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O católico como cidadão: política, comunismo e religião em O Apóstolo (1935 ? 1945)

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Dandara de Oliveira

O católico como cidadão: política, comunismo e religião em O Apóstolo (1935 – 1945)

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte

Florianópolis 2020

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Dandara de Oliveira

O católico como cidadão: política, comunismo e religião em O Apóstolo (1935 – 1945)

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Camilo Buss Araujo, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Rogerio Luiz de Souza, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Adriano Luiz Duarte, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em História.

____________________________ Prof. Lucas De Melo Reis Bueno, Dr.

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História

____________________________ Prof. Adriano Luiz Duarte, Dr.

Orientador

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À Olimpia (in memoriam), Marini (in memoriam), Evanir (in

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AGRADECIMENTOS

Atravessar o mestrado e finalizar esse trabalho somente foi possível graças ao apoio incondicional de algumas pessoas. Por isso, registro aqui meu agradecimento a todos que colaboraram, em especial:

Jorge e Rose, trabalhadores que através do sacrifício diário construíram as possibilidades reais para essa trajetória de pesquisa, desde muito antes do início da mesma.

Buca, amigo e companheiro que junto sobreviveu ao mestrado.

Diego e Jéssica, mesmo quando duvidei das minhas capacidades, vocês estavam lá. Jonata e Matheus, assim como outros familiares, presentes na mulher que me tornei. Meus amigos, especialmente André, Fernanda, Priscila L., Yhande que me acompanham desde a graduação; Artur, Camila, Luisa e Virgínia que o mestrado me presenteou; e Carol, Elton, Pedro e Samira unidos na docência, assim como na cerveja, Coca-Cola e vinho.

Adriano, que entre longas conversas sobre meus medos, limitações, dificuldades, política e futebol ainda separou um tempo para orientar essa pesquisa. Que sua sensibilidade para as questões sociais sempre paute minha atuação como professora.

Aos pesquisadores Divino Flávio de Souza Nascimento e Ana Claudia Ribas que compartilharam documentos essenciais para essa dissertação.

Ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas e à Universidade Federal de Santa Catarina pela estrutura do Programa de Pós-Graduação em História, assim como todos os servidores, professores, trabalhadores terceirizados, do xerox e da cantina que se fizeram presentes diariamente nessa jornada que se iniciou no longínquo ano de 2011.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa ofertada, assim como a todos os trabalhadores e trabalhadoras que financiam a educação pública brasileira, que ela seja sempre gratuita e de qualidade.

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A imprensa é uma força formidável. Nas mãos de Rousseau fez a Revolução Francesa. Nas mãos de Leão XIII, desvenda ao mundo inteiro o segredo trágico da Questão Social.

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RESUMO

Essa dissertação analisou, em perspectiva histórica, como os membros da Igreja Católica buscaram influenciar os eleitores, em especial os católicos, por meio do jornal O Apóstolo. O estudo percorreu a primeira metade do século XX, com foco especial na década entre 1935 e 1945. Esse momento foi ímpar na história brasileira; de um lado, uma longa ditadura; de outro, a “reconstrução” da democracia, pois se tratou da eleição que inaugurou uma nova forma de atuação nas disputas eleitorais. Por isso, ficou claro o interesse da Igreja Católica durante a primeira eleição após a ditadura do Estado Novo. O Apóstolo, principal fonte da pesquisa, foi editado em Florianópolis/SC, e circulando com regularidade entre 1929 e 1959. Sua produção, em um primeiro momento, era de responsabilidade do Apostolado de Oração da Catedral Metropolitana, mas a partir de março de 1931 passou a ser editado pela Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro, grupo de católicos leigos formado por homens membros da elite urbana da cidade. No jornal, foram selecionados artigos, colunas, notas com conteúdo abertamente político, ou que estivesse relacionado indiretamente com a temática. Os textos foram separados, tabelados e tipificados em categorias. O trabalho foi dividido em três capítulos, no primeiro, foi apresentado um histórico da relação entre Igreja e Estado no Brasil republicano. No segundo, buscou-se compreender a realidade de Florianópolis, a estrutura do jornal, assim como a organização dos católicos leigos nas congregações marianas, com foco na Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro. O terceiro e último capítulo, analisou a cobertura do periódico sobre os acontecimentos do período, com especial atenção para os desdobramentos do ano de 1945. Ao fim buscou-se analisar a permanência do discurso anticomunista e suas especificidades em cada momento histórico.

Palavras-chave: Catolicismo. Anticomunismo. Eleição. Imprensa católica. Laicato. Estado Novo.

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ABSTRACT

The Catholic character as a citizen: politics, communism and religion in O Apóstolo (1935 - 1945)

This dissertation aimed at analysing, under a historic perspective, the way in which the members of The Roman Catholic Church intended to influence citizens, more specifically catholic citizens, during the electoral season by the means of the newspaper O Apóstolo. This study attended to the first half of the 20th century, focusing on the decade between 1935 to 1945. That was a unique period in the Brazilian history: on the one hand, there was a long dictatorship, on the other hand, there was the “reconstruction” of democracy, specially considering the presidential election during this period, which represents a milestone in the Brazilian electoral disputes, also elucidating the interest of the Roman Catholic Church during the first election after the dictatorship of Estado Novo. The newspaper O Apóstolo, main source of this research, was edited and distributed in Florianópolis - SC from 1929 to 1959. Its production, at first, was under the responsibility of the Apostleship of Prayer of the Metropolitan Cathedral. However, from march 1931 on, it became the domain of the Marian Society Nossa Senhora do Desterro, a group of lay men, members of the urban elite of the city. Articles, columns, political notes or even texts that were indirectly related to the theme of politics were selected from the newspaper. These texts were separated, tabled and typified into categories. The study is divided into three chapters. In the first one, a background on the relationship between Church and State in Brazil is presented. In the second, the reality of Florianópolis, the structure of the newspaper as well as the organization of lay catholics in Marian Societies, with focus on Marian Society Nossa Senhora do Desterro, were under scrutiny. The third and last chapter focused on analysing the positions of the newspaper concerning events that took place during the selected period, with special attention to the developments of 1945. At last, an analysis of the remaining anti communist discourse and its specificities in each historical moment (past and present) is made. Key-words: Catholicism. Anti-comunism. Elections. Catholic Press. Laity. Estado Novo (New State).

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACB – Ação Católica Brasileira

AHESC – Arquivo Histórico Eclesiástico de Santa Catarina CBI – Centro da Boa Imprensa

EJA – Educação de Jovens e Adultos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LEC – Liga Eleitoral Católica

LRC – Legião Republicana Catarinense PAN – Partido Agrário Nacional

PCB – Partido Comunista do Brasil PDC – Partido Democrata Cristão PLC – Partido Liberal Catarinense PRC – Partido Republicano Catarinense

PROUNI – Programa Universidade para Todos PSD – Partido Social Democrático

PT – Partido dos Trabalhadores

SNES – Serviço Nacional de Educação Sanitária UDN – União Democrática Nacional

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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1 INTRODUÇÃO

A trajetória desta dissertação é anterior a sua aprovação no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em dezembro de 2016. Ela carrega o projeto de ascensão social de uma família de trabalhadores assalariados,

batalhadores, como bem definiu Jessé Souza1, que não tiveram acesso às instituições

educacionais para além do ensino fundamental. Em algum momento, houve a certeza de que este projeto se concretizaria através dos seus filhos, num momento de ampliação das oportunidades no ensino superior brasileiro.

