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Prefiguração Identitária E Hierarquias Linguísticas Na Invenção Do Português

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Capítulo 4

Capítulo 4

PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA E

PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA E

HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA

HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA

INVENÇÃO DO PORTUGUÊS

INVENÇÃO DO PORTUGUÊS

Joana Plaza Pinto

Joana Plaza Pinto

l. Prenúncio de uma tensão

l. Prenúncio de uma tensão

Quando, por volta de 1997, começava a desenhar minha pesquisa de Quando, por volta de 1997, começava a desenhar minha pesquisa de doutorado, fui apresentada pela primeira vez a duas obras produzidas doutorado, fui apresentada pela primeira vez a duas obras produzidas no mesmo período histórico. Uma foi o livro do inglês Roy Harris, no mesmo período histórico. Uma foi o livro do inglês Roy Harris, TheThe  Languag

 Language Mythe Myth11;; outra foi a coletânea em três volumesoutra foi a coletânea em três volumes A lingua A linguagem falgem faladaada culta da cidade de São Paulo,

culta da cidade de São Paulo, organizada pelos brasileiros Ataliba deorganizada pelos brasileiros Ataliba de Castilho, Dino Preti e Hudinilson Urbano. O livro de Harris é de 1981. Castilho, Dino Preti e Hudinilson Urbano. O livro de Harris é de 1981. A coletânea foi publicada no intervalo entre 1986 e 1988, ainda que suas A coletânea foi publicada no intervalo entre 1986 e 1988, ainda que suas "amostras de materiais sonoros" (Preti e Urbano, 1988: 1) tenham sido "amostras de materiais sonoros" (Preti e Urbano, 1988: 1) tenham sido geradas durante a década de 1970.

geradas durante a década de 1970.

A coletânea

A coletânea A  A linguaglinguagem em falada culta falada culta da da cidadcidade e de de São Paulo São Paulo êê já  já bas- bas-tante conhecida no Brasil, pois integra a produção do famoso projeto tante conhecida no Brasil, pois integra a produção do famoso projeto  NURC

 NURC —  —  Norma Linguística Urbana Culta. Iniciado em 1969, o projeto Norma Linguística Urbana Culta. Iniciado em 1969, o projeto

foi realizado inicialmente em cinco capitais brasileiras: São Paulo, Rio de foi realizado inicialmente em cinco capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre. Seguindo critérios reconhecidos Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre. Seguindo critérios reconhecidos dos estudos variacionistas e inspirado explicitamente em projeto da dos estudos variacionistas e inspirado explicitamente em projeto da mes-ma estirpe para a língua espanhola na América, umes-ma das ideias ma estirpe para a língua espanhola na América, uma das ideias fundantes do projeto é servir de fonte para análises, sendo assim fundantes do projeto é servir de fonte para análises, sendo assim disponibilizado o material em coletâneas de transcrições, como aquelas disponibilizado o material em coletâneas de transcrições, como aquelas de São Paulo a que tive acesso, e mesmo em áudio em repositórios nas de São Paulo a que tive acesso, e mesmo em áudio em repositórios nas universidades

universidades

1. Agradeço imensamente a meu orientador, Kanavillil Rajagopalan, que sempre me 1. Agradeço imensamente a meu orientador, Kanavillil Rajagopalan, que sempre me indicou despretensiosamente obras que se ajustavam ao fluxo das minhas reflexões. Este indicou despretensiosamente obras que se ajustavam ao fluxo das minhas reflexões. Este livro de Harris foi

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PREFIGURAÇÃO

PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA IDENTITÁRIA E E HIERARQUIAS HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA LINGUÍSTICAS NA INVENÇÃO DO INVENÇÃO DO PORTUGUÊS PORTUGUÊS 121121

 participa

 participantes. ntes. Atualmente, Atualmente, existe existe tambtambém ém material material do do NURC NURC em em sítiossítios eletrônicos, muitos podendo ser acessados de qualquer ponto do eletrônicos, muitos podendo ser acessados de qualquer ponto do pla-neta

neta22. A coletânea me foi recomendada para que eu a usasse, eventual-. A coletânea me foi recomendada para que eu a usasse,

eventual-mente, como fonte de dados para minha pesquisa. Voltarei à natureza mente, como fonte de dados para minha pesquisa. Voltarei à natureza dessa indicação adiante.

dessa indicação adiante.

