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O QUE FAZ A VIDA SER MELHOR?
DETERMINANTES DO BEM-ESTAR SUBJETIVO: EVIDÊNCIAS DA
SONDAGEM DO BEM-ESTAR
1NO BRASIL
I. INTRODUÇÃO
Qual é a melhor medida de prosperidade de um país? Na ausência de um consenso, durante a maior parte do século passado, cientistas sociais continuaram usando medidas econômicas, como o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, como
proxy para o bem-estar da população.
Em 1974, Richard Easterlin, da Universidade de Pennsylvania, usou sondagens qualitativas feitas em 19 países desenvolvidos e emergentes entre 1946 e 1970 para concluir que o nível de renda explicava bem as diferenças de felicidade entre países, mas não ao longo do tempo. Neste estudo, Easterlin cita especificamente o caso dos EUA, cujo PIB aumentou expressivamente neste período, enquanto os indicadores de felicidade mantiveram-se relativamente estáveis.
A partir dos anos 1990, novas medidas de bem-estar da população surgiram, a maioria delas ancorada por indicadores tanto econômicos quanto sociais. Entre esses, destaca-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que leva em consideração indicadores de renda per capita, educação e saúde (PNUD, 2016). A ideia, portanto, era a de se complementar as medidas econômicas com medidas não econômicas de qualidade de vida.
Outra linha de pesquisa que ganhou força nas últimas décadas passa pelo monitoramento da percepção subjetiva de bem-estar por meio de perguntas realizadas diretamente à população. Embora o debate sobre a validade desses indicadores seja intenso, nos últimos anos avançou-se bastante rumo a uma visão consensual de que esta seria uma forma eficiente de se obter informações individuais relevantes sobre estar (OECD, 2013). A ideia geral é de que o estudo do bem-estar subjetivo contribui para a compreensão do bem-bem-estar da população e para a
1 Agradecimentos pelo apoio da Rede de Pesquisa da FGV e do IBRE e colaborações valiosas de Marcelo
Cortes Neri, Vera Rita de Mello Ferreira e Daniel Guanaes na elaboração do questionário da Sondagem do Bem-Estar.
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identificação dos impactos efetivos do crescimento econômico na vida das pessoas. A identificação dos fatores determinantes do bem-estar da população é hoje considerada um importante subsídio à elaboração de políticas públicas e no entendimento de suas consequências.
II. A SONDAGEM DO BEM-ESTAR
O estudo do bem-estar subjetivo tem como referência internacional as pesquisas Gallup World Poll (Gallup Organization, 2007), World Values Survey (WVS, 2009) e a European Social Survey (ESS, 2014). Um dos estudos de referência no Brasil é a Well Being Survey, pesquisa realizada em 2013, que contou com a colaboração de 786 informantes residentes na cidade de São Paulo (EAESP/FGV, 2013).
A Sondagem do Bem-Estar da FGV/IBRE tem por objetivo medir o bem-estar subjetivo dos moradores das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, e determinar os fatores que o influenciam.
A primeira fase de coleta ocorreu entre os dias 1º de junho e 4 de agosto de 2016; a segunda, entre 5 de setembro e 31 de outubro do mesmo ano. Para esta análise foram utilizadas as respostas de 1588 indivíduos referentes à primeira etapa da coleta e 1006 da segunda etapa da coleta, totalizando 2594 questionários, sendo 49% do Rio de Janeiro e 51% de São Paulo.
Gráfico 1 – Detalhes sobre a Sondagem do Bem-Estar
Fonte: FGV/IBRE 61% ([VALOR] ) 39% ([VALOR] ) Proporção de participantes por etapa da pesquisa
1ª fase 2ª fase [VALOR ] (1270) [VALOR ] (1324)
Participação por cidade
Rio de Janeiro São Paulo
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Para assegurar representatividade populacional, a amostra foi estratificada por faixa etária, faixa de renda familiar, gênero e divisão sub-regional urbana.
