MASTOFAUNA EM CAPÕES (PANTANAL DE POCONÉ, MATO GROSSO)
ITAMAR CAMARAGIBE ASSUMPÇÃO1, EVANDSON JOSÉ ANJOS-SILVA2,
GLAUCIO LUIS RIBEIRO3 e CAROLINA JOANA DA SILVA4
RESUMO: Este estudo teve como objetivo registrar a fauna de mamíferos presentes em capões no Pantanal de Poconé, MT, a comparação das espécies de taxa presentes, assim como a observação das relações existentes entre as espécies da fauna identificadas e dos hábitats amostrados. Na área de estudo, localizada na Fazenda Ipiranga, no Pantanal de Poconé, MT (16°24’ Norte e 56°40’ Oeste), predomina a presença de ilhas de vegetação conhecidas como capões, com domínio da flora e vegetação do cerrado e cerradão. Foram realizados transectos em cinco capões durante o período de seca, em outubro de 1997, sendo as observações da mastofauna de forma direta, com auxílio de binóculos. Foram reconhecidas dezessete espécies de mamíferos, sendo que 76,47% apresentam hábito terrestre, enquanto que 17,64% ocupam o estrato arbóreo. As observações das atividades mostraram que 58,82% das espécies são ativas durante a noite (crepusculares) e, 41,17%, diurnas. Em termos da dieta alimentar, registramos a maior presença de herbívoros e frugívoros, seguidos de onívoros e carnívoros. Não foram realizadas coletas em armadilhas, nem sacrifícios de animais.
1 Universidade Federal de Mato Grosso. Av. F. C. da Costa, Coxipó – Cuiabá, MT. Correio eletrônico: f.sabah@terra.com.br
2 Departamento Ciências Biológicas, Universidade do Estado de Mato Grosso. Correio eletrônico: evandson@terra.com.br
3 Universidade Federal de Mato Grosso – PPG/IB-UFMT.
4 Doutora em Ecologia. Projeto Ecologia do Pantanal – Programa SHIFT. Correio eletrônico: ecopanta@terra.com.br
MAMMALS OF "CAPÕES" (PANTANAL OF POCONÉ, MATO GROSSO)
ABSTRACT: The goal of this study is the registration of native mammals that occur in the "capões" of the Ipiranga Farm, Pantanal of Poconé, Mato Grosso, Brazil, focusing on the observation (ethology) of taxa species present in five savanna and "cerradão" vegetation areas using the observational direct methodology. The results indicated the presence of 17 species of mammals, mainly herbivorous and frugivorous animals. We did not sacrifice the animals.
INTRODUÇÃO
O Pantanal de Mato Grosso ocupa a depressão do Alto Paraguai, localizada entre o escudo do Brasil Central e os Andes. Desde o Quaternário, o rio Paraguai e os seus tributários depositam os seus sedimentos dentro dessa depressão. Conseqüentemente, os solos variam conforme a sua origem e idade. Sedimentos recentes ocorrem principalmente ao longo dos rios. A maioria dos solos do Pantanal é composta de sedimentos antigos, material carreado pelas chuvas e enchentes, de baixa fertilidade. Longos períodos de secas pronunciadas, causadas pelas mudanças entre épocas glaciais e interglaciais, resultaram na sua consolidação e parcial lateritização (Amaral Filho, 1986).
Essa evolução geomorfológica resultou em uma complexidade de condições da topografia, derivada da dinâmica de sedimentação e que dá origem, atualmente, a uma variada forma de modelados de relevo em microtopografias, formadoras de unidades de paisagens distintas, descritas pela conformação microtopográfica e pela dinâmica de inundações cíclicas, refletida diretamente nas fitofisionomias regionais.
Segundo Plá e Da Silva (1998), em uma área de 10.000 hectares foram observadas, em uma fazenda do Pantanal de Poconé, dezesseis unidades paisagísticas em campo e doze, por imagens de satélites.
A ocupação dessas unidades de paisagens por mamíferos dá-se de forma ordenada, conforme a disponibilidade de recursos alimentares presentes, e de acordo com a sazonalidade determinada pelo regime hídrico de inundações (Camaragibe, 1998).
Fonseca et alii (1996) registraram a ocorrência de 122 espécies de mamíferos no Pantanal Mato-Grossense, distribuídas em nove ordens, 27 famílias e 87 gêneros. Das espécies de taxa catalogadas, treze são marsupiais, dez edentados, 54 morcegos, quatro primatas, quinze carnívoros, um perissodáctilo, seis artiodactyla, dezoito roedores e um lagomorfo.