O livro de Harris (1981: 204), por sua vez, procurava explorar as O livro de Harris (1981: 204), por sua vez, procurava explorar as con-tradições de pressupostos e argumentos da chamada linguística tradições de pressupostos e argumentos da chamada linguística científi-ca

ca —  —  a mesma que justifi a mesma que justificava e fundamentava o repositório do NURC.cava e fundamentava o repositório do NURC.

Entre tais pressupostos, toda e qualquer versão de homogeneidade era Entre tais pressupostos, toda e qualquer versão de homogeneidade era colocada à prova na obra ao discutir o

colocada à prova na obra ao discutir o "continuum"continuum de atividade criativade atividade criativa que em si é a lingua(gem)". Sua obra causou grande impacto na época em que em si é a lingua(gem)". Sua obra causou grande impacto na época em que foi lançada, especialmente pelo desafio que propunha à linguística: que foi lançada, especialmente pelo desafio que propunha à linguística: "Desmitilogizar-se". Harris afirmava que os estudos da linguística "Desmitilogizar-se". Harris afirmava que os estudos da linguística con-temporânea são fundados em dois raciocínios logicamente plausíveis, temporânea são fundados em dois raciocínios logicamente plausíveis, mas enganosos. Trata-se de duas falácias complementares da tradição mas enganosos. Trata-se de duas falácias complementares da tradição ocidental: a falácia da telementalidade e a falácia da determinabilidade. ocidental: a falácia da telementalidade e a falácia da determinabilidade.

De acordo com Harris (1981), a falácia da telementalidade nos leva a De acordo com Harris (1981), a falácia da telementalidade nos leva a compreender a atividade linguística como transferência de pensamento compreender a atividade linguística como transferência de pensamento de mente para mente através de palavras. Reddy (1979) já argumentava de mente para mente através de palavras. Reddy (1979) já argumentava que nossa linguagem sobre a linguagem mantém intacta a metáfora de que nossa linguagem sobre a linguagem mantém intacta a metáfora de representação, de que

representação, de que algoalgo está nas palavras para serestá nas palavras para ser transmitido.transmitido. Nes-  Nes-se mesmo texto também citado por Harris (1981: 11-12), Reddy (1979) se mesmo texto também citado por Harris (1981: 11-12), Reddy (1979) observa que valeria mais conceitualizar a linguagem usando a metáfora observa que valeria mais conceitualizar a linguagem usando a metáfora da entropia, a segunda lei da termodinâmica que afirma que todo da entropia, a segunda lei da termodinâmica que afirma que todo siste-ma tende à desorganização, à descentralização. Para efetivar qualquer ma tende à desorganização, à descentralização. Para efetivar qualquer ato linguístico, é necessário dispêndio de energia, esforço de "ato de fé" ato linguístico, é necessário dispêndio de energia, esforço de "ato de fé" de que é possível indicar uma direção de interpretação. Reddy afirma de que é possível indicar uma direção de interpretação. Reddy afirma ,1979: 296): "Comunicação humana bem-sucedida envolve um aumento ,1979: 296): "Comunicação humana bem-sucedida envolve um aumento na organização [do sistema], que não pode acontecer espontaneamente na organização [do sistema], que não pode acontecer espontaneamente ou por conta própria". Harris (1981: 8) defende que "a lingua(gem) é ou por conta própria". Harris (1981: 8) defende que "a lingua(gem) é muito diversa para ser pensada como um conjunto único de realizações". muito diversa para ser pensada como um conjunto único de realizações". Em relação complementar à falácia da telementalidade, a falácia da Em relação complementar à falácia da telementalidade, a falácia da determinabilidade, também nomeada por Harris (1981: 10) como falácia determinabilidade, também nomeada por Harris (1981: 10) como falácia do "código fixo", fornece uma explicação para o funcionamento da do "código fixo", fornece uma explicação para o funcionamento da tele-mentalidade: para transmitir pensamento de uma mente a outra, mentalidade: para transmitir pensamento de uma mente a outra,

preci-2.

2. Este o caso das amostras do Rio de Janeiro, disponibilizadas eletronicamente em:Este o caso das amostras do Rio de Janeiro, disponibilizadas eletronicamente em: http://www.letras. ufrj.br/nurc-rj/corpora/corpora_audio.htm.