Meus pais completaram o ensino fundamental e médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e sempre incentivaram a dedicação aos estudos. Essa dedicação só frutificou após as mudanças no projeto nacional de educação, permitindo que a primeira geração familiar acessasse o ensino superior por meio do Programa Universidade para Todos (PROUNI). Cursei, entre 2007 e 2010, Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda com bolsa integral. Mas não eram somente as portas das universidades particulares que estavam se abrindo para os alunos oriundos das classes sociais menos privilegiadas. Em 2011, comecei a cursar História na UFSC. Nesse período, as universidades federais estavam em expansão, e o projeto de ascensão social se tornou uma realidade possível. O caminho era cristalino: empenho na graduação, mestrado e doutorado. A recompensa da dedicação seria uma vaga como professor em uma universidade pública ou instituto federal de educação.

Todavia, o Brasil de 2016 pouco lembrava as possibilidades de 2011, e as projeções de futuro já não eram otimistas. O ano de conclusão da graduação em História também foi o ano do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A profusão de acontecimentos na política brasileira desde então faz com que 2016 pareça distante, por conta do volume e da intensidade das mudanças, assim como pelos rumos políticos que o país tomou.

O propósito deste prólogo é evidenciar as expectativas que estavam depositadas neste projeto de pesquisa – na verdade, projeto de vida.

O projeto inicial de pesquisa intitulava-se Os trabalhadores no campo político: um

estudo crítico das mudanças nas práticas eleitorais e partidárias (1950 e 1954). Essas mudanças eram frutos do crescimento da representatividade das trabalhadoras e trabalhadores no campo político. Entretanto, a própria estrutura da pós-graduação brasileira, somado ao meu

1 SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros. Nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: UFMG, 2012.

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desconhecimento, impuseram limites à pesquisa, inviável em dois anos. Encontrei dificuldades para analisar essas mudanças nas práticas partidárias nos períodos eleitorais entre 1950 e 1954. A própria pós-graduação, com o processo de pesquisa e a rotina de estudos são elementos novos, que trazem mais complicações se a origem social do estudante for completamente distante da realidade acadêmica.

A pesquisa seria exequível em dois anos, desde que os vinte quatro meses de mestrado fossem, em algum nível, dedicados exclusivamente a ela. Não foi o que ocorreu na pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, e por isso destaco que meu desconhecimento pesou. Até entrar na UFSC, eu pouco sabia sobre o funcionamento de um mestrado.

Durante o primeiro semestre, já estava patente que o processo de democratização do ensino superior brasileiro não havia alcançado a pós-graduação. A afirmação pode parecer um contrassenso, visto que minha trajetória e a de outros amigos e colegas funcionariam como comprovação dessa democratização. Entretanto, o acesso de estudantes das classes sociais menos privilegiadas ocorre mais por uma mudança na fase anterior (graduação) que por um projeto de mudança na pós-graduação em si. Aulas no período vespertino, volume de leitura irreal e cobrança de trabalhos que nada acrescentam à pesquisa tornam a pós-graduação um espaço elitizado. Isso fica ainda mais evidente ao considerar-se que no primeiro ano do mestrado pouco se avança na pesquisa, não havendo margem para correções ou mudanças nos dois anos estabelecidos para sua finalização.

Tais fatores devem ser somados à instabilidade política do Brasil em 2017. Essa inconstância afetou o cotidiano da pós-graduação brasileira, pela contínua ameaça de cortes de verbas e a possibilidade de atrasos das bolsas, que já estavam sem reajustes desde 2013. Assim sendo, mesmo tendo sido contemplada com uma bolsa desde março de 2017, isso não se traduziu em salvaguarda, pois a insegurança financeira marcou o processo de pesquisa. O conjunto ganhou ares mais sombrios com o aumento do custo de vida em Florianópolis, o que trouxe a necessidade de complementação da renda para alguns pós-graduandos, em trabalhos informais e precarizados. Ao final do primeiro ano de mestrado, todas as tarefas burocráticas estavam concluídas, assim como os créditos das disciplinas e o estágio de docência. A pesquisa, porém, pouco tinha avançado.

Ao analisar esse processo em retrospecto, fica evidente que a dinâmica da pós-graduação, ao menos na área das humanidades, é pouco saudável. Os critérios e o nível de cobrança precisam ser repensados, já que a dedicação exclusiva deve estar conectada a condições materiais suficientes. Atualmente, para que um pós-graduando realize de maneira

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exitosa tudo o que se espera dele, é necessária uma dedicação para além de oito horas diárias. A insuficiência é uma sensação constante, não importa o quanto você se dedique, sempre estará devendo algo, seja uma leitura atrasada ou um artigo pendente. O lazer, para além do prazer da pesquisa histórica, se torna algo condenável, passível de autocrítica, “pois você deveria estar estudando, produzindo, se dedicando”. Ao fim e ao cabo, abre-se mão da vida social, da interação em outros espaços e da família, o que não é indicado e nem saudável. Nas redes sociais, não faltam exemplos de anedotas afirmando que pós-graduando não tem férias. Todavia, a graça se perde quando observado o alto nível de depressão entre mestrandos e doutorandos.2

A conclusão das tarefas burocráticas mais prementes resultou em um sentimento ambivalente, pois o alívio de ter concluído as disciplinas dentro dos pré-requisitos para a manutenção da bolsa foi ofuscado pela incerteza e a pouca evolução da pesquisa. Eu me sentia muito distante do projeto inicial, mesmo após sua adequação e recortes. Além disso, havia problemas para encontrar fontes essenciais à análise da eleição municipal de Florianópolis em 1954. Os mapas eleitorais e os resultados detalhados desse processo não estão arquivados no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, e o mais provável é que tenham sido perdidos.

Nessa altura do mestrado, eu já tivera contato com o jornal O Apóstolo, que utilizei em artigo analisando o anticomunismo na eleição de 1954. O texto foi produzido para um evento da linha de pesquisa Sociedade, Cultura e Política no Mundo Contemporâneo, durante o qual foi destacado o potencial deste jornal como fonte. Mesmo que o periódico não fosse o centro da pesquisa, houve a sugestão para considerá-lo como tal. O terceiro semestre do mestrado já estava adiantado quando optei pela alteração de aspectos centrais do projeto, mantendo alguns dos pontos iniciais. O processo eleitoral permaneceu como recorte temporal e objeto de interesse, mas se antes os partidos políticos constituíam o eixo da pesquisa, agora eram os católicos, leigos e membros do clero, organizados em congregações marianas e que editavam o jornal O Apóstolo, que circulou com regularidade por mais de 30 anos.

O texto final da dissertação, lapidado e organizado, acaba ocultando as etapas de sua produção, as dúvidas e as mudanças de direção. Mas o exercício de rememoração dessa trajetória faz compreender que algumas dessas mudanças surgiram como respostas ao momento político e social que o país atravessa atualmente, como um afinamento de indagações, que

2 Um estudo publicado em 2018 na revista ciêntifica Nature afirma que mais de um terço dos alunos de pós-graduação sofrem de depressão ou ansiedade. RONCOLATO, Murilo. A taxa de depressão entre estudantes de pós-graduação, segundo esta pesquisa. Nexo, 02 abr. 2018. Disponível em <https://tinyurl.com/ycdstm3l>. Acesso em 28 mar. 2020.

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partem do presente e lançam novos questionamentos aos grupos católicos analisados entre 1935 e 1945.

O ano de 2018 guardava ainda mais sobressaltos. No âmbito pessoal, a modificação da pesquisa, mesmo trazendo certo alívio, também apresentou novos problemas. Foi necessário entrar em contato com uma nova historiografia sobre o catolicismo brasileiro, sua história e relação com a política. Ademais, a solidão como característica do trabalho acadêmico se ampliou, e acabei lidando com isso de forma pouco saudável. O trabalho acadêmico é, em si, solitário, em oposição à sala de aula, que tem como principal característica o debate coletivo. O processo de produção, com exceção das reuniões de orientação, ocorre apenas entre o pós-graduando, suas fontes e leituras. Mesmo agora, com o trabalho finalizado, continuo achando essa solidão problemática e acredito que os membros dos programas de pós-graduação – professores, técnicos administrativos e alunos – devessem construir alternativas a esse modelo, que reforça os processos de adoecimento entre os alunos.

