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[Dorien Kelly] Uma Garota Especial

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Academic year: 2021

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Uma Garota Especial

Dorien Kelly

Numa cidade pequena, um grande amor...

Quando Hallie Brewer deixou sua cidade natal, aos dezoito anos, jurou a si mesma que jamais voltaria. Ela fora uma adolescente desastrada e insegura, alvo de zombarias e provocações, e recebera o apelido de Hallie Terror. Mudar-se para bem longe de Sandy Bend fora a única solução que encontrara para esquecer seu passado traumático. Mas agora Hallie está de volta... e tem seis dias para provar a todos, principalmente a Steve Withman, que se transformou em uma mulher madura, indendente e sofisticada! No entancomo convencer a si mesma de que conseguiu superar a paixão que a atormentava desde a adolescência?

Copyright © 2003 by Dorien Kelly

Originalmente publicado em 2003 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited.

Título original: The Girl Least Likely To... Copyright para a língua portuguesa: 2003 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

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CAPÍTULO I

Hallie Brewer julgava-se uma mulher sofisticada, independente e moderna. Durante os longos anos de solidão desde que se mudara para a California, convencera-se de que as sardas que cobriam seu nariz eram quase imperceptíveis, e que os cabelos longos, de cachos castanho-avermelhados, não se transformavam em um emaranhado volumoso quando o tempo estava úmido... Mas um simples olhar no espelho retrovisor bastou para que a ilusão que criara a respeito de sua auto-imagem se desmoronasse. Ajeitou uma mecha rebelde atrás da orelha e justificou suas olheiras profundas e a expressão abatida dizendo a si mesma que desapareceriam depois de uma boa noite de sono.

Ela viu a marcha do pequeno carro esporte que conseguira comprar com as economias de anos de trabalho e estreitou os olhos ao avistar a placa onde mal se podia distinguir a inscrição desbotada: Bem-vindo a Sandy Bend.

Com uma ponta de apreensão atravessou a velha ponte de madeira que, embora desgastada pelo tempo, ainda parecia tão sólida e maciça quanto da última vez que a vira. Embora passasse das quatro horas da tarde, o sol intenso do verão emprestava um brilho quase mágico à pequena cidade, espremida entre o lago Michigan e o curso monótono do rio Crystal. Sandy Bend não poderia ter crescido, mesmo se quisesse. Hallie suspirou, consolando-se com a idéia de que era tranqüilizador saber que algumas coisas nunca mudavam.

Com um sorriso triste, refletiu que aquela também era a razão pela qual se mantivera distante nos últimos sete anos. Por mais que tentasse se convencer de que ela própria havia mudado, receava confrontar a verdade. Voltar a Sandy Bend representava colocar-se à prova e descobrir se continuava sendo Hallie Desastrada, como era chamada em sua infância.

Porém, não fizera a longa viagem da Califórnia até Michigan apenas para descobrir se as lembranças traumáticas de sua infância ainda a perturbavam. Havia uma razão mui-to mais forte para estar ali, e pretendia não ficar na cidade nem um segundo a mais do que o necessário.

Ao avistar as primeiras casas, com amplas varandas e jardins bem cuidados, o coração de Hallie se apertou no peito. Uma estranha sensação a invadiu, e ela diminuiu a ve-locidade para apreciar a cidade. Forçando-se a prosseguir, tentou controlar as emoções confusas que lhe oprimiam o peito, fazendo com que grossas lágrimas brotassem de seus olhos.

- Enfrente seu destino, garota! - disse para si mesma ao estacionar o carro em frente ao mercado, que conservava exatamente a mesma fachada de sete anos atrás.

Hallie apanhou a bolsa e ajeitou os cabelos o melhor que pôde. Apenas para reafirmar sua autoconfiança, aplicou uma ligeira camada de batom e cobriu os longos cílios com rímel. Depois de uma rápida avaliação no espelho retrovisor, sentiu-se um pouco melhor. Ao menos não era mais a garota de dezoito anos, insegura e humilhada, que saíra da cidade anos atrás.

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- Você não é mais a mesma pessoa - consolou-se, tentando se reafirmar.

Desceu do carro e se pôs a caminhar de cabeça erguida, convencida de que ninguém a reconheceria. Não deixou de notar que uma butique ocupava o lugar da antiga loja de sapatos, e um café havia substituído a farmácia. Com exceção das duas mudanças, a cidade estava exatamente como sete anos atrás. Sandy Bend estava intocada pelo progresso.

- Hallie? Hallie Brewer?

Hallie sentiu o sangue congelar ao focalizar a rechonchuda senhora que ajeitava os óculos na ponta do nariz, bem a sua frente. Olívia Hawkins era mais magra sete anos atrás, concluiu para si, forçando um sorriso amigável.

- Sou eu mesma, sra. Hawkins.

- Meu Deus, eu quase não a reconheci! Você está ótima! Quem diria que se transformaria em uma mulher tão linda! - Aproximando-se, avaliou-a de alto a baixo antes de prosseguir: - Bem, quem sabe isso possa animar um pouco mais a cidade! Oh, nunca vou me esquecer daquela vez em que você caiu em cima do bolo na festa de aniversário da cidade...

- Isso foi há doze anos, sra. Hawkins - Hallie cortou com tom áspero.

- Mas me lembro como se fosse ontem! As pobres voluntárias do orfanato passaram horas confeccionando o bolo...

Hallie começou a entrar em desespero. Uma nuvem carregada parecia obstruir seu raciocínio. Se aquela mulher decidisse comentar todos os desastres que haviam sido provocados pela adolescente desajeitada de anos atrás, ficariam paradas ali até o anoitecer.

- Foi um prazer revê-la, sra. Hawkins - disse com voz firme, resolvendo que estava na hora de interromper as reminiscências desagradáveis.

- E aquela vez em que você...

Dirigindo-lhe um olhar que dizia mais que mil palavras, Hallie se misturou a um grupo de turistas e seguiu seu caminho. Deteve-se diante da delegacia, poucos passos adian-te, e subiu lentamente os degraus, respirando fundo para se acalmar.

Na realidade, chamar aquele cubículo de "delegacia" era generoso demais para descrever a pequena sala com duas escrivaninhas e quatro cadeiras. Um dos policiais da cidade, debruçado sobre a mesa, dormia um sono profundo, com um exemplar de uma revista antiga caído no chão. Hallie sentiu pena de perturbá-lo, mas atravessara o país apenas para fazer aquilo.

- Explique o que quer dizer isto! - bradou, jogando um recorte de jornal sobre a mesa. Sobressaltado, o rapaz quase caiu da cadeira, e a fitou como se ainda estivesse mergulhado em um sonho.

- Hallie? - Esfregando os olhos, ele se pôs de pé em um pulo. - O que... O que você está fazendo aqui?!

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Mitch abriu a boca e fez menção de dizer alguma coisa, mas calou-se. Se não estivesse tão furiosa, ela teria achado graça do ar abobalhado e confuso estampado no rosto de seu irmão mais velho.

- Bem, parece que você ainda está um tanto sonolento... Nesse caso, vou ajudá-lo. Aqui diz: Chefe Brewer recupera-se após cirurgia no coração.

- Ah, isto? Bem, hum.... Sim, a notícia... - Gaguejando, Mitch baixou os olhos, desconcertado. - Sabe, não é nada demais...

- E suponho que não seja nada de mais que eu tenha descoberto que papai teve um enfarte através de um recorte do Country Herald, colocado em minha caixa de correio por um informante anônimo!

Mitch voltou a palma das mãos para cima e ergueu os ombros, sem ter como argumentar.

- Hallie, papai não queria preocupá-la. Ele achou que você gastaria uma fortuna para vir para casa, e... - Deteve-se e pestanejou. - Você está mais alta? Parece que há alguma coisa diferente...

Durante todo aquele tempo Mitch nunca fora visitá-la, e as curvas que ela havia adquirido nos últimos anos o surpreenderam.

- A coisa diferente chama-se "seios", Mitch.

Uma intensa onda de rubor cobriu o rosto do irmão, e mais uma vez, ela controlou-se para não rir.

- Hallie, você é minha irmã!

- Sim, e já que estamos falando de relações familiares, ele é meu pai. Você ou Cal poderiam ter apanhado o telefone e me avisado! Ou então, quando liguei na semana passada, você poderia ter me contado...

- Acredite, não foi nada sério. Foi uma ameaça de enfarte, apenas, e ele fez angioplastia. Tia Althea veio para cá e está tomando conta dele.

Hallie suspirou. Althea Brewer Bonkowski era prima de seu pai, e era conhecida por dizer exatamente o que pensava, sem medir as conseqüências.

- Espero que ela não esteja fazendo nada de ilegal - comentou, concluindo para si que fora ela a responsável por Ihe enviar o recorte do jornal de circulação exclusiva em Sandy Bend.

