• Nenhum resultado encontrado

Desencontro entre a teologia luterana e a teologia da libertação? (Carta de leitor)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Desencontro entre a teologia luterana e a teologia da libertação? (Carta de leitor)"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Desencontro entre a Teologia Luterana e a Teolo­

gia da Libertação?

(Carta de le ito r)

S enhor Redator!

No ú ltim o n ú m e ro dos Estudos T eológicos (A n o 26, 1986, n° 1) ch a m o u -m e e sp e cia l a te n ç ã o o a rtig o e n titu la d o " O D esencon­ tro e n tre a T e o lo g ia Luterana e a T e o lo g ia da L ib e rta ç ã o ", da a u to ­ ria de V. W e s th e lle (p 37 s). A tese im p líc ita no te m a fo rç o s a m e n te d e ix a p e rp le x o o le ito r lu te ra n o da A m é ric a Latina. D everá esco­

lh e r e n tre um a te o lo g ia e o u tra ? D evid o à im p o rtâ n c ia d o assunto e d e v id o às p e rg u n ta s q u e a le itu ra d o a rtig o suscita, ju lg o neces­ sá rio fa z e r a lg u m a s observações.

In icio com duas questões de o rd e m m ais fo rm a l:

1. Causa e stra n h e za a m a n e ira d e co m o são a p re se n ta d o s e rechaçado s q u e s tio n a m e n to s críticos à te o lo g ia da lib e rta ç ã o . O

to m irô n ic o êm q u e isto a co n te ce d e s q u a lific a o o p o n e n te de a n te ­ m ão: A p a v o ra d o " d e q u e a ca stid a d e c o n fe ssio n a l v e n h a a ser p ro s titu íd a " (p. 38), o te ó lo g o lu te ra n o desde já a p a re c e co m o q u e m ag e por m o tivo s ile g ítim o s . P orventura, estará a te o lo g ia da lib e rta ç ã o de tal fo rm a im u n e à crítica qu e p o d e dar-se ao lu xo de assim d e sp re za r os q u e lhe d irig e m perg u n ta s? Estou c o n v ic to da necessidade d e um a re visã o crítica da tra d iç ã o te o ló g ic a lu te ra n a . M as a firm o o m esm o com re sp e ito à te o lo g ia da lib e rta ç ã o . Q u a l­ q u e r a p ro x im a ç ã o crítica à m esm a, p o ré m , é im p o s s ib ilita d a , q u a n d o o te ó lo g o lu te ra n o d e im e d ia to é re d u z id o a "c a rra s c o " q u e , e m b o ra " s im p á tic o " , co m e te s a c rilé g io e m seu discurso sobre a te o lo g ia da lib e rta ç ã o . Sei q u e e xiste m críticas im p ro c e d e n te s e m a lé v o la s . E, nã o ob sta n te , im p o rta insistir na a b e rtu ra das te o lo - gias p a ra a crítica a fim de im p e d ir q u e se tra n s fo rm e m em id e o lo ­ gias to ta litá ria s . Estas a tro fia m o p e n sa m e n to a u tô n o m o , e x ig e m subm issão em lu g a r de re fle x ã o e e x e rce m d o m in a ç ã o m e d ia n te juízos a te m o riz a n te s . E preciso, pois, c u id a r d o e s tilo p o lê m ic o na te o lo g ia .

(2)

2. N ão m enos s u rp re e n d e n te é a m a n e ira de co m o é a p re ­ sentada a " te o lo g ia lu te ra n a ". E d e fin id a em s e n tid o a m p lo com o "u m a te o lo g ia q u e g ra v ita em to rn o da d o u trin a da ju s tific a ç ã o " (p. 37 A 1). A d m ito q u e abstrações g e n e ra liz a n te s às vezes são in e ­ v itá v e is . M as é preciso te r co n sciê n cia d o risco q u e isto s ig n ific a . Em bora o a u to r d ig a h a ve r vá ria s facções te o ló g ic a s d e n tro d o lu- te ra n is m o , nad a disto se e sp e lh a no a rtig o . A te o lo g ia lu te ra n a é to m a d a co m o um to d o , sem n e n h u m a d ife re n c ia ç ã o . E p o rq u e os críticos à te o lo g ia da lib e rta ç ã o p o d e m p e rm a n e c e r no a n o n im a to . A p a re n te m e n te são típicos do lu te ra n is m o co m o ta l. N em m esm o um a cita çã o d ire ta é id e n tific a d a . A se g u ir, na discussão d o g m á ti­ ca, são m e n c io n a d o s e s p e c ia lm e n te W . Elert e P. A lth a u s , d o is re ­ p resentan tes n ã o p ro p ria m e n te recentes e n o ta d a m e n te co n se rva ­ dores. H. J. Iw a n d e E. W o lf, por e x e m p lo , lu te ra n o s a lg o d ife re n ­ tes, fo ra m d e sconsid erados. Usando um a expressão do p ró p rio V. W e s th e lle , q u e ix o -m e da " t r iv ia lid a d e " com q u e se a p re se n ta a te o lo g ia lu te ra n a .