Ao nível nacional, o Brasil se organizava para eleger seu 38º presidente, num período conturbado. Alguns analistas apontam que esses distúrbios tiveram início com o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff (2016), outros apontam 2014, quando Aécio Neves não reconheceu os resultados finais das eleições, enquanto alguns vão mais além, apontando as manifestações de 2013 como a raiz desse processo que teve consequências na eleição. Em suma, convivemos com esses distúrbios políticos há alguns anos, fazendo-nos sentir como se estivéssemos em constante processo eleitoral, no qual as disputas políticas entre diferentes partidos e grupos de interesse se acirram.

Ao longo desse período, um discurso específico ressurge: a ameaça comunista, narrativa que se mantém na sociedade brasileira, mesmo que residual em alguns contextos, concentrando-se em grupos específicos com pouca representatividade, como por exemplo, no entre séculos, quando do processo de reabertura democrática no Brasil e do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em outros momentos, tal narrativa retorna com força, se adaptando aos debates da conjuntura. A nova onda do anticomunismo divulga que a esquerda3, reunida sobretudo no Partido dos Trabalhadores (PT), tem como objetivo

transformar o país em uma “nova Venezuela”.4

Em 1935, a narrativa da “ameaça comunista” apontava uma tentativa de golpe, que

3 Cabe destacar que o anticomunismo não deve ser diluído apenas dentro de movimentos conservadores e autoritários. Há outros matizes do movimento que não se enquadram na alcunha de conservadores.

4 GAMBA, Karla. Sem reformas, a esquerda volta e Brasil pode virar a Venezuela, diz Bolsonaro. O Globo, 23 jan. 2019. Disponível em <https://tinyurl.com/yb95upgw>. Acesso em 20 abr. 2020.

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seria perpetrado por brasileiros envenenados por uma ideologia estrangeira. Em 1964, o perigo eram as Ligas Camponesas, que estariam prontas para transformar o Brasil em uma “grande Cuba”. Em 2018, haveria o “perigo” da ideologia de gênero e do globalismo. A série de ameaças se altera, enquanto a preocupação central se mantém: a destruição das bases da tradicional família cristã brasileira.5 O ressurgimento desse discurso6 também repercutiu nos objetivos da

dissertação, já que o anticomunismo é recorrente nas páginas de O Apóstolo.

A campanha eleitoral de 2018 elevou a intensidade da disputa política e contribuiu para a solidificação dessa narrativa, resultando em um segundo semestre conturbado. O ataque às ciências humanas, aos que se posicionam no campo político da esquerda e aos professores foi institucionalizado, assim como o combate a toda e qualquer pauta progressista. Não há perspectiva otimista para aqueles que trabalham no campo da educação. É um movimento de dupla desvalorização, pois a docência está sendo perseguida e criminalizada, a partir de projetos que visam censurar e controlar suas práticas; e a História, como ciência, é desvalorizada paulatinamente, pelo revisionismo e a negação de fatos históricos.

Apesar de todo esse contexto, minha qualificação ocorreu em dezembro de 2018. Considerando os questionamentos da banca, optei por uma última modificação no projeto de pesquisa, a análise das eleições para o poder executivo federal em 1945. Essa escolha partiu de duas questões centrais: os posicionamentos da Igreja católica, como instituição, se modificaram durante o processo de democratização, tornando-se necessário um estudo mais aprofundado dessas alterações. Além disso, havia o interesse em estudar os posicionamentos no momento da abertura democrática em 1945, nascedouro de estratégias políticas atuais, como pluripartidarismo, ampliação da efetiva participação dos eleitores e vultosas campanhas eleitorais.

O desenvolvimento desta pesquisa se tornou mais conturbado do que o imaginado no início. Entretanto, e a despeito das dificuldades, ser discente no Programa de Pós-Graduação em História da UFSC foi uma oportunidade ímpar para compreender melhor as desigualdades e os limites da democratização do ensino superior brasileiro. É necessário reconhecer o que foi realizado, mas também perceber que ainda há um longo caminho para a integração e a permanência de alunos provenientes das camadas sociais populares.

5 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002, p. XXII.

6 Apesar da permanência do discurso anticomunista ao longo da história brasileira, há mudanças nos significados desse anticomunismo. Ou seja, destacar a permanência do discurso não deve ser interpretado como a

manutenção de um anticomunismo rígido e atemporal, ele possui diferentes significados e motivações dependendo do momento histórico analisado.

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Esse processo colaborou para a percepção do meu lugar na sociedade de classes brasileira e a compreensão de que aquele projeto de ascensão social não vai se dar como foi idealizado. Durante a pesquisa, muitas vezes questionei minha capacidade e se eu deveria estar na pós-graduação. Foi a primeira vez que indaguei se aquele espaço de produção do conhecimento, público, gratuito e de qualidade, era realmente para pessoas como eu. Completo esse ciclo com a certeza de que esse espaço deve ser ocupado por estudantes diversos, que serão professores mais conscientes da realidade brasileira não apenas na teoria, pois o projeto de ascensão social não será plenamente alcançado enquanto ele existir como demanda individual. Ele exige uma ação coletiva, para que haja uma mudança substancial na sociedade brasileira.

Por fim, o resultado dessa trajetória longa e tortuosa é a dissertação intitulada O

católico como cidadão: política, comunismo e religião em O Apóstolo (1935 – 1945). Seu

objetivo geral é compreender como a Igreja católica buscou influenciar os votantes, em especial os católicos, durante os processos eleitorais. Para tanto, foi apresentado um histórico da relação entre Igreja e Estado no Brasil republicano. Buscou-se compreender a estrutura do jornal O

Apóstolo7, considerando principalmente os católicos leigos responsáveis por sua edição,

reunidos na Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro, bem como a realidade de Florianópolis no contexto.

O texto final conta com três capítulos. O primeiro, Igreja e República, se debruçou sobre a relação entre membros da Igreja Católica e o Estado brasileiro. O que se observou nesse período foi a reestruturação da Igreja, a partir de uma autonomia até então desconhecida, fruto da laicização do Estado. Seu propósito era ampliar direitos e resgatar alguns dos benefícios presentes no Império, atuando nas frestas da República. O capítulo foi subdividido em dois tópicos: A Primeira República e A Era Vargas (1930 – 1945). Além de considerar o recorte

temporal histórico comumente utilizado, tal divisão busca identificar os diferentes posicionamentos da Igreja católica brasileira no período.

O segundo capítulo concentra-se em Florianópolis, para compreender a realidade material da cidade e as instituições responsáveis pela produção do periódico O Apóstolo.