- Oh, não! Agora está envolvida com cristais e aromaterapia. Ela está nos deixando loucos! Mas brigar com tia Althea mantém papai ocupado. - Ele a fitou com um brilho de ternura. - Você não precisava viajar de tão longe apenas para vê-lo. Poderia ter ligado e...

- ...e conversado com os rapazes que não se importaram em me dizer o que estava acontecendo? Não, obrigada! Quero ver papai com meus próprios olhos. Não vou voltar até que tudo esteja sob controle.

- Você está duvidando de nós? - Mitch colocou a mão sobre o peito. - Estou ofendido, Hal!

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- Não me chame pelo meu apelido! Você sabe que eu odeio! - Para ser sincero, não combina mais com você.

- Obrigada, estou lisonjeada. Bem, vou para casa agora. Você vai quando acabar seu turno, certo?

Ela ouviu Mitch concordar enquanto voltava-se para sair. A fotografia de seus irmãos ao lado do pai chamou-lhe a atenção. Eles compunham o quadro dos oficiais da cidade. Quando seu olhar recaiu sobre uma fotografia recente de um grupo de rapazes com um enorme peixe ainda preso ao anzol, seu coração falhou um batimento. Um rosto familiar se destacava entre os demais, fazendo-a prender a respiração.

- Está tudo bem, Hal? - Preocupado com a súbita palidez no rosto da irmã, Mitch se aproximou para ampará-la.

- Hallie - ela corrigiu automaticamente, sem tirar os olhos da fotografia. - Você nunca comentou que Steve Whitman havia voltado...

Mas o que esperava, se ele não havia sequer comentado sobre o ataque cardíaco do pai?

- Não julguei que se importasse - foi o comentário indiferente. - Ele sempre foi mais amigo de Cal.

Empertigando-se, ela tentou se refazer do choque. Na verdade, de acordo com as regras que regiam seu universo, Steve Whitman deveria estar trancado a sete chaves em suas lembranças. Ele fora o responsável pela maior humilhação de sua vida!

Porém, um estranho desejo a invadiu, como quando assistia a um filme de terror: por mais que fosse apavorante, era impossível desgrudar os olhos para saber o que iria acontecer.

- O que ele está fazendo aqui?

- Steve voltou há pouco mais de um ano, e começou a dar aulas. Além disso, assumiu o posto de reitor da universidade. - Fez uma pausa antes de prosseguir: - Tem certeza de que está bem?

Hallie afastou uma mecha de cabelo para trás dos ombros, tentando aparentar a maior naturalidade possível. Desejava poder simplesmente ser a filha que retornava à cidade para visitar o pai, em vez de reviver todas as emoções turbulentas que lhe oprimiam o peito...

- Mas ele não é muito jovem para ser reitor?

Steve tinha a mesma idade que Cal, oito anos mais velho que ela. Ele também era membro do seleto grupo de milionários que costumavam passar dispendiosos fins de semana nas luxuosas mansões à margem do lago Michigan. A família de Hallie, ao contrário, sempre vivera uma vida simples na fazenda que era propriedade da família há muitas gerações.

- Bem, depois que o último reitor se aposentou, ninguém mais foi louco o bastante para assumir o cargo. - Mitch levantou-se para acompanhá-la. - Steve tem sorte de não precisar trabalhar para pagar as contas. A Universidade de Sandy Bend não é a mais

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rica do país, você sabe.

Hallie sabia que um dos motivos por ter optado cursar uma universidade fora de sua cidade natal era evitar os antigos colegas de escola, para preservar seu ego. Mas saber que Steve estava de volta à cidade fez ressuscitar todos os fantasmas do passado. - O que há com você? - Ele colocou a mão sobre o braço da irmã. - Está pálida como cera! Quer ir até a farmácia? Eu vou com você.

- Não é preciso, estou bem - mentiu, ajeitando a alça da bolsa no ombro.

- Vamos até a lanchonete - sugeriu, colocando o quepe. - Preciso mesmo dar uma volta e esticar as pernas.

Acostumada à solidão, Hallie se comoveu diante da solidariedade do irmão e se esforçou para conter as lágrimas.

- Senti saudade de você, Mitch! - murmurou, antes de ser envolvida pelos braços fortes e calorosos.

Não havia dúvida, sentia saudade de Sandy Bend, das provocações e da proteção dos irmãos mais velhos. O que não sentia falta era do traumático apelido e da desastrosa infância que vivera.

- Também senti sua falta, maninha. Bem-vinda de volta.

Steve Whitman sabia que, ao voltar para Sandy Bend, optara por ter uma vida calma e pacata. Para ele, era o mesmo que viver no paraíso.

Sorveu um gole da cerveja e se debruçou sobre o balcão da lanchonete, usufruindo a paz daquela tarde quente de verão. Virou-se para observar a rua quase deserta, a não ser por seu amigo Mitch, que caminhava do outro lado da calçada. Sua atenção foi imediatamente atraída para a jovem exuberante ao lado dele. Ela usava uma minúscula saia jeans e uma camiseta branca que, em qualquer outra mulher, passaria desapercebida, mas nela provocava um efeito devastador, realçando os contornos do busto bem-feito.

- Rapaz de sorte - murmurou para si, avaliando com atenção as pernas esguias e bem-torneadas.

Precisava se aproximar para certificar-se se a garota era tão atraente quanto parecia. Jogou uma nota sobre o balcão e saiu sem esperar pelo troco.

A jovem olhava para Mitch e sorria enlevada. Os cabelos longos e brilhantes faziam um movimento sensual a cada passo, envolvendo-a em uma aura de luz. E as sardas... Steve sempre tivera uma queda por mulheres com sardas.

- Ei, Mitch! - Ele acenou, tentando dar um tom casual à voz.

Por alguma razão, a garota se deteve como se estivesse paralisada. Seus olhares se encontraram por uma fração de segundo, fazendo-o se perguntar se os olhos dela eram realmente azuis, ou se ela usava lentes de contato coloridas.

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da garota passou de medo a raiva. Seria impossível ignorar o constrangimento que ha-via provocado, mas não queria deixar de vê-la de perto.

Aprisionada como um rato, era exatamente como Hallie se sentia. Steve atravessava a rua a passos largos, e não havia nada que pudesse fazer a não ser desejar que o chão se abrisse para levá-la para o outro extremo do planeta.

Ao vê-lo se aproximando, a devastadora combinação de seu pior pesadelo e sua fantasia predileta criou vida no mesmo corpo alto, moreno e musculoso que ela jamais esquecera. O mais sensato a fazer seria cumprimentá-lo com ar casual... Porém, não se sentia sensata, nem sábia. Ficou paralisada no mesmo lugar, como se tivesse sido atingida por um raio.

Mitch não percebeu a confusão da irmã, e cumprimentou o amigo com alegria. - Shh... Quieto! Não deixe que ele se aproxime!

- Hallie, você perdeu o juízo?! Por que eu faria isso? - Olá, Mitch! O que há de novo?

Diante do som da voz inconfundível, grave e ligeiramente rouca, Hallie sentiu-se vulnerável e indefesa. Selt anos deveria ser tempo suficiente para esquecer aquela tola paixão de adolescente. Desolada, concluiu que uma vida seria pouco para esquecer Steve Whitman...

- Nada de novo, Steve... a não ser...

Mitch interrompeu-se quando Hallie segurou seu braço com firmeza e deu um passo à frente.

Enquanto Mitch parecia confuso, sem saber o que dizer, Hallie fechou os olhos e se encheu de coragem.

Os olhares se encontraram novamente. Naquele instante, percebeu que ele não a reconhecera e resolveu tirar proveito da situação. Seria ridículo, mas não queria se identificar.

- Sou Amanda Creswell... Dra. Amanda Creswell - apressou-se em dizer, sentindo-se cada vez mais ridícula.

A boca de Steve se curvou em um sorriso, o mesmo que sempre a fizera derreter como mel aquecido.

Ignorou o fato de que estava ainda mais atraente do que se lembrava, e que aqueles eram os mais incríveis olhos castanhos que ela já vira na vida... Ignorou o apelo incon-fundível do corpo másculo, esplêndido, e orgulhou-se por não desmaiar bem ali, diante deles.

- Dra. Creswell... - Steve repetiu com ironia, inclinando a cabeça em um galanteio afetado. - Bem-vinda a Sandy Bend.

Confuso, Mitch resolveu se calar. Não fazia a menor idéia do que estava acontecendo, e enfiou as mãos nos bolsos, recusando-se a participar daquela maluquice da irmã.

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- Curioso... - Steve estreitou os olhos. - Tenho a impressão de que conheço você. - Tenho um tipo comum.

- De onde você é?

- Arkansas. - A palavra escapou de sua boca. Por que não escolhera outro lugar? E se ele resolvesse perguntar algum detalhe que ela não soubesse?

- É mesmo? E qual é sua especialidade?

