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DANÇA E IDENTIDADES: POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE AFIRMAÇÕES IDENTITÁRIAS NA DANÇA EM ARACAJU

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE DANÇA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA

CAROLINA ANGÉLICA DANTAS NATURESA

DANÇA E IDENTIDADES:

POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE AFIRMAÇÕES

IDENTITÁRIAS NA DANÇA EM ARACAJU

Salvador

2010

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DANÇA E IDENTIDADES:

POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE AFIRMAÇÕES

IDENTITÁRIAS NA DANÇA EM ARACAJU

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Dança da Uiversidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Dança.

Orientadora: Profª Drª Isabelle Cordeiro Nogueira

Salvador

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

N173d

Naturesa, Carolina Angélica Dantas

Dança e identidades: possibilidades de construção de afirmações identitárias na dança em Aracaju / Carolina Angélica Dantas Naturesa. – Salvador, 2010.

140 f.: il.

Dissertação (Mestrado em Dança) – Programa de Pós- Graduação em Dança, Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, 2010.

Orientadora: Profª. Drª. Isabelle Cordeiro Nogueira.

1. Dança. 2. Dançarinos (SE). 3. Identidade. 4. Política cultural. I. Título.

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DANÇA E IDENTIDADES:

POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE AFIRMAÇÕES

IDENTITÁRIAS NA DANÇA EM ARACAJU

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Dança, Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 21 de junho de 2010.

Banca Examinadora

Isabelle Cordeiro Nogueira – Orientadora ______________________________________ Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Universidade Federal da Bahia.

Jussara Sobreira Setenta ____________________________________________________ Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Universidade Federal da Bahia.

Lilian Cristina Monteiro França ______________________________________________ Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Universidade Federal de Sergipe.

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À memória dos meus pais.

Aos meus dois grandes incentivadores: Ivanete Dantas de Jesus.

Jim Silva Naturesa.

Às companhias que deram o sentido principal desta pesquisa: Cia Contempodança.

Espaço Liso Cia de Dança. Cubos Cia de Dança.

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia pela acolhida do meu anteprojeto de pesquisa, e por colaborar na construção da Dança como área de conhecimento no espaço acadêmico do país.

À Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia pela oportunidade de circular em seus corredores, participar de suas aulas, compartilhar suas ideias e ideais e todas a performatividade que pulsa neste lugar.

Às professoras do PPGDAN tão queridas e admiradas, doando opiniões, conselhos e amizades: Adriana Bittencourt, Jussara Setenta, Fabiana Britto.

À minha orientadora Isabelle Cordeiro, por ter oportunizado importantes opiniões e observações no processo de pesquisa e de escrita deste texto.

Aos colegas tão queridos da turma de Mestrado em Dança do ano de 2008, em especial aos que construí uma especial amizade: Kelly Bonfim, Lia Sfoggia e Jorge de Paula.

Ao Núcleo de Dança da Universidade Federal de Sergipe por ter me recebido como professora durante o ano de 2009, nos períodos de 2009∕1 e 2009∕2, construindo importantes ligações, conhecimentos e especialmente amizades, me possibilitando um feliz e frutífero início de docência no ensino superior.

Aos alunos das turmas de Tópicos Especiais em Dança I e Oficinas em Técnicas de Dança I da graduação em Dança Licenciatura da Universidade Federal de Sergipe pelas importantes discussões e contribuições sobre dança, ensino de dança e dança contemporânea.

Aos professores e amigos Jussara Tavares e Genésio Santos por acreditar em mim como artista, pesquisadora e professora.

À amiga, colega e parceira Klely Perelo pelas trocas, aproximações, conhecimentos, concordâncias e discordâncias, construindo uma das mais importantes amizades desse período.

Às amigas-artistas-professoras tão especiais nesses processos de (re)descobertas acadêmicas, artísticas e profissionais, e as quais se tornaram mais importantes do que nunca: Polyana Vieira, Carolina Vaz.

Aos artistas, professores de dança, companhias e grupos que me receberam para as entrevistas: Dorinha Teixeira, Lindolfo Amaral, Bosco Torres, Cia Danç‟Art de Sergipe (Cleanis Silva), Nós em Cia Grupo de Dança (Sidney Azevedo), Rosa Negra Grupo de Dança (Renata Carvalho), Moema Maynard, Alisson Couto.

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O tipo de entendimento em que a comunidade se baseia precede todos os acordos e desacordos. Tal entendimento não é uma linha de chegada, mas o ponto de partida de toda união.

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Esta pesquisa introduz discussões acerca do contexto da dança na cidade de Aracaju na década de 2000, evidenciando o surgimento de novas perspectivas, principalmente em relação às buscas por identidades travadas por novas companhias de dança contemporânea da cidade, como a Cia Contempodança, a Espaço Liso Cia de Dança e a Cubos Cia de Dança. O presente trabalho apresenta questionamentos sobre a dança aracajuana e suas formas de organização para compreender a possibilidade de formação de um tipo de comunidade de dança que responda aos anseios dos artistas de dança da cidade que passam a questionar sobre suas formas de organização e produção em dança. Seus discursos identitários também se modificam a partir das relações existentes entre a dança e o contexto da cidade, com suas constantes mudanças. Estes discursos identitários demonstram uma carência de ações em comum que possam representar e responder aos anseios da área de dança da cidade. Como referências para estas discussões, a pesquisa trouxe Santos¹ (2006; 2008) e Hall (2006; 2008), com os debates sobre identidades, localidade e diversidade cultural. Bauman (2005) complementa as discussões sobre as questões trazidas pelos discursos das identidades e também embasa as discussões acerca das comunidades (Idem, 2003). As discussões sobre dança, criação, contexto e historicidade da dança são trazidas por Britto (2008). Foram realizadas entrevistas diretas com os integrantes de grupos de dança, além da observação direta de ensaios e apresentações.

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This research introduces discussions concerning the context of the dance in the city of Aracaju in the decade of 2000, evidencing the appearance of new perspectives, mainly in relation to the searches for identities locked by new companies of contemporary dance of the city, like Cia Contempodança, The Espaço Liso Cia de Dança and the Cubos Cia de Dança. The present work presents questions on the dance of Aracaju and their organization forms to understand the possibility of the formation of a type of dance community that acts and answer to the artists' of dance of the city longings that start to question about their organization forms and production in dance. Their identity speeches also modify starting from the existent relationships between the dance and the context of the city, with their constants changes. These identity speeches demonstrate a lack of actions in common that can act and to answer to the longings of dance of the city. As references for these discussions, the research brought Santos¹ (2006; 2008) and Hall (2006; 2008), with the debates about identities, place and cultural diversity. Bauman (2005) complements the discussions on the subjects brought by the speeches of the identities and it also bases the discussions concerning the communities (Idem,2003). The discussions on dance, creation, context and historicity of the dance are brought by Britto (2008). Direct interviews were accomplished with the members of dance groups, besides the direct observation of essays and presentations.

