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Leo Strauss e a Gênese da Ideia de Direito Natural na Filosofia Política Clássica

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Academic year: 2021

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~

LEO

STRAUSS

E

A

GÊNESE

DA

IDEIA

DE

DIREITO

NATURAL

NA

FILOSOFIA

POLÍTICA

CLÁSSICA

Eduardo Emanuel Ferreira Leal1

RESUMO: A proposta deste trabalho consiste na tentativa de

compreender a concepção de filosofia política presente no pensamento de Leo Strauss, levando em conta principalmente os conteúdos presentes na obra Direito natural e história. Falando de forma genérica, pode-se dizer que, para Strauss, a aposta fundamental que se encontra na base da filosofia política, como empreendimento teórico, é a aposta no poder de transcendência da racionalidade, vale dizer, a aposta na capacidade da razão humana de ir além daquilo que é meramente dado em termos históricos e sociais, atingindo uma compreensão independente acerca dos fundamentos ou princípios da política. Para o pensador, a filosofia nasce no momento em que o homem se dá conta da natureza, fazendo, inclusive, a distinção necessária, entre convencionalismo vulgar e filosófico.

Palavras-Chave: Direito Natural, Convencionalismo, Filosofia

Clássica, Política.

ABSTRACT: The proposal of this work consists in the attempt to

understand the conception of political philosophy present in the thought of Leo Strauss, taking into account mainly the contents

1 Graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru -

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present in the work Natural law and history. Generally speaking, it can be said that, for Strauss, the fundamental bet that lies at the basis of political philosophy as a theoretical undertaking is the bet on the transcendence power of rationality, that is, the bet on the capacity of human reason to go beyond what is merely given in historical and social terms, reaching an independent understanding of the fundamentals or principles of politics. For the thinker, philosophy is born at the moment when man realizes nature, even making the necessary distinction between vulgar and philosophical convention.

Keywords: Natural law, conventionalism, classical philosophy,

politics.

Introdução

O debate sobre direito natural, nos dias atuais, parece trazer certa inquietação. Leo Strauss defende o resgate do direito natural2

em sua obra Direito Natural e História. Strauss nos apresenta que a existência do Direito Natural é inata à Filosofia, nos mostrando que onde não há Filosofia o Direito Natural também se faz desconhecido. De tal modo, Strauss nos apresenta que nas tradições anteriores ao descobrimento da Filosofia, o “bem” era tido como o ancestral, consagrado pela tradição. No momento em que a autoridade ancestral começa a ser questionada, eis o nascimento do Direito Natural, como algo independente as “leis dos antigos”.

Uma espécie de Lei Divina, ou Lei Natural, que suplanta em dignidade e perfeição, percebida pela própria razão, as convenções de leis positivas ou costumes de determinada época. Para exemplificar tal Lei Natural, como algo inato a Filosofia Clássica, Strauss nos apresenta a peça Antígona, de Sófocles. Antígona

2“como um direito discernível pela razão humana e universalmente reconhecido”

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desobedece ás normas do rei de Tebas, Creonte, por acreditar que suas normas não estão em harmonia com as leis divinas. O aparecimento da Filosofia modifica profundamente as relações do homem ao lidar com a política, bem como as leis de modo geral. A Filosofia abandona o que é ancestral pelo que é bom, por aquilo que é bom per se, bom por natureza.

Leo Strauss, logo na introdução de sua obra Direito natural e

História (2013), que este trabalho pretende analisar, expõe o

abandono contemporâneo do direito natural e procura mostrar como que isso incorre no relativismo.

Esse tema possui relevância filosófica no sentido de que um direito que se produz e que se embasa em uma perspectiva cada vez mais constitucional não deve deixar de tratar de temas que se relacionam a uma superioridade paradigmática. Para o autor, rejeitar a concepção de um direito superior ou paradigmático é o mesmo que aceitar que todo direito é positivo ou, ainda, que o direito é exclusivamente determinado por tribunais ou legisladores, como uma espécie de juristocracia.

A categoria de direito natural, entendida esta como um horizonte de universalidade acima das contingências históricas que, sendo acessado, pela razão a partir da própria constatação da relatividade e da multiplicidade dos códigos jurídicos e morais vigentes, permite pensar a existência de um padrão axiológico a partir do qual a lei positiva ou instituída é avaliada e eventualmente questionada. Strauss enfatiza, no texto referido, como a descoberta do conceito de natureza cumpre evidentemente um papel decisivo e fundamental na formulação da ideia de direito natural. Na visão straussiana, a descoberta da ideia de natureza se confunde com a descoberta da diferença entre o que é “natural” e o que é “convencional”, ou, usando a terminologia grega, com a descoberta

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da distinção entre physis e nomos, o que torna finalmente possível o questionamento da lei ancestral que via de regra é o alicerce da autoridade política em todas as sociedades tradicionais.3 Tal

descoberta, pretende, Strauss, é obra exclusiva da filosofia, na medida em que ela resulta diretamente da busca filosófica pelas primeiras coisas, não se encontrando, portanto, presente nas sociedades ou formas de pensamento que desconhecem a experiência da razão filosófica (nesse sentido, Strauss chama atenção para o fato de que não há nenhuma palavra correspondente à natureza no Velho Testamento). Como explica o filósofo (2014: 98), em relação a esse ponto:

A Filosofia é a busca dos “princípios” de todas as coisas, o que significa, primordialmente, a busca das “origens” de todas as coisas ou das “coisas primeiras”. Nesse sentido, a filosofia concorda com o mito. Mas o philosophos (o amante da sabedoria) não é idêntico ao philomythos (o amante do mito). Aristóteles chama os primeiros filósofos de homens que simplesmente “discutem sobre a natureza” e diferencia-os dos seus antecessores “que discutem sobre os deuses”. Diferentemente do mito, a filosofia surgiu quando se descobriu a natureza; ou por outra: o primeiro filósofo foi o primeiro homem que descobriu a natureza.