- Neurocirurgia - foi a resposta absurda, mas considerou que, ao menos, poderia intimidá-lo.

Diante do ar de incredulidade no rosto viril, Hallie empinou o nariz e o encarou. - Você acha que não há neurocirurgiãs no Arkansas?

- Oh, tenho certeza que sim. Estava apenas pensando que...

Subitamente, um arrepio percorreu sua espinha e ela apertou o braço do irmão, que permanecia mudo e paralisado como uma estátua.

- Suas unhas não atrapalham?

Num gesto instintivo, ela colocou as mãos para trás. Orgulhava-se das unhas longas e bem-feitas, e as visitas semanais à manicura estavam em sua lista de prioridades. - Como consegue lidar com aqueles delicados instrumentos com unhas tão compridas? - Bem, tenho trabalhado com robôs, em pesquisas sobre micro-cirurgia vascular reconstrutora do córtex cerebral.

Nada mau, pensou para si. Finalmente, as infindáveis horas diante da televisão assistindo a Plantão Médico teriam alguma utilidade! Porém, o sorriso que se alargava nos cantos da boca de Steve a deixou tensa.

- É impressionante! E o mais incrível é que Cal me disse que você se formou em Artes Plásticas... - Ele tocou-a de leve na ponta do nariz. - É bom revê-la, dra. Hallie!

Sentindo o chão sumir sob os pés, ela abriu a boca para argumentar, mas não conseguiu emitir nenhum som. Sentindo-se exausta e envergonhada, despediu-se do irmão e voltou pelo caminho por onde tinha vindo.

Entrou em seu carro e dirigiu sem destino. Quando deu por si, estava diante do portão da velha casa da fazenda. Um gato gordo dormia no capacho da porta de entrada. - Olá, Murphy.

Não conhecia aquele gato, mas sabia que todos os gatos da família recebiam o mesmo nome. Era a lei de imutabilidade de Sandy Bend.

- Papai! - gritou, jogando a bolsa sobre o sofá da sala. - Finalmente você chegou!

Althea emergiu da cozinha, correndo em sua direção. Recebeu-a com um caloroso abraço.

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agradavelmente acolhida.

- Alguns de nós são mais sensíveis que outros, querida. Pude sentir sua aura no momento em que pôs os pés na cidade. Os espíritos decretaram que você viria.

- E será que foram os espíritos que colocaram um pequeno recorte de jornal na minha caixa do correio?

- Bem, às vezes é preciso dar uma pequena ajuda...

Hallie não pôde conter o riso, e abraçou com carinho sua prima. - Não seria mais simples ter me ligado?

- Prometi a seu pai que não faria isso. Aproveitei a viagem de um amigo à Califórnia e usei este pequeno truque... - Althea ajeitou uma mecha dos cabelos ruivos antes de prosseguir: - Mas eu já havia pressentido que você voltaria para casa.

- Não voltei para ficar, tia Thea. - Chamava-a de tia devido à diferença de idade. - Não tenha tanta certeza, querida... Temos de considerar a vontade dos anjos...

- Não há nada no mundo que me faça voltar para Sandy Bend - declarou sem muita convicção. - Onde está papai?

Seguindo as instruções de Althea, foi para o velho celeiro e encontrou o Chefe Brewer organizando seu material de pesca. Pressentindo a presença dela, ele se voltou e abriu um largo sorriso.

- Como está minha artista favorita? Já era tempo de voltar para casa! Hallie se adiantou e envolveu o pai num abraço apertado.

- Você também pressentiu que eu estava voltando, como tia Thea?

- Não sou tão poderoso quanto ela - comentou ele com bom humor. - Mitch ligou e avisou que você estava a caminho. Ele estava preocupado, disse que você estava agindo de forma estranha...

- É apenas o cansaço da viagem. Não se preocupe, amanhã estarei completamente revigorada. - Ansiosa por mudar de assunto, sentou-se no velho sofá que ocupava o mesmo lugar desde que ela era criança. - Papai, por que não me contou o que estava acontecendo com você?

- Porque não havia motivo para preocupá-la. Não posso fingir que não estou ficando velho, filha.

- Você está cheio de saúde, papai.

- Bem, não tenho do que me queixar. Você sabia que trabalhei no mesmo lugar a vida toda?

Ela assentiu, observando o cuidado com que ele limpava as carretilhas de pesca.

- Minha vida sempre foi regrada, com exceção do meu vício por sorvete de baunilha. Mas, por Deus, se um homem não pode ao menos ter esse pequeno vício, que sentido tem em viver?

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Hallie riu e abraçou o pai.

- Você está coberto de razão! E agora, vamos entrar. Quero tomar um banho e descansar um pouco. Vou ficar até sábado, teremos seis dias para conversar.

Seis dias... Enquanto entrava abraçada ao pai, Hallie pensava secretamente que teria aquele prazo para que acontecesse o milagre do século: ir embora de Sandy Bend com o coração e a dignidade intactos.

CAPITULO II

O dia quente de verão estava chegando ao fim. Steve pegou uma cerveja gelada e foi para a varanda usufruir a tranqüilidade e beleza da paisagem. Depois do inesperado encontro que acabara de ter merecia um momento de sossego.

Hallie Brewer... Quem diria que se transformaria em uma mulher tão atraente? Quase não a reconhecera, mas as sardas foram a primeira pista. Porém, só tivera certeza quando ela escondera as mãos atrás das costas, um gesto característico de quando era adolescente. As lembranças invadiram sua mente como um filme em câmera lenta. Steve refreou o curso dos pensamentos. Não queria reviver o passado, e se esforçava para reprimir uma cena em especial, que insistia em permanecer viva em sua memória. Passara muito tempo deprimido com o que acontecera entre ele e a irmã de seu melhor amigo, e ressuscitar os fantasmas do passado só lhe traria tristeza.

Mas como deixar de pensar naquela mulher estonteante, que parecia não ter consciência da feminilidade que transbordava por todos os poros de seu corpo?

Lembrava-se dela desde que usava fraldas. E mesmo que tivesse se tornado uma mulher sensual, sabia muito bem que ainda era Hallie Desastrada. De um jeito ou de outro, ela poderia transformar sua vida em um inferno.

Forçando-se a mudar o curso de suas idéias, se pôs a refletir sobre sua vida profissional. Salvar a universidade era uma batalha quase perdida, mas estava disposto a lutar até o fim. Sua motivação não se baseava apenas em manter o emprego. Sabia que manter ativa aquela tradicional instituição representava um aspecto importante da pequena cidade. Sandy Bend era um importante pólo cultural de Michigan. Não queria que a cidade se tornasse um vilarejo quase deserto, e sim que fosse um lugar digno de ser lembrado, com uma vida cultural ativa, mantendo a antiga tradição de exibir filmes de arte nas noites de sexta-feira no único cinema local, exatamente como quando ele era criança. Se perdesse o emprego, sua mudança para Sandy Bend perderia o sentido.

Com um suspiro desolado, Steve ajeitou-se na confortável cadeira e sorveu lentamente o líquido gelado. A maior ironia, pensou, era que havia investido tudo o que tinha na casa de veraneio da família para transformá-la em uma moderna mansão de vidro e aço, muito maior do que ele precisava.

Orgulhava-se da casa com sua ampla varanda de frente para o lago Michigan. Habituara-se a assistir ao pôr-do-sol refletindo-se nas águas calmas e translúcidas,

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usufruindo a agradável tranqüilidade e sossego da vida que escolhera.

Porém, naquela tarde, pela primeira vez desde que se lembrava, um estranho sentimento de solidão o invadiu. Não era o tipo de solidão que pudesse ser preenchida com uma conversa com os amigos... Steve sentia que algo intenso e importante havia se perdido para sempre, e não gostou da sensação.

Tentou evitar o momento de introspecção. Porém Hallie não saía de seu pensamento. - Ei, companheiro! Que tal descer das nuvens e voltar para a realidade?

Uma voz alegre soou atrás dele. Voltou-se para se deparar com Cal Brewer, carregando uma cerveja gelada na mão.

- Não ouvi você chamar.

- Sim, eu percebi. - Sentou-se ao lado do amigo, tão à vontade como se estivesse em sua própria rasa. - Deve ser maravilhoso ter dinheiro e poder desfrutar desta maravilha! Steve sabia que ele o estava provocando, pois se irritava sempre que alguém se referia ao seu poder aquisitivo Ele não fizera nada, nascera milionário, e recusava-se a tocar em um centavo do dinheiro de sua família.

- Não sou tão rico a ponto de ficar feliz por você ter pegado a minha última garrafa de cerveja.

- Bem, se você não estivesse tão perdido em seus pensamentos, teria ouvido o telefone tocar, e estaria em minha casa, tomando minha cerveja. - Cal colocou o braço sobre o ombro do amigo, num gesto amigável. - Tia Althea convidou-o para jantar.