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1. INTRODUÇÃO ...07

2. A DANÇA COMO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA ...13

2.1 A IDENTIDADE COMO UM PROBLEMA ...17

2.1.1 Identidade como realidade local ...17

2.1.2 Globalização e semiperiferia ...26

2.1.3 (A)Diversidade e trocas culturais ...33

2.2 IDENTIDADES E COMUNIDADE - POSSIBILIDADES DE COEXISTÊNCIA ...36

3. O CONTEXTO ARTÍSTICO DE ARACAJU: A COMUNIDADE COMO POSSIBILIDADE IDENTITÁRIA ...43

3.1 A DANÇA ARACAJUANA: UM CONTEXTO EM VIAS DE ATUALIZAÇÃO ...44

3.1.1 As novas companhias e os seus discursos identitários ...64

Companhia Contempodança ...65

Espaço Liso Companhia de Dança ...67

Cubos Companhia de Dança ...70

O contexto da dança e o discurso ...72

3.2 NOVAS PERSPECTIVAS - ORGANIZAÇÃO E PENSAMENTO DE DANÇA ...79

4. REFLEXÕES FINAIS - PARA ALÉM DAS EXPECTATIVAS ...86

REFERÊNCIAS

APÊNDICES

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1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa está inserida na linha de Estudos de Processos do Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia. O presente trabalho pretende contribuir no campo de pesquisas acadêmicas na área da Dança neste programa de pós-graduação, assim como para a área da dança no país, e especialmente, para a área da dança no Estado de Sergipe, já que este texto trata de questões relevantes e reflexivas para a dança na cidade de Aracaju. O que é considerado fundante para o desenvolvimento desta pesquisa são as especificidades de atuações de grupos de dança na primeira década de 2000, mais especificamente, a partir da sua segunda metade.

A proposta desta pesquisa é discutir por quais motivos discursos de identidade estão surgindo em formações de novas companhias de dança nos últimos anos no contexto de dança de Aracaju. Essas temáticas percorrem o atual contexto de dança da cidade, mais especificamente, incidem sobre atividades de alguns grupos de dança, os quais se reconhecem como pertencentes às linhas de trabalhos artísticos denominados contemporâneos.

As atuações dessas novas companhias de dança contemporânea da cidade vêm procurando construir identidades dentro de um contexto que ainda não evidencia proximidade entre si em ações de dança realizadas nos últimos anos, mas, ao que parece, tendem a convergir. Diante dos estudos realizados nesta pesquisa, com observações sistematizadas e entrevistas com artistas de dança aracajuanos, revelam-se considerações sobre as principais contingências da dança aracajuana, dentre elas: motivações artísticas, entendimentos sobre o contexto da cidade e, principalmente, sobre os processos de construção da dança, levando ao entendimento sobre as razões pela qual a dança da cidade vem passando por algumas intenções de mudanças, sendo que algumas destas transformações já estão em curso e serão explicitadas no decorrer desta dissertação.

Uma observação cuidadosa sobre estas transformações contextuais indicam que as mais recentes criações artísticas em dança de Aracaju são como um sintoma de uma busca por uma

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identidade própria de artistas e grupos de dança da cidade dentro de um contexto em aparente processo de transformação. Estes sintomas vêm de buscas por identidades próprias tanto como companhias de dança e como produção artística de dança contemporânea. E independente de suas características estéticas, as semelhanças quanto aos discursos de alguns grupos emergentes da cidade tendem a aproximar-se entre si, tanto em intenções quanto em atuações, mostrando que existe uma possibilidade de ação em comum na nova dança da cidade, o que pode levar a ações mais poderosas, beneficiando um número ainda maior de grupos e companhias de dança existentes e ainda por surgir. Assim, por um contexto de dança mais produtivo, as ações podem vir a se transformar, se fortificado e se engajando com a cidade por meio do compartilhamento de ideias..

Sem ainda ter uma prática profissional garantida por infra-estruturas físicas de apoio e manutenção de grupos, bem como superestruturas políticas e sociais que retro-alimentem a produção e circulação de bens imateriais, como no caso da cultura e da arte, a dança na cidade de Aracaju atua de maneira restrita e sazonal, ficando muitas vezes aprisionada à mostras e festivais de dança locais, ambos vinculados à academias particulares de dança, ou a iniciativa de alguns coreógrafos e grupos independentes da cidade. Como veremos a seguir, este contexto vem se modificando também com o surgimento do Curso de Dança em nível de Graduação pela Universidade Federal de Sergipe1 – UFS. Contudo, no atual contexto aracajuano, poucos são os trabalhos de dança de grupos e companhias independentes que circulam em outros tipos de festivais e mostras nacionais de dança, o que acaba dificultando o desenvolvimento de suas próprias linguagens, expressões e modos de criação, por falta de trocas e interlocuções com outras formas de processos e configurações em dança com os quais se identificam ou poderia se identificar artisticamente.

O que se observa é que as participações destes artistas nos espaços de apresentação de mostras e festivais de dança independentes, onde os grupos, em sua maioria, não procura por profissionalização, acabam por gerar coreografias com formatos que não correspondem às suas expectativas artísticas. Isso indica a necessidade de elaboração de outros tipos de formatos coreográficos, diferentes daqueles montados para estas apresentações, os quais irão demandar mais tempo de trabalho, empenho e pesquisa artística dessas companhias para que possibilite as construções almejadas. Ou seja, produção e circulação de espetáculos. Além disso, a conquista de certa ou total independência dos espaços das academias, os quais criam tipos e espetáculos de dança que nem sempre correspondem aos anseios desses novos

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criadores, contribuem não só para as formações dessas novas companhias, como também para impulsionar uma nova fase de produções de espetáculos e realizações de mostras e festivais de dança independentes.

Há que se explicar que a intenção não é criticar negativamente as atividades das academias de dança, as quais vêm formando bailarinos desde a abertura das primeiras academias de dança, como a Escola Sergipana de Ballet, e consequentemente, as demais, como por exemplo, a Studium Danças, mas evidenciar que o público que participa destes espaços não tem como objetivo profissionalizar-se nessa área.

Estas expectativas de mudanças, mesmo provocando novos impulsos criativos na dança da cidade, ainda não encontram totais correspondências nestes festivais e mostras, bem como em cursos livres e workshops, que ocorrem esporádica ou sazonalmente na cidade. Porém, em contrapartida, estes eventos parecem instigar estes artistas sobre as informações presentes nestes espaços, fazendo-os refletir sobre as idéias que se apresentam nas coreografias apresentadas. São estes mesmos espaços que têm, efetivamente, provocado nos últimos anos o surgimento de um maior número de trabalhos, além de ter impulsionado o surgimento de novos grupos e companhias, resultando em uma maior variedade de tipos ou formatos de dança.

Nota-se, também, que há uma forma de aproximação específica de certas produções artísticas, mesmo com as restrições apresentadas acima, o que possibilita a formação embrionária de uma comunidade2 de dança que pode vir a abarcar uma diversidade de linguagens, e principalmente, oportunizar o desenvolvimento de ações específicas para a diversidade de demandas artísticas que começam a surgir no cenário da dança aracajuana nesse período.

Para discutir as questões expostas acima, foi preciso delimitar quais grupos fariam parte da mostra pesquisada. Para isso, se percebeu quais grupos e companhias, ainda em atividade, e que, além de se denominarem como contemporâneos ou modernos, tenham em suas criações trabalhos nesses formatos. Inicialmente, foi feito um mapeamento desses grupos e entregue questionários aos bailarinos e questionários dirigidos aos diretores/coreógrafos. Além disso, foram feitas observações de ensaios e apresentações.