Dentre as unidades de paisagens que constituem a planície pantaneira, tem-se o
capão. Área com topografia pouco mais elevada, com cerca de 1,20 m acima da planície
estrato herbáceo, os capões quase nunca sofrem efeitos das inundações, sendo por isso considerados um espaço importante de refúgio da fauna durante o período de cheias.
Este estudo teve como objetivo registrar a fauna de mamíferos presentes em capões no Pantanal de Poconé, MT, a comparação das espécies presentes nos diferentes capões estudados, assim como a observação das relações existentes entre as espécies da fauna identificadas e aos hábitats amostrados.
ÁREA DE ESTUDO
A área de estudo está localizada na Fazenda Ipiranga, situada em Poconé, MT, no Km 10 da Rodovia Transpantaneira, em posição geográfica definida em 16°24’ Norte e 56°40’ Oeste. A área está inserida dentro do Pantanal Mato-Grossense, onde predomina a presença de ilhas de vegetação conhecidas localmente como capões, com predomínio da flora do cerrado e cerradão.
Durante o período de seca, em outubro de 1997, foram realizados transectos em cinco capões da Fazenda Ipiranga. As observações da mastofauna foram realizadas de forma direta, com ajuda de binóculos. As visitas aos capões foram feitas nas primeiras horas da manhã e no final da tarde. Nesse intervalo, foram registrados os recursos alimentares disponíveis e observados animais de hábito diurno. Registros e reconhecimento de pegadas, fezes e zoofonia foram feitos durante os transectos. Não foram realizadas coletas em armadilhas, nem sacríficios de animais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As principais diferenças entre os capões estudados podem ser observadas na Tabela 1. Esses capões são utilizados como refúgio de gado bovino durante a noite, e estão bastante alterados, quando comparados com outras regiões do Pantanal, principalmente no que se refere ao corte seletivo de espécies arbóreas e à presença de clareiras. Apesar disso, notou-se um elevado número de espécies presentes e recursos alimentares básicos para sustentar populações de frugívoros não especialistas.
TABELA 1. Principais características dos capões
Nome do capão Aspecto do capão Uso Espécies observadas
Macacos Corte seletivo de poucas
espécies arbóreas MalhadaTurismo Callitrix argentata,Dasyprocta azarae, Nasua nasua, Sciurus brasiliensis, Sciurus sp.
Cumbaru Corte seletivo de poucas espécies arbóreas
Malhada Alouatta caraya, Dulsicyon
thous, Tapirus terrestris
Roça Corte seletivo de
numerosas espécies arbóreas
Extensas áreas de clareiras
Roça para cevar animais
Agouti paca, B. argentata, Dasypus novencinctus, Nasua nasua, Dasyprocta azarae, Sylvilagus brasiliensis, Sciurus sp., Tapirus terrestris,
Mazama gouazoupira, Mazama americana
Piuval Corte seletivo de
numerosas espécies arbóreas
Extensas áreas de clareiras
Turismo Agouti paca, Callitrix
argentata, Alouatta caraya, Blastocerus dichotomus Dasyprocta azarae, Mazama americana,
Puma concolor, Sciurus
sp., Tapirus terrestris Capão da
Sociedade
Corte seletivo de poucas espécies arbóreas
Malhada Agouti paca, Callitrix
argentata, Nasua nasua
O capão da roça foi manejado para atrair mamíferos, por meio do cultivo de espécies vegetais da agricultura tradicional, como mandioca, milho e banana. Neste foi encontrado um maior número de espécies de mamíferos.
Foram reconhecidas dezessete espécies de mamíferos, distribuídas em sete ordens nos cinco capões levantados. Destes, 76,47 % são terrestres, e 17,64 %, ocupam o estrato arbóreo. As observações das atividades mostraram que 58,82 % são ativos durante a noite (crepusculares) e 41,17, são diurnos (Tabela 2).
Camaragibe (1998) observou para capões, em áreas próximas à estudada, um número de 51 espécies, durante visitas mensais no ano de 1997.
Foi observado um padrão de distribuição no plano vertical e horizontal dos mamíferos presentes nos capões. Assim, podem-se estabelecer dois estratos de atividades para os mamíferos presentes. Mamíferos adaptados a viverem no estrato superior, nas copas das árvores, correspondem a 17, 64% daqueles observados e mamíferos terrestres com 74,47 % da amostragem, conforme mostra a Tabela 1.