Dentre as variáveis que integram a pesquisa, a maior parte está relacionada a perguntas cujas opções de respostas apresentam uma escala numérica de 0 a 10, em que cada ponta representava as respostas mais extremas. Além disso, foram obtidas informações sociodemográficas no questionário: idade, cidade de residência, bairro, cor/raça, nível de escolaridade, número de residentes no domicílio, número de menores de 16 anos residentes no domicílio, estado civil, situação de emprego e renda mensal familiar.
Dados da Sondagem do Bem-Estar da FGV/IBRE foram utilizados para condução do exercício empírico fundamentado em modelos econométricos utilizados na literatura, cujos principais pontos serão abordados na próxima seção.2
III. RESULTADOS
A renda, às vezes vista pela ótica do PIB ou pela ótica do consumo, já era considerada um fator importante para o bem-estar. Os resultados da Sondagem do Bem-Estar confirmam a relação positiva entre a renda e a satisfação com a vida, mas acrescenta uma informação importante: esta relação se dá a taxas decrescentes. Isto é, os indivíduos sentem-se mais satisfeitos com o aumento da renda, mas cada acréscimo de renda auferirá cada vez menos satisfação até o ponto em que o efeito no bem-estar se tornará irrisório.
Como é de se esperar, a renda afeta o bem-estar
positivamente, mas quanto maior a renda, menor o
impacto no bem-estar. O desemprego diminui o bem-estar
individual e aumenta a tensão na sociedade.
2 As especificações metodológicas, assim como o artigo contendo todos os modelos econométricos
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Gráfico 2 – Efeito da renda3 na Satisfação com a vida
Fonte: FGV/IBRE
Já o desemprego exerce efeito negativo sobre a satisfação dos indivíduos com a vida e afeta o bem-estar mesmo se as pessoas mantivessem os seus níveis normais de renda. O efeito do desemprego é grande tanto por causa do seu impacto direto no indivíduo e na sua família quanto pela apreensão que uma série de demissões causa na sociedade. O efeito indireto do desemprego atinge também as pessoas empregadas que sentem um temor maior de perderem o emprego e esperam aumento na violência e tensão civil.
Ser casado impacta positivamente na satisfação com a vida. Para compreender melhor esta relação ao longo do tempo, foi feito um gráfico que relaciona anos de casamento e satisfação com a vida. De acordo com o gráfico 2, os informantes solteiros (indicados no ano 0) são, em média, levemente mais satisfeitos do que aqueles casados há pouco tempo. A partir do décimo-quinto ano de casamento, a satisfação média cai e só passa a subir novamente após 30 anos de casamento.
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Gráfico 3 – Suavização da satisfação média por anos de casamento
Fonte: FGV/IBRE
A variável religião também apresentou impacto positivo, em linha com a literatura. Ter uma religião fortalece o convívio social, especialmente crenças em que a comunidade é forte e interligada, e auxilia o indivíduo a encontrar propósito e tranquilidade em sua vida. Também foi verificado que não há evidências que indiquem quais crenças auferem mais bem-estar. Só foi possível constatar que aqueles que alegam seguir uma religião são mais satisfeitos com a vida do que aqueles que disseram não ter religião.
Ter uma religião e ser casado são fatores que contribuem
para atingir maiores níveis de bem-estar.
A relação da variável grau de instrução de nível superior chama atenção ao sinalizar que indivíduos com maior nível educacional são, em média, menos satisfeitos com a vida. Em contrapartida, a literatura internacional aponta para uma relação positiva entre satisfação com a vida e altos níveis de escolaridade. A intuição sugere que a educação impacta o bem-estar ao influenciar positivamente a ocorrência de benefícios ligados à alta escolaridade (como renda, prestígio e ascensão social). No
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entanto, o resultado apresentado pela Sondagem do Bem-Estar parece refletir um maior grau de aspiração profissional e/ou pessoal destes indivíduos em relação àqueles de menor ou semelhante nível educacional, o que causa um mal-estar nos entrevistados. Um fenômeno parecido obtido pelo estudo do IPEA, Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS, 2011)4, destaca nos resultados sobre qualificação profissional que a qualificação escolar e técnico-profissionalizante é um fator de peso relativo na seleção de emprego. Os informantes do SIPS atribuem maior peso às experiências prévias e às referências pessoais como fatores importantes na seleção
A variável Idade não se mostrou significante nos modelos, ou seja, não impacta no bem-estar dos brasileiros. Na literatura, a idade é um fator usualmente ligado à satisfação com a vida. Em outros países, a satisfação com a vida cai até atingir um ponto de mínimo por volta dos 45 e 50 anos de idade e depois aumenta até o final da vida.