Steve prendeu a respiração. Jantar com Hallie Desastrada era mais do que podia enfrentar naquele dia. Receava não sobreviver se a encontrasse novamente.

- Diga a ela que você não me encontrou - sugeriu aflito.

- Estamos falando de Althea, lembra-se? Ela já sabe onde você está. - Então que você me procurou por toda parte e...

- Papai também quer vê-lo - Cal o interrompeu.

Todos os argumentos se calaram. Steve considerava Bud Brewer como um segundo pai. Walter Withman sempre fora ocupado demais com seu trabalho em Chicago para dar atenção ao filho. Nos últimos tempos, o contato entre eles resumia-se a visitas breves e ocasionais. Depois da cirurgia cardíaca, uma grande preocupação somara-se ao respeito e admiração que nutria pelo Chefe Bud. Não poderia deixar de atender a um pedido dele.

- Certo. Vá na frente enquanto pego a chave do jipe.

- Nada disso. Vamos no meu carro. Tia Althea me fez prometer que o acompanharia. Tenho ordens expressas de entregá-lo em mãos. - Sorrindo, Cal se ergueu e o apressou. - Vamos logo. Depois da sobremesa, podemos escapar e ir ao Truro's para uma partida de bilhar.

Resignado, Steve o acompanhou, sentindo-se como um prisioneiro a caminho da masmorra.

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Althea nunca desistia quando tinha algo em mente.

Naquele momento postara-se diante da mesa enquanto inspecionava a arrumação. - Vamos precisar de mais um prato - informou em tom casual.

Hallie contou novamente para ter certeza que não havia esquecido ninguém. O marido de Althea estava com problemas na coluna por carregar a bagagem dela, e fora proibido de sair da cama até que melhorasse. Ele era oficial reformado, e orgulhava-se de sua carreira irretocável. Não fora fácil admitir que precisava de ajuda.

- Thor descerá para o jantar?

- Não, ele mal consegue se sentar. Terá que ficar de cama por muitos dias. Ele teve sorte por Mitch e Cal estarem aqui para ajudá-lo a subir as escadas.

- Certo, se ele não vai se juntar a nós, coloquei o número de pratos suficiente. Você está esperando alguém?

- Steve Whitman.

Hallie segurou o prato com tanta força que receou quebrá-lo. Estava surpresa por não ter uma crise de ira e emitir raios fulminantes na direção de Althea. Seria possível que não houvesse mais um lugar para ficar em paz em Sandy Bend?!

- Ele pode ocupar meu lugar - disse antes de sair correndo para a cozinha. - Quando você se tornou covarde? - Althea gritou atrás dela.

Hallie voltou, ainda segurando o prato.

- Gosto de pensar que posso escolher com quem quero jantar.

- Você tem vinte e cinco anos, Hallie. É uma mulher independente e bem-sucedida, certo? - Apanhou o prato e colocou-o sobre a mesa. - Por acaso você se interessa por algo que não seja trabalho?

- Claro que sim! - foi a resposta em tom hesitante. - Você tem amigos?

- Sim, tenho muitos amigos! - mentiu, abaixando os olhos para que não fosse desmascarada.

Possuía duas amigas na Califórnia, e a única garota que ainda mantinha contato em Sandy Bend também havia se mudado para cursar universidade em Grand Rapids, uma cidade a duas horas dali.

- Mas há alguma coisa em você que não está bem resolvida... - Olhos acinzentados a fitavam com ternura.

Sim, nada do que se refere a Steve está bem resolvido!, quis gritar, mas não o fez. A admissão poderia ser fatal nas mãos de tia Althea.

Tentou dizer a si mesma que Steve não passava de uma simples fantasia de adolescente. Naquele momento, tinha a chance de ter um encontro real e constatar que

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tudo havia mudado. Afinal, muitos anos haviam se passado. Não era mais tola e romântica. Era uma mulher independente e sofisticada, e nada mais poderia destruí-la. Suspirou resignada e voltou-se para Althea:

- Onde devo colocar o prato?

Nuvens carregadas avisavam que uma forte tempestade estava prestes a cair, o que aumentava o desconforto de Steve. Começava a se arrepender por ter ido. Mal acabara de chegar à fazenda, Cal soube que Mitch saíra a trabalho, e teve que se juntar a ele. O chefe Bud já havia se sentado à cabeceira da mesa, enquanto Althea subira correndo para o segundo andar, atendendo ao chamado do marido.

Como seus amigos não chegariam a tempo para acompanhá-los no jantar, sentou-se no lugar que lhe foi indicado e se pôs a mordiscar uma fatia de pão integral, uma das especialidades de Althea.

Depois de indagar todos os detalhes sobre a saúde de Bud Brewer, um pesado silêncio caiu sobre eles. Para piorar, o pai de Hallie foi chamado para ajudar Thor, e deixou-os sozinhos.

A visão de Hallie, sentada a sua frente, o estava deixando louco. Ela estava ainda mais bonita do que naquela tarde, com os cabelos ainda úmidos do banho e um vaporoso vestido amarelo. Porém, fitava-o como se estivesse desafiando-o para uma disputa de braço-de-ferro. Decidido a enfrentar o desafio, encarou-a de frente.

- Então, doutora, pretende mudar-se para cá, ou está apenas descansando da estafante rotina de neurocirurgiã?

O garfo de Hallie quase furou o prato, e controlou-se para não se levantar e subir para seu quarto naquele exato instante.

- Vou embora no sábado. Portanto, não se preocupe. Não há tempo para que eu cause muitos danos por aqui.

Ele tentou disfarçar o constrangimento. Estava acostumado a provocar a irmã mais nova de seu melhor amigo, mas não sabia como lidar com a mulher mais atraente que jamais vira.

- E posso não ser uma importante neurocirurgiã, mas tenho um trabalho e me orgulho muito dele. O mercado não é fácil para artistas plásticos, mas consegui expor minhas aquarelas em muitas galerias da Califórnia. Sentindose ridícula, ela baixou a voz. -Aliás, freqüento a casa de Anna Bethune.

- Anna Bethune, a atriz?

- Você conhece alguém mais com este nome? - Ela voltou os olhos para o teto, suspirando com tédio.

Anna Bethune e seu marido, Mat Colton, estavam no alto escalão de Hollywood. O trabalho de Hallie certamente era mais interessante do que o de um quase desempregado reitor de universidade. Por um segundo, Steve lembrou-se do pai, que não perdia a oportunidade de pressioná-lo para que parasse com aquela loucura e se

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juntasse aos negócios da família.

- Então, você já se encontrou com Anna?

- Não diretamente - ela hesitou antes de responder. - Como você pode se encontrar com alguém indiretamente?

Os olhos azuis se arregalaram quando ela respondeu:

- Eu moro no prédio ao lado da casa de verão que ela e o marido possuem em Carmel Highlands. Tomo conta da casa para que tudo esteja organizado e limpo antes que eles cheguem.

Steve sabia que não devia insistir no assunto, mas estava acima de suas forças resistir. - Então, você trabalha para Anna Bethune.

- Trabalho para ela - retrucou muito calma.

Hallie começava a se sentir como nos velhos tempos, ridícula e abominável.

- Desculpe, não quis ofendê-la. Sabe, ainda não estou acostumado com a Hallie adulta. Lembra-se de quando estava na quinta série, e me disse que os Rolling Stones iriam se apresentar no piquenique de sua classe?

- Eu estava tentando atrair sua atenção, mas não me lembro por quê - ela disse, soando absolutamente entediada. - Eu supunha que mesmo um dinossauro como você pudesse ter ouvido falar dos Rolling Stones. Você e Mick Jagger devem estar com a mesma idade, não é?

O chefe Bud, que acabava de entrar na sala de jantar, sentou-se e olhou para a filha com ar severo.

- Chega de discussões! Mick Jagger tem idade suficiente para ser o pai de Steve, como você bem sabe, Hallie. E agora, se vocês dois não se importarem, poderiam passar o purê de batata?

Comeram em silêncio, e quando Althea juntou-se a eles para a sobremesa, o prato de Hallie estava intocado.

- Alguma coisa errada, querida? Não gostou da carne de soja com brócolis? - Estou sem fome, tia.

- Eu não sei até quando você vai insistir em nos obrigar a comer isto! - Bud resmungou, jogando o guardanapo sobre a mesa. - Esta comida me dá indigestão.

- Você devia me agradecer! Graças a mim, seu nível de colesterol nunca esteve tão bom.

Bud afastou a cadeira e fitou a prima com ar resignado. - Vou subir para jogar pôquer com Thor e fumar um charuto. - Papai, você não fuma charutos.