TABELA 2. Mamíferos registrados nos capões, estrato ocupado para atividades, o período de atividades, a dieta preferencial dos animais e tipo de registro realizado. Taxa Ordem/espécie Estrato de atividade Período de atividade
Dieta Tipo de registro Primatas
Alouatta caraya C D O Zoofonia
Cebus apella C D O visualização
Callitrix argentata C D O visualização
Xenartra
Dasypus novencinctus F, T N O toca
Lagomorpha
Sylvilagus brasiliensis T D H visualização
Rodentia
Sciurus sp. T N F visualização
Agouti paca T N F visualização
Dasyprocta azarae T D F fezes
Carnivora
Dulsicyon thous T N C pegadas, fezes
Procyon cancrivorus T N O pegadas
Nasua nasua T, C D O visualização
Felis pardalis T N C pegadas
Puma concolor T N C pegadas
Perissodactyla
Tapirus terrestris T D, N H, F pegadas, fezes
Artiodactyla
Mazama gouazoupira T D H pegadas
Mazama americana T D H pegadas
Blastocerus dychotomus T D H pegadas
T = terrestre C = copa de árvores F = fossorial D = diurno N = noturno H = herbívoro F = frugívoro O = onívoro C = carnívoro
Em distribuição espacial observada em plano horizontal, constatou-se a existência de uma maior diversidade de mamíferos em capões com maior variedade de recursos alimentares. Capões mais alterados apresentaram menor diversidade de mamíferos, de acordo com o que descreve Forman e Godron (1996) que os animais se movem nas paisagens guiados pela necessidade de recursos alimentares, abrigos e estímulos reprodutivos.
Quanto à dieta preferencial das espécies registradas, predominou aquelas que se alimentam de itens de origem vegetal (herbívoros e frugívoros), seguidas de onívoras e carnívoras (Tabela 3).
TABELA 3. Alguns vegetais encontrados nos cinco capões da Fazenda Ipiranga, utilizados como forrageamento de mamíferos silvestres.
Taxa/vernáculo Partes utilizadas Animais beneficiados
Ficus sp.
(Moraceae), figueira
Frutos Allouata caraya, Cebus apella, Calitrix argentata, Sciurus sp. Scheelea phalerata (Mart.) Burret
(Arecaceae), acuri
Frutos, poupas, semente
Agouti paca, Cebus apella, Dasyprocta azarae
Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd.
(Arecaceae), bocaiúva Frutos Tapirus terrestris
Cecropia aff. hololeuca Miq. Cecropia cf. pachystachta Trec.
(Cecropiaceae), imbaúba
frutos, folhas Sciurus sp. Bromelia balansae Mez
(Bromeliaceae), ananás
frutos Dasyprocta azarae
Dipterix alata Vogel
(Leg-Papilionoideae), cumbarú frutos Allouata caraya, Cebus apella,Calitrix argentata, Sciurus sp. Tabebuia cf. caraiba (Mart.) Bur.
(Bignoniaceae), ipê amarelo
flores Mazama gouazoubira,
Mazama americana Pouteria glomerata (Miq.) Radkl.
(Sapotaceae), parada
frutos Agouti paca, Mazama
gouazoubira Mazama americana, Dasyprocta Azarae,
Sterculia apetala (Jacq.) Karst
(Sterculiaceae), manduvi
frutos Agouti paca, Alouatta caraya, Cebus apella, Dasyprocta azarae Genipa americana L.
(Rubiaceae), jenipapo
frutos Tapirus terrestris, Agouti paca, Mazama spp.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
AMARAL FILHO, Z.P. Solos do Pantanal Mato-Grossense. In: SIMPÓSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SÓCIO-ECONÔMICOS DO PANTANAL,1., 1984, Corumbá. Anais.... Brasília: Embrapa-DDT, 1986. p.29-42. (Embrapa-CPAP. Documentos, 5).
CAMARAGIBE, I. Unidades de paisagens do Pantanal de Poconé e sua importância para
fauna de mamíferos e elas associadas. Andalucia: Universidad Internacional de
Andalucia, 1998. 112p.
FONSECA, G.A.B. da et. al. Livro vermelho dos mamíferos brasileiros ameaçados de
extinção. Fundacão Biodiversitas-WWF, 1994. 479p.
FORMAN, R.T.T.; GODRON, M. Landscape ecology. New Kork: John Wiley, 1986. 619p. PLÁ, V.L.M.; DA SILVA, C.J. Landscape identification in the Ipiranga farm and
surroundings, Pantanal de Poconé, Mato Grosso. In: WOKSHOP, Studies on human impact on forest and floodplains of the Pantanal Brazil 2., 1998, Manaus. Summaries of lectures and posters presented, SHIFT –,. Wetland Ecology and Management.