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Uma Filosofia do Direito para o Mundo Latino?

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UMA FILOSOFIA DO DIREITO PARA O MUNDO

LATINO?

*

Diego Javier Duquelsky Gómez1

Notas Preliminares

Embora a proposta de elaborar uma filosofia do Direito para o mundo Latino já havia sido apresentada no debate sobre “O Futuro do Positivismo Jurídico”, ocorrido no XXIII Congresso da IVR, na Cracóvia, em agosto de 20072, foi em novembro de 2009, quando escutei essa

expressão pela primeira vez, na ocasião em que o professor Manuel Atienza recebia o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Buenos Aires. Sua conferência magistral, intitulada “Uma nova visita à filosofia do Direito na Argentina” (Atienza, 2009: 9-30), retoma o decálogo das ideias que constituem o que o próprio Atienza não hesita em chamar de “um tipo de Manifesto, com eixos ou ideias força motriz, intencionadas a construir uma filosofia (uma teoria) do Direito, que tenha

* Texto traduzido do espanhol por Hilton Boenos Aires, doutorando em Filosofia pela Universidad Católica Argentina – UCA. Contato: hiltonboenosaires@uca.edu.ar hilton.boenos.aires@hotmail.com

1 Advogado pela Universidad de Buenos Aires – UBA; Mestrado em Teorias Críticas do

Direito e Democracia na América Latina pela Universidad Internacional de Andaluzia – Espanha. Professor de Teoria Geral e Filosofia do Direito na UBA-UNPAZ-UNDAV, Argentina.

2 Posteriormente publicada como: ATIENZA, M. (2008). Es el positivismo jurídico una

teoría aceptable del Derecho? Em: Ideas para una filosofía del Derecho. Una

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sua visão direcionada aos países latinos da Europa e da América”. Confesso que naquela ocasião não dei a devida atenção à proposta. O tema central da conferência era uma atualização da situação da iusfilosofia em meu país, realizada mais de três décadas depois de terminada sua tese doutoral sobre a filosofia do Direito na Argentina. O importante para boa parte do auditório (me incluo), dominado pela mentalidade colonial sobre a qual falaremos neste trabalho, passava pela visão que nosso ilustre visitante tinha da comunidade acadêmica local e, principalmente, os novos nomes ou escolas apareciam na lista, e o lugar assignado a cada um deles, etc.

Cinco anos mais tarde, em outubro de 2014, o professor Atienza foi convidado a ditar a conferência de encerramento do 1º Congresso Latinoamericano de Filosofia Jurídica e Social, coincidente com as XXVIII Jornadas Argentinas. Vínhamos trabalhando na ideia de organizar encontros com a Associação Argentina de Filosofia do Direito e, em algum momento, constituir uma entidade regional, 3 onde o título da

apresentação seria precisamente “Uma filosofia do Direito para o mundo latino. Outra reviravolta”. Tudo isto foi, não apenas coincidente com nossas intenções, mas, principalmente, muito alentador.

No referido trabalho se desenvolveram de maneira muito mais exaustiva cada um dos pontos do decálogo ou Manifesto e, tal como sinaliza seu autor, são produto de “polêmicas com iusfilósofos do mundo latino que defendem posturas mais ou menos distantes da minha: Bulygin, Guastini, Comanducci, Chiassoni, Laporta, García Amado, Haba o Ferrajoli”4. Foi na ocasião deste congresso quando alguns de nós tivemos

a ideia de celebrar no mês de maio de 2016, em Alicante, o evento que nos reúne, algo que foi visto por muitos de nós – além de ampliar a

3 Neste sentido há mais de uma década a AAFD organiza atividades acadêmicas

conjuntas com seus pares de Chile e Brasil.

4 (ATIENZA), “Una filosofía del Derecho para el mundo latino. Otra vuelta de

tuerca”. Lamentavelmente, ainda por ser impresso, mas, próximo de ser publicado

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convocatória a outros países europeus de tradição latina – como uma continuação dos esforços realizados em um sentido semelhantes iniciados com as “Asociaciones del Cono Sur”.

Embora seja certo que, tal como se afirma em sua apresentação, “... a convocatória deste Primeiro Congresso de Filosofia do Direito do Mundo Latino tem sido precedida de uma fase de consulta a iusfilósofos de diversos países latinos, europeus e americanos, da qual se tem resultado um amplo acordo sobre a conveniência de empreender essa tarefa”, o modo no qual se tem desenhado sua estrutura organizacional, a definição de sua agenda e seu modo de trabalho nos faz refletir sobre como os espaços de pensamento democrático podem estar condicionados pelo substrato democrático de seu próprio processo de construção. Esta última afirmação não implica questionar de forma alguma as qualidades daqueles que definiram a estrutura organizacional. Vai além disto, e é notável como na composição, tanto do Comitê de Honra, quanto do Conselho de Assessoria, que se tem garantido a pluralidade ideológica, geográfica e acadêmica. Em termos pessoais me sinto representado, tanto pela presença de dirigentes da entidade que integro, como de meus mestres do mundo acadêmico e muitos dos personagens que mais respeito e admiro.

O que tento demonstrar, em consonância com um dos problemas propostos pelo próprio professor Atienza em mais de uma ocasião,

(ATIENZA, 2012: 123-134; nota 6) é que, diferentemente do que ocorre com outras especialidades, são poucas as estruturas científico-institucionais representativas dos cultivadores de nossa disciplina, e, em consequência, resulta complexo sair da lógica das relações pessoais, dos prestígios, dos vínculos profissionais, etc. no momento de se construir novos espaços. Se não estivermos atentos, isso pode levar a reproduzir relações de subordinação dentro do mundo jurídico latino, e a continuar relegando certas perspectivas e silenciando determinadas vozes. Tal como destaca

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Boaventura de Sousa Santos, o conhecimento científico não é socialmente distribuído de um modo equitativo, já que foi desenhado precisamente para converter um lado da linha em sujeito de conhecimento, e o outro em seu objeto (SANTOS, 2010: 52 e ss). A participação assimétrica na determinação de centros e periferias aparece como um problema evidente na mesma convocatória deste Congresso. De fato, a iniciativa pretende “contribuir também para equilibrar a filosofia do Direito a um nível mundial e para reduzir, por isso, o excessivo peso que nas últimas décadas tem recaído sobre a cultura anglo-saxã”.5

A preocupação que me motiva a escrever este trabalho não é outra que a de formular algumas diretrizes sobre o lugar da América Latina na constituição de uma filosofia do Direito para o mundo latino, a fim de evitar reproduzir – no marco da luta contra o colonialismo cultural anglo-saxão – novas formas de colonialismo interno. E deste modo assegurarmos que o caminho compartilhado que começamos a transitar, desemboque em um projeto emancipatório.