- Então está na hora de começar. E em vez de ficar implicando comigo, por que você não vai até o celeiro dar uma olhada na decoração do carro? O desfile dos carros

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alegóricos será no próximo sábado e não estou com disposição para pensar nisso. Bud se afastou, resmungando, enquanto Althea começava a retirar os pratos da mesa. - Ele sempre foi ranzinza e mal-humorado, mas todos nós sabemos que tem um grande coração. - Com um gesto imperativo, impediu que Hallie a ajudasse. - Eu cuido disso, querida. Você está cansada da viagem. Por que vocês dois não vão até o celeiro? Se quiserem que o carro fique pronto para o desfile, terão que trabalhar muito.

- É uma boa idéia. - Steve se levantou, disposto a fazer qualquer coisa que o distraísse das fantasias perturbadoras despertadas pela presença de Hallie. - O jantar estava óti-mo, tia Thea.

Na verdade, havia enchido o prato como se pudesse preencher o estranho vazio que sentia. Incapaz de raciocinar, seguiu para o jardim. O perfume adocicado do campo invadiu suas narinas, e encheu os pulmões com o ar fresco da noite.

Observou enquanto Hallie caminhava a passos rápidos em direção ao celeiro, uma construção antiga de madeira sólida e maciça, grande o bastante para abrigar um exército.

Fazia muitos anos que perdera o propósito original de quando fora construído, e não era mais usado para armazenar cereais. Além de abrigar os equipamentos usados na colheita de aspargos, servia como garagem para o velho Corvette do Chefe Bud e como oficina mecânica, além de abrigar os equipamentos de caça e pesca dos rapazes. Hallie abriu a imensa porta com o coração repleto de emoções. Aquele costumava ser seu refúgio secreto, e guardava na memória todos os momentos de frustração em que se escondera ali para chorar.

Retirou a lona que cobria a carroceria do trator, decepcionada com o que viu. Encontrou apenas a faixa com motivos marítimos que havia pintado no ano anterior e enviara da Califórnia para os rapazes. Eles que decoravam o carro para o desfile desde que ela saíra de Sandy Bend, mas pareciam ter se esquecido que faltavam apenas seis dias para o evento. Teria que trabalhar duro para aprontá-lo a tempo.

O Desfile Anual do Verão era uma tradição em Sandy Bend, e reunia visitantes de toda a região para uma grande festa que culminava com o esperado desfile de carros alegó-ricos. A família Brewer nunca deixara de participar, embora Hallie não estivesse presente nos sete anos anteriores.

Além do desfile, a semana estava repleta de atividades, como pesca, torneio de beisebol e piqueniques à beira do lago. Antigos moradores que haviam se mudado costumavam voltar naquela semana para visitar os amigos... Todos, exceto Hallie. Morar na Califórnia sempre fora uma desculpa aceitável para não voltar.

Arrependida por não ter optado por calça jeans em vez do vestido, subiu na carreta e estendeu a faixa para observá-la. Depois de uma avaliação minuciosa, concluiu que fi-caria ótima depois de alguns retoques. Sentou-se no piso de madeira e se pôs a pensar sobre idéias para a decoração, quando uma voz grave a sobressaltou:

- Olá, doutora.

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- Estou atrapalhando?

- Não - murmurou, assombrada com a facilidade com que a mentira escapara de seus lábios.

Tudo a respeito de Steve a perturbava. Sempre fora daquela forma, e receava que nunca seria diferente.

- Sinto muito não termos adiantado o trabalho.

- Nós? - Incrédula, ela o fitou. - Não entendo por que você se incluiu! Ele subiu na carreta e sentou-se próximo a ela.

- Prometi a seu pai que ajudaria com a decoração este ano, mas as coisas estão meio complicadas para mim ultiinamente. A universidade está a ponto de fechar, e tenho que pensar em uma saída para atrair alunos e alguma forma de financiamento para o próximo ano.

- Papai me contou. Parece incrível que uma instituição tão importante para Sandy Bend esteja correndo o risco de acabar.

O comentário soou indiferente, embora ela estivesse apavorada por estar a sós com Steve. Um arrepio percorreu sua espinha pelo simples fato de tê-lo tão próximo, a ponto de poder tocá-lo. Olhou-o de soslaio e prendeu a respiração ao ver a linha máscula do queixo, a boca viril, a sombra escura da barba cerrada. Os traços marcantes do rosto másculo nunca haviam saído de sua lembrança, e o estranho era que ele parecia ainda mais bonito do que se lembrava.

- Não se preocupe sobre o desfile - anunciou, tentando tranqüilizá-lo. - Não se esqueça que sou artista plástica, e não terei o menor problema em cuidar de tudo sozinha.

- Acontece que tenho usado a decoração da carreta como desculpa para vir até aqui e ver como está o Chefe Bud. Você sabe como ele é. Ficaria furioso se percebesse que estou preocupado com ele.

A sensibilidade que ele demonstrava apenas aumentou a apreensão de Hallie. Não bastava ser o homem mais sexy do planeta? Como poderia esquecê-lo, se a cada segundo descobria que o admirava ainda mais?

- E muito gentil de sua parte cuidar de papai, mas estudo está sob controle - insistiu com voz firme.

- Tem certeza?

A pergunta foi enunciada de forma tão gentil que a desarmou. Voltou-se para ele, e notou que parecia realmente preocupado.

- Bem, ao menos é o que os médicos dizem. Ele está se recuperando bem, e tia Thea tem sido maravilhosa, obrigando-o a ter uma alimentação saudável e a tomar todos os medicamentos.

- Eu não me referia a seu pai - insinuou ele, com um sorriso que a fez derreter. - Vamos fazer um trato, doutora. Por uma semana, vamos esquecer o passado e tentar nos entender. Chefe Bud é como um pai para mim. Não deixe que nossos problemas interfiram na minha relação com ele, por favor.

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Naquele momento, o estrondo de um trovão fez o celeiro estremecer, e uma chuva forte começou a cair. Um arrepio gelado fez Hallie estremecer, mas sabia que não era por estar com frio. Se não protegesse seu coração, corria o risco de se apaixonar novamente...

- Se você se comportar, prometo que vou tentar - concordou por fim. - Não precisamos trabalhar juntos. Posso cuidar da decoração de dia, e você poderá vir à noite. Desta forma, teremos pouca chance de brigar.

Steve franziu o cenho por um instante e então sorriu.

- Certo, se é assim que quer. Além disso, estou ocupado durante o dia com a universidade.

- Ótimo.

Ela forçou um sorriso, esperando que o ruído da chuva escondesse o tom de desapontamento em sua voz. Steve se pôs de pé e ajeitou os cabelos fartos com os dedos.

- Puxa, parece que isto não vai acabar tão cedo.

Hallie o fitou por um instante, imaginando o que ele queria dizer com aquele comentário. Só depois de alguns segundos percebeu que ele se referia à chuva.

- E melhor voltarmos para casa - sugeriu.

Ao vê-la fazer menção de se levantar, Steve estendeu a mão e ajudou-a. O mesmo traço de desafio que a acompanhava desde que haviam se reencontrado iluminou os olhos azuis. Sem hesitar, ela aceitou a ajuda e, quando se pôs de pé, desceu da carreta e afastou-se para uma distância segura.

- Vamos apostar uma corrida para ver quem chega primeiro em casa? - propôs, saindo em disparada antes que perdesse completamente o autocontrole.

Enquanto corria sob a chuva pesada, Hallie sabia que o passado que tanto a perturbava estava bem atrás de si, e seria inevitável que a alcançasse. Tudo que queria fazer era parar de correr e entregar-se a ele com toda sua alma.

CAPITULO III

Cal chegou em casa no momento em que Steve pisava na varanda.

- Ei, por onde você andou? - quis saber, enquanto tirava a capa de chuva. - Os espíritos de tia Thea o colocaram para fora de casa?

- Hallie e eu fomos até o celeiro para pensar na decoração do carro alegórico - explicou, com a estranha sensação de que estava omitindo alguma coisa.

Passou os dedos pelos cabelos molhados e seguiu o amigo para o interior da casa. - Você está encharcado! Espere aqui enquanto vou buscar uma toalha.

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algum que pudesse ver. Havia disparado na sua frente e ele tivera que fechar a porta. Mas mesmo com todo seu preparo físico, não conseguira alcançá-la.

- Aqui está. - Cal estendeu a toalha e observou-o enquanto secava os cabelos. - Está pronto para aquela cerveja?

- Acho que hoje vou dispensar. Cal o fitou, preocupado.

- Você está bem? - Estou ótimo.

Na verdade, ele sentia-se mais do que desconfortável, e sabia que a razão de seu mal-estar era Hallie.

Não saberia definir o momento preciso em que se tornara o herói favorito daquela adolescente desajeitada, e culpava-se por não ter sido mais sensível. Naquela ocasião, quando percebeu o fascínio que despertara na irmã de seu melhor amigo, não dera grande importância ao fato. Estava habituado a lidar com adolescentes apaixonadas, dispostas a tudo para chamar sua atenção... Aquela era apenas mais uma, com a diferença de ser a garota mais desastrada que jamais conhecera.