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JOANA PLAZA PINTO JOANA PLAZA PINTO

samos de um conjunto fixo de correlações entre ideias e símbolos, e a samos de um conjunto fixo de correlações entre ideias e símbolos, e a linguagem seria exatamente este conjunto. Fundamentado nessas duas linguagem seria exatamente este conjunto. Fundamentado nessas duas falácias, um modelo de comunicação é oferecido: "Indivíduos estão aptos falácias, um modelo de comunicação é oferecido: "Indivíduos estão aptos  para

 para trocar trocar seus seus pensampensamentos entos atravatravés és de de signisignificadoficados s de de palavrpalavras as porpor --que

que —  —  e na medida em que e na medida em que —  —  eles têm como compreender e aderir a eles têm como compreender e aderir a

um plano público fixo para fazer isso" (Harris, 1981: 10). Na opinião do um plano público fixo para fazer isso" (Harris, 1981: 10). Na opinião do autor, essas duas falácias sustentam muitas outras ideias e práticas entre autor, essas duas falácias sustentam muitas outras ideias e práticas entre linguistas que constroem (ou inventam) a lingua(gem) como objeto de linguistas que constroem (ou inventam) a lingua(gem) como objeto de estudo, classificação e previsão.

estudo, classificação e previsão.

Ao confrontar as ideias de Harris (1981) com o projeto NURC, fiquei Ao confrontar as ideias de Harris (1981) com o projeto NURC, fiquei  pensativa sobre

 pensativa sobre como como esse reposiesse repositório, assim tório, assim como tantos como tantos outros outros produ- produ-tos das pesquisas em uma parte significativa da linguística, dependiam tos das pesquisas em uma parte significativa da linguística, dependiam fortemente dessas duas falácias e do mito da lingua(gem) para se fortemente dessas duas falácias e do mito da lingua(gem) para se de-senvolverem. Passados quinze anos desde essa primeira confrontação, senvolverem. Passados quinze anos desde essa primeira confrontação, entendo com

entendo com clarezaclareza que essa dependência não se sustenta sem maisque essa dependência não se sustenta sem mais uma falácia: a

uma falácia: a falácia  falácia da preda prefiguraçfiguração idenão identitária.titária. Como espero demonstrarComo espero demonstrar mais detalhadamente

mais detalhadamente33, grande parte da pesquisa sobre línguas em geral,, grande parte da pesquisa sobre línguas em geral, e sobre o português em particular, depende de duas crenças e sobre o português em particular, depende de duas crenças complementares em homogeneidades variáveis:

complementares em homogeneidades variáveis:

((11)) a homogeneidade variável das práticas linguísticas, no Brasil es-a homogeneidade variável das práticas linguísticas, no Brasil es- pe

 pe cici fifi caca meme ntnte e susustst enen tata da da pepe la la prpr eses unun çãção o da da "d"d ivivisis ão ão didialal etet al al dodo Brasil, tornando evidentes as diferenças regionais" (Universidade Brasil, tornando evidentes as diferenças regionais" (Universidade Federal da Bahia, 2012b);

Federal da Bahia, 2012b);

((22)) a homogeneidade variável de camadas populacionais em áreas es-a homogeneidade variável de camadas populacionais em áreas es- pe

 pecífcíficaica s (s (no no cacaso so do do NURNURC, C, urburb anaana s).s).

Supostamente, a convergência entre tais homogeneidades variáveis Supostamente, a convergência entre tais homogeneidades variáveis daria origem, por exemplo, "à variante culta da língua portuguesa" daria origem, por exemplo, "à variante culta da língua portuguesa" (Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro, 1998). A apresentação de Castilho e versidade Federal do Rio de Janeiro, 1998). A apresentação de Castilho e Preti (1987: 1) explicita essas crenças: "Nosso objetivo é levar à Preti (1987: 1) explicita essas crenças: "Nosso objetivo é levar à comuni-dade científica brasileira um

dade científica brasileira um corpuscorpus recolhido com a maior homogenei-recolhido com a maior homogenei-dade possível", representando "informantes cultos".

dade possível", representando "informantes cultos".