7 O Apóstolo e outros jornais do período estão no centro dessa pesquisa. Há uma vasta bibliográfia sobre a utilização de periódicos como fonte para a pesquisa histórica, entretanto essa discussão não está presente no trabalho, pois a validade dos jornais como fonte é uma discussão superada e os principais pontos desse debate estão pressupostos nos argumentos e na forma como os jornais foram mobilizados ao longo da pesquisa. Sobre a temática, ler: AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado Autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru, SP: EDUSC, 1999; CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo: imprensa paulista 1920-1945. São Paulo: Brasiliense, 1989; CAPELATO, Maria Helena; WEINSTEIN, Barbara; PRADO, Maria Ligia. O bravo

matutino: imprensa e ideologia no jornal 'O Estado de S. Paulo'. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. LUCA, Tania

Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes

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Denominado Florianópolis e o Apóstolo, o capítulo possui três seções: Florianópolis (1935 – 1945), na qual são apresentadas as principais características da capital catarinense;

Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro, sobre a instituição oficialmente responsável pela produção de O Apóstolo, com a análise da fundação das congregações marianas, sua origem na Europa e seu estabelecimento na capital catarinense; e O Apóstolo:

órgão da Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro, com o jornal ocupando o centro da análise, após a contextualização do espaço geográfico e da instituição responsável

No terceiro capítulo, buscou-se compreender a atuação da Igreja católica ao longo da jovem república brasileira e a dos atores centrais da Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro, para entender como O Apóstolo interpretou e fez a cobertura dos acontecimentos de 1945. O capítulo foi subdividido em outros três tópicos: O Apóstolo, 1945; A eleição, 1945; e

Resultados eleitorais. O primeiro analisa a cobertura do periódico (ou a falta dela) sobre os acontecimentos finais da Segunda Guerra Mundial e a agitação política interna no Brasil. O tópico seguinte busca compreender como as eleições marcadas para dezembro de 1945 se fizeram presentes em O Apóstolo. Por último, são apresentados os resultados eleitorais e de que forma os membros da Congregação Mariana Nossa Senhora do Desterro os interpretaram nas páginas do jornal.

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diversas confissões religiosas e o Estado. As oportunidades instituídas a partir dessa nova composição geravam expectativa no alto clero católico:

A hierarquia católica saudou calorosamente a sua libertação, mas a independência tem um preço e a alta burocracia eclesiástica iria imediatamente concentrar os seus esforços na tentativa de o aliviar. [...] A sua resposta desenvolveu-se nos planos teórico, político e administrativo, criando a base da reconstrução organizacional da instituição e estabelecendo as relações que iriam determinar a estrutura política da Igreja ao longo da primeira metade do século XX.10

A liberdade e a independência frente ao Estado possibilitaram um período de transformações orgânicas. O momento requeria medidas para a manutenção dos benefícios da Igreja, considerada por muitos, membros do clero ou não, instituição central na formação do Brasil. Por outro lado, havia a necessidade de se posicionar na ordem republicana recém-estabelecida, buscando se diferenciar das outras religiões e mantendo a influência sobre o Estado autodeclarado laico, no qual todas as religiões teriam, em teoria, o mesmo peso.

A ambivalência foi a marca desse período. Sem opções, a Igreja católica passou a tolerar a República, festejando a liberdade de ação, mas enfrentando a laicização da sociedade. Inicia-se um processo de expansão por meio da interiorização das suas estruturas burocráticas, também denominada de estadualização, buscando reconquistar benefícios anteriores à proclamação da República.

O processo de estadualização foi destrinchado por Sérgio Miceli no livro A Elite

Eclesiástica Brasileira. O autor aponta que, entre 1890 e 1930, as estruturas burocráticas católicas foram inteiramente estadualizadas, engendrando a capilaridade de suas estruturas de organização.11 Nesse sentido, a hierarquia eclesiástica passou a se organizar através das

fronteiras políticas brasileiras, convertendo as capitais dos estados em sedes diocesanas: De 1907 a 1937, o número de paróquias católicas aumentou em 50%. Ao mesmo tempo, o número de serviços religiosos (batismos, casamentos e enterros) foi quase triplicado. Mais ainda, o número de dioceses e jurisdições episcopais aumentou 400% [...]. De 1907 para 1922 passou de 4 para 13 arquidioceses, atingindo 17 em 1937; suas dioceses foram de 18 para 39 em 1922 e 55 em 1937. O contingente de padres aumentou sensivelmente, levantaram-se os empecilhos da legislação imperial ao desenvolvimento das ordens e congregações religiosas, incentivaram-se as vocações e a vinda de prelados estrangeiros.12

Esse processo de reorganização da estrutura de poder da Igreja visava a construção de

10 ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 33. 11 MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira: 1890 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 58. 12 KRISCHKE, Paulo José. A igreja e as crises políticas no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1979. pp.

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patrimônio próprio, desvinculado do Estado, que garantisse autonomia material e financeira.13

A distribuição das dioceses no mapa político respeitou as fronteiras do poder, dialogando com as facções que disputavam a política no nível local. Conforme destaca Miceli, a estadualização das estruturas da Igreja católica utilizou-se do pacto oligárquico da Primeira República e também foi por ele utilizada:

As tendências descentralizadoras do regime republicano, ou melhor, os padrões de controle político associados à vigência da “política dos governadores”, a montagem dos partidos republicanos nos diversos estados e a autonomia considerável de que passaram a dispor os clãs oligárquicos em âmbito local e regional favoreceram sem dúvida o processo de “estadualização” das políticas implementadas pelos detentores do poder eclesiástico.14

A gestão das sedes diocesanas muitas vezes ficava a cargo de membros do clero provenientes dos grupos oligárquicos locais. Mesmo quando o local de nascimento não correspondia à diocese para qual um bispo havia sido nomeado, seu pertencimento a grupos oligárquicos colaborava para o acesso aos círculos de poder, além de colocá-lo como facilitador nos momentos de arrecadação de fundos para a burocracia eclesiástica local.15

Significativo nesse processo é compreender que a separação entre Igreja e Estado não provocou rupturas com as elites locais, mas reestruturou a própria hierarquia eclesiástica, que, por sua vez, funcionou como sustentação para líderes políticos, principalmente no pós-1930. A Igreja havia reforçado seu espaço de “legitimação e ostentação do poder oligárquico.”16 O

decreto 119-A17, anterior à Constituição de 1891, que determinava a liberdade de culto e proibia

a intervenção federal ou dos estados em matéria religiosa, não tinha potência tampouco objetivava remodelar uma característica notável da sociedade no período: o Brasil era um país majoritariamente católico.

Sendo assim, os quadros do poder político eram majoritariamente ocupados por cidadãos católicos. Havia a convergência entre elites dirigentes e eclesiásticas, criando uma identidade social comum. Essa coesão era importante para ambos os grupos. Os membros dos quadros administrativos tinham o apoio de uma instituição enraizada em um país de proporções continentais e com alguma autoridade frente ao “povo”. Já o clero recebia o suporte daqueles

13 MICELI, 2009, p. 20.

14 Ibidem, p. 26. 15 Idem. 16 Ibidem, p. 28.

17BRASIL. Decreto nº 119-A, de janeiro de 1890. Proíbe a intervenção da autoridade federal e dos Estados

federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências. Coleções de Leis do Brasil de 1890, Rio de Janeiro, 1890.

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que ocupavam as instâncias decisórias de uma jovem república, que construía seu corpo jurídico e sentia os efeitos da principal mudança do final do XIX, qual seja, a transição do trabalho com mão de obra escravizada para o assalariado.

