Patrícia Maia do Vale Horta
RESUMO
O mundo passou por uma importante mudança de paradigma social, o que fez com que a visão sistêmica prevalecesse sobre a mecanicista. Isto repercutiu diretamente sobre as empresas que, percebendo a relevância de um conhecimento mais amplo, passaram a reconhecer como recurso indispensável a esta nova sociedade o seu capital intelectual, intangível.
As pessoas e as competências humanas tornaram-se os agentes fundamentais desta nova economia (pós)-capitalista, pois é do desenvolvimento de suas qualidades que o empreendedorismo floresce.
Este ensaio pretende mostrar que neste contexto faz-se necessário recuperar a dimensão simbólica para compor o processo de conhecimento organizacional e agregar valor à cultura empresarial.
Palavras-chave: conhecimento, organizações, cultura empresarial, dimensão simbólica, empreendedorismo.
1 Mestranda em Ciência da Religião, especialista em Gestão de Negócios e Empreendimentos e graduada em
Administração de Empresas. Professora do Instituto Vianna Júnior no curso Gestão Empreendedora. Contato pelo e-mail: patmaia@terra.com.br
OS RITOS NAS ORGANIZAÇÕES
Somente o uso da palavra ritual no ambiente das organizações já pode causar estranhamento, a princípio, para pessoas que as desconhecem. No entanto, as organizações, enquanto estruturas sócio-culturais, são locais propícios à observação das transformações que acontecem na sociedade contemporânea. Elas acompanham de forma própria e múltipla as alterações dos paradigmas científicos.
O pensamento moderno, que atribuía à razão a capacidade de gerar um progresso científico absoluto, suficiente para responder a todos os anseios humanos, fracassa; percebe-se que a ciência concreta não explica sozinha toda a realidade; o conhecimento não é inabalável como se esperava. Como conseqüência tem-se a pós-modernidade, que não representa um período histórico posterior, mas sim uma reflexão sobre esta visão de mundo mecanicista2.
Assim, o velho paradigma baseado na certeza do conhecimento científico como verdade que, para ser descoberta independe do observador e de um processo de conhecimento, é substituído pelo novo paradigma que reconhece as teorias científicas como válidas, porém limitadas. Com os conceitos relativizados na sua função de descrever o real, é preciso ir além deles, é necessário acrescentar a subjetividade dos intérpretes que contribuem com suas experiências de vida, emoções, sentimentos, percepções. O conhecimento passa a ser visto como uma rede de interpretações humanas, em constante processo de transformação, de aprimoramento, ou seja, é algo inacabável.
Esta tendência intelectual, segundo Capra (1996, p. 48), representa a quebra de um paradigma social, já que seu impacto abrangente não fica restrito ao mundo acadêmico e reflete diretamente nas instituições da sociedade, portanto, também nas empresas.
Desta forma o universo do saber e o do humano são potencialmente complexificados; a compreensão de ambos pode tornar-se fragmentada, reducionista ou míope se for vista como passível de conceituação, ou seja, há que se considerar para este intento, possíveis interpretações que precisam combinar várias perspectivas de
2 Para este assunto: BARTOLI, Jean. Ser executivo: um ideal? uma religião? Aparecida, SP: Idéias & Letras,
conhecimento, além de estarem sempre em construção. Para isso, várias ciências humanas unem-se à administração, contribuindo para a compreensão do Ser no ambiente do trabalho. O que tem início com as contribuições teóricas e práticas das ciências do comportamento organizacional, que orientam as empresas no desenvolvimento de uma melhor compreensão do comportamento humano, aliadas ao processo de aprendizagem contínuo que é desencadeado no mundo dos negócios, avança com
os estudos da cultura organizacional (que) lançaram luz sobre a organização como um sistema epistemológico. Além disso, destacaram a importância dos fatores humanos como por exemplo valores, significados, compromissos, símbolos e crenças, abrindo caminho para o [...] aspecto tácito do conhecimento. E mais, reconheceram que a organização, como um sistema de significado compartilhado, pode aprender, mudar e evoluir ao longo do tempo através da interação social entre seus membros e entre si mesma e o ambiente.
(Nonaka, 1997, p. 49).
Neste processo interno e sistêmico pelo qual passam as empresas, que reconhece a importância do humano como agente do conhecimento, potencializa-se o recurso simbólico para a compreensão e comunicação entre as pessoas, afim de se atingir, por meio dos ideais compartilhados, a eficácia necessária.
Entretanto, a esfera simbólica não é novidade no meio organizacional, como nos lembra Riviére (1994, p. 277-8), sempre esteve presente no âmbito do trabalho humano, conferindo-lhe um sentido que ultrapassa o econômico. Contudo, na contemporaneidade, com um mercado globalizado e altamente competitivo, em que as organizações para existirem priorizam seus recursos intangíveis provenientes das pessoas, além de conviverem com freqüentes mudanças pelas quais passam necessariamente, mudam o conceito de trabalho, que passa a ter um sentido mais cognitivo e intangível, não só para as empresas, mas também para os trabalhadores3.
Assim, surge uma nova “organização –empresa (que) é não somente um lugar onde o trabalho é fonte de identidades profissionais e onde se observa uma regulação cultural, mas também transformou-se num ator maior da definição de nossas sociedades modernas” (Sainsalien, apud Chanlat, 1996b, p. 229). E é neste contexto que a esfera simbólica ganha dimensão fundamental para se compreender as relações humanas no ambiente do trabalho.