1. Problematizando o conceito de “mundo latino”

Tanto em seu Manifesto original, quanto no “Reviravolta” (notas 3 e 6), o professor Atienza toma a ideia de “globalismo localizado” de Boaventura de Sousa Santos6 para expressar o que ocorre no mundo da

cultura iusfilosófica e assim adotar uma atitude cautelosa em relação ao modo com que certas tradições jurídicas, particularmente a anglo-saxã, nos impõem o tratamento de certos “tópicos de moda”, para estudar determinados autores, atender determinadas problemáticas. Neste sentido, seria interessante desenvolver teorias do direito “regionais” em

5 http://iusfilosofiamundolatino.ua.es/presentacion 6 Entre muitos outros, ver (SANTOS, 1999)

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torno de diferentes círculos culturais, entre os quais podemos reconhecer aqueles que constituem os países latinos, da Europa e da América. Atienza sustenta que “ainda que com níveis de desenvolvimento econômico, político, científico, tecnológico, etc. diferentes, esses países são sumamente afins desde o ponto de vista de seus sistemas jurídicos e de suas línguas; possuem uma rica tradição de pensamento jurídico, e em todos eles o Estado Constitucional opera como um ideal regulador para o desenvolvimento do Direito e da cultura jurídica”. (ATIENZA, 2009)

Embora compartilhamos em linhas gerais desta afirmação, estimo que pode ser enriquecedor para que renda maiores frutos o projeto, problematizar o próprio conceito de “mundo latino” e o modo em que os países “da América antes portuguesa e espanhola” foram incorporados a tal tradição.7 Tampouco podemos deixar passar por alto que esses

distintos níveis de desenvolvimento entre os países latinos da Europa e América não são resultado do acaso.

1.1. O Latino como localismo globalizado relocalizado

O primeiro paradoxo com o qual nos encontramos, é que o mundo latino, a partir do qual pretende-se apresentar uma visão cultural alternativa, não é outra coisa senão um “localismo globalizado relocalizado”, ou um “ex localismo globalizado”. A expansão do latim como língua franca ao longo de vastas regiões do globo, foi produto de grandes e complexos processos militares, culturais e religiosos.

Seria impossível conceber o mundo latino sem pensar primeiramente no avanço de Roma sobre uma importante parte da Europa. Vai além, essa língua latina foi-se forjando durante múltiplos

7 Uma análise interessante das famílias de culturas jurídicas, seus laços de parentesco e

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cruzamentos etino culturais, alcançando sua plena estabilização com Virgílio, aquele que na Eneida reinventa o mito da origem de Roma e a Epopeia destes “latinos”, percebendo-se de sua futura glória imperial. (FILIPPI, 2015: cap. 5) Mas, tampouco poderíamos concebê-lo sem Justiniano e seu intento de reunificação de ambos impérios romanos, nem pensaríamos, como porção crucial desse mundo, grande parte da América sem a colonização perpetrada pelos Reis Católicos.

Vejamos: quer dizer que a característica definidora do mundo latino é uma raiz idiomática? Basta que sejam países que falem línguas “românicas”, para considera-los parte deste mundo? Penso que não. Uma porção importante da África é francófona, como também o são alguns países asiáticos. O mesmo ocorre com as regiões lusófonas ou italófonas desses continentes, e, não obstante, ao menos em termos intuitivos nos custa pensar em tais culturas como parte do mundo latino.

Possivelmente isto se deva ao fato de que - diferentemente do que ocorreu durante a conquista da América, quando da mão da Igreja Católica o latino desenvolvia suas pretensões de universalidade, durante a fase de conquista, a qual poderíamos chamar “imperialista”, que se desenvolve fundamentalmente durante o século XIX e impacta basicamente o continente africano - o localismo que se globaliza é a ideia de “progresso”, produto da revolução industrial, cujo expoente máximo é o império Britânico. (TRAVERSO, 2003: cap. 2) E como bem explica Boaventura de Sousa Santos, quando uma entidade local logra globalizar-se, isso implica simultaneamente, a relocalização de seu rival, neste caso, o latino.

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O segundo ponto problemático tem relação com a pergunta sobre aqueles que podem ser considerados iusfilósofos do mundo latino. Basta haver nascido em um país, da Europa ou da América, onde se fale espanhol, italiano, português ou francês para ser considerado parte desta tradição cultural? Ou a condição de iusfilósofo latino vem dada pela formação, as preocupações, os temas que se aborda?

Com muita crueza – quase crueldade – Atienza adverte sobre como uma parte importante dos filósofos do direito de nossos países, se esforçam em “se empenhar em escrever textos iusfilosóficos, que pareceriam ter como objetivo último o de serem citados [por outros trabalhos acadêmicos] – naturalmente, apenas em notas de rodapé – em alguma obra de um autor anglo-saxão. (ATIENZA, 2012: 128)

Ao menos na Argentina, muitos de nossos colegas apenas estudam, ensinam e dialogam com autores anglo-saxões. É mais do que isso, desenvolvem suas atividades acadêmicas em âmbitos universitários privados, cujo mérito principal (ao menos assim apresentam suas estratégias de marketing) são seus contatos com escolas de direito dos Estados Unidos. Outros, por sua vez, mantêm uma visão tão limitada do objeto de estudo próprio da filosofia do direito, e defendem cânones de cientificidade que passam por um grau de assepsia, que os impedem de contaminarem-se com a realidade social, em um nível tal, que suas atividades poderiam ser realizadas em relação a qualquer sistema jurídico.

1.3. O sexo do Mundo Latino

São muitos os teóricos que têm estudado o modo no qual o pensamento moderno (ainda que, talvez, muito antes deste período), tem-se estruturado em torno a dualismos ou pares de conceitos opostos: sujeito/objeto; formal/informal; cultura/natureza, etc. (SANTOS, 2001:

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273). O pensamento jurídico crítico feminista, ademais, tem posto ênfase que esses pares dicotômicos estão sexualizados e, consequentemente, hierarquizados. Um clássico nesta matéria é o trabalho de Frances Olsen, “El sexo del derecho”8. Ali a autora nos mostra como nos dualismos

racional/irracional;ativo/passivo;pensamento/sentimento;abstrato/concret o; e universal/particular, o primeiro destes elementos não aparecem apenas como superior ao outro, senão que ao mesmo tempo se os associa com o masculino, enquanto que o subordinado seria próprio do feminino.

Me parece interessante advertir que, embora durante muito tempo a “latinidade” foi sinônimo de civilizado, 9 a partir do processo de

“relocalização” previamente analisado, se poderia afirmar que muitos dos traços que, segundo Olsen, se assignam ao feminino, também se associem ao mundo latino. Basta pensar nos arquétipos que são apresentados pelo cinema ou séries de televisão, empresas de turismo, revistas de interesse geral. O apaixonado “latin lover”, os ferventes aficionados pelo futebol que fazem inigualável o espetáculo de Boca– River, as sensuais danças latinas, as “ruta del bacalao”10, as “vendetas”,

as famílias numerosas, as senhoras fervorosamente religiosas, os camponeses dormindo placidamente sob o sol em pleno horário de trabalho e tantos exemplos mais. A construção desta sorte de senso comum, é o que, ao mesmo tempo que aparentemente ressalta o lado positivo desses atributos, legitima a primazia do pensamento racional, abstrato, universal, próprio da cultura anglo-saxã (ainda que também germânica).

8 Referência completa na seção de bibliografia.

9 Já voltaremos a este ponto quando analisarmos o complexo vínculo da América com o

latino.

10 Traduzido ao pé da letra: “Rota do Bacalhau”, originário de Valencia, movimento

nascido com fins de contracultura vanguardista, terminou virando símbolo de excessos e consumo de drogas, onde se organizavam “festas loucas”, que duravam até quatro dias. [N. T.].