Para entendermos a problematização acerca do direito natural, devemos iniciar não por sua compreensão “científica” das coisas políticas e sim pela sua compreensão “natural”, ou seja, pelo modo como se apresentam na vida política e nas ações que permeiam nossas tomadas de decisões. Com isto, não pretendemos dizer que a vida política se iniciou a partir da descoberta do direito natural. O direito natural, como um fenômeno vinculado ao exercício da razão, teve de ser descoberto, ao contrário da vida política que o precede.

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No entanto, Strauss afirma que a vida política, de forma abrangente, se confronta, irremediavelmente, com a problemática do direito natural. Dito isto, Strauss nos apresenta que a tomada de consciência de tal problemática é contemporânea e necessária para a ciência política:

Uma vida política que desconhece a ideia de direito natural ignora necessariamente a possibilidade da ciência política e, de fato, ignora a possibilidade da ciência como tal; por outro lado, uma vida política consciente da possibilidade da ciência sabe necessariamente que o direito natural constitui um problema. (Strauss, 2013: 97)

A descoberta da natureza, para Strauss, não pode ser compreendida se por natureza se entende a totalidade dos fenômenos. A descoberta de natureza, para Strauss, é justamente a descoberta da diferenciação entre o que é natural e o que não é natural na totalidade dos fenômenos, de forma que o termo “natureza” constitui um termo dicotômico, que estabelece uma separação entre tipos diferentes de fenômenos: aqueles que são produzidos pela natureza e os que não o são. Ora, antes da descoberta da natureza, ou das coisas naturais em si, o comportamento característico de uma coisa ou classe era concebido a partir do costume, da tradição. Logo, o costume, ou o modo de ser, seria uma espécie de antepassado pré-filosófico do que o primeiro filósofo chamou de natureza.

Porém, é claro, nem tudo que é antigo é sempre correto. A noção que relaciona o antigo ao que é “nosso”, no sentido de ser correto e ancestral, dá origem ao pensamento de que tudo que é mais antigo é certo e, justamente por ser mais antigo, determina a forma correta de se comportar. Os que estavam nesse estado pré-filosófico, anterior à descoberta da natureza, viam, assim, a

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antiguidade como uma espécie de lei. Ora, Strauss explica que o procedimento que identifica o bom com o ancestral conduz necessariamente à ideia de que os ancestrais eram superiores a “nós”, constituindo uma espécie de deuses, ou pessoas que viviam perto dos deuses, o que confere, então, um caráter divino aos costumes, leis e modo de ser de nossos ancestrais, simplesmente por serem anteriores. No estado pré-filosófico, as questões eram respondidas antes mesmo de sua formulação, pois a autoridade, como o direito de ser obedecido, derivava essencialmente da lei, que era o modo de vida de uma determinada comunidade.

Ficava implícito, então, que discutir a natureza das coisas, ou o melhor modo de viver, era impossível. A filosofia era impossível, enquanto não se podia discutir a natureza da justiça, até então obscurecida pelo cumprimento inquestionável da lei. O surgimento da ideia de direito natural é, então, pressuposto necessário para colocar em dúvida a autoridade da lei ancestral, como Strauss explica:

É pelo arranjo das conversações nas obras República e Leis, mais do que pelas declarações expressas, que Platão indicou até que ponto é indispensável ter dúvidas sobre a autoridade ou libertar-se dela para descobrir o direito natural. (Strauss, 2014: 101)

Nesse sentido, a forma original da dúvida sobre a autoridade, fez, então, o caminho originário trilhado pela filosofia, a partir da qual a natureza foi descoberta, sendo então determinada pelo caráter original de autoridade. Tendo em vista a variedade de códigos morais e legais, em todas as épocas, que se contradizem entre si, com várias noções acerca da natureza do bem, justo e virtuoso, surge, então, a questão de saber-se qual é o código certo e qual seria, então, a verdadeira explicação para as coisas. Em tal assertiva, nos apresenta Strauss:

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A partir daí, o modo correto de ser não pode mais ser simplesmente garantido pela autoridade; torna-se uma questão ou o objeto de uma busca. A identidade primitiva entre o bem e o ancestral é, então, substituída por uma distinção fundamental entre as duas coisas; a busca do modo correto de ser ou das coisas primeiras é apenas a busca do bem, independente do ancestral. Trata-se da busca do que é bom por natureza, que se distinguirá do que é simplesmente bom por convenção. (Strauss, 2014: 103)

A busca pelas causas primeiras é orientada pelas duas fundamentais diferenças que antecedem aquilo que é o bem por natureza, daquilo que é ancestral. Até então, o bem era identificado com o cumprimento da lei ancestral que, por se mostrar insuficiente, obrigou os homens a diferenciar entre aquilo que supostamente sabem por terem ouvido falar e aquilo que podem compreender por si mesmos e que, sendo visível aos olhos da razão, constitui o bem natural. Ao fazer isso, o homem suspendeu qualquer juízo de valor ao abster-se do assentimento em relação ao caráter divino de qualquer código ou relato, até que os fatos em que se baseavam tais afirmações fossem, então, comprovados e demonstrados, manifestos a todos, sem contestação.