Do total dos grupos de dança existentes em Aracaju, foram selecionados seis grupos∕companhias, os quais são tratados metodologicamente como objetos de estudo, no

2 Por vezes, o texto apresentará a palavra “comunidade”, mas com um sentido de compartilhamento de ideias do

que como algo fechado à diversidade de dança da cidade como um segmento cultural da cidade. A palavra comunidade, portanto, será utilizada num sentido de agrupamento por ideais em relação à dança aracajuana, e não necessariamente por pensamentos e ações iguais.

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intuito de revelar um recorte da condição atual da dança profissional ou semi-profissional da cidade. São eles: Cia Contempodança, Cia Danç‟Art de Sergipe, Grupo de Dança Nós em Cia3, Cubos Cia de Dança, Espaço Liso Cia de Dança e Grupo Rosa Negra de Dança. Destes agrupamentos de dança, três apresentam claramente discursos auto-referentes sobre seus trabalhos de dança denominando-os de contemporâneos, além da questão principal, que é a busca por uma identidade própria. Destes, dois foram formados na década de 1990 – Cia DançArt de Sergipe, em 1991, e a Cia Contempodança, em 1996. Um foi formado na década de 1980 – Nós em Cia, em 1986. Os demais grupos foram formados no final da primeira década de 2000. O Rosa Negra foi formado em outubro de 2006, e os demais – Cubos e Espaço Liso foram formados no início de 2007; em março e janeiro, respectivamente.

Dentre as características que determinaram a escolha desses seis grupos para fomentar as discussões desse estudo, um aspecto importante e determinante na escolha dos grupos principais para esta pesquisa se fez pela observação de que as criações artísticas realizadas ou em desenvolvimento por eles se davam de modo a diferenciar-se do que estava já posto nos espaços destinados à dança, ou seja, basicamente os festivais de final de ano. A busca de uma autonomia intelectual e artística que se faz por uma mudança de atitude em relação às construções coreográficas tradicionais e ocasionais, assim como por uma postura mais independente em relação aos espaços utilizados para ensaios, apresentações e encontros, antes sempre vinculados às academias de dança, que funcionavam como se fosse os mecenas da dança na cidade, também funcionaram como critério de escolha.

A Cia Contempodança, no entanto, está sendo considerada neste estudo como uma nova companhia pelo fato de contar com uma formação recente, como a inserção de novos dançarinos para o seu elenco. Quanto a sua forma de organização, a Contempodança vem tentando descentralizar atividades internas, como por exemplo, os processos de criação e a sua coordenação∕administração, onde se observa que todos os participantes do grupo exercem várias funções, sem graus de importância ou hierarquias. Assim como acontece na Cia Contempodança, a Cubos, a Espaço Liso e o Rosa Negra, buscam descentralizar poderes e funções e minimizar hierarquias dentro delas, principalmente em ensaios e criações dos espetáculos.

Diante dos critérios de seleção, as companhias Contempodança, Cubos e Espaço

3 O Grupo de Dança Nós em Cia foi entrevistado e recebeu questionários para o diretor e os dançarinos, porém,

devido a sua condição atual não conseguir manter as atividades do grupo, mesmo que irregulares, a formação atual ser de alunos de Sidney no PETI – Nossa Senhora do Socorro, além da maioria não pertencer à cidade de Aracaju, mesmo o grupo sendo sediado na cidade, foi considerada somente a entrevista cedida por Sidney para colaboração na pesquisa, não estando o grupo nesse momento relacionado diretamente com a pesquisa.

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Liso foram tratadas como objetos centrais de estudo e os dados obtidos através de entrevistas, questionários e observação de campo resultaram em análises que serão mostradas nessa dissertação. Alguns trechos de entrevistas com os diretores das outras companhias∕grupos incluídos anteriormente na pesquisa também serão utilizados com o intuito de completar e∕ou respaldar as declarações dos integrantes das companhias que permaneceram como amostra principal das análises.

A dissertação está dividida em dois capítulos: o primeiro desenvolve uma análise sobre identidade e processos de identificação, discutindo questões locais do contexto de dança da cidade de Aracaju, fazendo um breve mapeamento das ações artísticas locais e seus processos identitários, ajudando a criar um breve perfil da dança na cidade atualmente (no período entre 2006 e 2009), sem, contudo, definir e formatar a dança da cidade somente por estas ações. As informações possibilitaram as construções destes perfis, o que auxiliou a análise das dinâmicas destes grupos e companhias de dança no sentido das suas identificações em processo.

Para fundamentar as discussões sobre as relações identitárias existentes entre as companhias de dança e os espaços de dança na cidade de Aracaju no atual contexto, recorre-se as discussões trazidas por Santos¹ (2005), Hall (2006) e Bauman (2005), quando desenvolve suas análises sobre os processos de identificação que ocorrem no pós-colonialismo e na pós-modernidade. Trata-se também de esclarecer as identidades em culturas de fronteira como sendo processos em movimento, ou seja, processos em fluxo, onde estas identidades estão diretamente ligadas aos contextos locais. A discussão também trouxe Bauman (2005) para colaborar na construção dos entendimentos sobre as identidades e suas relações na pós-modernidade.

Para colaborar na compreensão das questões das identidades, abre-se um diálogo com Bauman (2005) aproximando identidades e comunidades (BAUMAN, 2003) como uma reflexão para as questões advindas principalmente da observação do trabalho dessas novas companhias de dança. Porém, uma fundamentação sobre o contexto político-econômico se faz também necessária, por isso a discussão para as questões de globalização e suas conseqüências trazidas por Santos² (2008) e Bauman (1999) também estão presentes neste texto.

O problema sobre as questões identitárias, como colocam os autores aqui elencados, inicia-se na modernidade (BAUMAN, 2005), pois não se pensa sobre sua própria identidade até ser questionado sobre ela, ou estar em ambientes onde precise pensar sobre ela. Nesse sentido, o primeiro capítulo procura fazer estas relações entre globalização, comunidades e

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identidades como fatores preponderantes nas relações entre estas companhias de dança e os espaços de dança da cidade onde atuam.

O segundo capítulo apresenta um breve mapeamento de ações em dança que vêm ocorrendo desde a origem do ensino de dança na cidade de Aracaju, apresentando estas ações não necessariamente como causa das ações e discursos de hoje, mas como ações que ainda são formativas no ensino da dança na cidade, e, portanto, informam sobre a conjuntura da dança aracajuana e importa informar sobre elas. Contudo, observa-se que este panorama histórico parece estar cada vez mais longe das construções atuais de dança e do sentido de comunidade que parece começar a existir.

O que se pretende neste estudo de grupos de dança emergentes não é buscar um juízo de valor para as suas ações e criações artísticas, mas analisar a conjuntura da dança em Aracaju, identificando de que maneira a falta ou a deficiência de circulação de ações e informações dentro dos espaços de dança da cidade foram construindo um distanciamento entre os artistas de dança da cidade. A questão é se um outro tipo de convivência é possível, gerando trocas mais significativas para que possa emergir daí um contexto onde se desenvolvam potencialidades coletivas, resultando numa noção de comunidade artística sem a perda das identidades que as constituem. Neste sentido, as discussões trazidas por Britto (2008) a respeito da dança e sua historicidade, bem como os pensamentos sobre dança contemporânea ajudam na perspectiva que esta dissertação focaliza – a compreensão de um contexto de dança em processo de transformação.