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2- A latinização da América

Assim como é possível problematizar a própria ideia de mundo latino, e resulta pertinente ver como essa noção tem se construído historicamente, outro tanto ocorre com a “latinidade” da América. Nesta parte, trataremos de mostrar em primeiro lugar como a cultura jurídica de nossos países vem determinada por três tradições imperiais, que condicionaram seu potencial emancipatório. Também veremos como a expressão “América Latina” é relativamente recente, e foi utilizada para legitimar determinados projetos recolonizadores. Deste modo, o latino na América aparecerá como civilização, mas também como barbárie.

2.1. A Herança pesada

É um lugar comum destacar como traço próprio de nossa cultura jurídica o formalismo, o normativismo e, - no âmbito penal – uma concepção autoritária, práticas não-liberais, ausência do contraditório, etc. Se, utilizando a terminologia de Bachelard (1972), fizéssemos um tipo de psicanálise da razão jurídica latino-americana, advertiríamos que boa parte dessas características são resultado da herança legada pelo mundo latino, configurada durante três impérios e plasmada em três construções jurídicas: o direito romano, o modelo inquisitivo e o código de Napoleão.11

2.1.1. O Legado de Roma

É notável como o direito romano mantém sua influência na formação dos juristas de nosso continente, e assim o faz por mais de um caminho. Por um lado, até poucos anos a matéria “Direito Romano” tem formado

11 Decidimos apresenta-los nesta ordem, respeitando uma cronologia global, ainda que,

obviamente, é a colonização ibérica que fez possível a entrada do direito romano em nosso continente.

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parte do currículo da maioria das escolas de advocacia (o que continua sendo em muitas delas). Isso não seria preocupante se não fosse o fato de que seu ensino tem sido parte crucial de uma concepção que apresenta o direito como um fenômeno ahistórico e neutro. Como se tudo o que houvesse que se saber sobre o jurídico tivesse origem em uma desenvolvidíssima concepção que há milhares de anos estabeleceu, de uma vez por todas, e para sempre, os vínculos jurídicos.

Para tomar o exemplo de Carlos Cárcova, basta uma análise superficial para nos fazer pensar que, por ter-se mantido certas denominações, o vinculum, ou a obligatio são figuras semelhantes às de nossos ordenamentos positivos, (CÁRCOVA, 2009) deixando de fora da análise os modos de produção, formas de governo, tipos de bens no comércio ou tantos fatores mais presentes em um ou em outro período histórico.

Também é importante ter presente que o Corpus Iuris Civilis, a compilação através da qual o direito romano chega até nós, não apenas contém normas de direito privado, mas também de direito público e inclusive canônico. Essa combinação será chave para entender o efeito conservador que tem tido nossa cultura jurídica. Por outra parte, o direito romano também tem sido particularmente influente na formação do modelo de ciência, próprio da dogmática jurídica que se consolida durante o século XIX.

Tanto Savigny, com o desenvolvimento da “pandectística”, como posteriormente o primeiro Ihering, através da chamada “jurisprudência de conceitos”, encontram no direito romano a manifestação de uma racionalidade e universalidade, que não era necessária ser buscada em um conjunto de princípios abstratos, como pretendia o iusnaturalismo racionalista, senão que já havia tido uma manifestação concreta: “A importância do direito romano para o mundo moderno não consiste em haver sido em um momento a fonte do direito, já que isso foi passageiro;

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sua autoridade reside na profunda revolução interna, na transformação completa que fez sofrer todo nosso pensamento jurídico. O direito romano, como o cristianismo, se converteu em um elemento da civilização do mundo moderno”.(IHERING, 1992: 34).12

2.1.2. A Colonização

O impacto da conquista da América na história do pensamento ocidental moderno, tem sido muitas vezes subvalorizada. Em geral, apresentamos a reforma protestante como o ponto de partida de um processo de secularização, que culmina nas revoluções burguesas e chega ao nosso continente importado por revoluções liberais. Entretanto, como sinaliza Boaventura de Sousa Santos, as dicotomias próprias do pensamento moderno se constroem sobre linhas “abissais”, (SANTOS, 2010: cap.2) muitas vezes invisíveis. Neste sentido, a distinção entre sociedades metropolitanas e territórios coloniais será crucial, tanto para a ciência, quanto para o direito moderno, que ficam de um lado da linha.

No Novo Mundo, “do outro lado da linha”, não há conhecimento real; há magia, idolatria, crenças, opiniões. É a terra sem lei, o exemplo vivo do estado de natureza. Resulta muito interessante, ademais, observar como, particularmente a Espanha, leva adiante a conquista do Continente, e como isso impacta as futuras instituições jurídicas da América. Esse modo vem marcado pela reconquista. Como defende Alberto Filippi “(...) o estigma com o qual a península ibérica começa a dominante expansão etnocêntrica do Ocidente, deriva da profunda experiência militar de derrotar os árabes, e da [experiência] jurídica de expulsar os judeus”. (FILIPPI, 2015: 60)

Assim como serviu para levar adiante a “limpeza do sangue”, que pretendia dar identidade histórica e política à Espanha, e delimitar suas

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débeis fronteiras interiores, a inquisição – como parte do quadro jurídico/político/militar – foi uma ferramenta chave para coroar o etnocentrismo e manter povos originários, negros e mestiços, subordinados, separados e discriminados em distintos âmbitos da hierarquia colonial.

Não é difícil de explicar, então, como essa tradição desaguou em um modelo de processo radicalmente autoritário, no qual a dogmática penal, e principalmente, a doutrina processualista, não vacila em adotar o jargão do modelo inquisitivo.13 Ferrajoli caracteriza este modelo de direito e de

processo penal com base em duas características, uma relativa à definição normativa (substancialismo penal e cognitivismo ético) e outro à comprovação judicial do afastamento [desviación] (decisionismo processual e subjetivismo inquisitivo) (FERRAJOLI, 1995: 40-45).

Este modelo, que tem permanecido vigente em boa parte da América Latina até os últimos anos do século XX, ainda rege, total ou parcialmente, muitas jurisdições – reproduz a lógica do magistrado como um delegado do soberano, onde o juiz é simultaneamente investigador e decisor, o procedimento é escrito, em boa medida secreto, e não há igualdade de armas entre acusação e defesa, nem mecanismos de controle externo das decisões.

2.1.3. A Codificação Napoleônica

O código de Napoleão será o terceiro grande aporte da cultura “latina” ao nosso continente. E igualmente como aconteceu na Europa, se operará a partir dele uma transformação definitiva do papel dos juristas. Como já temos defendido, os juristas, esses “descobridores” das regras

13 Para a relação entre o modo de determinar a verdade processual e o conhecimento

científico próprio da indagação, ver a clássica Terceira Conferência brindada por Foucault, realizada na PUC do Rio de Janeiro, em (FOUCAULT, 2001: 63 e ss); Para uma perspectiva contrária a tal postura, (FERRAJOLI, 1995: 264).