Logo, para tal, não é o Nós de qualquer grupo específico nem o Eu singular, sem embasamento empírico, mas o que é natural ao homem como homem. Uma vez descoberta à natureza, a filosofia, segundo Strauss, como já exposto, estabelece uma diferenciação crucial entre physis e nomos. Ou seja, natureza e costume. A descoberta da natureza é contemporânea, nesse sentido, a descoberta da filosofia4. Quando os primeiros filósofos falam de

natureza, estes pretendem abandonar a noção de bem ancestral em nome de algo mais antigo. Posto isso, a natureza, segundo Strauss,

4 No que se refere aos primeiros registros da distinção entre natureza e convenção,

ver Karl Reinhardt, Parmenidesund die Heschichte der griechischenPhilosophie (Bonn, 1916: 82-8)

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era vista pelos, primeiros filósofos, como anterior a toda tradição e, nesse sentido, mais perfeita e venerável que toda tradição.

Convencionalismo vulgar e convencionalismo filosófico

Nesse sentido, Strauss vê a necessidade de salvaguardar a noção de direito natural, fazendo, inclusive, uma diferenciação, que para ele é fundamental, entre a noção de natureza e convencionalismo, ou, ainda, entre a noção clássica e moderna de convencionalismo, como apresentado no seguinte artigo do comentador:

Explica Strauss: “o convencionalismo pressupunha que a distinção entre natureza e convenção é a mais fundamental de todas as distinções” (STRAUSS, 2014: 13). Portanto, o convencionalismo tem consciência de que muitas vezes direito e a justiça não são naturais, isto é, não possuem nenhum vínculo com a natureza, mas estão unicamente comprometidos em “produzir a paz, mas não pode produzir a verdade” (STRAUSS, 2014: 13). Por outro lado, o sentido histórico ou consciência histórica “rejeitam e tratam como mítica a premissa de que a natureza é a norma; rejeitam a premissa de que a natureza tem uma dignidade maior do que qualquer obra do homem” (STRAUSS, 2014: 14). Tais concepções, como se percebe, são antagônicas: a primeira representa a intuição oriunda do pensamento clássico, intuição que assume a ideia de que há uma natureza das coisas independente das convenções e a partir da qual as convenções deveriam ser julgadas; a segunda surge a partir de um certo momento da modernidade, negando a existência de uma ordem natural superior à sociedade e proclamando a supremacia do homem e de sua cultura em relação à natureza. (Mendes, E. O., Leo Strauss E O Caráter Problemático Da Racionalidade Moderna, 2016: 5).

Tendo, então, percebido essa mudança entre a noção clássica e moderna de convencionalismo, Strauss nos apresenta, ainda, a importância que o convencionalismo clássico, tal como entendido pelos gregos, dava a natureza, quando afirma:

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“Com isso, dava a entender que a natureza tem uma dignidade incomparavelmente maior que a convenção ou a sanção da sociedade” (STRAUSS, 2014: 13). Mostrando, então, que mesmo os gregos que aderiam à visão clássica de convencionalismo não discordavam do papel, não só superior, de compatibilizar a natureza, o que é natural, com a necessidade de estabelecer uma convenção, visando a necessidade de pensar o melhor regime a partir de um projeto legislativo e institucional que compatibilize as normas da tradição com reformas e modificações prudenciais no éthos vigente.

Resta claro, com o exposto, que a filosofia, no seu modo socrático, tal como compreendida por Strauss, é esse esforço pela compreensão da verdade. Tentando, então, responder as perguntas fundamentais aos anseios humanos. Anseios que fazem parte da natureza humana. Se existe tal natureza e ela carece da resolução aos problemas fundamentais e perenes, é função da Filosofia pautar seus postulados acerca do melhor regime, baseado, o máximo possível, em tal natureza, como apresentado:

Com isso, o questionamento e a busca de verdades sobre as questões fundamentais se assentam na máxima sobre como o homem deve viver, isto é, sobre a boa vida. Em outras palavras, o homem deve buscar a sua realização (eudaimonia), sendo a filosofia contemplação e um agir no mundo. Dessa forma, a filosofia tenta resolver as questões fundamentais com o direito natural e valores absolutos, tanto em um nível contemplativo quanto no agir imanente, tornando-se evidente a sua total identidade com seu suposto ramo, a filosofia política. No que tange à solução dessas questões pela filosofia, que é essencialmente política, a melhor foi proposta pelos clássicos.

(Morais, R. M. O., O Verdadeiro Sentido de Filosofia Em Leo Strauss, 2013: 6)

É impossível alguém afirmar que toda convenção estabelecida pelos homens são apenas convenções. Entre todos os desejos dos homens podemos distinguir os desejos que se originaram de uma

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mera convenção e aqueles que são naturais, como afirma, “devemos fazer distinção entre inclinações e desejos humanos que são conforme à natureza humana e são, portanto, bons para o homem e aqueles que destroem a sua natureza, portanto, maus” (Strauss, 2014: 13). Ao afirmar isso, Strauss, nos leva a entender que existe um tipo de vida humana e que essa mesma vida é boa quando está de acordo com a natureza humana.