M as vam os a o c o n te ú d o . Se v e jo be m , a te o lo g ia lu te ra n a é acusada de um trip lo pe ca d o :

1. Teria fe ito uso d e m a s ia d a m e n te fo rm a l do sim u l justus et peccator.

2. Teria s a lta d o com d e m a s ia d a ra p id e z à a firm a ç ã o da u n i­ v e rs a lid a d e d o p e ca d o sem s u fic ie n te m e n te a rtic u la r suas m a n i­ festações p a rtic u la re s (com o po r e x e m p lo a usura).

3. Teria re la c io n a d o o E va n g e lh o u n ic a m e n te com a lei em seu s e n tid o te o ló g ic o , p re ju d ic a n d o a a b ra n g ê n c ia da d ia lé tic a e n tre lei e E vangelho.

A q u i um a coisa e n g re n a na o u tra . C o n fo rm e o a u to r, a tese de q u e todos, a um só te m p o , são justos e pecado re s, serviu para c o n fo rm a r as pessoas com a re a lid a d e d o m al. E com e fe ito , nad a de e scanda loso há na a firm a ç ã o de q u e todos tem suas fa lh a s e, a in d a assim , são a ce ito s po r Deus. Tal fa la tem po r prem issa um a co n ce p çã o a lta m e n te abstrata de p ecado . N o lu te ra n is m o , esta a tese de V. W e s th e lle , a a firm a ç ã o da u n iv e rs a lid a d e d o p e cado tem s o la p a d o a d e n ú n c ia c o n cre ta , a fa s ta n d o a te o lo g ia da re a li­ d a d e histórica.

E p o rq u e ta m b é m o E va n g e lh o seria p o u co co n cre to , d e i­ x a n d o de in te rfe rir nos processos históricos e n ã o re a g in d o sobre a lei em seu uso c iv il. O E vangelh o, e n tã o , consola consciências, mas nã o m uda ordens sociais. N o lu te ra n is m o , assim é assevera­

(3)

d o , a lei em seu se n tid o p o lític o serve tã o som ente à pre se rva çã o da o rd e m da cria çã o e " p o r co n s e g u in te e lim in a da o rd e m c iv il a presença de um p rin c íp io de n o v id a d e , de tra n sfo rm a çõ e s ou re ­ d e n ç ã o " (p. 40). Eis p o rq u e se c o n c lu i: " O u a b a n d o n a -s e o lu te ra - nism o em questões de é tica social ou a ce ita -se um a é tica social es­ s e n c ia lm e n te co n se rva d o ra cu ja m á x im a é a p re se rva çã o da o r­ d e m social co m o d ita m e da c ria ç ã o d iv in a . M as tal é tica é incapaz de pensar os processos históricos e sociais co m o d in â m ic o s e em p e rm a n e n te tra n s fo rm a ç ã o ." (p. 52)

O ra, é de a d m itir q u e as questões le v a n ta d a s a p o n ta m a b u ­ sos a qu e a tra d iç ã o e p ráxis lu te ra n a a m iú d e su cu m b iu . Sua te m a - tiza çã o constitui o m é rito d o a rtig o . Precisam de in te n siva re fle x ã o e re a v a lia ç ã o nos d e sa fio s da a tu a lid a d e . N e g o , p o ré m , qu e os abusos este ja m na ra iz da te o lo g ia lu te ra n a e q u e d e la n ã o p ode re su lta r senão posição re a c io n á ria . D evo lim ita r-m e a poucas o b ­ servações:

1. Q ue o ser h u m a n o seja s im u lta n e a m e n te justo e p e ca d o r e v id e n te m e n te nã o p e rm ite ser tra n s fo rm a d o em a firm a ç ã o o n to ­

ló g ica . V. W e s th e lle e n fa tiz a com razão q u e p e ca d o e justiça não p o d e m c o n v iv e r p a c ific a m e n te . Encontram -se em re la ç ã o a n tité ti- ca (p. 49). Por isto o sim ul justus do p e c a d o r tem seu lu g a r na c o n ­ fissão da fé e no discurso d o x o ló g ic o — a liá s, desde qu e a s im u lta ­ n e id a d e c o n flitiv a de justiça e p e ca d o seja e n te n d id a d e fa to co­ m o re a lid a d e presente. M as é e x a ta m e n te isto o q u e ta m b é m H. J. Iw a n d d iz em seu liv ro " A justiça da f é " (cf p. 21.66 e passim ) e o q u e sem pre tem sido a boa d o u trin a lu te ra n a . Esta, sem d ú v id a , d e ve c u id a r p a ra n ã o c a ir no c o n fo rm is m o com o p e ca d o . Inversa­ m e n te , a te o lo g ia da lib e rta ç ã o d e v e c u id a r p a ra nã o d ilu ir o es­ c â n d a lo q u e consiste em Deus ju s tific a r tã o so m e n te o peca d o r.

2. A tese da u n iv e rs a lid a d e d o p e ca d o in d is c u tiv e lm e n te co n té m perigos. E justo, pois, insistir na necessida de de " p a r tic u la r iz á - lo " . C onfissão de p e ca d o ab stra to não d ó i, ta n to m ais o de p e ca d o co n cre to . E no e n ta n to , a a firm a ç ã o da u n iv e rs a ­ lid a d e d o p e ca d o é necessária. Encontra re sp a ld o em Paulo (Rm 3.10,23; e tc .) e no p ró p rio Jesus (Lc 13.1 s; e tc .) e im p e d e a trá g ic a s u b d ivisã o das pessoas em p e ca d o re s e justos. O q u e im p o rta é a particularização do p e c a d o de todos.

N o v a m e n te é preciso re c o n h e c e r q u e na tra d iç ã o lu te ra n a a d e n ú n c ia n ã o re ce b e u a d e v id a a te n çã o . Eis p o rq u e D. B o n h o e

(4)

f-fe r a le rto u p a ra o p e rig o da "g ra ç a b a ra ta ". T am bém não se a te n ­ tou s u fic ie n te m e n te p a ra o p e ca d o e n c a rn a d o em leis e estruturas. T e o lo g ia lu te ra n a te m aí um d é fic it a co b rir. Em c o n tra p a rtid a , a te o lo g ia da lib e rta ç ã o e n fa tiz a de tal fo rm a a denúncia qu e p e rig a esquece r-se da confissão do p e ca d o . A c o n c re tiz a ç ã o d o p e ca d o dos outros d e ve co rre sp o n d e r a c o n c re tiz a ç ã o d o m eu p ró p rio .

3. A o b je ç ã o m ais re le v a n te , p o ré m , é a te rc e ira . S ig n ific a qu e a te o lo g ia lu te ra n a re la c io n o u o E vangelh o so m e n te com a lei

(de Deus) qu e condena, n ã o com a lei (c iv il) q u e oprime. C onstato bo a dose de ra zã o nesta crítica. E xcluindo as estruturas sociais da a b ra n g ê n c ia d a p re g a ç ã o e v a n g é lic a , m u ito s te ó lo g o s lu te ra n o s assum iram posturas fla g ra n te m e n te conservado ras. A in d a assim, d u v id o q u e lu te ra n is m o e c o n s e rv a d o ris m o sejam sin ô n im o s. É v e rd a d e q u e a tra d iç ã o lu te ra n a re su m ia a fu n ç ã o da le i c iv il no te rm o " p re s e rv a r" . M as, se fo r be m e n te n d id o , é um te rm o a lta ­ m e n te re v o lu c io n á rio . Para ta n to é s in to m á tic o qu e o C onselho M u n d ia l de Igrejas p re te n d e re a liz a r sua p ró x im a A s s e m b lé ia G e­ ral sob o te m a : "P a z, justiça e p re se rva çã o (in te g rid a d e ) d a c ria ­ ç ã o ". Preservação é um te rm o re la tiv o . D e p e n d e d o q u e se p re te n ­ de preservar. O e rro de m uitos te ó lo g o s lu te ra n o s c e rta m e n te fo i q u e fa la v a m na p re se rva çã o d e um a p ro b le m á tic a o rd e m de c ria ­ ção q u e id e n tific a v a m com a o rd e m v ig e n te . Q u a n d o , p o re m , a ta re fa da lei é d e fin id a co m o p re se rva çã o da v id a , da cria çã o , do m e io -a m b ie n te , to rn a -se ó b v io q u e tal p re se rva çã o e x ig e p ro fu n ­ das tra n sfo rm a çõ e s na so cie d a d e .