Foi nesse período que Santa Catarina recebeu suas primeiras dioceses. Em 1892, foi fundada a Arquidiocese de Curitiba, responsável pelo estado do Paraná e todo o território catarinense. Em março de 1908, Santa Catarina passou a ter circunscrição eclesiástica própria, a partir da fundação da diocese de Florianópolis, tendo como bispo Dom João Becker, que ficou no cargo até 1912. Em 1927, a capital catarinense foi elevada à arquidiocese, e como província eclesiástica, agrupava as dioceses de Lages e Joinville, fundadas simultaneamente:

A nível de Santa Catarina as relações foram muito amistosas, pois, no processo de criação da diocese de Florianópolis as elites dirigentes selaram seu aval. Nas novas festas cívicas, como: no Dia da Bandeira e no dia da Proclamação da República, a Igreja esteve sempre presente, seja através das escolas paroquiais, seja através das novas associações religiosas, prestando homenagem a uma nova ordem que se dizia laica.18

Os membros da Igreja e as elites dirigentes locais, no entanto, não formavam um bloco compacto, com objetivo único. Havia interesses e propósitos muitas vezes conflitantes, principalmente quando se observa que o século XX foi um momento de secularização da sociedade. Membros da elite e do próprio clero estavam imersos nas mudanças que marcaram o fim do Império e os primeiros anos da República. Quando aproximada a escala de observação, se constata a existência de grupos múltiplos, muitas vezes antagônicos, dentro do próprio clero ou entre as elites dirigentes, uma vez que são instituições complexas. No entanto, a mesma escala, quando reduzida ao nível local de Florianópolis, possibilita observar o alinhamento entre integrantes dos dois grupos.

A Proclamação da República, em novembro de 1889, deve ser compreendida mais como o fim do Império do que o início de uma nova forma de governo previamente elaborada. Havia diferentes projetos de república e nação, e a Igreja buscou participar desse momento, mantendo e, em algum nível, reconstruindo seu prestígio. Pois, ainda que vinculados na experiência brasileira, república e laicidade do Estado não constituíam etapas do mesmo processo. A laicidade possuía agenda própria, e a secularização da sociedade não se restringia às repúblicas.19

Assim, havia espaço para que a hierarquia católica buscasse uma situação mais

18 SERPA, Élio Cantalício. Igreja, elites dirigentes e catolicismo popular em Desterro/Florianópolis,

Laguna e Lages-1889-1920. 1993. 270 f. Tese (Doutorado em História Social), Universidade de São Paulo,

São Paulo, 1993, p. 104. 19 LEITE, 2011, p. 37.

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confortável dentro da nova forma de governo. Para tanto, se alinhou a certos grupos da elite. Era um processo de mão-dupla, pois as elites também buscaram apoio nos membros do clero em diferentes ocasiões. Ao longo da Primeira República, o processo de estadualização aprofundou as possibilidades dessa relação, com indivíduos geralmente provenientes dos mesmos círculos de poder. Essa associação expunha a reiteração de valores em comum, como ordem, respeito, disciplina e a observância hierárquica.20

A estadualização das estruturas da Igreja católica intensificou outro projeto em curso, que também interessava a ambos os grupos (elites dirigentes e elites eclesiásticas): a revisão das práticas do catolicismo popular, muito difundido em território brasileiro. Havia o interesse na propagação de uma fé mais condizente com a sociedade urbana que estava em formação; tal processo, imbricado na estadualização, ficou conhecido como romanização e não se restringiu ao Brasil. Tratava-se de uma reação do Vaticano, que

[...] padronizava a liturgia, buscando a construção de uma Igreja triunfalista. Toda esta questão estava imbricada no processo do Cristianismo que procurava se ajustar às necessidades da Modernidade, contribuía para acelerar a industrialização, enfatizava o homem enquanto ser trabalhador e promovia a ciência, salientando a ordem da criação e o dom da racionalidade.21

O processo de romanização em solo brasileiro antecedeu a Proclamação da República. Ao longo da segunda metade do século XIX, houve esforços para nomear bispos alinhados à política papal, pois, durante o Império, a Igreja católica brasileira era administrada pelo imperador. Esse modelo, conhecido como padroado régio, consistia na outorga da administração da Igreja a um civil, através de bulas papais. O papa era considerado apenas bispo de Roma, sendo o clero brasileiro equivalente ao funcionalismo público, com o Estado responsável por suprir as necessidades financeiras e logísticas de toda a estrutura eclesiástica.22

A romanização ganhou força com a proclamação da República, pois a estadualização colaborou para a expansão de um catolicismo altamente alinhado a Roma. Não era apenas a interiorização das estruturas de poder, era um projeto de higienização e controle das práticas religiosas. Tal controle se fazia pela aproximação entre sacerdotes alinhados à liturgia ultramontana23 e o povo leigo, principalmente nos centros urbanos e capitais. Era um projeto

de nação que dialogava com as interpretações das elites locais, que desejavam um país filiado

20 SERPA, 1993, p. 85. 21 Ibidem, p. 60.

22 CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa: Ultimato, 2002, p. 187.

23 Entende-se por catolicismo ultramontano a reação da Igreja Católica ao mundo moderno, com um centralismo romano na figura do papa, um fechamento sobre si mesma, uma recusa do contato com o mundo moderno.

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aos padrões europeus de civilização.24

No catolicismo popular, o leigo possuía papel central. Como era constante a falta de sacerdotes, os católicos leigos construíam as capelas e conduziam os ritos religiosos. Era um catolicismo que de certa maneira dispensava a intermediação do clero e que estava marcado pelo sincretismo, dadas as influências de populações indígenas, africanas e afro-brasileiras. Era uma prática religiosa com características regionais, indo muitas vezes além do controle das instituições. Seu foco era a devoção aos santos, que cumpriam o papel de mediadores junto a Deus. As benzeduras, romarias e festas também tinham destaque.25

Nesse sentido, a romanização, potencializada pela estadualização da hierarquia eclesiástica, fez mais do que aproximar os leigos dos sacerdotes e dos ritos ultramontanos. Ela reorganizou a estrutura administrativa no sentido burocrático, desenvolveu novas formas racionais de controle do papel do clero26 e, principalmente, buscou o domínio sobre os católicos

leigos, em especial os provenientes das camadas mais precárias da sociedade. Em suma, durante a Primeira República, estadualização e romanização foram atributos do mesmo projeto político, que:

Reformulou e enfrentou as manifestações religiosas típicas do catolicismo popular, valendo-se do trabalho de ordens e congregações religiosas estrangeiras masculinas e femininas. Estas aliadas ao poder político local, com facilidade, penetravam em todas as esferas da sociedade, reformulando as práticas devocionais populares e, em contrapartida, legitimavam as relações de poder a nível local, regional e estadual.27

Buscava-se transformar as práticas religiosas, incluindo as festas populares do catolicismo, nas quais as divisões sociais poderiam ser apagadas, com pouco protagonismo dos padres, apesar da motivação religiosa. Com o modelo romanizado, as comemorações foram altamente controladas e hierarquizadas, com o reforço das divisões sociais. No centro da procissão, os altos membros do clero, acompanhados das elites dirigentes, seguidos por suas esposas e filhas. Reduzido a espectador, o “povo” era entendido como massa amorfa, sem rosto, que precisava ser controlada:

O clima de festa fortemente hierarquizada, disciplinada, sem transgressões, apelava para a necessidade de se vivenciar um novo tempo e um novo espaço marcados essencialmente pela sacralização e pelo controle da Igreja. Esta buscava colocar-se junto à esfera pública como organizadora das manifestações religiosas, legitimar-se enquanto instituição hierarquizada.