Ora, mesmo os mais eloquentes adversários do direito natural, reconhecem o primado do bem e, com isso, divergem sobre a justiça. Se a justiça é boa por natureza ou se a vida por natureza, para ser boa, nos exige uma reflexão sobre a moral, ou o que venha a ser a justiça. Logo, apreender as questões fundamentais da natureza da filosofia política é, então, trabalho do filósofo, como dito, “minimum

quod potet baberi de cognitione rerum altissimarum, desiderabilius est quam certíssima cognitio quae habetur de minimis rebus5.”

(Tomás Aquino, Summa Theologica, I, qu.1 a 5).

Mas para tal, precisamos compreender o que vem a ser justiça, o bem e, para isso, precisamos, portanto, averiguar a natureza das coisas, até mesmo para sabermos se, para os antigos, a sociedade civil era fruto de uma convenção ou baseada na natureza. Acerca de tal problemática, afirma Strauss:

Quanto a questão de saber se a condição efetiva do homem era inicialmente perfeita ou imperfeita, a resposta a ela é decisiva para sabermos se a espécie humana é inteiramente responsável pela sua imperfeição efetiva ou se essa imperfeição está “justificada” pela imperfeição original da espécie. Em outras palavras, a concepção de que o homem primordial era perfeito está de acordo com a equação que identifica o bem com o ancestral e com a teologia, mas não está de acordo com a filosofia. Pois o homem sempre lembrou e admitiu que as artes foram inventadas por ele mesmo, ou que a primeira época do mundo não conheceu as

5“O mínimo conhecimento que pudermos adquirir das coisas altíssimas é mais

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artes; portanto, se a vida filosófica é de fato a vida correta, ou a vida conforme à natureza, então os primórdios humanos foram necessariamente imperfeitos. (Strauss, 2014: 116)

O convencionalismo moderno, como já exposto, ao negar a necessidade de pautar as convenções na natureza humana, argumenta que é impossível descobrirmos a natureza da justiça, uma vez que a noção de “coisas justas” são variáveis de sociedade em sociedade. Esse argumento, no entanto, parte de premissas, que nunca são anunciadas por seus defensores, ao não demonstrarem, por exemplo, que essas noções de justiça estão ou não corretas. De modo que, ao apresentarem tal argumentação fragmentada, Strauss argumenta:

Todos admitem que só pode haver direito natural se os princípios do direito forem imutáveis. Mas os fatos a que o convencionalismo se refere não parecem provar que os princípios do direito são mutáveis. Parecem provar apenas que cada sociedade tem uma noção diferente de justiça ou dos princípios de justiça. Assim como a variedade de noções acerca do universo não prova que o universo não existe, ou que não existe a explicação verdadeira do universo, ou que o homem nunca poderá chegar a um conhecimento final e verdadeiro do universo, também a variedade de noções de justiça consideradas não prova que o direito natural não existe ou que o direito natural é incognoscível. A variedade de noções de justiça pode ser entendida como a variedade dos erros, a qual não contradiz, senão pressupõe, a existência de uma única verdade concernente à justiça. Essa objeção ao convencionalismo se sustentaria se a existência do direito natural fosse compatível com o fato de que todos os homens, ou a maioria deles, desconheciam ou desconhecem o direito natural. Mas quando se fala de direito natural, compreende-se que a justiça é de importância vital para o homem, que o homem não pode viver, ou viver bem, sem justiça; e a vida conforme a justiça. Se o homem tem uma natureza tal que não pode viver, ou viver bem, sem a justiça, é necessário que ele tenha por natureza um conhecimento dos princípios de justiça. (Strauss, 2014: 117)

O principal, senão o único e mais importante registro disponível acerca do convencionalismo filosófico, divergente da versão moderna e vulgarizada, do convencionalismo moderno, é o poema Da natureza

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pela floresta, da forma que gostavam, sem nenhuma restrição convencional, mas a fraqueza e o medo do perigo que a floresta representa os obrigou a unirem-se para desfrutarem da segurança, e mesmo do prazer, advindo da segurança que essa união provinha. Com o passar do tempo, ao ingressarem em sociedade, a vida, até então selvagem, deu lugar aos hábitos de bondade e fidelidade.

Ora, esse pensamento nos leva a crer que se a sociedade primitiva vivia de acordo com a natureza, o direito seria natural, mas a única vida conforme à natureza é a vida do filósofo, que precisa da cidade para sê-lo, sendo, então, impossível na sociedade primitiva, tal como descrita em Da natureza das coisas, o surgimento da filosofia. Há, então, uma visível desproporção, entre as exigências do filósofo e as exigências da sociedade, de modo geral. Logo, o direito não pode ser natural. Sobre a razão de tal desproporção, Strauss, comenta:

A felicidade do filósofo, a única verdadeira felicidade, pertencer a uma época inteiramente diferente da felicidade da sociedade. Há, portanto, uma desproporção entre as exigências da filosofia, ou da vida conforme à natureza, e as exigências, da sociedade enquanto tal. É graças a essa necessária desproporção que o direito não pode ser natural. E a desproporção é necessária pela seguinte razão. A felicidade da sociedade primitiva e não coercitiva consistia, em última análise, no predomínio de uma ilusão salutar. Os membros dessa sociedade viviam dentro dos limites de um mundo finito ou de um horizonte fechado; confiavam na eternidade do universo visível e na proteção que lhes era conferida pela “muralha do mundo”. Era essa confiança que os tornava, inocentes, bons e dispostos a se empenhar pelo bem dos outros; pois é o medo que os transforma em selvagens. A confiança que tinham na firmeza da “muralha do mundo” não fora ainda abalada pela especulação sobre catástrofes naturais. Contudo, uma vez abalada, os homens perderam sua inocência e tornaram-se selvagens, e assim surgiu a necessidade de uma sociedade coercitiva. (Strauss, 2014: 134-135)