Em relação aos aspectos pessoais, fatores como autoconfiança, sentimento de
realização, orgulho de ser brasileiro, boa relação no meio familiar, satisfação com o estado de saúde e nível de renda comparado àqueles com mesmo nível educacional
aparecem como significativos para a satisfação dos indivíduos com a vida. Este último fator sugere que as pessoas criam suas percepções também por meios relativos, o que vincula a desigualdade a menores índices de bem-estar.
Para testar os efeitos do humor no bem-estar, foram inseridas perguntas sobre como as pessoas se sentiram um dia antes da pesquisa. De acordo com o modelo, aqueles que se sentiram mais felizes e inspirados anteriormente, declararam maiores níveis de bem-estar. Por outro lado, aqueles que relataram estar deprimidos um dia antes também declaram menores níveis de satisfação com a vida.
A percepção da qualidade dos serviços públicos e a
confiança no governo são fatores que possuem relação
positiva com o bem-estar.
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Em relação aos serviços públicos, as evidências são de que a avaliação sobre a qualidade da saúde, das escolas, da segurança e do transporte público exerce impacto direto na satisfação. Este achado está em linha com a pesquisa European Quality of
Life Survey, criada pela Eurofound, que traça minuciosamente os impactos do
ambiente externo, especialmente os serviços públicos disponíveis, no bem-estar dos cidadãos europeus.
A confiança nas instituições também exerce papel importante no bem-estar. Indivíduos que confiam mais no governo, nos políticos e na justiça são mais satisfeitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre os fatores que afetam o bem-estar apontados pela Sondagem do Bem-Estar, estar casado e ter uma religião influenciam positivamente na satisfação com a vida. Ambas circunstâncias estão ligadas à maior interação e apoio social. Além disso, a vida em casamento também providencia maior estabilidade financeira.
Por outro lado, pessoas com ensino superior apresentam menores níveis de bem-estar. Isso quer dizer que o efeito do aumento da renda ligado ao maior nível de escolaridade não é suficiente para melhorar a avaliação dos respondentes. Uma possível explicação para este fenômeno é que a auto cobrança de conseguir melhores posições e salários e a frustação quando não os obtém, cria um mal-estar nos informantes com ensino superior.
• Renda (a taxas decrescentes); • Percepção de boa qualidade de
serviços públicos;
• Confiança no governo, nos políticos e na justiça;
• Ter uma religião; • Ser casado e
• Ter um bom estado de saúde.
O que afeta
positivamente
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A relação decrescente entre o nível de renda e o bem-estar confirma a relevância do poder aquisitivo na vida das pessoas, mas também agrega a informação que, em algum momento, a renda perde a importância na elevação do bem-estar. É claro que num país em desenvolvimento como o Brasil, o ponto de irrelevância da renda ainda não foi atingido pela maioria da população. Por isso, a renda ainda possui potencial como propulsor do bem-estar subjetivo.
No entanto, a renda não é o único fator de destaque. O desemprego e a desigualdade de renda têm grande impacto negativo no bem-estar. Estes resultados são de extrema relevância no atual cenário de crise econômica no Brasil e aponta para uma provável queda no bem-estar no país.