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que teriam que guiar a conduta humana através da Razão, passam a ser apenas simples “repetidores” de um código, que se supõe coerente, completa e sistemática expressão da Vontade Geral. (DUQUELSKY, 2012). Mas esse não é o traço que mais nos interessa ressaltar neste ponto, senão o modo paradoxal, no qual o modelo de propriedade privada da codificação francesa impactou a América Latina.14

E o apresentamos como um paradoxo porque, enquanto que o modelo proprietário francês pode ser visto como uma reação à configuração feudal, em nosso continente a codificação civil – ainda que esteja fortemente influenciada por tal fonte – possibilita e legitima a repartição de vastíssimos territórios entre alguns poucos latifundiários. No caso argentino, por exemplo, o Código Civil de 1870 contém uma série de dispositivos que permitiram a aprovação da terra pela oligarquia de Buenos Aires, após a violenta expulsão e o aniquilamento das populações nativas [autóctonas]. Um princípio estabelecido no Código Civil – expõe Javier Azzali (2014) -, seria chave ao longo do tempo para que se consolidasse o poder de uma classe ausente do território: o título constitui o direito de propriedade sem necessidade de configurar a posse efetiva.

A consolidação durante o século XIX deste modelo latifundiário, também é necessário para garantir o papel dos novos países “independentes” da América Latina, como exportadores de matérias primas no novo esquema de divisão internacional do trabalho. Como indicam Pisarello e Tedeschi:

Esta nova ordem exigia, antes de mais nada, a construção de um Estado ‘nacional’ capaz de assegurar a produção orientada à exportação. Este processo comportou uma nova onda de pilhagens contra os setores mais vulneráveis do antigo regime. A partir do Estado emergente, se impulsionaram campanhas de extermínio dirigidas a “pacificar” o deserto, se organizou um gigantesco processo de privatização da terra, e se propiciou a substituição da população nativa por imigrantes dispostos a prover a mão de obra que a nova economia requeria. A extensão de alambrados, a criação de

14 Uma excelente análise do caso argentino pode ser encontrada na Dissertação de

Mestrado, ACOSTA MAGDALENA, Mariel. (2015). El derecho de propiedad inmueble

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cadastros, escrituras e registros, a conversão forçada de parte da população mestiça em peões rurais, foram a certidão de nascimento de algumas relações de propriedade, pensadas ao serviço de um modelo de sociedade elitista e excludente (PISARELLO, TEDESCHI, 2011)

2.2. A Construção Europeia da América Latina

Se rastrearmos a origem da expressão América Latina ou “Latino América”, indicaríamos que remonta à segunda metade do século XIX. A “invenção semântica da latinidade”, como denomina Filippi, (2015: 385 et segs) à pretensão de impor este nome à América que havia sido ocupada por espanhóis e portugueses, foi o eixo da política expansionista francesa de Napoleão III, que entre 1862 e 1866 invade o México sob a égide do exercício de uma suposta vocação imperial da raça latina.

Essa invenção, continua Filippi, foi decisiva para a ideologia “crioulo europeizante”, e o permitiu combater os traços de “barbárie” que sobreviviam sob a forma de mestiçagem, etnias indígenas e afrodescendentes. Foi assim como, em seu tempo, a opinião pública europeia acompanhou o intento de Napoleão III, como um modo de culminar a tarefa que estava inconclusa com as declarações de independência. É por isso que encontramos uma profunda resistência a assumir esse suposto caráter “latino” por parte de autores como o mexicano José Vasconcelos,15 ou José Carlos Mariátegui, possivelmente o

primeiro autor peruano de origem marxista, que, em suas “Divagações sobre a latinidade”, (1950) confronta não apenas a ideia original de latinidade, cunhada pelos franceses, mas também com a reinvindicação de Mussolini.

Efetivamente, também il Duce havia invocado a antiga glória do império romano e a ascendência latina sobre a América do Sul, especialmente com a Argentina, um dos primeiros países a estabelecer vínculos estreitos com o fascismo. O fundamento: não apenas o

15 Neste sentido é famoso o artigo “Reneguemos del latinismo”, em La Antorcha, 3, 18

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“descobridor do Novo Mundo, Colombo, era de estirpe latina, mas também o era o próprio ‘inventor’ do nome do continente, Américo Vespúcio. Inclusive Simón Bolívar é apresentado na mitologia fascista como ‘encarnação do gênio latino, continuador de Júlio César e precursor do Duce Mussolini’”. (FILIPPI, 2015:389)

Mariátegui adverte severamente o uso reacionário da latinidade, e por isso entende que os setores progressistas devem estar atentos e rechaçar inclusive o uso da expressão América Latina. Diz o autor peruano:

Espiritual [e] ideologicamente, os espíritos da vanguarda não podem, por outro lado, simpatizar com o velho mundo latino. É necessário agregar às veementes razões de Vasconcelos, outras mais atuais. O fenômeno reacionário se alimenta da tradição latina. A “Reação” busca as armas espirituais e ideológicas no arsenal da civilização romana; o fascismo pretende restaurar o Império. Mussolini e seus camisas negras ressuscitaram na Itália o machado do Lictor, os decuriões, os centuriões, os cônsules, etc. O léxico fascista está totalmente impregnado de nostalgia imperial. O símbolo do fascismo é o fascilotório. Os fascistas saúdam romanamente ao seu César. (MARIÁTEGUI, 1950: 170-171)

Em oposição à América “latinizada” por franceses e italianos, ainda que igualmente reacionária e autoritária, podemos encontrar, principalmente em torno aos anos 1930, uma ideologia que disputa seu predomínio cultural: a noção de “hispanidade”, cuja análise excederia o alcance deste trabalho. Entretanto, é muito interessante ver, além disso, como essa tensão marca as complexas relações entre o regime fascista italiano, e o franquismo espanhol.16

Ainda que, também complexas, tampouco podemos deixar passar a relação da Igreja Católica com essas ideologias, que encontramos tanto no caso de Napoleão III, que reivindicava a França como herdeira das nações católicas europeias, como no caso de Mussolini e suas relações com o Vaticano, ou como no de Franco, “caudilho da Espanha pela graça de Deus”.

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O traço comum de todos esses projetos de raiz latina para nosso continente – uma vez mais, França, Itália e Espanha – novamente obstam a possibilidade de se construir um projeto emancipatório, toda vez que, às limitações próprias da cultura jurídica analisadas nos pontos prévios, se somam concepções que servem de base para um modo autoritário de exercício do poder, e para continuar com a eliminação de qualquer vestígio de influência cultural não europeia.

2.3. Do Latino como Civilização ao Latino como Barbárie

Não é de estranhar, então, que em meados do século XX, tanto o liberalismo político, como o positivismo jurídico – cada um a seu modo reivindicando um suposto universalismo -, foram vistos como um autêntico avanço civilizatório frente a uma latinidade que na América se associa ao autoritarismo e, principalmente, ao “atraso”. O centro do mundo se transladou para o norte do continente e em consequência, a América Latina passa a ser vista como “o quintal” do império, e o máximo de emancipação viável aparece representada pela democracia liberal e o livre mercado. A visão do latino já não tem mais o seu epicentro em Roma ou Paris, mas sim em Miami. Vai além disso, em muitos de nossos países assistimos ao aberto confronto entre a direita nacionalista católica e a direita liberal, entendendo este último termo apenas no sentido econômico.