Com essa confiança “na muralha do mundo”, agora abalada, Strauss nos apresenta como o homem começa a transformar a sua

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necessidade em estabilidade, no apoio e consolo em deuses atuantes, bondosos, nascidos, então, do apego do medo e apego a esse mundo. Pois bem, se essas crenças serviram, a princípio, como uma espécie de anestésico, para o medo vigente, esse mesmo remédio se tornaria um mal, onde a necessidade de “romper as muralhas”, tornar-se-ia, mais uma vez, vigente, uma vez que a religião, também, apresentaria limites que não dariam mais conta das respostas necessárias. De modo que, o único remédio é a filosofia, pois apenas ela confere o prazer completo. “No entanto, a filosofia é repudiada pelo povo, pois ela exige um desapego do “nosso mundo.” (Strauss, 2014: 135)

Ora, se é impossível ao homem retomar a inocência inicial, a convenção torna-se, novamente, necessária, pois “os homens não devem viver, ou melhor, não podem viver juntos se as opiniões não se estabilizam pela sanção social. A opinião torna-se então a opinião dotada de autoridade, ou o dogma público, ou a visão de mundo (Weltanschauung)” (Strauss, 2014: 14). Porém, para tal, precisamos, mais uma vez, diferenciarmos e acurarmos as noções de convencionalismo filosófico, ou clássico, e o que Strauss chama de convencionalismo moderno, e/ou vulgar. Esse último fica claro nos discursos que Platão coloca na boca de Trasímaco, Glauco e Adimanto. Esses, afirmam que o desejo por possuir mais que os outros e dominar todas as coisas, é o bem maior.

O convencionalismo vulgar será, então, uma espécie de versão vulgarizada do convencionalismo filosófico. Ambos irão concordar em afirmativas, como, a de que cada um, naturalmente, busca apenas seu próprio bem e que não é natural levar em consideração o bem de outrem. Strauss, quanto a essa forma de convencionalismo, nos faz um contraponto, apresentando, então, mais uma diferença, entre a

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versão filosófica e a que ele chama vulgar, de convencionalismo, ao afirmar:

O convencionalismo filosófico nega que essa falta de consideração pelos outros signifique o desejo de ter mais do que os outros, ou de ser superior aos outros. Longe de tomar o desejo de superioridade como natural, o convencionalismo filosófico o vê como algo vão ou derivado da opinião. Os filósofos, que, como tais, experimentaram prazeres mais consistentes do que aqueles provindos da riqueza e do poder, entre outros, não poderiam jamais identificar a vida conforme à natureza com a vida do tirado. O convencionalismo vulgar é fruto de uma corrupção do convencionalismo filosófico. É razoável identificar a origem dessa corrupção nos “sofistas”. Pode-se dizer que estes “publicaram” e, com isso, degradaram o ensinamento convencionalista dos filósofos pré-socráticos. (Strauss, 2014: 138)

Com essa afirmação, acerca da gênese do convencionalismo vulgar, Strauss nos apresenta a figura do “sofista”, que, como tal, necessita de uma explicação mais detalhada, para, a partir daí, compreendermos outra diferença crucial nessa mudança da versão filosófica de convencionalismo, para sua versão vulgar, que é a diferença entre filósofos e sofistas. Aqueles, que seriam a corruptela desses, sendo, então, o que para Strauss, como visto, são os responsáveis pela mudança entre convencionalismo filosófico e vulgar. Mas então, quem seriam os sofistas? Termo difícil de ser compreendido, pelo fato de ter vários significados. O sofista pode significar um filósofo que sustenta posições impopulares, ou que cobra para ensinar assuntos de maior grandeza. Para que se evite maiores problemas de compreensão, Strauss lança mão da versão empregada por Platão, para definir o “sofista”.6

6 Sofista, 268 b-d.

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Versão essa que apresentaremos agora e, a partir de então, adotaremos, para fins didáticos;

Desde Platão, “sofista” é geralmente empregado em contraposição ao termo “filósofo”; por conseguinte, tem um sentido pejorativo[...] O que é característico do sofista é que a verdade, isto é, a verdade do todo, pouco lhe importa[...] O sofista é um homem que não está preocupado com a verdade, ou que não ama a sabedoria, embora saiba, mais que a maioria dos homens, que a sabedoria ou a ciência é a mais elevada excelência humana[...] Ele se interessa pela sabedoria, não por ela mesma, não por odiar a mentira na alma mais do que qualquer outra coisa, mas pela honra ou o prestígio conferido pela sabedoria. (Strauss, 2014:138-139)

Os sofistas, portanto, agem sobre o princípio de que o prestígio, a superioridade sobre os demais, é o maior de todos os bens. Com isso, podemos dizer, que o sofista, na visão de Strauss, é o principal representante do convencionalismo vulgar. Porém, um grande problema se apresenta ao sofista, que é o de que, para atingir tal prestígio social, ele precisa demonstrar sua sabedoria, demonstrando que a vida do homem sábio consiste em “combinar uma injustiça real com uma aparência de justiça” (Strauss, 2013: 139). Portanto, ao tentar fazê-lo, ele percebe que o injusto é impossível de ser compatível com o princípio de justiça, impossibilitando, então, a demonstração de sabedoria, e, o que ele tanto almeja, que é, a honra advinda dos que agem com a verdadeira justiça, e não apenas fingem ser justos.