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2. A DANÇA COMO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA

“Hoje em dia estamos todos em movimento”

(BAUMAN, 1999)

Ultimamente se tem percebido que os discursos das identidades estão cada vez mais presentes na produção artística aracajuana. Isso talvez venha a ser uma preocupação de se ver presente ou reconhecido nessa produção, com um conteúdo que fale das coisas da cidade, de suas histórias, de seus lugares; enfim, de algo que apresente características locais, características de “ser aracajuano”. Isso parece ser algo bastante positivo, pois demonstra como a atenção desses artistas tem se voltado muito mais para a própria cidade, para suas próprias questões. Demonstra que estes artistas querem se reconhecer, ou melhor, fazer com que sua expressão artística diga e seja, de fato, algo relacionado à cidade, e por consequência, reconhecida como tal.

De fato, isso está presente em trabalhos de diversos artistas da cidade, a exemplo dos artistas dançarinos Bosco Torres e César Leite, que levam em seus trabalhos aspectos nordestinos, os quais procuram fazer relações com a cidade e a cultura de Aracaju e do Estado de Sergipe. Estes dois artistas criam trabalhos com forte presença da cultura popular nordestina, das danças, de personagens e de temas, como por exemplo, o espetáculo “Filhos de Ará”, criado por Bosco Torres, o qual foi inicialmente produzido em 2008 com músicas de artistas sergipanos, fazendo relações com a cidade de Aracaju. Além desse, o trabalho de César Leite, o qual se apresenta com uma boneca de pano em tamanho natural, Genoveva, com a qual dança, interpreta, e assim transforma a significação dos personagens e das danças populares nordestinas, principalmente da cultura sergipana.

Também se assiste a criação de muitas coreografias com temas nordestinos, onde se procura também estabelecer relações com a cidade de Aracaju, nos festivais e mostras de dança. Um exemplo disso é o espetáculo apresentado em 2005 pela Balanceio Escola de Dança com o tema “Aracaju: 150 anos de história”, no ano em que a cidade completava 150

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anos de fundação.

Além desses exemplos, há uma diversidade de trabalhos que tem como tema a cidade, com suas questões locais, a exemplo de artistas da área da música como Paulo Lobo, Grupo Cataluzes, as bandas Maria Escombona, Naurêa e Sulanca, dentre outros. Estes têm reconhecidamente uma forte ligação com os temas e ritmos populares do nordeste, além da relação com a cultura aracajuana e sergipana, evidenciando cada vez mais a necessidade de expandir não só na cidade, mas também além de seu território, características culturais que se acredita ser do povo aracajuano e sergipano.

No entanto, não é somente a cidade e sua cultura que vem provocando reflexões às ações dessas novas companhias de dança, como somente uma influência de mão única da cidade sobre elas, mas também suas percepções sobre as mudanças que vêm ocorrendo nos últimos anos no contexto da dança da cidade, fazendo com elas passem a se olhar de forma mais crítica e reflexiva, apontando novas perspectivas de atuação nesse contexto.

Se perceber nesse contexto provoca o surgimento de outros pensamentos sobre a dança, e ao mesmo tempo em que também se percebe contextos externos à cidade, como outras produções e eventos, têm feito com que sejam também promovidas inquietações, contaminando assim, suas formas de entender dança, produzir, coreografar, organizar-se, etc. Parece ser uma nova fase de mudanças nesse contexto.

Fazem-se necessárias discussões acerca desse novo contexto como forma de entender melhor o que vem ocorrendo nos últimos anos na dança aracajuana, e assim apontar algumas conclusões e projeções. A importância dessas discussões se apresenta num momento em que a dança vem encontrando um maior espaço de atuação, difusão e formação de novas companhias, festivais, mostras e outras iniciativas na área da dança, mostrando uma fase de rica produção cultural, evidenciando a importância da dança como construtora de identidades no atual contexto artístico de Aracaju. Um fator de extrema importância é a abertura do curso de Dança Licenciatura da Universidade Federal de Sergipe, que vem trazendo novas perspectivas para a dança no Estado de Sergipe, com um currículo voltado para a formação de professores de dança.

Vários aspectos estão presentes atualmente no contexto da dança aracajuana, como a realização de mostras e festivais de dança, com participação de vários grupos e companhias amadoras e os que tentam a profissionalização, grupos e colégios e grupos de academias de dança. Também se encontra presente nesse contexto o aumento do número de academias de dança, a realização de workshops, oficinas e cursos livres de dança, dos quais, alguns realizados como parte da programação dessas mostras e festivais, e outros pelas companhias

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de dança que vêm em tournée pelo estado. Contudo, um fator negativo é a falta de um curso de formação técnica em dança, ficando a cargo das academias cumprirem indiretamente essa função.

A ausência de uma representação da área de dança, dos artistas de dança do Estado é uma questão agravante, pois não há uma força política representativa que agregue esses artistas. Soma-se a isso, a ausência de representantes dos artistas de dança na Secretaria Estadual de Cultura, assim como não há na Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. Outro agravante é a inexistência de uma política cultural para a Dança, tanto no município, quanto no Estado. Porém, uma notícia positiva foi o lançamento do Prêmio César Macieira4, o primeiro edital para a área de Artes Cênicas do Estado, contemplando 15 espetáculos para circulação em território estadual, distribuídos entre Dança, Teatro e Circo.

Até então, não há uma representação de área, como associação, fórum, o SATED do estado, ou mesmo algum tipo de espaço de discussão e representação da classe de dança. Percebe-se que existe muita expectativa em torno do curso de Dança da UFS, o qual não pode corresponder aos anseios dos artistas de dança do estado pelo fato de não ter em seus objetivos a formação de profissionais, como dançarinos e coreógrafos.

Poder-se-ia esperar justamente dessas academias de dança, desses festivais, mostras, oficinas e workshops estas iniciativas de fomento às discussões, debates, intercâmbios e residências, porém, as ações ainda não se configuram com um caráter crítico-reflexivo sobre a dança da cidade, ficando apenas com a função de ensinar e repassar técnicas de danças, sem um caráter mais reflexivo, experimental, ou que possa, independente das técnicas e estilos de dança, promover outras formas de se pensar a dança na cidade.

Estes aspectos tornam e dança da cidade fragmentada e sem ligação entre essas ações, dificultando o surgimento de uma comunidade de dança, impossibilitando ações interligadas. O que acontece, de fato, é apenas uma co-habitação de estilos diversos de dança anunciados em festivais e grupos de dança, deixando de se estabelecer um desenvolvimento mais rico de trocas culturais, de construção de novos conhecimentos e de ações mais concretas e decisivas para o atual contexto da cidade se houvessem mais interações e continuidade de ações.

Em meio a estes aspectos, alguns grupos foram importantes (e outros que ainda são) e tantos outros surgiram e passaram a ser referência para a dança da cidade pelo fato de terem contribuído, ou por estarem contribuindo na construção de atuações diferenciadas para a

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dança da cidade5. Para esta pesquisa foram abordados seis grupos∕companhias de dança6: a Cia Contempodança, a Cia DançArt de Sergipe, o Grupo de Dança Nós em Cia7, a Cubos Cia de Dança, a Espaço Liso Cia de Dança e o Rosa Negra Grupo de Dança8. Porém, para análise dos discursos identitários foram analisados os depoimentos de três dessas companhias, a Cia Contempodança, a Espaço Liso Cia de Dança e a Cubos Cia de Dança, nas quais se fazem mais fortes estes discursos de identidades.