Porém, refletindo sobre sua atitude naquela época, uma ponta de remorso o feriu, provocando uma dor até então desconhecida. Lembrou-se que ele próprio fora responsável por colocá-la em situações humilhantes, fazendo com que se sentisse ridícula... Mas o que poderia ter sido diferente?

Tudo, sua consciência o advertiu. Você poderia ter agido com um mínimo de decência e respeito pelos sentimentos dela...

- Há alguém em casa? - Cal agitou a mão na frente dos olhos de Steve.

- O quê? Oh... Eu estava apenas pensando que... - Com um sobressalto, ele se voltou para o amigo. - Cal, faça-me um favor, sim? Esqueça-me! Eu estou bem!

- Se você acha normal a expressão de morto-vivo que você assumiu nas últimas horas, não vou discutir. Venha, vou levá-lo para casa antes que surja outra emergência. Nesta cidade parece que ninguém entende o significado de estar de folga.

Quinze minutos mais tarde, Cal entrou na alameda de cascalho que levava à mansão. A tempestade de verão havia passado, deixando o ar perfumado pelo cheiro de terra mo-lhada. Com um suspiro profundo, Steve agradeceu à sorte, satisfeito por ter trocado o centro de Chicago por aquele pequeno paraíso particular.

Mudara-se havia dois anos, certo de que fora a melhor decisão de sua vida. Nunca mais precisaria se preocupar com horários, congestionamentos, poluição... Valera a pena enfrentar a pressão do pai, que o queria à frente dos negócios da família, e gastar parte de sua herança para comprar a propriedade. E, naquele dia em especial, tudo o que queria era a solidão de seu refúgio solitário para tentar esquecer os olhos azuis que insistiam em ocupar seu pensamento. Porém, quando Cal estacionou na frente da varanda, ele praguejou em voz alta, com uma liberdade que só possuía com o amigo. A razão de seu desgosto era o jaguar vermelho estacionado ao lado de seu jipe, como um vestígio da vida na cidade que decidira lhe fazer uma visita.

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Despediu-se e subiu lentamente os degraus que levavam à varanda. Aquela casa era o lugar que supunha ser seu santuário, e a presença de sua irmã mais nova destruía qualquer possibilidade de paz. Consolou-se com o fato de que apenas uma de suas cinco irmãs resolvera aparecer.

Encontrou a porta da frente escancarada, e fechou-a atrás de si com uma força além da necessária. Respirou fundo e preparou-se para a batalha. Sua irmã caçula, Kira, ainda não aprendera o significado de usar o telefone antes de fazer uma visita.

Tenho que registrar este momento único! Você não está com uma cerveja na mão! -comentou ela em tom irônico. - Não sei como consegue gostar tanto de cerveja, em vez de optar por um bom Sauvignon Blanc.

- Não sei nem soletrar este nome para poder comprá-lo! - mentiu, omitindo o fato de que francês era seu idioma favorito. - O que está fazendo aqui?

Kira o encarou como se tivesse ouvido a pergunta mais absurda do mundo.

- Vim para o Desfile Anual de Verão. Além disso, estou redecorando meu quarto. Decidi que você adoraria a minha companhia.

- E não pensou em me perguntar primeiro?

A pergunta era apenas uma formalidade. Kira sempre tirara vantagem do fato de ser caçula.

- Por que deveria perguntar? Você nunca trás ninguém para sua casa. Todos nós sabemos que você é quase um eremita.

Zumbi, eremita, culpado pelo desconforto de Hallie... Aquela noite estava sendo um inferno para seu ego, Steve pensou com amargura.

- Você está todo molhado! Por onde andou? - prosseguiu ela, enchendo o cálice até a borda. - Quando vi seu carro, achei que estava em casa.

- Fui jantar com os Brewer. Hallie está na cidade - acrescentou, sentindo seus lábios se curvarem em um sorriso que não pôde conter.

- É mesmo? - indagou ela, com indiferença.

Steve não ficou surpreso com a reação da irmã. Kira e Hallie não costumavam freqüentar o mesmo círculo de amizades quando adolescentes.

- Parece que todos decidiram voltar a Sandy Bend... - continuou ela, reclinando-se no sofá. - Susan também está na cidade. Ela trouxe o noivo para exibi-lo à sociedade local. Embora a notícia lhe provocasse sobressalto, Steve sentou-se no braço da poltrona e a fitou com indiferença. Surpreso, constatou que não ficara magoado por saber que sua ex-noiva assumira outro compromisso sério em tão pouco tempo.

- Espero que o rapaz não fique apaixonado por Sandy Bend - comentou com indiferença. - Há poucas chances de que Susan queira vir para cá com freqüência. - Ele também é advogado. Duvido que tenham tempo livre para viajar. E, mesmo que tenham, tenho certeza de que escolheriam lugares mais interessantes para visitar. Ignorando o comentário depreciativo da irmã, ele concluiu que aquela era uma boa

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notícia. Não odiava Susan por rejeitá-lo, mas não pretendia que se tornassem amigos. Porém, precisava de tempo para entender o que representaria um possível reencontro. - Vou colocar uma roupa seca e dar um passeio pela praia - avisou, começando a subir a escada para o segundo andar.

- Está bem. Preciso fazer algumas ligações. Você se importa? - Não, fique à vontade.

- Você sabe qual é o código de discagem para a Austrália? - ouviu-a perguntar antes de fechar a porta de seu quarto.

Irmãs... Não era possível conviver com elas, mas as amava mesmo assim.

Mergulhado em seus pensamentos, Steve caminhou ao longo da praia sem perceber o tempo passar. Embora já passasse de dez horas, o céu ainda estava púrpura com a chegada da noite.

Sentindo a solidão bater em seu peito, enfiou as mãos nos bolsos da bermuda e se pôs a observar as águas serenas do lago.

Ele sempre imaginara que quando chegasse aos trinta anos, já teria alguém para compartilhar a vida, uma companheira doce e gentil, que estivesse presente em todos os momentos importantes, bons ou ruins. No entanto, chegara aos trinta e três anos e nunca se sentira tão só em toda sua existência.

Tentou afastar do pensamento a imagem de Hallie Brewer. Ela jamais seria a esposa com quem sonhara. Susan sempre lhe parecera a escolha natural. Tanto sua família quanto a dela aprovavam a união, e gostava de pensar na tranqüilidade que aquela relação representava.

Porém, Susan optara por um tipo de vida que não combinava com seu estilo. Ela não tolerava o fato de ter optado por ser professor em vez de assumir os negócios da família. Ela jamais entenderia que, para ele, o verdadeiro sentido da vida era enfrentar desafios e provocar mudanças.

Steve recusara o cargo de vice-presidente na sólida empresa do pai por julgar que seria uma vida vazia e monótona. Havia dispensado o luxo e o conforto que a família Whitman estava disposta a oferecer, para ter uma vida simples e modesta. Susan não estava disposta a explicar aos amigos da elite social de Chicago como era maravilhoso ver o marido dedicar-se a educar os menos afortunados, em vez de usufruir a condição de milionário a que tinha direito.

Quando terminara o curso de pós-graduação, ele começara a acalentar a idéia de se mudar para Sandy Bend e construir uma vida ali, com uma rotina que não exigisse monótonos compromissos sociais e nem frívolos encontros de negócios, regados a uísque importado.

A princípio, Susan concordara em continuar o relacionamento a distância. Então, a realidade caíra sobre ela, assim como a consciência de que Steve jamais aceitaria o dinheiro de sua família. Quando não conseguira convencê-lo a voltar para Chicago, ela rompera o relacionamento.

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Perdido em suas reminiscências, Steve sentou-se na areia fina e apoiou os braços sobre os joelhos. Sentia-se mal por ter decepcionado sua família, mas não podia abrir mão de suas próprias expectativas. A última coisa que deveria ter feito era se casar com uma mulher que pretendia ter uma vida social ativa.

Quando finalmente havia conseguido superar a decepção amorosa e voltava a encontrar seu eixo de equilíbrio, eis que a adolescente desajeitada ressurgia do passado como uma mulher estonteante, provocando uma verdadeira revolução em sua vida.

Confuso e abalado, ergueu-se e caminhou em direção ao deque. Havia decepcionado sua família, agira como um monstro com uma ingênua adolescente apaixonada, e não conseguira salvar a universidade da falência... Sentia-se o pior dos homens!

Concluiu que tinha a obrigação moral de se redimir diante de Hallie. Ao menos, se sentiria um pouco melhor se conseguisse amenizar o sofrimento que causara.

Colocando a tristeza de lado, voltou para casa decidido a tentar. Precisava descansar e se recompor se pretendia refazer sua relação com Hallie Desastrada.

Hallie acordou tarde na manhã de segunda-feira. Olhou ao redor de seu antigo quarto e concluiu que as antigas cortinas cor-de-rosa, agitando-se com a brisa fresca da manhã, traziam uma sensação confortável de estar em casa.