Logo, cedo ou tarde, o sofista precisa esconder o que sabe, para se submeter as concepções por ele, então, consideradas meramente convencionais. Logo, os sofistas, por não terem nenhum apego a verdade, e, sim, pelo prestígio, se submetem, sem questionar, aquilo que eles acham errado, apenas para se manterem prestigiados por todos, que por não terem conhecimento, seguem leis

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mais ou menos injustas, por acharem estar agindo da forma correta. De tal modo, resta claro, que na visão clássica do direito natural, ou mesmo no que tange o convencionalismo filosófico, Strauss nos apresenta que o dever de obrigação do filósofo para com a sua cidade, não é derivado de um contrato social, mas sim do próprio uso da razão. Com isso, ele faz uma afirmativa, colocando em xeque a visão sofista, advinda da concepção vulgarizada de convencionalismo, mostrando que a melhor cidade seria a que nos é apresentada em A

República, de Platão, por estar de acordo com a natureza. Tendo em

vista, então, que quanto mais próximo do direito natural estiver a convenção de uma cidade, mais próxima do Bem seus habitantes estarão, ao afirmar que “o contrato só pode justificar a fidelidade a uma comunidade inferior, pois o homem honesto cumpre as promessas feitas a qualquer um, independente do mérito daquele a quem fez a promessa.” (Strauss, 2013: 143)

Precisamos, a partir de então, compreendermos o que seria essa doutrina clássica do direito natural, que tem seu expoente a figura de Sócrates. O homem que fez com que “a filosofia descesse do céu a terra, obrigando-a a fazer perguntas sobre a vida e os costumes, sobre as coisas boas e más” (Strauss, 2013: 145). Logo, ao fazê-lo, Sócrates pode, sem dúvida, ser chamado como o fundador da tradição do direito natural, uma vez que quando ele perguntava “o que é isso?”, se referia à natureza daquele objeto ou ser. O que é aquele ser verdadeiramente, para além de sua aparência física, por exemplo. Assim, Strauss nos afirma, que a noção de direito natural clássico, nascida a partir da figura de Sócrates, deve ser vista de um modo diferente do direito natural moderno, e seus continuadores, quando nos apresenta:

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A doutrina específica do direito natural criada por Sócrates e desenvolvida por Platão, por Aristóteles, pelos estóicos, por outros autores cristãos (especialmente Tomás de Aquino), pode ser chamada de doutrina clássica do direito natural – que deve ser diferenciada da doutrina moderna do direito natural surgia no século XVII. (Strauss, 2013: 145)

Ora, se assim o é, precisamos compreender o que se compreende por direito natural clássico (objeto principal de nossa pesquisa), e, posteriormente, sua eventual mudança. Tal compreensão da doutrina do direito natural clássico, faz-se, a partir da mudança no pensamento orquestrada por Sócrates. Porém, ao que nos parece a primeira vista, é que tal compreensão não nos é acessível a primeira vista, ao lermos os textos pertinentes, na intenção de obtermos tais respostas, ao lermos os textos de fontes primárias. Ao lermos, o que nos parece, é que Sócrates colocou de lado o estudo da natureza e se limitou a investigar sobre as coisas humanas. Ora, parece-nos, então, que ele deixou de lado toda ambiguidade entre natureza e lei (convenção).

Porém, ao fazermos um estudo mais acurado acerca da doutrina proposta por Sócrates, percebemos que a distinção entre natureza e lei (convenção), é de suma importância para Sócrates, bem como para todos os antigos em geral. Os clássicos resguardam a validade de tal distinção, quando determinam a necessidade da lei seguir a ordem estabelecida pela natureza, fazendo-se, então, uma espécie de parceria entre o direito positivo (convenção ou lei) e natureza (direito natural). Tal afirmação, fica clara no pensamento de Strauss quando analisamos suas palavras ao abordar tal problemática, quando afirma que, “preservam essa distinção quando diferenciam a virtude genuína, da virtude política ou vulgar.” (Strauss, 2013: 146).

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As instituições do melhor regime, para Platão, estavam “conforme à natureza” e “contra os hábitos e costumes”, pois tinham por intento elevar o homem ao máximo de suas virtudes. Ora, se assim é, por que, então, Sócrates se voltou a discutir as coisas humanas, ao invés de tratar a natureza das coisas per se? Para jogarmos luz nesse questionamento, Strauss nos apresenta que o estudo socrático consistiu em propor “o que é”, das coisas em humanas, como “o que é a coragem?”, ou, “o que é a cidade”?7. A

questão, aqui apresenta, é que ao perguntar, ou dirigir seus questionamentos as coisas humanas, ele se viu obrigado a perguntar o que são as coisas humanas em si, o que é impossível sem diferenciarmos o que são as coisas verdadeiramente humanas, ou da natureza humana, das coisas não humanas, advindas pelo hábito ou costume de cada povo, especificamente.