Um modelo de ciência do direito, como o proposto pelo positivismo jurídico, é visto como uma “evolução” frente à preeminência do pensamento aristotélico tomista, e o ceticismo ético defendido em termos democráticos. Basta ler “o que é a Justiça? (KELSEN, 1993) para compreende esta posição. Um dos traumas do pensamento jurídico e político latino americano, herdado da Europa, é o temor da ditadura da maioria. Efetivamente, regimes como o nazismo e o fascismo subiram ao

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poder com forte apoio popular, e, em nome do povo, dizimaram os direitos das minorias. Mas, como temos sustentado em um trabalho recentemente publicado, não devemos perder de vista que as noções de “maioria-minoria”, não podem ser associadas diretamente com situações de maior ou menor poder real. Em nossas sociedades existem minorias privilegiadas e poderosas, e enormes maiorias que representam os setores mais fracos e vulneráveis. (DUQUELSKY, 2015)

Nossas ditaduras tem sido sempre ditaduras das minorias, que em nome da república, da democracia e da liberdade, violaram sistematicamente os direitos que diziam defender. Por isso é quase uma falta de respeito com suas vítimas seguir invocado uma e outra vez esse temor. Um dos traços da “barbárie”, que geralmente é imputado aos países da Ibero américa, é sua falta de respeito pela lei.17 De fato, um dos

problemas jurídicos do mundo latino sobre o qual se ocupa este encontro, é precisamente a anomia.

Não obstante, seria interessante perguntarmos quais razões nossas sociedades deveriam ter para cumprir a lei. Neste sentido, apesar da extensão da citação, creio que valha a pena recordar as palavras de Zaffaroni, um dos mais destacados juristas da América Latina:

Esta não é uma característica negativa de nossos povos, senão um produto de experiência histórica. Quando se compara com os alemães se indica como positivo que eles têm fé no Direito, creem no Direito, [mas não se percebe] a extrema diversidade histórica. Se os alemães acreditam no Direito, é porque ao longo de tudo o que lhes passou, por mais aberrante que tenha sido, protagonizaram personagens que se apresentaram diante de seu povo com o rosto que Deus ou o diabo os havia dado: o imperador era monárquico, os revolucionários de Weimar eram sociais democratas, Weimar era republicana, Hitler era nazista, Adenauer era democrata cristão, a República Democrática era comunista. Na América Latina – e, em especial na Argentina – todos invocaram sempre o direito, desde os encomendeiros, que exploravam todos os índios e quase os extinguiram, com o pretexto de educá-los, como dizia o direito indígena. Na América Latina cada vez que se invocou o direito foi para enganar o povo, para legitimar sua servidão, para evitar o exercício da soberania popular. Prestemos atenção em nossa história: ninguém disse claramente que iria exercer uma ditadura. Disseram que a história que os

17 Talvez a obra mais famosa sobre o tema seja a de Carlos Nino (2005), Un país al

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impunha, em nome do liberalismo, da democracia, da República, da liberdade das instituições, do Direito. E o que fizeram? Proibiram partidos políticos, o radicalismo nos anos trinta, o peronismo nos anos cinquenta, bombardearam a Praça de Maio, fuzilaram sem processo, derrogaram constituições por decreto, exilaram, sequestraram, torturaram, confiscaram e, finalmente, fizeram desaparecer trinta mil pessoas. Tudo em nome do Direito.18

Agora, se nos perguntarmos como foi possível que a principal alternativa contra os traços autoritários e antidemocráticos dessa tradição latina fossem o liberalismo anglo-saxão e o positivismo jurídico, é porque eles obedecem, em boa medida, aos limites do pensamento jurídico crítico de raiz eurocêntrica.

Podemos encontrar essas limitações a partir da origem do pensamento de esquerda. Como ressalta Boaventura de Sousa Santos, em sua crítica radical à democracia liberal, Marx contrapõe ao sujeito monumental, que é o Estado liberal, outro sujeito monumental: a classe operária. Essa redução leva igualmente à redução das especificidades e as diferenças que fundamentam a personalidade, a autonomia e a liberdade dos sujeitos individuais e coletivos. Entretanto, passa por alto o componente étnico cultural, o impacto do colonialismo, etc. É notável como uma parte importante do pensamento crítico latino americano do século XX renegou o “local”, a própria terra, o “real”, e se limitou a sofisticadas discussões teóricas com autores europeus. Inclusive o constitucionalismo e a teoria do Estado reproduziram essa lógica de subordinação.

Por exemplo, se chama a atenção o lugar assignado à Constituição de Weimar em relação à Constituição de Querétaro como antecedente do constitucionalismo social. Ainda que a constituição alemã seja dois anos mais nova que a mexicana, sem sombra de dúvidas boa parte dos professores e alunos de direito constitucional conhecem mais sobre a primeira do que a segunda.

18 Eugenio Raúl Zaffaroni, Conferência realizada na ocasião de seu recebimento do título

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O mesmo ocorre com a dicotomia “estado de bem-estar/populismo”, onde, seguindo a velha tradição aristotélica de formas puras e impuras de governo, o segundo elemento se apresenta como um modo corrompido do primeiro. Inclusive o pensamento de esquerda, praticamente até o aparecimento de Laclau (2005), aceitou com frivolidade a carga emocional negativa ou pejorativa do termo. E isso tem impactado não apenas em níveis teóricos, mas, principalmente, no sentido comum político e jurídico de nossas sociedades.19

Por isso é muito importante, como defende Boaventura (2010: 21), distanciar-se também da tradição crítica eurocêntrica, o que não implica descartá-la ou jogá-la na lixeira da história. “A distância com relação às versões dominantes da modernidade ocidental, acarreta assim a aproximação às versões subalternas, silenciadas, marginalizadas de modernidade e racionalidade, tanto ocidentais, quanto não ocidentais”.

3.- O Mundo Latino como Projeto Emancipatório. Aportes de ambos os lados do Atlântico

Depois de seis mil palavras advertindo sobre o impacto do “latino europeu” na cultura jurídica “latino-americana”, e, principalmente, os riscos de reproduzir internamente o colonialismo cultural que se tenta combater, alguém poderia supor que este trabalho pretende de algum modo justificar certa oposição ao projeto de formulação de uma filosofia do direito para o mundo latino. Nada mais longe da realidade. Nesta parte final gostaríamos de destacar alguns fatores histórico-políticos, e alguns traços de nossa cultura jurídica que, a partir de ambos os lados do

19 O modo em que este dualismo é percebido nos setores médios da América Latina

reflete um componente colonial e racista que muitas vezes não é advertido. O raciocínio implícito é do tipo “Como no estado de bem-estar europeu os beneficiários são brancos, está certo que o Estado os proteja. Sem dúvidas um francês ou um sueco que não trabalha é porque não consegue emprego. Ao contrário, se um latino americano de tez morena não trabalha, é um vadio que vive de benefícios sociais”.

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Atlântico – permitiram pensar uma iusfilosofia do direito para o mundo latino como projeto emancipador. Isso será possível, ademais, porque nenhuma cultura – mais além de suas pretensões universalizantes – é fechada e absoluta, já que no processo de constituição de direitos, há imposições, resistências, interpretações e influências diversas, etc.. Inclusive, porque as coisas não saem sempre como o previsto.