Depois de tomar um banho revigorante, secou os longos cabelos e vestiu uma calça jeans e uma camiseta confortável. Enquanto arrumava a cama, notou que uma de suas unhas havia se quebrado.

Orgulhava-se das unhas longas e bem-feitas, mas não havia outra saída: teria que sacrificá-las. Abriu a gaveta da cômoda à procura de seu velho alicate de unhas, e descobriu que estava enferrujado e sem fio. Cortou-as o melhor que pôde, consolando-se ao pensar que consolando-seria bom fazer desaparecer qualquer vestígio que pudesconsolando-se consolando-ser motivo de zombaria para Steve.

Desceu para a cozinha e tomou uma xícara de café enquanto vasculhava a lista telefônica local à procura de uma manicura. Encontrou apenas um salão de beleza, e marcou um horário para o dia seguinte pela manhã.

- Agüente mais cinco dias, garota! - murmurou para si ao desligar o telefone. - Logo você estará de volta à civilização.

Naquele momento, Althea entrou na cozinha.

- Precisamos conversar - anunciou antes de cumprimentá-la.

- Falo com você depois de levar o café da manhã de Thor - comunicou, saindo às pressas com uma bandeja de café para o marido.

Enquanto ela subia para o segundo andar, Hallie se pôs a pensar que precisariam de um guindaste para levar Thor para fora da casa quando ele se sentisse melhor. Sentou-se à mesa que ainda estava posta a sua espera e Sentou-serviu-Sentou-se de uma fatia de pão caSentou-seiro com uma generosa porção de manteiga, suspirando satisfeita. Não podia negar, não havia nada melhor que uma boa refeição típica da fazenda.

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- Bom dia! - seu pai entrou na cozinha e a cumprimentou com um beijo na testa.

- Bom dia, papai. Você foi à biblioteca logo cedo? - ela indagou, observando a pilha de livros que ele carregava.

- Fui à cidade tomar café com os rapazes do clube, e aproveitei para escolher alguns livros. E tudo isso enquanto você dormia - completou, com ar de censura. - Você pre-cisa sair, garota. A vida é muito curta.

- E o percurso da Califórnia para cá é muito longo. Eu precisava descansar depois da viagem - e tentar elaborar um plano para sobreviver até sábado, concluiu para si.

Depois de um encher outra xícara de café, folheou os livros que o pai trouxera. Em vez dos costumeiros romances policiais que costumava ler, ele começava a se interessar por ficção científica.

- Novo hobby? - indagou ela, apontando para os livros.

- Na verdade, estou tentando provar que Althea veio de outro planeta. - Eu ouvi isto! - ela comentou, emergindo pela porta.

- Mas não é nenhuma novidade! Não tenho o menor problema em dizer o que penso na sua frente.

- Você está prejudicando sua aura com toda esta negavidade.

- Eu já tenho problemas suficientes por ter que me preo,par com meu nível de colesterol. Minha aura pode se virar ainda.

Hallie decidiu que seria sábio não interferir. Aqueles dois brigavam desde que eram crianças, mas um não vivia sem o outro. Com um sorriso divertido, apanhou uma maçã da fruteira e se levantou.

- Tia Thea, vamos até o celeiro?

Quando chegaram a uma distância segura para que não fossem ouvidas, perguntou: - Há quanto tempo ele está assim?

Althea reduziu o passo, obrigando-a a fazer o mesmo.

- Querida, ele sempre foi assim! Tenho certeza de que ele é o alienígena, e não eu, como diz.

- Não, estou me referindo ao comportamento estranho como fumar charuto, perder o interesse em enfeitar o carro para o desfile...

- Bud está se sentindo um tanto perdido, você tem que compreender isto. Não é fácil ser visto como a mesma pessoa sem que se levem em conta as mudanças interiores. - Então você acha que ele está bem?

- Os médicos asseguraram que, ao menos fisicamente, ele está ótimo. - Fisicamente? O que você quer dizer com isso?

- Seu pai tem que resolver algumas questões íntimas. Seja paciente, Hallie.

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paciência era algo que ela nunca conseguira.

- Todos nós passamos por vários estágios na vida. Esta é mais uma etapa na evolução de seu pai, querida - Althea disse com ares de sabedoria.

- Eu quero ter certeza que papai está bem antes de partir. Althea agitou as pulseiras e ergueu os braços para o céu.

- Preocupe-se apenas em ter certeza de que você está bem. Há muitas questões internas que você também tem que resolver. - Detendo-se, ela segurou as mãos de Hallie - Estou me referindo a Steve Whitman...

Para alívio de Hallie, o que quer que sua prima mais velha estivesse a ponto de dizer foi interrompido pelo grito de Thor, que chamava a esposa como se estivesse prestes a ser atacado por um monstro.

- Thor tem muita dificuldade em ficar sozinho...

Ela sorriu ao ver Althea correr para o interior da casa sem deixar de observar o prazer com que atendia o marido. Com uma ponta de inveja, seguiu sozinha para o celeiro imaginando como deveria ser maravilhoso ser imprescindível para alguém.

Sentou-se no velho sofá onde costumava se deitar para ler os romances que sempre a acompanharam durante a adolescência. Enquanto as outras garotas da sua idade se di-vertiam flertando com os rapazes, ouvindo música e preocupando-se com o que vestir, Hallie se refugiava na leitura, mergulhando nas deliciosas fantasias românticas, identifi-cando-se com as heroínas e sonhando com seu príncipe encantado... Steve Whitman. Naquela época, sabia apenas que se tratava de uma fuga, o modo mais seguro de se proteger e não cometer nenhuma gafe, livrando-se das provocações. Porém, quando estava na faculdade e era uma das primeiras alunas da classe, agradecia diariamente por ter desenvolvido o hábito da leitura.

Com um sorriso nostálgico, acariciou o couro desgastado do sofá, perdida em recordações.

Com um suspiro, levantou-se e se pôs a analisar as possibilidades para a decoração da carreta, disposta a começar o trabalho. Em poucos minutos, uma idéia original começou a se formar. Inspirou-se na Califórnia, e imaginou uma praia ensolarada, com águas cristalinas e ondas suaves. Precisava apenas de areia e faixas pintadas de várias nuances de azul. O resto da decoração não seria problema, concluiu, avaliando a diversidade de equipamentos de praia guardados no celeiro.

O problema era como conseguir a areia. Pensou em retirar da margem do lago acessível aos moradores e turistas, mas receou que não fosse permitido. Já podia antever a manchete no Country Herald: "Filha do chefe de polícia é presa por roubar areia". Certamente, não era o que seu pai imaginara quando a incumbira de cuidar da decoração.

Talvez pudesse conseguir o que precisava em alguma praia particular, mas não tinha certeza de que as pessoas que conhecia sete anos atrás ainda eram as mesmas. Exceto Steve Whitman. Cal havia mencionado que ele conseguira comprar a casa de campo da família.

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Lembrava-se de todos os detalhes da mansão. Passara tempo bastante nas redondezas quando era criança, tentando conseguir que ele a notasse.

Decidida, entrou na caminhonete de seu pai e girou a chave na ignição. Uma hora mais tarde, estacionou no gramado lateral da mansão, escondendo a caminhonete atrás de uma frondosa árvore. Àquela hora da manhã, Steve deveria estar iia universidade, pensou enquanto saía furtivamente.

Quando era menina, Hallie gostava de imaginar que um dia se casaria com Steve e seria a rainha daquele palácio. Agora que havia crescido, recriminava-se por ter sido tão ingênua. Porém, a mansão dos Whitman ainda era a mais bonita que conhecera, mesmo comparando-a com as luxuosas mansões que vira na Califórnia.

Localizada sobre uma larga duna que terminava no lago, a maior parte do terreno ao redor da casa era acessível.

Aproximou-se e percebeu que não havia o menor sinal de movimento no interior. Convencida de que não havia riscos, atravessou o jardim carregando dois baldes e uma pá, e se pôs ao trabalho.

Uma hora mais tarde, os braços de Hallie começaram a doer. Despejou os dois baldes de areia que carregava sobre a pilha que ocupava metade da carroceria, e concluiu que já era suficiente.

- Hora do descanso - disse a si mesma, satisfeita.

Hallie retirou as luvas e enxugou o suor da testa. Depois de alongar os músculos doloridos, despiu a camiseta e ajeitou o sutiã do biquíni, uma peça minúscula que mal cobria o busto farto. Comprara aquele modelo num impulso irresistivel. Embora se sentisse mais orgulhosa de seu desenvolvimento como artista plástica, gostava de admitir que seu corpo havia adquirido curvas bem-feitas.

Retirou a calça e correu para a praia, mergulhando nas águas mornas do lago com um murmúrio de prazer.

Estava em casa, havia nascido ali. Aquela era a sua realidade.