De tal modo, inovador e perspicaz, Sócrates, com essa nova abordagem, conseguia, como já exposto, abordar as coisas humanas sem, necessariamente, reduzi-las as coisas divinas, fazendo, então, a diferenciação, tão necessária a filosofia em seus primórdios, entre o

Philosóphos (o amante da sabedoria), de seus antecessores, os Phylómythos (o amante do mito). Sócrates, identifica a filosofia com

a ciência do todo, do que cada ser é, em si, ou sejam a natureza de cada ser enquanto tal. Como podemos, então chegar a tal conclusão? Ora, por “ser”, disse-se, então, que se é alguma coisa, contrapondo-se, necessariamente, então, a tudo aquilo que “não é”, ou seja, “são outras coisas”. Nesse aspecto, que toda coisa “é” algo, o todo, que é a soma de todas as partes, necessariamente, é algo que está para “além do ser” das partes individuais. Para a compreensão dessa

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dificultosa, porém necessária, explicação, para que assim possamos compreender a doutrina ou método socrático, lançamos mão das palavras de Strauss em Direito Natural e História, para melhor elucidarmos tal questão:

Compreender o todo significa, então, compreender todas as partes do todo ou a articulação do todo. Se “ser” é “ser alguma coisa”, o ser de uma coisa, ou a natureza de uma coisa, é primordialmente o seu quê, seu “molde”, “forma” ou “caráter”, particularmente na medida em que se distingue daquilo de onde ela surgiu. Aquilo que a coisa é por ela mesma, a coisa acabada, não pode ser compreendida como um produto do processo que a ela conduz; mas, pelo contrário, o processo só pode ser compreendido à luz da coisa acabada ou do fim do processo. Nesse sentido, o Quê é, como tal, o caráter de uma classe ou de uma “tribo” de coisas que, por natureza, coexistem ou formam um grupo natural. O todo tem uma articulação natural. Compreender o todo, portanto, não significa mais descobrir primeiramente as raízes a partir das quais o todo acabado, o todo articulado, o todo constituído de diferentes grupos de coisas, o todo inteligível, o cosmos,surgiu; nem descobrir a causa que transformou o caos num cosmos, ou perceber a unidade oculta por detrás da variedade de coisas ou aparências; significa, sim, compreender a unidade que se revela na articulação manifesta do todo acabado. (Strauss, 2013: 148)

Com rica percepção, visava, então, oferecer as bases para uma distinção entre várias ciências, visando, então, compreender a articulação natural do todo. Nessa tentativa de compreender o todo, a partir das “coisas humanas”, sem necessariamente estar ligado, ou partindo das concepções míticas, ligadas às divindades, Sócrates, usando o sentido comum de nosso linguajar hodierno, faz um retorno ao “senso comum”. Aquilo para o qual a questão “o que é?” aponta, é o eidos de uma coisa, o molde, a forma, o caráter ou a “ideia de uma coisa”. Ora, se o termo em questão significa o que nós captamos a primeira vista, Sócrates quis, exatamente, formar sua teoria do conhecimento, tendo como ponto de partida o “senso comum”, captado por todos através dos sentidos para, então, a partir dele,

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poder se chegar à verdade, de fato. Resta posto, então, que Sócrates, ao analisar o Quê das coisas, não começava suas investigações partindo da natureza das coisas, o que significariam as coisas em si, de início, mas a partir das opiniões sobre a natureza das coisas, que equivalem, ao nosso acesso mais importante à realidade, pois ao tomarmos uma opinião, em última instância, nos baseamos em alguma forma particular, consciente, da percepção da realidade. Nesse sentido de teoria do conhecimento, Sócrates, então, percebeu que o Quê das coisas surge, primeiramente, a partir das opiniões acerca daquele ser. Sócrates, ao formular esse princípio investigativo, dava tal importância, pelo menos como ponto de partida, para se chegar à verdade, ao conhecimento do “senso comum”, que, com isso, invalidava a teoria da “dúvida universal”, para com todas as opiniões, pois essa nos levaria não ao centro da verdade, mas ao vazio.

Com isso, Sócrates, eleva a filosofia na “ascensão que leva das opiniões ao conhecimento ou à verdade” (Strauss, 2013: 149). Para tal, nos apresenta Strauss, que Sócrates desenvolve um método no qual ele o chamava de filosofia, que é a dialética, como exposto:

A dialética é a arte da conversação ou da disputa amigável. A disputa amigável que leva à verdade se torna possível ou necessária pelo fato de que as opiniões a respeito de o que são as coisas, ou o que são alguns grupos muito importantes de coisas, são contraditórias entre si. Ao reconhecermos a contradição, obrigamo-nos a ir além das opiniões para chegar a uma concepção coerente da natureza da coisa investigada. Essa concepção coerente torna manifesta a verdade relativa das opiniões contraditórias e dá provas de ser uma concepção abrangente ou total. As opiniões se revelam, então, como fragmentos da verdade, fragmentos maculados de uma verdade pura. Em outras palavras, as opiniões são tornadas necessárias pela verdade que subsiste por si, e a ascensão à verdade é guiada pela verdade subsistente por si, que todos os homens sempre pressentem. (Strauss, 2013: 150)

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Ora, tal explicação se faz necessária para que percebamos o que de início foi apontado, quando se diz que a variedade de opiniões acerca do justo, direito, certo e errado, são não incompatíveis e, sim, necessárias para a validade do direito natural, que, através do método dialético, tal como pensado por Sócrates, poderá, então, ser atestado.