24 SERPA, 1993, p. 6. 25 Ibidem, p. 29. 26 Ibidem, p. 76. 27 Ibidem, p. 77.

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Concomitantemente, legitimar as relações de classe vigente.28

Essas são características do processo de romanização nos centros urbanos, capitais e cidades maiores. Os católicos que viviam no interior do país continuaram, em sua maioria, tendo contato esporádico com o sacerdote e praticando um catolicismo doméstico. Por conta das dimensões continentais do Brasil, a romanização deu-se de diversas formas, em diferentes tempos e intensidades. Vale ressaltar que esse projeto tinha como foco as elites, pois era uma reforma a partir do alto, por meio de um catolicismo europeizado e mais intelectual, para cristianizar a legislação e o Estado, impelindo o “povo” para práticas religiosas controladas.29

Da mesma forma, a estadualização que reforçou a romanização não aconteceu de forma homogênea em todo o país. Para Miceli, esse processo ocorreu a partir de dois modelos. Nos estados mais desenvolvidos economicamente, como São Paulo e Minas Gerais, os líderes da Igreja buscaram restaurar sua influência por meio de campanhas institucionais e novas associações, principalmente com grupos leigos capazes de mobilizar as bases católicas. Já nos estados menos importantes em termos político-econômicos, o que se observou foi a construção de alianças com grupos políticos locais.30

Deve-se considerar, contudo, certo nível de fluidez nesses modelos, ou seja, alianças entre membros de ambas as elites ocorreram mesmo nos estados onde prevaleceram as campanhas institucionais. Mesmo porque, como dito anteriormente, existia o “intento de atrair ao corpo episcopal filhos de famílias ilustres da classe dirigente”31. O contrário também é

válido, isto é, campanhas institucionais voltadas para a mobilização das bases católicas ocorreram em estados nos quais a política eclesiástica se firmava na aliança com as elites dirigentes.

Em Santa Catarina, o processo de estadualização foi inicialmente marcado pela relação entre as elites eclesiástica e dirigente. Atuando numa diocese (1908), e posteriormente arquidiocese (1927), criada no âmago da romanização, os bispos nomeados estavam engajados no projeto de poder que marcou a Igreja católica ao longo da Primeira República, sendo responsáveis por sua implementação em território catarinense. Como consequência, a mobilização das bases católicas ganhou fôlego nas décadas de 1930 e 1940, amplificando a interiorização das estruturas e a higienização das práticas do catolicismo popular.

28 SERPA, 1993, p. 90.

29 BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a redemocratização. In:

FAUSTO, Bóris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1984. T III, v. 4. pp. 279-280.

30 MICELI, 2009. pp. 66-75. 31 Ibidem, p. 76.

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O nosso amado Arcebispo Metropolitano, D. Joaquim Domingues de Oliveira, acolitado por numeroso clero, levou em cortejo triunfante o Jesus sacramentado pelas ruas da cidade. Seguravam as varas do Pálio as mais distintas Autoridades, entre elas o Exmo. Snr. Governador do Estado, Dr. Nereu Ramos. Assim esta solenidade foi mais uma vez um argumento jubiloso de que o imenso povo de Florianópolis e as supremas Autoridades da Igreja e do Estado estão unidos na mesma Fé e no mesmo Amor a Jesus Cristo, nosso Rei.32

No decorrer da Primeira República, a Igreja católica foi reforçada como espaço de sociabilidade e esteio da hierarquia social. As cerimônias e celebrações funcionavam como ambiente de coesão, no qual todos estavam unidos por um denominador comum, o catolicismo. Cada um reconhecia seu lugar e os lugares dos demais na sociedade de classes. Essa característica não foi exclusividade do período. O que se alterou, nas primeiras décadas do século XX, foi a tentativa da Igreja de controlar a inserção do “povo” no espaço político em nível local/municipal, por meio dos processos de estadualização. Isso fica mais evidente quando camadas da sociedade historicamente excluídas dos processos decisórios passaram a reivindicar representatividade política.

A década de 1920 foi um momento chave para essas alterações na política institucional da hierarquia eclesiástica. Observando a experiência da restauração católica no Brasil, percebe-se que, nos anos iniciais da Primeira República, a Igreja concentrou-percebe-se na estadualização. Scott Mainwaring assinala como o início dessa virada a carta pastoral publicada em 1916 por D. Sebastião Leme33, arcebispo do Recife e de Olinda:

[…] ao católico não pode ser indiferente que a sua pátria seja ou não aliada de Jesus Cristo. Seria trair Jesus; seria trair a pátria! Eis por que, com todas as energias de nossa alma de católicos e brasileiros, urge rompamos com o marasmo atrofiante com que nos habituamos a ser uma maioria nominal, esquecida dos seus deveres, sem consciência dos seus direitos. É grande o mal, urgente é a cura. Tenta-lo – é obra de fé e ato de patriotismo.34

Se anteriormente a Igreja estava preocupada em resolver problemas internos e em rearranjar sua estrutura, a partir do final da década de 1910 ela se volta para o público externo, tendo como propósito não apenas a construção de estruturas de poder e patrimônio próprio, mas também a construção de condições para pautar o debate político. O processo de estadualização continuou com força até o início dos anos 1930, perdendo intensidade com a politização do

32 Procissão do Corpo de Deus. O Apóstolo, Florianópolis, 15 jul. 1935, p. 3.

33 MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e a Política no Brasil (1916 – 1985). São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. pp. 41-47.

34 LEME, Dom Sebastião. Carta Pastoral Saudando a sua Archidiocese. Petrópolis: Typ. Vozes de Petrópolis, 1916, p. 8.

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trabalho dessa comissão resultou na elaboração do Código Eleitoral, publicado em fevereiro de 1932, buscando eliminar as falhas do processo eleitoral experienciado ao longo da Primeira República. A partir daí, foi criada a Justiça Eleitoral, garantido o direito ao voto às mulheres e instituído o voto secreto.38

Entre 1890 e 1930, a população brasileira mais que duplicou, passando de 14,3 milhões para 37,6 milhões de habitantes.39 Os ápices do engajamento eleitoral ocorreram nas eleições

de 1914, quando Venceslau Brás Pereira Gomes concorreu como candidato único, e em 1930, quando concorreram Getúlio Vargas e Júlio Prestes. Mas o expressivo crescimento da população não alterou o processo político eleitoral, que se manteve elitizado e excludente, com uma participação política que nunca ultrapassou os 5%.40 A incorporação de novos contingentes

populacionais no processo eleitoral não alterou imediatamente o campo político, porém, foi o prenúncio da democratização do acesso às urnas que reconfiguraria a política brasileira nos anos seguintes41, principalmente a partir do processo de abertura em 1945, pós-Estado Novo.

Antes disso, contudo, a hierarquia católica já havia feito da urna um caminho possível para ampliar e solidificar suas conquistas.

Ainda nesse momento de reconfiguração da ordem social e constitucional, em novembro de 1930, o governo provisório criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio para atuar nas relações entre capital e trabalho. Esse era outro campo de convergência com a Igreja católica, que também defendia a moderação nas relações entre trabalhadores e patrões, neutralizando possíveis focos de conflito – inaugurando, por exemplo, os primeiros Círculos Operários (1930)42. De diferentes formas, as mudanças propostas durante o governo provisório

(1930 – 1934) tinham como foco as classes sociais que emergiram na Primeira República: a burguesia industrial, o proletariado urbano e a classe média em expansão. Eram grupos heterogêneos, que por diferentes razões estiveram à margem do processo político durante a Primeira República.

O proletariado urbano aflorava como ator central no debate político, atraindo atenções

38 NICOLAU, Jairo. Eleições no Brasil: do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 74. 39 BRASIL. Instituto Nacional De Estatística. Anuário Estatístico do Brasil: ano III. Rio de Janeiro: Tip. do

Departamento de Estatística e Publicidade, 1937, p. 129. 40 NICOLAU, op. cit., p. 59.

41 Entretanto, vale ressaltar que os analfabetos estavam excluídos desta ampliação. Somente a partir da Constituição de 1988 que o direito ao voto foi extendido para aqueles que não sabiam ler e escrever.

42 Os círculos operários eram associações de trabalhadores católicos, funcionando como uma ação/intervenção da hierarquia católica sobre o mundo do trabalho. Sobre o Círculo Operário, ver: SOUSA, Jessie Jane Vieira de.