A escolha de todos esses grupos tem a ver com suas relações com a dança moderna e contemporânea, portanto, não são foco desse olhar outras linguagens de dança, como as danças orientais, as danças de rua, o ballet clássico, as danças de salão, etc. Além disso, a formação de grupos e companhias de dança da cidade apresenta uma formação fortemente orientada por princípios da dança moderna e contemporânea. Talvez por isso, a formação da maioria dos dançarinos e coreógrafos do final do século XX em Aracaju também apresentem sinais que revelam esses modos de entender a dança, com suas produções coreográficas identificadas com estes modos de fazer dança.

Mas o que torna estas três companhias de dança o foco principal de análise deste texto – Contempodança, Espaço Liso e Cubos - são os processos de identificação presentes principalmente nos seus processos de formação como companhias de dança, ou seja, nas

5 Aqui não entraram as ações das danças orientais, de rua, afro e populares, entrando para a pesquisa os grupos

que tem linguagem voltada para as dança moderna e contemporânea.

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Destes, dois foram formados na década de 1990 – Cia Danç‟Art de Sergipe, em 1991, e a Cia Contempodança, em 1996. Um surgiu na década de 1980 (1986), o Nós em Cia. Os demais foram formados no final da primeira década de 2000. O Rosa Negra foi formado em outubro de 2006, e os demais – Cubos e Espaço Liso foram formados no início de 2007. Para análise dos discursos de identidades três destas companhias foram escolhidas por haver uma clara identificação com a criação em dança contemporânea, explicitada em seus discursos, tendo este aspecto como uma característica da companhia, o que a identifica e ao mesmo tempo diferencia do contexto de dança da cidade, especialmente em relação à diversidade de linguagens dos grupos e companhias existentes. Destas, a Cia Contempodança, a Espaço Liso e a Cubos estarão como fatores importantes a serem analisados como resultado desta pesquisa.

A Cia Contempodança, mesmo tendo iniciado suas atividades na década de 1990, está sendo considerada como uma nova companhia pelo fato de contar com uma nova formação, principalmente se levar em consideração a sua forma de organização, que é a descentralização das atividades internas da companhia, assim como das funções de cada integrante, como, por exemplo, nos processos de criação, onde não há uma concentração na imagem de um coreógrafo como determinante dos processos criativos, o que se percebe também a mesma preocupação na Cubos e na Espaço Liso. Percebe-se também uma procura por uma linguagem própria, algo que possa ser reconhecido como um trabalho da própria companhia. Aliado a esse fator, foi levado em consideração o fato de que as três exercem suas atividades regularmente, seja na criação de novos trabalhos, na circulação dos já existentes, como também na realização e participação de projetos que tenham relação com a dança da cidade ou fora dela.

O período de acompanhamento das atividades dos grupos e companhias foi entre abril de 2007 a abril de 2009, e os períodos de coleta de dados e entrevistas aconteceram setembro de 2007 e maio de 2009.

7 O Grupo de Dança Nós em Cia foi entrevistado e recebeu os questionários para diretor e dançarinos, porém,

devido a sua condição na época não ser de permanecia contínua de atividades, e além daquela formação ser de alunos de Sidney em um programa social em outro município, foi considerada somente a entrevista cedida por Sidney, podendo o material coletado nos questionários entrar em futuras discussões.

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motivações presentes nos processos de formação delas, onde se encontram presentes pensamentos específicos sobre a dança e novas formas de se organizar. Esse fato se apresenta como fundamental para compreensão dessas novas companhias de dança contemporânea da cidade, colocando-se como um fator de reavaliação e revitalização dos próprios grupos e companhias de dança da cidade. Ou seja, um novo e importante fator dentro desse contexto parece estar surgindo.

Outros fatores foram levados em consideração, como ter produção contínua de espetáculos e coreografias, tendo vista às dificuldades de sustentabilidade da dança independente da cidade. Também foram consideradas outras produções na área da dança como realização de eventos de dança, e participação em atividades ligadas à dança, etc. Enfim, de fato ter estabelecida uma relação direta com a dança na cidade, já que outros grupos, com as dificuldades de sustentabilidade, desistem de exercer suas atividades durante um bom tempo.

Para se aproximar melhor do entendimento desse atual contexto, questões como identidade e comunidade são relevantes para a construção dessas análises. Para colaborar nessa construção, também são importantes algumas discussões sobre globalização (como processos em que se aproximam realidades e conhecimentos), e suas relações com as localidades, o que vem evidenciando situações de periferias, que parece ser o caso da cidade de Aracaju, assim como o seu contexto de dança.

2.1 A IDENTIDADE COMO UM PROBLEMA

2.1.1 Identidade como realidade local

As identidades se constituem num tema bastante discutido nas últimas décadas nas áreas das Ciências Sociais, como a Antropologia e a Sociologia, estando ligadas às diversas questões, dentre as quais: o local, o global e os aspectos sócio-políticos econômicos ligados a elas. Do ponto de vista econômico, as fronteiras econômicas entre países ou entre blocos econômicos têm se diluído, com a vantagem para os países mais sejam industrializados, desenvolvidos ou emergentes. Sabe-se que essa aproximação acaba revelando aspectos sócio-culturais que até então estiveram menos evidenciados diante da globalização mundial.

Esses aspectos, longe de só mostrarem entendimentos e consensos, apresentam também diferenças e conflitos existentes nesses locais. Para Hall (2008) é “preciso vincular as

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discussões sobre identidade a todos aqueles processos e práticas que têm perturbado o caráter relativamente „estabelecido‟ de muitas populações e culturas: os processos de globalização, os quais”, ele argumenta, “coincidem com a modernidade [...] e os processos de migração forçada (ou „livre‟) que têm se tornado um fenômeno global do assim chamado mundo pós-colonial” (HALL, 2008, pag. 108).

A discussão sobre identidades continua com Hall (2006), quando afirma que as antigas noções de identidades estão sendo fragmentadas e, consequentemente, o aspecto de pertencimento às culturas, outrora representativas, não estão mais correspondendo às indagações feitas pelos grupos sociais das sociedades pós-modernas. De acordo com o autor

as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. Assim, a chamada „crise de identidade‟ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (Ibdem, 2006, pag. 7).

O autor conceitua três formas de identidades nas sociedades modernas: o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico, e o sujeito pós-moderno. Este último, “formado e transformado continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (Ibdem, pag. 13, 2006), o que torna possível a construção de várias identidades em um mesmo sujeito, num processo relacionado às mudanças sociais acontecidas e em andamento nas sociedades modernas em decorrência dos processos de globalização. Esses fatos, para o autor, reforçam a compreensão das identidades pós-modernas como processos de identificação, pois estarão sempre em mudanças e∕ou em processos de resignificações.

Continua o autor dizendo que a noção de identidade que agora está sendo construída se baseia no fato de que somos sujeitos múltiplos, assumindo diferentes identidades, por vezes contraditórias, e que estas estão em constantes deslocamentos. A noção de uma identidade solidificada e única é uma idéia errônea que fazemos de nós mesmos, pois ela não existe de fato. Para ele, “à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (Ibdem, pag. 13,2006).