A crise também afeta os brasileiros por ângulos mais subjetivos. As pessoas que confiam mais no governo, nos políticos e na justiça são mais satisfeitas com a vida. Entretanto, somente 7% dos brasileiros aprovam o atual governo do presidente Michel Temer.5 O bem-estar subjetivo também é influenciado pela qualidade observada dos serviços públicos, escolas, universidades, saúde, segurança e transporte. O Rio de Janeiro, uma das cidades onde a pesquisa foi realizada, é uma das que mais sofre os reflexos da crise.
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Segundo o levantamento feito pela Datafolha da Folha de São Paulo, edição do dia 24/06/2017.
• Desemprego;
• Desigualdade de renda;
• Percepção de baixa qualidade dos serviços públicos;
• Desconfiança no governo, nos políticos e na justiça.
O que afeta
negativamente
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A crise econômica afeta o bem-estar não somente pela
renda, mas também através do desemprego, da
desigualdade, da qualidade dos serviços públicos e da
confiança nas instituições.
Em suma, as evidências encontradas a partir dos dados coletados pela Sondagem do Bem-estar sugerem que tanto variáveis objetivas quanto variáveis subjetivas têm relevância para a satisfação dos indivíduos. Além disso, as descobertas sobre os determinantes de bem-estar do brasileiro possibilitam um conhecimento mais vasto sobre o que impacta na vida dos cidadãos e como estes fatores contribuem para a investigação e elaboração de políticas públicas.
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ANEXO I
Satisfação média dos respondentes
Gênero Homem 7,98 Mulher 7,90 Cidade São Paulo 7,96 Rio de Janeiro 7,91 Faixa etária 18 a 29 anos 7,91 30 a 44 anos 8,25 45 a 54 anos 7,80 55 anos ou mais 7,93
Faixa de renda mensal
Até R$ 1200 7,58 De R$ 1200 até R$ 2600 7,77 De R$ 2600 até R$ 5250 7,94 De R$ 5250 até R$ 10mil 8,09 De R$ 10mil ou mais 8,22 Fonte: FGV/IBRE
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SONDAGEM DO BEM-ESTAR FGV/IBRE – Instituto Brasileiro de Economia Diretor do IBRE: Luiz Guilherme Schymura de Oliveira
Superintendente de Estatísticas Públicas: Aloisio Campelo Jr. Coordenadora da Sondagem: Viviane Seda Bittencourt
Equipe Técnica: Fernanda Maria dos Santos Machado, João Renato Leripio Gomes e Ana Flávia de Paula Atendimento à imprensa: Insight e-mail: assessoria.fgv@insightnet.com.br | (21) 2509-5399
Central de Atendimento do IBRE: (21) 3799-6799 / e-mail: ibre@fgv.br/ portalibre.fgv.br
ANEXO II
Resumo dos resultados obtidos pela análise econométrica
Variáveis Efeito Significância
Log (renda) + ***
Idade sem efeito
Idade² sem efeito
Homem - ***
Ensino superior - ***
Casado + ***
Desempregado - *
Religião + **
Ter se sentido feliz ontem + ***
Ter se sentido inspirado ontem + *
Ter se sentido deprimido ontem - ***
Quanto se sente confiante + ***
Quanto se sente realizado + ***
Capacidade de se recuperar após adversidades + **
Quanto pensar na família o deixa feliz + ***
Satisfação com a renda + ***
Satisfação coma saúde + ***
Saúde comparada a outros com a mesma idade + **
Nível de educação comparada a outros com a mesma idade + *
Orgulho de ser brasileiro + ***
Quanto confia nas outras pessoas - *
Índice de questões intrapessoais
+ ***
(Liberdade, capacidade de se recuperar após adversidades, otimismo, auto confiança, quanto se sente realizado)
Índice de confiança no governo
+ **
(Confiança no governo, nos políticos e na justiça)
Índice de confiança nas instituições
sem efeito
(Confiança na mídia, nas forças armadas, na polícia e nas instituições religiosas)
Índice de qualidade dos serviços públicos
+ **
(Percepção de qualidade das escolas, das universidades, da saúde, da segurança e do transporte públicos)
Fonte: FGV/IBRE *nível de significância até 10% ** nível de significância até 5% *** nível de significância 1%