Ainda que desligados do contexto social, os estudos linguísticos Ainda que desligados do contexto social, os estudos linguísticos cos-tumam afirmar que estão sempre levando em conta o tal social, tumam afirmar que estão sempre levando em conta o tal social, espe-cialmente quando alegam estudar "padrões reais de uso". Para isso, a cialmente quando alegam estudar "padrões reais de uso". Para isso, a

ho-3. Para discutir o conceito de identidade em linguística, comentei rapidamente a problemática da 3. Para discutir o conceito de identidade em linguística, comentei rapidamente a problemática da descrição do português do Brasil em outro artigo (Pinto, 2007). Aqui vou além do comentário e descrição do português do Brasil em outro artigo (Pinto, 2007). Aqui vou além do comentário e  procuro la

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PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA E HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA INVENÇÃO DO PORTUGUÊS PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA E HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA INVENÇÃO DO PORTUGUÊS

mogeneidade é qualificada com "critérios" sociais e geográficos. Revisão mogeneidade é qualificada com "critérios" sociais e geográficos. Revisão sobre as abordagens sociolinguísticas no Brasil (Lucchesi, 2001) aponta sobre as abordagens sociolinguísticas no Brasil (Lucchesi, 2001) aponta duas grandes tendências de estudo desse conjunto de fenômenos duas grandes tendências de estudo desse conjunto de fenômenos linguís-ticos: um conjunto de estudos sobre a chamada "norma culta" e outro ticos: um conjunto de estudos sobre a chamada "norma culta" e outro so- bre a

 bre a "norma popular "norma popular ou ou vernácula". Essa revisão vernácula". Essa revisão mostra o mostra o que o que o projetoprojeto  NURC

 NURC exemplarmente exemplarmente confirma: confirma: tais tais tendências tendências se se fundamentam fundamentam expli expli--citamente em critérios geopolíticos para escolha ou ênfase de um de outro citamente em critérios geopolíticos para escolha ou ênfase de um de outro conjunto. Os chamados "critérios linguísticos" para a caracterização das conjunto. Os chamados "critérios linguísticos" para a caracterização das línguas são, assim, dependentes de "critérios sociais", que se línguas são, assim, dependentes de "critérios sociais", que se fundamen-tam nas duas crenças que apontei e naturalizam a dicotomia tam nas duas crenças que apontei e naturalizam a dicotomia culto-popular. Essa codependência fecha-se para reflexões sobre as bases culto-popular. Essa codependência fecha-se para reflexões sobre as bases de cada critério, implicando a aceitação do

de cada critério, implicando a aceitação do  status quo status quo dos dois conjuntos.dos dois conjuntos. A língua portuguesa é analisada assim como conjunto relativamente A língua portuguesa é analisada assim como conjunto relativamente homogêneo, passível de ser estratificado em dialetos e variedades, homogêneo, passível de ser estratificado em dialetos e variedades, correspondendo a uma hierarquia linguística desenhada no Romantismo correspondendo a uma hierarquia linguística desenhada no Romantismo alemão do século XVIII (língua-nação; região-dialeto ou variedade) alemão do século XVIII (língua-nação; região-dialeto ou variedade) (Hutton, 2010; Migno-lo, 2003). Da mesma forma, a sociedade brasileira (Hutton, 2010; Migno-lo, 2003). Da mesma forma, a sociedade brasileira é analisada como um conjunto relativamente homogêneo, passível de ser é analisada como um conjunto relativamente homogêneo, passível de ser estratificado pelo par xifópago classe-escolaridade, correspondendo a estratificado pelo par xifópago classe-escolaridade, correspondendo a uma prefiguração iden

uma prefiguração identitária do Brasil sintetizada portitária do Brasil sintetizada por aqueles que falam aaqueles que falam a língua portuguesa que importa são também aqueles que pertencem a uma língua portuguesa que importa são também aqueles que pertencem a uma classe de acesso privi

classe de acesso privilegiado à escolarização.legiado à escolarização. Essa prefiguração encontraEssa prefiguração encontra sua força nas ideias de que o ideal da língua é sua homogeneização sua força nas ideias de que o ideal da língua é sua homogeneização escrita e que o acesso a essa escrita padronizada é prática exclusiva de escrita e que o acesso a essa escrita padronizada é prática exclusiva de classes prestigiadas.

classes prestigiadas.  Neste

 Neste capítulo, capítulo, examino examino e e debato debato essa essa prefiguração prefiguração da da identidade identidade dede falante como resultado da descrição do português no Brasil e, em falante como resultado da descrição do português no Brasil e, em segui-da, procuro tensionar a relação de tal prefiguração com a sustentação da, procuro tensionar a relação de tal prefiguração com a sustentação da separação entre

da separação entre língua, dialetolíngua, dialeto ee variedade,variedade, separação instituinte daseparação instituinte da mitologia sobre as línguas em

mitologia sobre as línguas em geral e sobre o geral e sobre o português em particular.português em particular.