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Assim, antes se tinham identidades fixas, ou pelo menos se pensavam como estáveis, formuladas a partir de um sujeito regulador como o Estado, o que vem modificando a partir de processos de resignificação nas ações de abertura e expansão, principalmente na economia mundial. A expansão dessa descontextualização acaba evidenciando também não só a formação e reformulação de identidades já estabelecidas, mas a evidência de uma diversidade cultural antes regida sob o foco das principais formas de identidades.

O que parece é que “identidades” é um termo mais adequado ao contexto atual em que o sujeito das sociedades pós-modernas está imerso em uma diversidade de discursos sobre cultura, sociedade, economia, etc., e, absorvido por tudo isso, vem se tornando um sujeito de multiplicidade de ações e representações sociais. E para falar sobre os discursos, é justamente dentro deles que se constituem as identidades. Em meio a processos históricos e de instituições específicas, eles se constituem como “mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente construída, de uma „identidade‟ em seu significado tradicional” – isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação interna (HALL, 2008, pag. 109). Então, as identidades são constituídas das diferenças.

Ao tratar das recontextualizações da subjetividade das identidades em países europeus, Santos (2008) aponta para o fato dessas sociedades virem buscando alternativas à polarização indivíduo-Estado. Para Hall (2008) se está assistindo a uma desconstrução das “perspectivas identitárias em uma variedade de disciplinas”, as quais criticam a “idéia de uma identidade integral, original e unificada” (2008, pag. 103).

O clima de incerteza e insegurança quanto às identidades, que quer dizer – o que sou ou devo ser, a qual(ais) grupo(s) pertenço, como sou ou devo ser, etc. - parece ser um fator ainda presente e predominante, principalmente nesse processo de evidência das necessidades de cada grupo cultural, o que acaba compondo esse processo de recontextualização de identidades, reivindicadas outrora pelo romantismo e pelo marxismo (SANTOS, 2008). Sobre isso Bauman (1999) diz que

Quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer „natural‟, predeterminada e inegociável, a „identificação‟ se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um „nós‟ a quem possam pedir acesso. (Bauman, p. 30, 2005).

[...]

As afiliações sociais – mais ou menos herdadas – que são tradicionalmente atribuídas aos indivíduos como definição de identidade: raça, gênero, país ou

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local de nascimento, família e classe social agora estão [...] se tornando menos importantes, diluídas e alteradas nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Ao mesmo tempo, há a ânsia e as tentativas de encontrar ou criar novos grupos com os quais se vivencie o pertencimento e que possa facilitar a construção da identidade. Segue-se a isso um crescente sentimento de insegurança... (Lars Denik, apud Bauman, p. 30-31, 2005).

Aqui o autor fala (assim como Hall, 2006, 2008) da desintegração dos conceitos e formatos de identidades constituídos antes pelas ações do Estado e demais instituições sociais representativas da sociedade, como Igreja e a Família, que juntas, formarão o conceito de nação. Este indivíduo, outrora constituído como identidade a partir do grupo ao qual pertencia socialmente e que formava esse conceito de nação, tinha sua subjetividade subordinada a esta ordem social. Ou seja, representação social de grandes grupos, homogêneos, onde quase não se permitia a exposição de particularidades, heterogeneidades, diferenças, e exceções. O “diferente” sempre foi tratado como exceção à regra.

Porém, no século XX, com os processos de globalização, essa diluição de conceitos, e por consequencia, de fronteiras, tem demonstrado que as diferenças são, na verdade, uma constante em todo o mundo e em todas as sociedades que têm diversos grupos sócio-culturais. Um processo acelerado pelas condições econômicas capitalistas vivenciadas principalmente das sociedades ocidentais. Essas mudanças nos conceitos da modernidade são marcadas, então, por profundas mudanças, inclusive as formas de pensar do Estado e de suas relações com a sociedade, já que antes,

[...] sob a égide do capitalismo, a modernidade deixou que as múltiplas identidades e os respectivos contextos intersubjectivos que a habitavam fossem reduzidos à lealdade terminal do Estado, uma lealdade omnívora das possíveis lealdades alternativas. [...] A globalização das múltiplas identidades na identidade global do Estado tornou possível pensar uma identidade simétrica do Estado, global e idêntica como ele – a sociedade (SANTOS, 2008).

É principalmente nessas múltiplas identidades que aparecem as particularidades das diferentes culturas, onde o poder da figura do Estado, outrora representante da sociedade, e além de tudo, determinante na construção das identidades, não participa tão ativamente da vida social como antes. As culturas nacionais, tidas como entidades únicas de representação cultural de um povo, não representam e abarcam mais a diversidade cultural destes locais, pois a cada dia se aproximam ideologicamente de outras realidades, outros contextos, desconstruindo a idéia de uma identidade única e linear.

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Ocorre que “o processo histórico de descontextualização das identidades e de universalização das práticas sociais é muito menos homogêneo e inequívoco do que antes se pensava” (SANTOS, 2006, pag. 144), deixando de se perceber as identidades como únicas e fechadas, para reconhecer “velhos e novos processos de recontextualização e de particularização das identidades e das práticas” (Ibdem, 2006, pag. 144) como processos ativos dos diversos grupos culturais em suas diversas localidades. Além disso, dentro das novas formas de organização do Estado evidencia a cada dia que

a base étnica das nações modernas tornou-se cada vez mais evidente e o Estado-Nação, longe de ser uma entidade estável, natural, começa a ser visto como a condensação temporária dos movimentos que verdadeiramente caracterizam a modernidade política: Estados em buscas de nações e nações em buscas de Estados (Ibd., p. 144, 2008).

A partir dessas mudanças ocorridas na compreensão e no conceito da identidade, ela vem mostrando que precisa ser discutida como um processo, assim como coloca Santos (2008) e Hall (2008). Quando hoje se pensa em identidades, elas já não são mais compreendidas como algo sólido, que tenham um sentido de permanência imutável; as identidades “são, pois, identificações em curso” (Ibd., 2008, p. 135, grifo nosso). A partir disso Boaventura de Sousa Santos diz que

Mesmo as identidades aparentemente mais sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades (Ibd., 2008, p. 135).

Em suas análises sobre identidade e processos de identificação em cultura de países de fronteira sócio-econômica, Santos (2006) colabora para as discussões sobre os discursos de identidades das novas companhias no atual contexto de dança da cidade de Aracaju. Esses discursos podem ser pensados como uma recontextualização dessa mesma realidade que se encontra numa fase de maior produção artística, além de um maior questionamento dessas ações. Um processo de recontextualização dos modos de pensamento e das práticas, enfim, do que se apresenta hoje como uma produção em dança. Assim,

O clima geral das revisões é que o processo histórico de descontextualização das identidades e de uma universalização das práticas sociais é muito menos homegéneo e inequívoco do que antes se pensou, já que com ele concorrem

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velhos e novos processos de recontextualização das identidades e das práticas (SANTOS, 2006, p. 144).

De acordo com Santos (2006), a recontextualização das identidades vem ocorrendo também no processo de descolonização das antigas colônias da América Latina e da África, ao mesmo tempo em que se avançam os modos de vida capitalista no mundo. As novas identidades, em conseqüência desses fatores (que vem surgindo cada vez mais particularizadas), vêm se estruturando no momento do processo de separação cada vez maior do poder da elite detentora do capital (pequena parcela), e do restante da população, cada vez maior, mais pobre economicamente e cada vez mais relegada às suas localidades como formas de isolamento sócio-econômico-cultural, não apenas por uma questão de localização geográfica.