3.1. Influências latino europeias na construção de projetos contra-hegemônicos

3.1.1. Sobre as repúblicas, frades e escravos

Iniciávamos a segunda parte deste trabalho referindo-nos à pesada herança de uma cultura jurídica construída com base no direito de três impérios, o romano, o espanhol e o napoleônico. Devemos reconhecer, entretanto, que essa herança possui algumas joias no fundo do baú.

Assim, por exemplo, podemos ver como em oposição à influência conservadora do direito romano imperial, os liberais crioulos no início do século XIX são fortemente influenciados pela Respublica Romanorum.

O problema crucial dos revolucionários americanos não monárquicos, era buscar um fundamento de legitimação da passagem da monarquia à república. E a experiência histórica da Libertas romana era um bom exemplo disso. Não apenas isso, pois essa mesma experiência havia sido fonte em tempos modernos, de experiência republicana em cidades europeias por breves períodos, como Florença, Amsterdã ou Genebra, e inclusive de um modo muito mais duradouro na República de Veneza. (FILIPPI, 2015: 136)

E assim como os independentistas latino americanos se inspiram na república ao invés do império, José Carlos Mariátegui se pergunta: “Quais elementos vitais podemos buscar, então, na latinidade? ”. Ao que responde: “Nossas origens históricas não estão no Império. A herança de

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César não nos pertence; nos pertence, melhor dizendo, a herança de Espártaco” (MARIÁTEGUI, 1950 173). Do mesmo modo, podemos advertir que tampouco é linear e pacífico o modo no qual os conquistadores espanhóis levaram adiante o processo colonizador e evangelizador. E o que encontram em seu caminho não foi apenas resistência por parte das populações originárias, mas também entre suas próprias linhas.

Excederia em muito o propósito deste trabalho, fazer um recorrido preciso de cada uma das etapas deste processo. Aqui, simplesmente sinalizamos seu ponto de partida: a denúncia de Antonio Montensino, em 21 de dezembro de 1511, na cidade de Santo Domingo, que marca o começo das reclamações em relação às condições de tratamento desumano contra os povos subjugados no continente americano. A partir disto, e principalmente com a figura de Bartolomeu de las Casas e sua famosa “Carta ao bispo de Chiapa sobre a matéria dos índios que foram feitos escravos [...]”,20 podemos encontrar uma longa história onde, no

direito “indígena” – que cumpre um papel central para possibilitar a exploração e o extermínio – se inscrevem marcas de resistência, e se encontram personagens que “usam-no de forma alternativa”, a favor da proteção dos indígenas, mestiços, negros e mulatos.

Outro tanto acontece com a influência francesa na América Latina e seu processo emancipatório. Assim como na primeira parte mostramos como o Código de Napoleão – que claramente é um corolário do processo iniciado com a revolução de 1789 – cumpriu um papel conservador a partir de seu modelo de direito de propriedade, seria injusto não reconhecer a influência decisiva de muitas das ideias de seus antecessores franceses no processo revolucionário americano.

Se buscamos ressaltar um impacto radicalmente revolucionário daquelas ideias, nada melhor que pôr em primeiro plano a revolução

20 “Carta al obispo de Chiapa sobre la materia de los indios que se han hecho esclavos y

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haitiana, tantas vezes esquecida. Porque o Haiti não foi apenas o primeiro país da América Latina a proclamar sua independência, mas também foi o primeiro a derrogar a escravidão.21 Em um longo processo revolucionário,

que se inicia em 1790 e culmina em 1804, resulta particularmente ilustrativo, além das diversas correntes e visões em conflito na antiga metrópole, onde, os ideais de liberdade e igualdade proclamados para os europeus, em mais de uma ocasião são postos entre parênteses para a colônia.

Do mesmo modo, se observa como os mulatos ricos, os principais interessados no início da revolução, enfrentam os brancos, e em outro momento enfrentam a rebelião dos escravos, homens de cor que são em número dez vezes maior do que a população livre. Outro dado interessante para mostrar as múltiplas arestas destes processos, é que a constituição de 1801 consagra a abolição da escravidão, mas não a independência. Assim, em seu artigo terceiro estabelece que “Não haverá escravos neste território. Aqui, todos os homens nascem, vivem e morrem livres e franceses”. Outro breve exemplo é como os processos de construção de direitos não resistem a análises lineares, nem monocausais, e, deste modo, permitem, paradoxalmente, usos conversadores e emancipatórios.

3.1.2. Sobre os imigrantes, exilados e veteranos de Guerra

Assim como a figura do colonizador tem sido central para a formação da identidade da América Latina, o mesmo ocorre com a figura do imigrante. Não devemos perder de vista que boa parte dos europeus

21 Mereceria uma análise especial no modo em que ambas questões se cruzam e,

possivelmente, ver como isso tem incidido no futuro de tal país. De certa maneira, se trataria de uma análise similar à das revoluções (a norte americana e a francesa) onde resulta muito interessante a proposta de Hanna Arendt, que considera “boa” a norte americana, e “má” a francesa, já que a primeira é pura em sua ânsia pela liberdade, enquanto que a segunda mescla o problema da igualdade. Ver (HABERMAS, 2000).

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provenientes de países latinos que habitam nosso continente, principalmente nos países do eixo sul, provêm dos estratos sociais mais baixos em suas terras de origem.

Isso tem feito que, além de formar parte do sistema de dominação colonial, sobretudo em termos étnicos, muitos desses imigrantes chegaram com uma bagagem potencialmente emancipatória, por causa de suas experiências políticas ou sindicais na Europa. O caso mais significativo, sem sombra de dúvidas, é o argentino, onde o mandamento constitucional de “fomentar a imigração europeia”, corroborou com a vinda de milhares e milhares de comunistas, anarquistas e socialistas provenientes do velho continente, a tal ponto que, em 1902, a pedido da União Industrial Argentina, se ditou a chamada “Lei de Resistência”, que permitia ao Poder Executivo deportar todo estrangeiro que houvesse sido condenado, ou fosse perseguido pelos tribunais de seu país de origem, e a todo aquele cuja conduta comprometesse a segurança nacional ou perturbasse a ordem pública.

A essas ondas migratórias sucederiam outras, cruciais para a configuração do pensamento emancipatório latino americano. Produto dos regimes autoritários encabeçados por Franco e Mussolini, os imigrantes econômicos seriam sucedidos por exilados políticos. Deste modo, diferentes autores de viés marxista, e também liberais e sociais democratas, começaram a ser estudados por nós, de forma mais intensa. Muitos dos exilados, ademais, com uma importante formação acadêmica em seus países de origem, se integram às universidades latino americanas.22

Finalmente, o pós-guerra europeu gera uma última onda migratória, mas também um importante intercâmbio entre os exilados radicados em nosso continente, e os intelectuais europeus que começam a repensar a

22 Um caso emblemático, o grande jurista espanhol Luis Jiménez de Asúa; ver AAVV

Estudios Jurídicos En Homenaje Al Profesor Luis Jiménez De Asúa. Buenos Aires:

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reconstrução institucional de seus países. Neste contexto, por exemplo, começa o frutífero e incessante intercâmbio entre Norberto Bobbio e a América Latina. (FILIPPI, 2001)

3.1.3. Sobre as Ditadura e os Novos Exilados

Infelizmente, as seguintes décadas também fomentaram intercâmbio entre a intelectualidade progressista latino americana e europeia, ainda que agora os exilados fossem em sentido inverso. Embora os golpes de estado em nosso continente começaram várias décadas atrás, a partir dos anos sessenta e principalmente nos setenta, os níveis de violência e intolerância alcançaram níveis nunca antes imaginados. Foi assim como muitos pensadores da América Latina, não apenas se formaram em universidades europeias e trocaram ideias diretamente com pensadores de esquerda da época, mas além disso, viveram pessoalmente alguns processos que me interessa destacar.23

O primeiro deles é o “maio francês”, que resulta particularmente relevante por representar o fim do monopólio do conflito de classes como conflito social. Em certo sentido, ainda quando - como todo marco histórico – seja mais metafórico que específico (já que pela mesma época se desenvolveram outros episódios semelhantes, como a luta pelos direitos sociais nos EUA, a primavera de Praga, etc.), o certo é que a reclamação dos estudantes franceses põe em claro que existem outras formas de dominação além da apropriação dos ganhos de capital.