Bem, se a variação de opiniões acerca dos princípios da justiça, são contraditórias entre si, o argumento adotado pelos que negam a existência do direito natural, seria válido, se, para aprovar ou negar tal direito, fosse necessário a unanimidade entre todos os homens. Mas, assim Strauss nos apresenta, que isso é exatamente o contrário apresentado por Sócrates ou Platão, para tal validação ou invalidação, uma vez que, para a existência do direito natural, ao contrário da unanimidade, é apenas necessário, “um consenso potencial” (Strauss, 2013: 150), entre os homens. Ao fazer tal afirmação, Strauss nos apresenta a argumentação acerca de que, por mais fantástica ou primitiva que uma opinião acerca da justiça nos pareça ser, ela sempre aponta para algo que vai para além dela mesma, pois, quando as opiniões começam a se contradizer entre si, as próprias pessoas sentem-se impelidas a irem para alguma “verdade”, que transcende, ou se inicia, a partir daquela opinião, como visto:

Esse simples fato obriga o homem a se dar conta de que cada uma dessas concepções, considerada em si mesma, é apenas uma opinião sobre o todo, ou uma expressão inadequada da tomada de consciência fundamental acerca do todo, remetendo assim para além dela mesma em direção a uma expressão adequada. O caráter interminável da busca por uma expressão adequada do todo não nos autoriza, entretanto, a limitar a filosofia à compreensão de uma parte, por mais importante que seja. Pois o sentido de uma parte depende do sentido do todo. (Strauss, 2013: 151)

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De tal modo, o convencionalismo, ignora tal modo de compreender o todo a partir das opiniões, fazendo apelo a natureza racional dos homens. Exatamente por isso, Sócrates e seus continuadores, se viram na necessidade de comprovar a existe do direito natural e sua necessidade de servir como base ao convencionalismo, como já exposto, o convencionalismo filosófico, apelando para a diferenciação entre “fatos” e “discursos”.

A premissa básica do convencionalismo vulgar, “consistia, aparentemente, na identificação do bem com o prazer.” (Strauss, 2013: 152). Destarte, os clássicos que aderiram a visão do direito natural clássico, se opunham, criticando, a visão hedonista, uma vez que o hedonismo vê a satisfação dos prazeres como o bem, no entanto, tais prazeres estão vinculados a satisfação das necessidades, que, assim sendo, são precedentes aos prazeres, sendo, então, os limites pelos quais os prazeres podem se mover, determinando o que pode ou não ser agradável. “O fato inicial não é o prazer, ou o desejo de prazer, mas antes, as necessidades e a luta pela sua satisfação” (Strauss, 2013: 152).

Ora, percebemos, então, que com base no direito natural clássico, o argumento hedonista se faz fraco, uma vez que a liberdade para satisfação de todos os seus prazeres, faz-se impraticável, uma vez que, como já apresentado, o homem é, por necessidade, por natureza, um animal político (Zoôn politikón), de tal modo que a percepção desse escopo de ação, com base no uso da razão, é acompanhada pela própria percepção de que o exercício ilimitado da liberdade não é algo correto. Pois bem, se assim o é, o autocontrole, portanto, é algo natural ou anterior, ao próprio uso irrestrito da liberdade. Sobre tal questão em particular, Strauss nos assevera que “enquanto o homem não tiver cultivado devidamente a

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sua razão, ele terá inúmeras noções irreais sobre os limites de sua liberdade e conceberá os mais absurdos tabus” (Strauss, 2013: 157).

Conclusão

De acordo com Leo Strauss, a filosofia, em sua expressão original, consiste, antes de mais nada, em um esforço intelectual para transcender aquilo que é meramente dado em termos sociais e culturais e alcançar um conhecimento da natureza das coisas que independe das determinações históricas e sociológicas que condicionam, via de regra, nossos comportamentos. Ao ver de Strauss, a aposta fundamental da filosofia assim compreendida, nada mais é do que uma aposta na liberdade e na capacidade da razão humana de ir além das crenças e valores estabelecidos em certo tempo e lugar, visando à consecução de um saber autônomo acerca das questões fundamentais (Deus, o mundo, o homem). Isso significa que, na ótica straussiana, a filosofia é, portanto, originalmente, a tentativa de transformar as opiniões acerca do todo em conhecimento acerca do todo, por meio do uso da racionalidade. Ora, tal visão do que é a filosofia encontrou, na perspectiva de Strauss, uma representação perfeita na alegoria platônica da caverna, alegoria cujas imagens descreveriam fielmente, para este pensador, a situação original do homem e o papel libertador da razão e da filosofia no que se refere à superação dessa situação.8

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REFERÊNCIAS

Strauss, L.(1952) Persecution and The Art of Writing. Chicago: The University of Chicago Press, 1988.

___ (2014).Direito Natural e História.São Paulo: Editora WMF

Martins Fontes, 2014. _ (Biblioteca do pensamento moderno)

___ (1983). Studies in Platonic Political Philosophy. Chicago: The University of Chicago Press.

___ (1990). Argument et action des Lois de Platon. Traduction et presentation par O. Berrichon-Sedeyn. Paris: J. Vrin.

___ (1991). On Tyranny. Revised and Expanded Edition.Including the Strauss-Kojève Correspondence. New York:

Free Press.

Mendes, E, O. (2016). LEO STRAUSS E O CARÁTER

PROBLEMÁTICO DA RACIONALIDADE MODERNA. Perspectiva

Filosófica, vol. 43, n. 1.

BLOOM, A (1974). “Leo Strauss: September 20, 1889 – October

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