Por isso, é preciso observar na fala de Santos (2006) de que as identidades, que já não são mais “rígidas nem, muito menos, imutáveis”, passando pela noção de identidades sólidas como as “de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país europeu” (Ibdem, p. 135, 2006) passam por modificações ao longo do tempo, acaba por evidenciar que as identidades se formam a partir de processos de identificação (Ibdem, 2006). Ou seja, mudanças culturais, dentre outras, promovem e∕ou também colaboram nessas construções, assim como em suas mudanças e suas resignificações, de acordo com as necessidades de cada grupo artístico-cultural.

Em Aracaju, necessidade de falar sobre a cidade, de mostrar seus aspectos, como lugares, personagens, hábitos, etc., demonstra que não há somente uma vontade de “cantar” somente sobre o que de bom existe, mas pode estar indicando uma procura por fatores que indiquem a ausência de uma identidade cultural da cidade ou das várias identidades que ali sobrevivem, e que, a despeito das carências advindas do seu próprio processo histórico, continuam existentes desde a formação da cidade. Aracaju é uma cidade criada por necessidades políticas e econômicas. E antes mesmo de sua ocupação, foi projetada e urbanizada. A Vila do Santo Antônio do Aracajú foi elevada à condição de capital em 1855 por decreto do então presidente do Estado Inácio Joaquim Barbosa, onde transferia os poderes administrativos da antiga capital da Província de Sergipe Del Rey, São Cristóvão, para uma região litorânea de terrenos pantanosos e de difícil acesso, onde desemboca o Rio Sergipe.

No entanto, antes dessa “ocupação”, onde hoje é o bairro Santo Antônio, existia uma vila de pescadores, a chamada de Vila de Santo Antônio do Aracajú. Essa vila ficava a alguns quilômetros onde mais tarde seria e onde ainda é o centro da cidade. Mas foi efetivamente

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nesse centro que começou o projeto urbano e sua efetiva ocupação. Durante muito tempo, Aracaju enquanto cidade só existia nas intenções políticas e econômicas, esperando durante muito tempo por iniciativas de continuidade desse modesto início de ocupação humana. A cidade foi pensada como uma alternativa viável por conta de necessidades políticas (transferência e estabelecimento de nova capital e financeiras (escoamento da produção açucareira do Vale do Cotinguiba – Laranjeiras, Riachuelo, Divina Pastora. Culturalmente, a cidade só viria a iniciar uma vida cultural muito tempo depois do início de sua urbanização. Percebe-se então, que desde o início da cidade, as questões culturais não foram colocadas em grau de importância como os aspectos políticos e econômicos. E até pouco tempo, as iniciativas na área cultural foram esporádicas ou pontuais; parece que esse novo contexto apresentas significativas mudanças.

Nesse atual contexto, onde essas novas identidades de dança estão sendo construídas, surgem também diferentes motivações para formação de novos grupos de dança. Estes agrupamentos refletem sobre a situação política e econômica da dança na cidade e também sobre suas próprias concepções de dança, os quais parecem não mais servir nesta nova conjuntura. O que importa aqui é refletir sobre se há uma identidade de dança já construída, única e própria da cidade de Aracaju, com suas referências artísticas locais, e se há, de fato, um identidade amalgamada por estruturas de companhias de balé clássico e academias de dança, cabe aqui questionar se estes modos de fazer dança ainda suprem as necessidades emergentes e contínuas de identificação.

Talvez se possa falar mais em processos de identificação do que decididamente sobre “identidade”. Porém, procura-se aqui construir um entendimento de identidades como processos de identificação. Identidade parece ser uma denominação para processos que ocorrem em certas localidades. E para se chegar a esse entendimento de uma identidade enquanto processo, é preciso realizar uma reconceitualização do sujeito, procurando construir uma “ „teoria da prática discursiva‟ ”, como afirma Foucault (Apud HALL, 2008, pag. 105). Para Foucault (Ibdem, 2008), é preciso “pensá-lo [o sujeito] em sua nova posição – deslocada ou descentrada – no interior do paradigma”. E é justamente nesse processo, nessa “tentativa de rearticular a relação entre sujeitos e práticas discursivas que a questão da identidade – ou melhor, a questão da identificação (Ibdem, 2008)” surge como aspecto importante dessa recontextualização.

No entendo, alerta Hall (2008), esse conceito de identificação “acaba por ser um dos menos desenvolvidos da teoria social e cultural, quase tão ardiloso – embora preferível – quanto o de „identidade‟ ” (HALL, 2008, pag. 105). Por isso se tem recorrido, como dito pelo

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próprio autor no início desse texto, a outras áreas de conhecimento, como por exemplo, a psicanálise. Mas Stuart Hall nos mostra outros aspectos para um melhor entendimento do termo “identificação”. Ele afirma que este é um

[...] processo de articulação, uma suturação, uma sobredeterminação, e não uma subsunção. Há sempre “demasiado” ou “muito pouco” – uma sobredeterminação ou uma falta, mas nunca um ajuste completo, uma totalidade. Como todas as práticas de significação, ela está sujeita ao “jogo” da différance. Ela obedece à lógica do mais-que-uma. E uma vez que, como num processo, a identificação opera por meio da différance, ela envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de “efeitos de fronteiras”. Para consolidar o processo, ela requer aquilo que é deixado de fora – o exterior que a constitui (Ibdem, 2008, pag. 106).

Um conceito que apresenta posições ambivalentes, plurais e não essencialistas. Portanto, falar de identidades é falar ao mesmo tempo de processos de identificação como possibilidades de diálogos, de diversidade de vozes e significados. Portanto, esse conceito de identidade não se configura como uma noção de estabilidade e unicidade inicialmente pensada e entendida como tal. Não é algo nuclear, ou mesmo linear.

No entanto, em Aracaju, a dança e suas modificações ainda estão em processo, e um processo é uma construção, e também resignificação que requisita a construção de novas identidades (identidades de cada grupo e companhia de dança relacionada à construção de uma linguagem própria), e uma resignificação da dança na∕da cidade. Por enquanto, o que se percebe é que esses processos de identificação ainda estão muito localizados nas questões internas destes grupos e companhias de dança, ainda não se estendendo à dança na cidade, mesmo estando todos eles no contexto da dança de Aracaju. Ou seja, mesmo inseridos no contexto da dança da cidade, estes grupos estão procurando significações∕sentidos para suas existências, o que se configura como formações de identidades a partir de questões individuais de cada grupo, e também a partir de suas percepções sobre a dança na cidade, sem, no entanto, voltar ou começar a interferir na realidade de dança na cidade.

Entretanto, é possível perceber uma predisposição destes grupos para se conectar com o contexto da cidade e uma certa abertura também para um diálogo entre eles. Pois, ao mesmo tempo em que ocorre a reconstrução de uma identidade própria em cada companhia, há um olhar sobre a dança na cidade, sobre o que acontece ou não acontece lá. Há um sentido latente, potencial, sintomático de confluência de ações e interesses para além do já é

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conhecido, porém, ainda não se percebe o sentido de pertencimento identitário que talvez permitisse a formação de uma comunidade de dança. Isto, em suma, indica que há um processo de recontextualização dessas atuações em curso e alteração das percepções destes grupos sobre eles mesmos e sobre a dança na cidade.