Círculos operários: a Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002; e

RENGEL, Simone Aparecida. Proletários de todos os países, UNI-VOS em Cristo: trabalhadores católicos e o Círculo Operário de Florianópolis (1937-1945). 2009. 174 f. Dissertação (Mestrado em História) -

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do Estado e da Igreja. Se durante a Primeira República, o foco das políticas eclesiásticas fora a elite, nos anos 1930 a Igreja procurava o “povo”, especialmente nos grandes centros urbanos onde houvesse um crescimento exponencial da população. Exemplo extremo desse crescimento foi São Paulo, que contava com menos de 240 mil habitantes em 1900 e, quarenta anos depois, registrava uma população de mais de 1 milhão e 300 mil habitantes.43

Se, de alguma forma, a Igreja Católica esteve à margem na Proclamação da República, a partir de 1930, ela se colocou como figura central nos debates políticos44, mesmo antes da

posse de Getúlio Vargas. Nos momentos principais do movimento de 1930, o cardeal D. Sebastião Leme negou-se a ocupar o papel subalterno de simples mediador entre as lideranças do movimento e o presidente Washington Luiz. O cardeal buscou lugar de destaque, oferecendo asilo ao presidente no Palácio Arquiepiscopal, que funcionou como espaço de segurança num momento de atribulação, representando o que a hierarquia católica pretendia ser para os brasileiros: um porto seguro dentro de uma sociedade que, para a Igreja, se desmoronava.45

A atuação de D. Leme em 1930 foi similar à de D. Macedo Costa46 nos instantes

iniciais da república no final do século XIX, quando era bispo do Pará. Ele defendeu a Igreja perante as transformações que ocorriam, buscando manter privilégios e conquistar novos, sem que sua atuação fosse interpretada como oposição nem apoio irrestrito ao novo regime político.47 Nomeado primaz do Brasil, D. Macedo Costa morreu no início da república, em

1891. Já o cardeal Sebastião Leme pode acompanhar o governo de Getúlio Vargas e construir uma relação política entre ambos, até 1942, ano de sua morte. Em novembro de 1930, D. Leme e Getúlio Vargas apareceram juntos em público, após a celebração de uma missa pela paz. Não houve discursos, mas o gesto sinalizava o posicionamento da hierarquia católica frente ao novo regime político. A Igreja, que durante a década de 1920 esteve próxima do Palácio do Catete, permanecendo junto de Washington Luís até o último momento, não se opôs ao governo instituído pela “via revolucionária”:

Assumindo o direito de interpretar o pensamento do episcopado, o cardeal

43 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil. População nos Censos Demográficos,

segundo os municípios das capitais - 1872/2010. Disponível em

<https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=6>. Acesso em 20 nov. 2019.

44 SOUZA, Rogério Luiz de. O renascer do catolicismo brasileiro - 1930/1945. Fronteiras, Florianópolis: ANPUH/SC, v. 11, n.11, pp. 31-44, 2003.

45 BALDIN, Marco Antônio. Dom Leme e a recristianização do Brasil - ensaio de interpretação. Revista

Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 1, n. 3, 2009, p. 5.

46 Antônio de Macedo Costa nasceu na Bahia em 1830. Ingressou no seminário em 1848; entre 1852 e 1857 esteve na França, onde fez seus estudos eclesiásticos. Era doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Foi preso por suas convicções ultramontanistas durante a chamada Questão Religiosa. Em junho de 1890 foi nomeado primaz do Brasil, mas faleceu antes de assumir.

47 AZZI, Riolando. O episcopado brasileiro frente à Revolução de 1930. Síntese, n 12, janeiro/março, 1978, p. 51.

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Leme demonstra com esse gesto que a Igreja Católica estava disposta a continuar sua missão religiosa sem criar incompatibilidades com o novo governo. Mais ainda. Reconhecia a sua legitimidade não apenas tacitamente, mas de modo afirmativo, embora implícito.48

Durante as festividades do Ano Novo, outro ato reforçou a intenção de costurar uma relação amistosa que beneficiasse o novo governo e a Igreja. O cardeal Leme percorreu os 600 metros que separavam o Palácio Arquiepiscopal São Joaquim do Palácio do Catete. No mesmo dia, o gesto foi retribuído por Getúlio Vargas com uma visita ao Palácio Arquiepiscopal. Essa cumplicidade marcou a relação entre Igreja e governo até o Estado Novo. Da perspectiva da Igreja Católica, ela colhia os frutos do projeto político desenvolvido ao longo da Primeira República. O catolicismo, que ocupou papel secundário no debate político em 1889, estava no centro em 1930. Getúlio Vargas compreendeu isso. Na perspectiva do chefe do governo provisório, a Igreja era a instituição de apoio necessária. A aproximação foi articulada pelo católico Francisco Campos49, então ministro da Educação e Saúde. Em abril de 1931, Campos

foi responsável pelo decreto que tornou facultativo o ensino religioso nas escolas públicas, que havia sido proibido a partir da separação entre Igreja e Estado com a Proclamação da República.

O ano de 1931 foi intenso para a hierarquia católica brasileira, com a publicação da Carta Pastoral Coletiva dos Bispos da Bahia, no mês de março. As cartas pastorais eram expedientes comuns nas dioceses, com instruções ou palavras de conforto do bispo a clérigos e leigos. O diferencial deste documento está em seu caráter coletivo, tendo sido assinado por todos os bispos da província eclesiástica da Bahia: D. Augusto Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia; D. Juvêncio, bispo de Caetité; D. Adalberto, bispo da Barra; e D. Eduardo, bispo de Ilhéus. Vale ressaltar que o arcebispo da Bahia, D. Augusto, também ocupava o cargo de primaz do Brasil, sendo o segundo na hierarquia eclesiástica, abaixo apenas do cardeal Leme.50

A carta pastoral objetivava a defesa da relação harmoniosa entre Igreja e Estado, se colocando como tradutora da vontade de uma nação majoritariamente católica e que teria sido enganada pelo governo da Primeira República quando este retirou Deus da sua Constituição. Era um movimento que já visualizava o momento de mudanças na ordem jurídico-social que o novo governo enfrentaria. A pastoral dialogava com o pronunciamento de D. João Becker,

48 AZZI, 1978, p. 51.

49 Francisco Luís da Silva Campos nasceu em Dores do Indaiá (MG), em 1891. Advogado e jurista, formou-se pela Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte, em 1914. Em 1919, iniciou sua carreira política elegendo-se deputado estadual em Minas Gerais na legenda do Partido Republicano Mineiro (PRM). Dois anos depois, chegou à Câmara Federal, reelegendo-se em 1924. Em 1930 participou das articulações que levaram ao movimento armado de outubro, após a vitória do movimento assumiu o recém-criado Ministério da Educação e Saúde. MALIN, Mauro. Francisco Campos. In: ABREU [et.al.], 2001.

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publicado oficialmente em fevereiro de 1931. Para ele, o problema não era o sistema republicano, mas a sua organização defeituosa, baseada numa Constituição que atendia o desejo de poucos e suprimia a vontade da maioria católica. Riolando Azzi destaca que D. João Becker era o arcebispo do Rio Grande do Sul, estado que liderou o movimento de 1930; perante a Santa Sé, D. Becker garantiu a inexistência de qualquer viés socialista no movimento.51

O momento era de efervescência política, e a Igreja buscava participar dando o tom dos acontecimentos. O cardeal Leme investiu fortemente nesse projeto, organizando demonstrações de poder por meio da mobilização popular. Em maio de 1931, organizou uma visita da imagem de Nossa Senhora Aparecida pelo Rio de Janeiro. Havia menos de um ano, o Papa Pio XI proclamara Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil, através de um decreto. Tal evento na capital da república teve dois objetivos explícitos: exteriorizar a capilaridade da Igreja entre a população brasileira, com poder de mobilização potencializado pela estadualização ao longo da Primeira República; e confirmar a fé católica no espaço urbano.52 A mensagem era evidente, a Igreja não ocupava mais o espaço secundário na política

brasileira como em 1889. Em 1931, ela era central do debate político, e o Estado não poderia desconsiderar sua capacidade de mobilização. Novamente, Getúlio Vargas se fez presente simbolizando a comunhão entre ambas as esferas de poder.