Em segundo lugar, especialmente relevante para o pensamento jurídico crítico da Argentina e Brasil, o movimento do “uso alternativo del diritto” italiano. Como se sabe, entre os prestigiosos integrantes deste movimento se destacam autores como Pietro Barcellona, Luigi Ferrajoli,

23 Me limitarei a citar três exemplos, um italiano, um francês e um espanhol, para manter

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Giusepe Coturri, Salvatore Senese, Vincenzo Accattatis, Domenico Pulitano, Francesco Misiani, etc. Apesar de suas particularidades, tais autores coincidem em constatar que o sistema jurídico não é um conjunto compacto de normas, mas uma entidade descontínua e cheia de lacunas. A tarefa que consiste na determinação e constituição de sentidos já não será, então, considerada técnica, mas axiológica, valorativa, teleológica. Dalí que pudesse se cumprir com a finalidade de preservar o status quo existente, ou, ao contrário, com a intenção de favorecer os interesses das classes subordinadas, de facilitar a ampliação da cidadania, de lutar contra a exploração (DUQUELSKY, 2000)

Finalmente, não podemos deixar passar a relevância do retorno à democracia na Espanha, para o que, durante as décadas seguintes, seriam processos semelhantes na América Latina, particularmente o debate em torno da nova Constituição Espanhola de 1978. A influência do pensamento iusfilosófico espanhol da época, com todas as suas variantes conceituais e ideoógicas seriam determinantes na formação de muitos dos mais prestigiosos juristas latino americanos, alguns dos quais foram testemunhas desse processo.

3.2. Também temos muito a dizer

Possivelmente, aqueles que responderam à chamada para pensar em “Uma filosofia do direito para o mundo latino”, tenham desacordos com boa parte dos pontos do decálogo proposto pelo professor Atienza e – para dizê-lo em termos do pouco latino John Rawls - , inclusive seja difícil encontrar um “consenso sobreposto” que vá mais além do desejo de tentá-lo. Consideramos também que o êxito deste projeto coletivo depende, em grande medida, não apenas da pluralidade de vozes que participam, mas também da capacidade de pensar e repensar constantemente suas próprias premissas e pontos de partida.

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As indicações formuladas a partir de uma visão crítica latino americana, por outro lado, não devem ser vistas apenas como uma “reclamação” com intuito que sejam atendidas suas preocupações, ou respeitados seus pontos de vista, senão que estamos convencidos que o “sul do norte” pode aprender muito com o “sul do sul”. Igualmente ao que temos feito ao longo de todo este trabalho, não apontaremos principalmente à análise metateórica, senão que sinalizaremos alguns traços dos sistemas e práticas desenvolvidas na América Latina nos últimos anos, que refletem uma tendência – alguns passos, alguns avanços – até a construção de um sentido comum jurídico-político alternativo, que podem ajudar a pensar o modo de encarar problemas similares em países latinos europeus, muitos deles até agora inéditos no Velho Continente.

Há pouco tempo assistimos a um “acontecimento político” na Grécia que pareceu pôr em crise de forma definitiva a representatividade democrática, inclusive sob formas de democracia indireta como o plebiscito ou referendo. As negociações financeiras que condicionavam o futuro do desenvolvimento econômico grego, seguiram um caminho à margem do resultado da consulta popular. E embora o exemplo seja tomado de um país não latino, a crise da representação política também afeta boa parte da Europa latina. Da mesma forma, essa crise obriga a repensar as formas de ação política e os limites da democracia liberal.

Por isso, mais além de que, a partir de um ponto de vista formal, podemos aceitar que tanto nos países da Europa como da América, “o Estado Constitucional opera como um ideal regulador para o desenvolvimento do Direito e da cultura jurídica”, também devemos reconhecer seus limites.24 Assim, como é enriquecedor neste ponto do

debate em torno ao “neo-constitucionalismo”, não podemos deixar de sinalizar que em nosso continente também se tem desenvolvido o que

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alguns tem chamado de “Novo Constitucionalismo Latino americano”, surgido em torno aos estudos e reflexões a partir das reformas constitucionais da Colômbia (1991), Argentina (1994), Venezuela (1999) e, particularmente, do Equador (2008) e Bolívia (2009).

3.2.1. Novas velhas formas de ação política

Dos múltiplos aspectos de interesse que apresentam esses processos, me referirei, em primeiro lugar, ao papel dos movimentos sociais no processo constituinte. Nos anos noventa, proliferaram os trabalhos em torno aos chamados “novos movimentos sociais” (NMS), que apareciam como os representantes de uma nova forma de ação política. (DUQUELSKY, 2001). A maioria desses estudos, de origem europeia, destacavam a composição social heterogênea de seus membros, o prosseguimento de objetivos ou necessidades de corte pós-material, o caráter lúdico de suas manifestações, etc.. Entretanto, também surgem na América Latina NMS’s cujo propósito é perseguir a satisfação de velhas necessidades. Em palavras de Boaventura de Sousa Santos:

Basta ter em mente as diferenças significativas em termos de objetivos de ideologia e base social entre os NMS’s dos países centrais e os da América Latina. Entre os valores pós-materialistas e as necessidades básicas; entre as críticas ao consumo e as críticas à fala de consumo, entre o hiper-desenvolvimento e o sub (ou anárquico) hiper-desenvolvimento, entre a alienação e a fome, entre a nova classe média e as (pouco esclarecedoras) classes populares, entre o estado-provedor e o estado autoritário, há, naturalmente, diferenças importantes. (SANTOS, 2001)25

A crise do modelo neoliberal na América Latina, no final dos anos noventa, não implicou apenas uma crise política sem precedentes, senão que resignou o papel dos Novos Movimentos Sociais. No caso da Bolívia, particularmente, o processo que desemboca na aprovação da Constituição

25 “Los Nuevos Movimientos Sociales”, em OSAL, Observatorio Social de América

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de 2009, teria sido impossível mediante um sistema de representação político partidário ou gremial tradicional. Neste sentido, o exemplo bolivariano não deveria ser menosprezado na hora de reformular o nexo entre a cidadania e a determinação de seus modos de governo. (CHAPLIN, 2010)

Um grupo de movimentos sociais de outro perfil, com incidência particular na cultura jurídico-política argentina mereceria um parágrafo à parte, mas, por razões de extensão não vamos desenvolver: os movimentos de direitos humanos que brigam pela memória, verdade e justiça em relação às violações aos direitos humanos na ditadura cívico-militar. Através de sua luta seguem levando adiante processos que alcançam, não apenas os militares genocidas, senão que nos últimos tempos se tem avançado também sobre os responsáveis civis, que utilizaram as forças armadas como veículo para impor suas políticas econômicas.