C o m p e te le m b ra r, à p a rte , qu e nem to d a tra n s fo rm a ç ã o é re n o va çã o . M as é esta, a re n o v a ç ã o , o q u e im p o rta , e e la vem e x ­ c lu s iv a m e n te do Espírito. Se a te o lo g ia lu te ra n a , em m uitos dos seus re p re se n ta n te s, subestim ou a fu n ç ã o e a im p o rtâ n c ia d a le i ci­ v il, a te o lo g ia está no p e rig o de s u p e r-e s tim á -la . Pois, o qu e se p o ­ de de fa to a lc a n ç a r m e d ia n te leis, estruturas e sistem as? M u ito , sem d ú v id a a lg u m a — mas nã o a n o v id a d e e s c a to ló g ica . Esta p ro ­ vém u n ic a m e n te da P alavra d o E vangelh o. Por isto m esm o ju lg o ta m b é m q u e " a o rig e m possível do fa la r de D e u s" n ã o é a " in t e ­ g ra ç ã o na p rá xis c o m u n ic a tiv a d a q u e le q u e fo i c a la d o " (p. 57), mas sim a a çã o de Deus em Cristo, da q u a l o E va n g e lh o dá n o tícia . N o in íc io de nosso fa la r de Deus está a práxis do ouvir da m ensa­ g e m d o Cristo.

D evo in te rro m p e r. Os assuntos m e re ce m discussão m ais a m p la . O a rtig o de V. W e s th e lle in d u b ita v e lm e n te dá im pulsos à

(5)

m esm a. M as sobre o d e se n co n tro e n tre a te o lo g ia lu te ra n a e a te o ­ lo g ia da lib e rta ç ã o a ú ltim a p a la v ra a in d a nã o está d ita . A o co n ­ trá rio , a discussão está recém in ic ia n d o , e x ig in d o , não po r ú ltim o , o resgate das p o te n c ia lid a d e s da te o lo g ia lu te ra n a .

Referências

Documentos relacionados

Visor electrónico para enquadrar o motivo a fotografar 2 LED do temporizador - pisca em vermelho durante 10 segundos se tiver programado o temporizador automático - pisca em

i) a partir do momento em que decide tornar obrigatórios os contratos escritos de entrega de leite cru nos termos do n.º 1 do presente artigo, um Estado-Membro pode estabelecer

Segundo Rognmo et al.. um programa de reabilitação cardíaca, utilizando exercícios de HIIT, obtiveram resultados significativos e extremamente benéficos, quando

ESPECIALIZADA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE HOTELARIA (DIÁRIAS COM CAFÉ DA MANHÃ, ALMOÇO E JANTAR), VISANDO ATENDER O GRUPO CONVIVER EM PASSEIO TURISTICO E MOTIVACIONAL NO

Deve-se assegurar uma supervisão do ambiente de trabalho para determinar a eficácia da ventilação ou de outras medidas de controlo sempre que um produto ou algum dos seus

A solução foi optar pela publicação de parte das reflexões em forma impressa e parte em forma virtual, em três livros: um livro impresso com os textos das conferências e

Foram realizados Planejamentos de Experimentos Fatoriais para avaliar as melhores condições operacionais de dois tipos de óleos lubrificantes (alpha e beta, nomes fantasia),

245 21603327 LUIS MIGUEL RODRIGUES BRASILINO Ciências - Matemática e Física AUXÍLIO INCLUSÃO DIGITAL 246 21955398 LUISE MIRLEY DE OLIVEIRA AZEVEDO Nutrição AUXÍLIO INCLUSÃO