O ano de 1931 também foi marcado pela convocação do Congresso Eucarístico Nacional (ocorrido em Salvador no ano seguinte) e pela inauguração da estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Compareceram às festividades diversos bispos, o primaz, o núncio apostólico e muitos fiéis. Representando o Estado, membros do alto escalão do governo provisório, como Oswaldo Aranha (ministro da Justiça), José Américo de Almeida (ministro da Viação e Obras Públicas) general José Fernandes Leite de Castro (ministro da Guerra), José Maria Whitaker (ministro da Fazenda), além de Getúlio Vargas.53 Considerando o momento

festivo e as figuras ali reunidas, as palavras finais do cardeal Leme foram bastante duras, quando afirmou o papel do Estado no processo de restauração católica no Brasil: “Ou o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá o Estado.”54 D. Leme sabia que para o

catolicismo ocupar o centro da vida dos cidadãos brasileiros era fundamental a aliança entre Igreja e Estado.

O encontro do episcopado brasileiro para as festividades de inauguração da estátua no

51 Ibidem, pp. 54-58.

52 Ibidem, p. 59.

53 Monumento ao Cristo Redentor. O Apóstolo, Florianópolis, out. 1932, p. 2. 54 LEME, S. In: AZZI, Riolando, 1978, p. 64.

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Corcovado foi denominado Congresso Nacional do Cristo Redentor, no qual foi elaborado um documento solicitando providências de caráter legislativo a serem consideradas pelo Governo Provisório:

1º - Execução integral do decreto de 30 de abril, que facultou o ensino religioso nas escolas públicas, e sua aplicação tanto aos colégios civis como militares;

2º - Revogação do dec. nº 20.391 de 10 de setembro, que impôs a perda dos direitos políticos aos brasileiros que pedirem isenção do serviço militar por motivo de crença religiosa;

3º - Exclusão do item já incluído no anteprojeto de lei eleitoral que nega o direito de voto aos religiosos;

4º - Supressão do dispositivo da atual lei de sindicalização em que se proíbe a existência de sindicatos profissionais de caráter religioso;

5º - Que não se inclua na legislação nacional a lei do divórcio ou qualquer dispositivo contra a estabilidade da família brasileira.55

Os pontos demandados reforçam o projeto político encampado pela Igreja no início da década de 1930: liberdade de ação política para os católicos, incluindo os religiosos; ensino religioso; combate a qualquer dispositivo que possibilitasse o reconhecimento do divórcio; e autonomia para atuar junto à classe trabalhadora. Nesse sentido, a Igreja fez movimento duplo, pois ao mesmo tempo em que buscava pressionar os membros da elite dirigente, organizava os católicos leigos para atuar em diversas frentes possíveis, o que culminou na criação da Liga Eleitoral Católica (LEC) e da Ação Católica Brasileira (ACB).

A organização dos leigos não era exclusividade da hierarquia eclesiástica brasileira. Em pauta desde o pontificado de Leão XIII (1878 – 1903), foi durante o papado de Pio XI (1922 – 1939) que o assunto se tornou central na política católica. A própria Ação Católica, como movimento, remonta à segunda metade do século XIX, durante o processo de unificação da Itália.56 Para o presente trabalho, interessa o momento específico em que ela foi oficializada no

Brasil como união da força católica para atuar em todos os âmbitos da vida em sociedade: A Ação Católica Brasileira é a participação organizada do laicato católico do Brasil no apostolado hierárquico, para a difusão e a atuação dos princípios católicos na vida individual, familiar e social. [...] Como fim último, visa a Ação Católica, no dizer do Santo Padre Pio XI “dilatar e consolidar o reino de Jesus Cristo”. [...] Como fins próximos: a formação e o apostolado dos

55 Carta de Sebastião Leme da Silveira Cintra & outros a Getúlio Vargas. Arquivo CPDOC: GV c 1931.10.12/2, p. 9.

56 Na Itália esse termo (Ação Católica) foi utilizado para indicar o variado conjunto de associações e instituições chefiadas, desde 1874, pela Obra dos Congressos. Já no início da década de 1860, a revista jesuíta La Civiltà Cattolica elabora uma precisa definição do papel que o laicato militante tem no Estado moderno: ele deve assegurar à Igreja a tutela que os Governos liberais lhe negam, defendê-la de seus ataques e influir, através de sua ação, para reconduzir a sociedade, em seus vários níveis, à sua imagem originária de “societas christiana”. FERRARI, Liliana. Ação Católica. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.

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católicos leigos.57

A organização do apostolado para os leigos era uma reação da Igreja frente a uma sociedade que se secularizava. Seu fim último era a consolidação do reino de Jesus Cristo e para tanto, necessitava da organização dos católicos leigos; não bastava ser a religião majoritária, era necessário que a maioria católica atuasse nas diversas esferas da sociedade, em suma fosse um católico cidadão. O diagnóstico ia ao encontro do que preconizava o cardeal Leme quando ainda era arcebispo de Olinda, em 1916:

Na verdade, os católicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto, católicos não são os princípios e os órgãos da nossa vida política. Não é católica a lei que nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da autoridade. Leigas são as nossas escolas, leigos o ensino. Na força armada da República, não se cuida de Religião. Enfim, na engrenagem do Brasil oficial não vemos uma só manifestação de vida católica. O mesmo se pode dizer de todos os ramos da vida pública.58

Diversas ações e organizações anteriores a Ação Católica, proposta por Pio XI em 1929, e oficializada no Brasil em 1935, já estavam alinhadas aos princípios do apostolado leigo, a exemplo do Centro Dom Vital (1922), os Círculos Operários (1930), a Juventude Universitária Católica (1930) e a Liga Eleitoral Católica (1932). Eram todas associações que reuniam os católicos em outros espaços da sociedade, como as universidades e as fábricas, para que pudessem atuar como grupo. Era a tentativa de unificar as diversas facetas do indivíduo sob a salvaguarda do catolicismo, isto é, antes de serem estudantes, eleitores, intelectuais, operários ou cidadãos, todos deveriam se reconhecer como católicos. Sua atuação, entretanto, não tinha autonomia frente à hierarquia eclesiástica. A Ação Católica era “um apostolado feito pelos leigos e para os leigos”59, mas não garantia sua liberdade de atuação. O padre João Batista

Portocarrero Costa (futuro bispo de Olinda) reforçava, em 1937:

O apostolado dos leigos na Ação Católica deve ser orientado pela Hierarquia e não pode realizar-se independente dela. É por demais evidente que a atividade dos leigos não recebe do apostolado hierárquico a sua fecundidade senão na medida em que lhe é intimamente subordinada. A Ação Católica seria coisa essencialmente contraditória se não fosse, antes que tudo, uma milícia estritamente obediente.60

57 COSTA, Pe. J. B. Portocarrero. Ação Católica: Conceito, programa e organização. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Limitada, 1937, p. 17.

58 LEME, Dom Sebastião. Carta Pastoral Saudando a sua Archidiocese. Petrópolis: Typ. Vozes de Petrópolis, 1916, p. 5.

59 COSTA, op. cit., p. 59. 60 COSTA, 1937, p. 61.

Referências

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