Aplicando o princípio da imprescritibilidade nos delitos de lesa humanidade, as construções jurídicas permitiram que continuassem as investigações dos delitos realizados há quarenta anos, sem que fosse necessário recorrer a tribunais especiais, e com absoluto respeito às garantias constitucionais dos imputados também constituem um caso interessante a ser estudado, com o qual há muito para se aprender.

3.2.2. Constitucionalização do pluralismo étnico e jurídico

Estudar as experiências latino americanas também pode ser interessante para uma Europa que sofre frente aos problemas vinculados à imigração, os refugiados, a diversidade cultural e o fundamentalismo religioso. Isto não pretende ignorar outro debate, muito mais complexo, sobre a elaboração de uma concepção intercultural dos direitos humanos, ou melhor, para usar palavras de Boaventura (2010: 63 e ss), ao

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desenvolvimento de direitos humanos interculturais pós-imperiais. Já poderíamos encontrar o reconhecimento constitucional às faculdades jurisdicionais dos povos originários, há um certo tempo, nas constituições do México, Perú e Colômbia26, entre outras. A novidade das constituições

do Equador e Bolívia se dá pelo fato de irem além.

O artigo primeiro da carta magna equatoriana estabelece que é “um Estado Constitucional de Direitos e Justiça, social, democrático, soberano, independente, unitário, intercultural, plurinacional e laico”, enquanto que o preâmbulo da constituição Boliviana define sua organização política como um Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário.

Em ambos os casos o reconhecimento também alcança o plano idiomático, direito à identidade, propriedade de terras comunitárias, conhecimento coletivo, educação multicultural e, evidentemente, a administração da justiça. No caso da Bolívia, é muito interessante a integração de um Tribunal Constitucional plurinacional, além de garantir representação parlamentar especial e a autonomia indígena originária camponesa.

3.2.3. A Pacha Mama e o bem viver

Possivelmente a novidade mais significativa das constituições modernas de nosso continente passe pela relação com a natureza, seu reconhecimento como sujeito de direitos, o que constitui basicamente um intento de reestabelecer o vínculo ancestral entre a mãe terra e as comunidades humanas. O profundidade desta mudança de perspectiva implica romper com algumas dicotomias do pensamento moderno, onde “natureza/sociedade” é apenas uma delas, já que também supõe romper

26 Pode servir nossa análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional Colombiano em

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o dualismo “direitos/obrigações”, possibilitando o reconhecimento de direito a entidades incapazes de ser titulares de deveres.

A partir do preâmbulo de ambas as constituições encontramos assignado um lugar especial para essa relação. No caso do Equador se proclama “(...) Celebrando a natureza, a Pacha Mama, da qual somos parte e que é vital para nossa existência (...) Decidimos construir uma nova forma de convivência cidadã, com diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o bem viver, o sumak kawsay (...)”. Por sua parte, o preâmbulo da Constituição diz: “Cumprindo o mandato de nossos povos, com a força de nossa Pachamama e com a graã de Deus, refundamos a Bolívia (...)”.

É muito interessante ver como o Título II da Constituição do Equador, relativo aos “Direitos”, se inclui um capítulo dedicado aos direitos da natureza que inclui tanto o direito de sua existência ser respeitada integralmente, a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos (art. 71), quanto o direito à restauração, independente da obrigação que tem o Estado e as pessoas naturais ou jurídicas de indenizar os indivíduos e coletivos que dependam dos sistemas naturais afetados (art. 72).

Como sinaliza Zaffaroni em seu ensaio original “La Pachamama y el Humano”27 (p. 111), o constitucionalismo andino, deste modo, dá um

salto conceitual muito relevante. Se passa do ambientalismo a um autêntico ecologismo constitucional (ecologia profunda, em palavras do autor). A invocação dos direitos da Mãe Terra já vem acompanhada, como vimos, de uma regra ética coletiva básica, contida na noção quéchua de sumak kawsay, comumente traduzida como “bem viver”. Esta noção

27 Vale a pena ressaltar que esta obra foi fundamental para uma sentença da Câmara

Federal de Cassação Penal da Cidade Autônoma de Buenos Aires, em 18 de dezembro de 2014, na qual se reconheceu direitos básicos como “sujeito não humano” a uma fêmea orangotango do Zoológico de Buenos Aires, onde dera lugar a um recurso de Habeas Corpus e se ordenou sua transferência a um santuário, no qual viveria em semiliberdade.

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difere do tradicional “bem comum”, reduzido ou limitado aos humanos, já que alcança a boa vida de todos os viventes.

Obviamente não é nossa ideia propor uma sorte de neocolonialismo inverso e que, com base nessas concepções, os países latinos da Europa passem a tomar como suas determinadas visões do mundo que nem sequer formam parte de uma importante proporção das sociedades latino americanas. Entretanto, não se pode deixar passar que, como temos sinalizado, toda cultura é incompleta e nenhuma é homogênea. Em consequência, também existirão no velho mundo aqueles que advirtam sobre a necessidade de repensar profundamente as relações entre o ser humano e a natureza, aqueles que sustentem visões radicalmente inovadoras, capazes de imaginar os nexos necessários para um diálogo frutífero com estas manifestações do pensamento jurídico latino americano.

4.- O que fazemos com o dia 29?

No dia 28 de Maio de 2016, à tarde, depois de árduas jornadas de debate e reflexão teórica, havíamos discutido acerca da constituição de uma Associação de filosofia do Direito do mundo latino, seguramente se decidirá para se organizar um congresso bienal até a publicação de uma edição que sirva como seu órgão de expressão. E depois? Assim como em várias partes do trabalho que temos sinalizado nossas discrepâncias com alguns dos pontos do decálogo do professor Atienza, há um plano no qual estamos totalmente de acordo: “talvez não tenha sentido produzir obras destinadas unicamente a outros filósofos do Direito, e menos ainda quando seus destinatários diretos parecem ser intelectuais que lhes sejam estranho tudo o que se gera fora de seus âmbitos culturais”.28

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Nosso desafio não é apenas seguir discutindo entre nós. É fundamentalmente ver de quais modos nosso saber pode contribuir a repensar o sentido comum jurídico, a acompanhar práticas jurídicas emancipatórias, a combater o colonialismo cultural, tanto externo, quanto interno. Mas é preciso ser consciente de que nos últimos trinta anos as lutas mais avançadas não foram protagonizadas por vanguardas, senão por grupos sociais cuja presença na história foi prevista pelo pensamento crítico eurocêntrico: Indígenas, camponeses, piqueteiros, afrodescendentes, mulheres, etc. (SANTOS, 2010: 19)

Nós, os juristas, deveremos, então, abandonar o papel do Sr. Wolfe – famoso “cleaner” do filme Pulp Fiction, protagonizado por Harvey Keitel -, encarregados de apagar da história as manchas de sangue das lutas pelos direitos, e aprender a trabalhar com o barro, artesãos de Oaxaca.

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