3 Conforme pesquisa realizada nos EUA entre executivos e cargos administrativos, detalhada no artigo
Ela perpassa legitimadamente a vida das organizações, ritualizando-as e conferindo-lhes significados e valores que ultrapassam o real e o concreto da vida cotidiana.
Esta perspectiva mostra que as práticas de gestão ultrapassam a sua função administrativa, transformando-se em verdadeiros rituais, ou melhor, vivências4 organizacionais, que têm a finalidade de oferecer aos participantes um sentido que está além do material, e que é indispensável para esta nova “sociedade do conhecimento”5
Isto, em parte, pode ser explicado pelas capacidades (históricas e sociais) que os ritos têm de “refazer e reforçar laços, mesmo que expressando seus conflitos [...], renovar e revivificar crenças, propagar as idéias de uma cultura [...], (além) de dar-lhe uma forma, delimitar papéis e tentar estruturar nos comportamentos a maneira pela qual uma sociedade ou grupo social se pensa” (Riviére, 1989, p. 151). Entretanto, e principalmente, é preciso enfatizar que sua relevância à cultura organizacional deve ultrapassar esta significação, que já os revela como diferentes de outras ações estereotipadas. Isto só é possível quando se compreende que os ritos contêm significados que os ligam a uma determinada cosmologia, o que determina sua sacralidade e conseqüentemente a sacralização das tarefas executadas por eles, ou seja, “eles dão a impressão de uma vida mais intensa assim como de uma espécie de engrandecimento dos sentimentos e do poder do homem” (Riviére, 1989, p. 154).
A eficácia dos ritos é determinada pela condição, que lhes é possível, de conseguirem a integração das diferenças, eles permitem por meio desta ambigüidade que o ambiente organizacional, cada vez mais propício ao confronto de diversas culturas provenientes da heterogeneidade competitiva de seus integrantes, torne-se coeso a um ideal organizacional, o qual transcende os interesses individuais em prol da coletividade, a empresa. No entanto, isto não os coloca sempre a favor do “ status quo”, os ritos operam mudanças, que são reais e não simbólicas, numa realidade que é constantemente negociada (Jaime, 2002, p. 81). Aliás, eles sempre transformam a realidade porque permitem as
4 Conceito de AMARAL, Leila. Um espírito sem Lar: sobre uma dimensão “nova era” da religiosidade
contemporânea. VELHO, Otávio (org.) . Circuitos infinitos. São Paulo: Attar, 2003, p. 17-60. A autora utiliza este conceito como comum para descrever os vários tipos de rituais que se combinam e se articulam nas performances, que constituem uma mesma vivência.
5 Termo usado por DRUCKER, Peter (1993). In: NONAKA, Ikujiro. Criação de conhecimento na empresa.
Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997. Drucker define por este conceito a sociedade em que o conhecimento amplo é peça-chave.
passagens e mudanças necessárias ao desenvolvimento da vida social (Van Gennep, 1977), o que reafirma sua eficácia para o ambiente organizacional contemporâneo.
Enfim, estas “organizações-empresa”6 estão inseridas numa economia (pós)-capitalista, em que o capitalismo do tipo empreendedor, entre outros, é o valorizado pela cultura empresarial7 que para tornar-se empreendedora precisa desenvolver atitudes, valores e formas de atuação empreendedoras nas pessoas. Como conseqüência “a cultura das empresas está sendo elevada ao nível de virtudes e transformada em valores “nacionais” no mundo ocidental” (Barbosa, 2002, p. 40).
Portanto, é este contexto de privilegiamento epistemológico da esfera produtiva que requer um maior desenvolvimento do conhecimento, principalmente sobre os diferentes significados das diferentes éticas sobre o trabalho nas organizações, sobre o processo de mudança organizacional, e outros aspectos da vida empresarial (Barbosa, 2002). Para isso, acredita-se na relevância da observação dos rituais, por meio deles, não se desvelaram significados absolutos, mas com certeza, muitos virão à tona, revelando diferentes sentidos e valores, que compõem este ambiente complexo das empresas contemporâneas. Entretanto, vale lembrar, que ao proceder a investigação desta realidade, não se pode esquecer de manter um distanciamento crítico, grande lição que ensinou a modernidade (Riviére, 1989).
Bibliografia
AMARAL, Leila. Um espírito sem Lar: sobre uma dimensão “nova era” da religiosidade contemporânea. VELHO, Otávio (org.) . Circuitos infinitos. São Paulo: Attar, 2003, p. 17-60.
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6 Termo utilizado por Sainsalien, In: CHANLAT, Jean-François (org.). O indivíduo na organização:
dimensões esquecidas, v. 2. São Paulo: Atlas, 1993b.
7 Conceito usado por BARBOSA, Lívia. Cultura e Empresas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002 para
CHANLAT, Jean-François. A dimensão simbólica do humano. In: CHANLAT, Jean-François (org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas, v. 2. São Paulo: Atlas, 1993b.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.
DRUCKER, Peter. Fator humano e desempenho: o melhor de Peter Drucker sobre administração. 3 ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza Leme. Estratégias Empresariais e Formação de Competências: um quebra cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
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RIVIÉRE, Claude. As liturgias profanas. Rio de Janeiro: Imago, 1989, p. 143-179. _______________.Os ritos profanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.