Com uma alegria que fazia muito tempo que não sentia, deixou-se envolver pelo momento, sem perceber que nadava cada vez mais para o fundo. Hallie não notou também, que ganhara um espectador secreto, que a observava de longe, fascinado com o que via...

CAPÍTULO IV

Por uma fração de segundo, o cérebro de Steve congelou. A cena que se desenrolava a sua frente provocou um efeito devastador em seus sentidos, dando-lhe a ilusão de que se materializara a imagem de uma gravura que vira na aula de Mitologia no colégio: Vênus, em todo seu esplendor, emergindo das águas em uma concha gigantesca. Sua razão lhe dizia que aquela mulher estonteante não era Vênus, mas seus instintos pareciam ignorar a razão.

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- Dê meia-volta e vá embora, rapaz - uma voz interior o alertou, mas suas pernas se recusavam a obedecer.

Fácil dizer, difícil de realizar, consolou-se. Afinal, não passava de um simples mortal, feito de carne e osso... E naquele momento, ao ver Hallie mergulhar, emergir e nadar com desenvoltura, expondo o corpo bem-feito sumariamente coberto por um minúsculo biquíni amarelo, soube mais do que nunca que não passava de um simples mortal. Todos os instintos masculinos afloraram, como se tivessem vida própria, provocando um efeito devastador em seus sentidos.

O melhor que pôde fazer foi esconder-se por trás de um arbusto, tentando se camuflar em meio à vegetação. A visão de Hallie movendo-se com graça o fez decidir que naquela noite iria ao Truro's procurar por uma companhia feminina. Talvez daquela forma pudesse desviar o pensamento da súbita fixação que desenvolvera por Hallie Brewer.

Enquanto a observava, sentindo-se como um adolescente travesso espiando pelo buraco da fechadura, Steve voltou no tempo, para sete anos atrás, quando estava no último ano da universidade. Hallie era magra e desengonçada, muito diferente da mulher que se tornara. Nunca poderia imaginar que tamanha metamorfose fosse ocorrer... Ela sempre fora insegura e tímida, ansiosa demais para fazer qualquer coisa que pudesse dar certo.

A despeito da forma como se aproximavam, como se estivessem prontos para uma batalha campal, ele percebera que ainda mexia com os sentimentos dela. Alguma coisa lhe dizia que Hallie Brewer ainda se importava, mesmo que fosse um sentimento hostil. Não seja tolo, rapaz, uma voz sábia ecoou em seu interior. Ignorando a advertência, continuou a trilhar a zona perigosa das lembranças. Por um número incontável de razões, não era aceitável que nutrisse fantasias eróticas a respeito da irmã de seu melhor amigo, uma garota oito anos mais jovem que ele... Da mesma forma que havia considerado inaceitável a curiosidade que Hallie despertara sete anos atrás, quando se oferecera para ele.

Claro, fora decente o bastante para dizer um claro e sonoro não, sem se importar com a humilhação a que poderia submetê-la. Naquela ocasião, repudiara a idéia de sentir-se atraído por uma garota que ainda era uma criança, e reprimira o desejo com todas as forças que encontrara.

Além do senso moral, o senso de fidelidade a Susan, sua namorada naquela época, contribuiu para que recusasse a oferta insensata de Hallie.

E lá estava ela, de volta a Sandy Bend como uma mulher feita, a mais atraente e sensual que jamais vira...

Steve ajeitou os óculos de sol e levou a mão à testa para proteger os olhos da luz intensa da manhã. Daquela forma, podia admirar os movimentos leves e sensuais do corpo perfeito flutuando, com os raios de sol refletindo-se na pele molhada. Com um suspiro profundo, ele estendeu o corpo e fechou os olhos, recriminando-se pela atitude infantil.

Mergulhado em seus pensamentos, teve um sobressalto quando uma voz ofegante soou tão próxima que pôde sentir o hálito quente e doce acariciar-lhe a pele.

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Hallie estava de pé a sua frente, fitando-o com espanto.

- Olá - cumprimentou com falsa naturalidade, ajeitando os óculos de sol. - Espero que não se importe por eu ter usado seu lago.

- Meu lago?

- Era o que Kira costumava dizer quando éramos crianças, que os Whitman eram donos do lago - ela disse enquanto corria os dedos pelos cabelos longos, sem imaginar o que aquele gesto inocente era capaz de provocar.

Steve prendeu a respiração e tentou focalizar a atenção no que ela dizia.

- Minha adorável irmã também tem certeza de que somos donos do mundo. - Ele fez uma pausa, considerando o assunto. - Na verdade, acho que ela tem os recibos do cartão de crédito para provar isso.

Hallie que não conteve uma gargalhada, enquanto secava o corpo com as palmas das mãos, tentando encobrir sua seminudez. Pensamentos indesejáveis a assaltaram, e se pôs a imaginar o tom dourado da pele escondido por trás das roupas que cobriam o corpo másculo, e sentiu o efeito físico imediato de tal pensamento.

- Fique à vontade para usar o lago. Só gostaria que me explicasse uma coisa que não entendi... O que faz aquela areia na caminhonete de Bud?

- Ah, aquilo? - gaguejando, ela hesitou por um segundo. - Não se preocupe, será por uma boa causa.

Steve abaixou os olhos, evitando a tentação de admirar o corpo bem-feito em todos os detalhes.

- E poderia me dizer para que causa tão nobre estou dando minha modesta contribuição?

- Sim, claro! Pensei em forrar a carroceria do trator com areia e decorá-la com motivos marítimos, como uma praia. E a única casa que conheço que poderia me dar acesso à areia é a sua. Você se importa?

- Não, há areia para todos. Além disso, estou acostumado a dividir tudo que tenho nesta casa com seu irmão mais velho, que parece achar que minha cerveja tem sabor especial...

Hallie riu com vontade, e o som daquela risada provocou uma estranha sensação de calor que fez Steve derreter por dentro.

- Sinto muito por atrapalhar seu repouso. Achei que você não estivesse em casa. Prometo que não vou atrapalhar novamente.

Impossível, Steve pensou para si. Desenvolvera um radar que, mesmo quando ela estava a quilômetros de distância, poderia perceber a presença dela. Descontente com tal descoberta, reconheceu a sensação como um eco distante dos sentimentos reprimidos de sete anos atrás.

- Você está toda molhada. Quer que lhe empreste uma camiseta?

(27)

poucos minutos.

- Espere aqui, volto num instante.

Ele deu-lhe as costas, saindo antes que ela pudesse impedi-lo.

Quando Hallie o viu entrar para o interior da casa, caminhou até o deque e sentou-se em um banco, receando que fosse desmaiar. Seu corpo todo tremia, e sabia que não era de frio.

Reviver velhos fantasmas fora fácil enquanto estava distante... Mas desde que vira Steve, o passado emergiu com uma força maior do que podia suportar.

Sentindo-se fraca demais para lutar contra as sensações que invadiam seu corpo, reclinou a cabeça no encosto do banco e fechou os olhos. O brilho daquele dia de sol e a alegria do canto dos pássaros desapareceram de súbito, dando lugar a uma sombra escura que a perseguia fazia muito tempo.

Hallie conteve as lágrimas, sem conseguir evitar as lembranças que a atormentavam. Como em um filme, reviu a cena que se desenrolara naquele deque muitos anos atrás, quando ela se oferecera para Steve, nua e trêmula, sob a luz do luar.

As imagens dançavam em sua cabeça como um caleidoscópio de cores e sons que se reduziam a um único pensamento: precisava esquecer o passado e tirar Steve de sua vida. Porém, a presença daquele homem permanecia sólida e inabalável como se ocupasse parte de sua alma.

Hallie apertou os olhos à medida que o vulto de Steve se delineava, aproximando-se com passos rápidos. Trazia com ele uma toalha, e estendeu-a em sua direção.

Ao apanhar a toalha, suas mãos foram detidas no ar. - O que houve com suas mãos?

Com um gesto defensivo, Hallie cobriu-as com a toalha e se pôs a secar os cabelos freneticamente.

- Não é nada - mentiu, ignorando a dor provocada pelas bolhas na pele fina das palmas da mão - Não estou acostumada ao trabalho braçal.

Steve segurou-a pelos punhos com ar preocupado. - Deixe-me ver como estão.

Hallie recuou, assustada. Podia administrar as emoções enquanto ele permanecesse a uma certa distância física, mas não conseguiria manter o autocontrole se ele a tocasse. - Não se preocupe, eu ficarei bem.

- Temos que cuidar disto. Suas mãos estão em carne viva! Se não fizer um curativo, poderão inflamar.

- Eu sou a doutora aqui, lembra-se? - ela ainda tentou brincar, mas o olhar firme a fez desistir.

Ignorando os protestos, ele a conduziu para o interior da casa e a fez sentar-se à mesa da cozinha. Com um gesto imperativo, impediu-a de sair, enquanto abria a gaveta do

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