A partir do que vem sendo discutido por Santos (2006) e Hall (2006), no que concernem os conceitos de identidade, pode-se inferir sobre que os discursos de formação de novos grupos e companhias de dança fazem parte de um processo de construção de identidades e de re-contextualização da dança em Aracaju. As necessidades de afirmação e reconhecimento de práticas independentes e motivação para construção de linguagens próprias, dentre outros aspectos, revela como as questões de identidades precisam ser reconhecidas e discutidas no âmbito da dança na cidade.

Uma nova forma de olhar para essas companhias anuncia um novo olhar para a dança da cidade, como a sua produção artística em vias de mudança, re-validando papéis em meio a este novo contexto. Estas companhias surgem como uma nova geração de artistas que estão procurando re-conceituar seus papéis e modificar o atual ambiente de dança na cidade de Aracaju, revelando aspectos positivos para o desenvolvimento da dança na cidade. Uma tipo de situação de confronto desejável e cada vez mais presente no inconstante mundo pós-moderno - o confronto das mais diversas particularidades que fazem emergir diferentes lugares e diferentes contextos. Como nos afirma Santos (2008),

A recontextualização e reparticularização das identidades e das práticas está a conduzir a uma reformulação das interrelações entre os diferentes vínculos (...). Tal reformulação é exigida pela verificação de fenômenos convergentes ocorrendo nos mais díspares lugares do sistema mundial [...]. (SANTOS, 2008).

A necessidade de se auto-afirmar como “identidade”, portanto, demonstra uma forte intenção de construção de uma imagem própria de dança neste grupos pesquisados para se reconhecerem enquanto criadores independentes de dança, com uma linguagem própria e um espaço próprio dentro desse contexto atual da dança em Aracaju. Mas, ao que parece, tal construção se inclina em direção de ações mais conjuntas, onde há de se estabelecer trocas entre os grupos ou companhias com interesses e características semelhantes, como também com suas diferenças. Um compartilhamento que começa a acontecer não somente dentro das companhias, mas também nas relações estabelecidas entre estas e as instituições que a

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acolhem, por exemplo. Esses mesmos processos expõem, por sua vez, questões culturais da cidade de Aracaju, evidenciando uma situação periférica frente a outros contextos culturais, especialmente no que se refere à dança.

2.1.2 Globalização e semiperiferia

Boaventura de Sousa Santos nos trás algumas discussões importantes sobre globalização e semiperiferia. Apresentando a situação de Portugal dentro do contexto pós-moderno econômico, social e cultural, o autor discute o termo „zona de fronteira‟ a partir da situação desse país. O que parece, a princípio, uma cultura coesa, homogênea e coerente, frente ao conceito único de identidade, Santos observa como o “estatuto identitário da cultura portuguesa” (SANTOS, 2006, pág.151). Assim, partindo de suas relações com países como o Brasil e países africanos durante o período de colonização, Sousa Santos pressupõe uma falta de conteúdo na cultura portuguesa, mas apenas uma forma. Para ele, a cultura portuguesa tem “apenas forma, e essa forma é a fronteira, ou a zona fronteiriça”9

.

As culturas nacionais foram moldadas a partir do século XIX com a criação do Estado como forma de administrar territórios, e consequentemente, a sua cultura, o que acabou se tornando um fator homogeneizador dos estados-nações para manutenção do controle político. Em Portugal, segundo o autor, isso não ocorreu, sendo o Estado omisso à criação interna de uma identidade portuguesa que pudesse se impor face às outras nações. Em consequencia disso, não há uma diferenciação identitária em relação às culturas exteriores, “no que configurou um défice de identidade pela diferenciação” 10. “Por outro lado”, continua

o autor, “a nossa cultura manteve uma enorme heterogeneidade interna, no que configurou um défice de identidade pela homogeneidade” (Santos, 2006, pag. 151).

Então, se percebe que no caso de Portugal há uma forte e rica localidade cultural, ao mesmo tempo em que também se consegue estabelecer uma forte transnacionalidade, ao contrário da “espácio-temporalidade nacional” que não conseguiu estabelecer suas próprias diretrizes (Ibd., 2006, pag. 151). Segundo ele, a cultura de Portugal, enquanto identidade nacional, “nem nunca foi semelhante à identificações culturais europeias, nem nunca

9 Ibdem, pag. 151. 10 Ibdem, pag. 151.

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suficientemente diferente das identificações negativas que eram, desde o século XV [...] os não europeus” (Ibd., 2006, pag. 151). E continua afirmando que a cultura portuguesa se constituiu a partir de uma matriz que se formou entre a “positividade” das culturas nacionais européias e a “negatividade” das culturas das colônias não européias, nesse caso, das colônias portuguesas. Ou seja, a cultura portuguesa se encontra uma situação semiperiférica. Para se ver, se enxergar, Portugal precisa se ver entre estes dois lados.

Portugal sempre foi considerado uma periferia dentro da cultura européia, ao mesmo tempo em que não conseguiu assumir uma posição centrista frente às culturas de suas colônias. Esse acentrismo permitiu uma abertura às “apropriações e incorporações”, à “mimesis cultural, no sincretismo e no translocalismo”, desenvolvendo a capacidade de mover-se entre “o local e o transnacional sem passar pelo nacional” (Ibd., 2006, pag. 152). No entanto, essas incorporações sempre se deram de forma superficial devido à sua heterogeneidade interna, causando uma fragmentação cultural. Porém, isso não significa um ponto negativo, pois se percebe que os “diferentes localismos dizem mais sobre a cultura portuguesa do que a cultura portuguesa sobre eles” (Ibd., 2006, pag. 152).

Estes aspectos – diferenciação e identificação – acabaram por consolidar uma forma cultural bem específica, que é a fronteira ou zona de fronteira, ou seja, não existe “uma cultura portuguesa, existe antes uma forma cultural portuguesa: a fronteira, o estar na fronteira” (Ibd., 2006, pag. 152). Para Sousa Santos, ao contrário da fronteira norte-americana, que considerava haver o vazio do outro lado, porque para além deles haveria apenas uma terra de ninguém, em Portugal, zona fronteiriça, existe um déficit cultural presente internamente, deixando-a numa situação de “borda”, onde o vazio se encontra dentro.

Essa borda, essa zona fronteiriça se caracteriza como uma zona “cosmopolita, híbrida, babélica e [...] assíncrone, barroca, dramática e carnavalesca” (Ibd., 2006, pags. 153 e 154). Isso torna a cultura nacional portuguesa um tanto superficial, identificando-se mais com as formas do que com os conteúdos. Para Sousa Santos, essas apropriações são caracterizadas também pelo forte localismo, aonde aspectos como as raízes culturais advêm de processos de apropriação do que é alheio. O original é na verdade ou acontece, nesse processo de apropriações e identificação cultural.

Para o autor, essa forma também encontra semelhanças com o Brasil, ainda que se coloquem e se percebam diferenças, pois como colônia portuguesa, o Brasil nunca exerceu plenamente seu papel de colônia, tendo, por sua vez, acesso à elite cultural européia. Por isso o Brasil também apresenta características híbridas, fluidas e multiculturais assim como Portugal. Mas não se deve esquecer que o caso brasileiro difere muito da cultura portuguesa

Referências

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