perceber como se processa essa relação ambígua da sociedade de Blade Runner com as tecnologias. J. F. Sebastian é um designer genético, trabalha na Tyrell Corporation e foi inspirado em um personagem do livro “Androides sonham com ovelhas elétricas?”, batizado como J. R. Isidore. O personagem de Blade Runner, contudo, é fascinado pelos replicantes que ele próprio ajudou a construir. No diálogo a seguir é possível observar o modo como J. F. Sebastian se aprazia dos replicantes:

Tabela 03 - Diálogo J. F. Sebastian, Roy e Pris Roy Por que está nos encarando, Sebastian?

J. F. Sebastian Porque… são muito diferentes. J. F. Sebastian São tão perfeitos!

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293

Roy Sim.

J. F. Sebastian De que geração?

Roy Nexus 6.

J. F. Sebastian Eu sabia!

J. F. Sebastian Trabalho com engenharia genética para a Tyrell Corporation. J. F. Sebastian Há um pouco de mim em vocês. Mostrem alguma coisa.

Roy O quê?

J. F. Sebastian Qualquer coisa.

Roy Não somos computadores, Sebastian. Somos corpos físicos. Pris Penso, Sebastian...logo existo.

Fonte: Blade Runner (2007)

Neste diálogo é possível perceber como J. F. Sebastian distingue os replicantes dos humanos. Para o personagem, apesar da aparência humana, os replicantes são máquinas que podem fazer truques. Roy, no entanto, o corrige e explica que eles, replicantes, não são meros computadores; por sua vez, Pris complementa Roy, recorrendo à máxima de Descartes, indicando sua humanidade para J. F. Sebastian. Ainda nesta cena, Pris faz cambalhotas e coloca a mão em água fervente para mostrar a J. F. Sebastian alguns dos truques que ele queria, mas esses truques têm o intuito de assinalar que os replicantes, além de serem capazes de pensar, podem fazer coisas que o próprio J. F. Sebastian jamais poderia, enfatizando, assim, sua condição andoide ou mesmo cyborg.

Para Lemos (2003), a ideia de cyborgs faz parte do imaginário da cibercultura, e pode facilmente ser visualizada hoje em dia, talvez não como foi imaginado na ficção científica, como uma máquina que se parece demasiadamente com o ser humano, mas na utilização de diversas tecnologias que auxiliam cada vez mais a medicina, assim como pequenas modificações no corpo humano com a utilização de nanotecnologias, próteses ortopédicas que visam melhorar a vida de pessoas com suas funções físicas comprometidas.

Os replicantes não se veem como máquinas, mas, sim, como humanos. No entanto, assim como os humanos, eles também têm o desejo de prolongarem suas vidas. A vontade por mais tempo para viver foi o principal motivo do retorno dos replicantes à Terra em busca de seu criador. Devido a efemeridade de suas vidas, os replicantes, em Blade Runner, utilizam obsessivamente fotografias para registrar suas lembranças e suas memórias. Para eles, a eternização de um momento prova ao mundo sua existência, o que eles viveram e que suas vidas importam. Em vários momentos do filme, Roy demonstra em seu discurso uma busca excessiva por humanidade, bem como um desejo íntimo de que as pessoas compreendam sua vida e suas experiências na Terra.

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294 Figura 05 - As fotos dos replicantes

Fonte: Blade Runner (2007)

Nesta cena Deckard explora o quarto de hotel em que Leon morava. Enquanto vasculhava as gavetas, Deckard encontra várias fotos de Leon e de sua companheira Zhora. Do lado de fora do apartamento, Leon observa o detetive em seu quarto, momento em que Roy chega e questiona se Leon conseguiu apanhar suas preciosas fotos.

A obsessão dos replicantes por fotos que registrem suas vidas significa a busca por uma representação social, por uma tradição, por uma cultura. Através dessas representações, os replicantes almejam construir uma realidade nova para si e ter algum controle sobre os acontecimentos de suas vidas, já que esse direito nunca lhes foi dado.

Tabela 04 - Diálogo Pris e J. F. Sebastian

Pris Mora aqui sozinho?

J. F. Sebastian Sim, moro bem sozinho atualmente. Pris Não há falta de habitação por aqui. J. F. Sebastian Há espaço para todos.

Pris Deve se sentir sozinho aqui, J. F. J. F. Sebastian Não muito. Faço amigos.

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295 J. F. Sebastian É um hobby. Sou engenheiro genético.

Fonte: Blade Runner (2007)

Para J. F. Sebastian, viver solitário não é um problema em si, na verdade, isto até faz parte de seu cotidiano. Sua companhia são seus brinquedos. As novas ferramentas comunicacionais que surgiram na cibercultura geraram novos modelos de relações sociais, mediadas principalmente pelas tecnologias de informação. Essas novas formas não extinguiram o relacionamento face a face, porém, como colocou Lévy (2009), as pessoas têm a possibilidade, cada vez mais, de se relacionarem à distância, através das redes digitais. Para Lemos (2004b), na cibercultura os indivíduos estão acostumados a se deslocarem pelos espaços conectados com seus aparelhos eletrônicos de tal modo que essa individualização passa despercebida.

4 Considerações finais

As discussões sobre o cinema como forma de representação social trazem consigo inúmeros questionamentos acerca do status do cinema como mercadoria e produto de entretenimento. Ao longo de sua história, contudo, o cinema tem se modificado e, apesar do seu aspecto comercial, mantém essência, que é a transmissão da realidade – seja ela uma fantasia ou não.

Ao longo do presente estudo percebeu-se que, mesmo naquelas histórias ficcionais, tenta-se dotar determinada obra de arte de impressão de realidade. Se analisa nessa perspectiva, o cinema pode ser visto como parte integrante de um sistema de criação e recriação de representações, o qual recorre à imagem para transmissão de significados.

A sociedade representada em Blade Runner não se constitui enquanto um reflexo simples e direto de sua própria época histórica, mas, sim, de uma parcela de mudanças sociais e políticas advindas do desenvolvimento científico e tecnológico vivenciado até então. Assim, a sociedade retratada no filme apresenta tanto características do período histórico em que o filme foi produzido, como contém traços de uma configuração social que estaria por vir. Isto porque em Blade Runner também são evocados elementos de um imaginário coletivo construído por meio da ficção científica para representar o que venha a ser o futuro.

No que diz respeito ao objetivo deste artigo – qual seja, discutir como a cibercultura é representada em Blade Runner –, considera-se que ele foi atingindo no decorrer da análise do filme, onde foi possível identificar algumas características da cibercultura. Assim como na cibercultura, as tecnologias, em Blade Runner, possibilitam ao homem a idealização de uma sociedade global, onde se vive uma convergência entre meios e culturas. Tanto na cibercultura, como em Blade Runner, a cidade e as práticas urbanas são reconfiguradas na medida em que as tecnologias passaram a ser utilizadas em larga escala, dando início a novas formas de mediações sociais.

Desse modo, conclui-se que o cinema se mostra como um meio que favorece a construção e ressignificação de representações sociais e valores estéticos, aos quais os homens podem utilizar para dar sentido à realidade. A análise de Blade Runner possibilitou visualizar a representação do imaginário da cibercultura numa sociedade onde esse fenômeno começava a desenhar sua estrutura com todas as incertezas e anseios quanto às transformações sofridas por ela mesma, além da idealização de como essas mudanças podem afetar o homem e a sociedade em sua relação com a técnica.

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Referências

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