2. A invenção do

2. A invenção do português

português

 No

 No melhor melhor modelo modelo do do cientificismo cientificismo do do século século XIX, XIX, os os estudos estudos lin- lin-guísticos abusam de critérios metodológicos (programáticos, controlados guísticos abusam de critérios metodológicos (programáticos, controlados etc.) para compor "um

etc.) para compor "um corpuscorpus recolhido com a maior homogeneidaderecolhido com a maior homogeneidade  possível"

 possível" que que represente represente a a "variante "variante culta culta da da língua língua portuguesa", portuguesa", já já queque teríamos uma "divisão dialetal do Brasil, tornando evidentes as teríamos uma "divisão dialetal do Brasil, tornando evidentes as diferen-ças regionais".

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124

124 JOANAJOANA PLAZAPLAZA PINTOPINTO

Os critérios, no entanto, escondem seu guia principal: uni tipo de Os critérios, no entanto, escondem seu guia principal: uni tipo de

critério zero,

critério zero, que é a correlação entre as duas homogeneidades variá-que é a correlação entre as duas homogeneidades

variá-veis que apontei na primeira seção, a das práticas linguísticas e a das veis que apontei na primeira seção, a das práticas linguísticas e a das camadas populacionais. Para os demais critérios funcionarem, é camadas populacionais. Para os demais critérios funcionarem, é indis- pensável este

 pensável este último último funcionar, funcionar, pois pois ele ele tem tem um um papel papel performativoperformativo44 na construção da língua que se alega descrever. Para descrever o na construção da língua que se alega descrever. Para descrever o por-tuguês, é preciso inventa-lo de antemão, deixar fluir um "regime de tuguês, é preciso inventa-lo de antemão, deixar fluir um "regime de verdade" (Foucault, 1979) sobre o português, que, antes de tudo, diz verdade" (Foucault, 1979) sobre o português, que, antes de tudo, diz que ele existe. Para isso nomeamos o que lemos e ouvimos (na rua, que ele existe. Para isso nomeamos o que lemos e ouvimos (na rua, em rádios, na

em rádios, na TVTV,, em livros, na internet etc.) de português, criamosem livros, na internet etc.) de português, criamos

dicionários e gramáticas de português, tratamos fenômenos os mais dicionários e gramáticas de português, tratamos fenômenos os mais dispersos em território brasileiro como português, produzimos "efeitos dispersos em território brasileiro como português, produzimos "efeitos de língua portuguesa". Os "efeitos de língua" são as maneiras como de língua portuguesa". Os "efeitos de língua" são as maneiras como as línguas são materializadas através dos discursos que as descrevem as línguas são materializadas através dos discursos que as descrevem (Pennycook, 2007) e os discursos da linguística têm um papel (Pennycook, 2007) e os discursos da linguística têm um papel funda-mental nessa

mental nessa materialização.materialização.

A "variante culta da língua portuguesa" (Universidade Federal do Rio A "variante culta da língua portuguesa" (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998) é também referida como "dialeto social praticado pela de Janeiro, 1998) é também referida como "dialeto social praticado pela classe de prestígio" (Castilho, Preti, 1987: 3), ou como "padrões reais classe de prestígio" (Castilho, Preti, 1987: 3), ou como "padrões reais [sic][sic]

de uso na comunicação oral adotados pelo estrato social constituído de de uso na comunicação oral adotados pelo estrato social constituído de falantes com escolaridade de nível superior" (Universidade Federal da falantes com escolaridade de nível superior" (Universidade Federal da Bahia, 2012a) nos compêndios do projeto NURC.

Bahia, 2012a) nos compêndios do projeto NURC. O que

O queéé uma "variedade culta"? Ela é definida como de "uma classe deuma "variedade culta"? Ela é definida como de "uma classe de

 pre

 prestígstígio". io". Não hNão há meá mençãnção diro direta aeta ao tipo o tipo de prde prestestígio a ígio a que que tal ctal claslasse tese temm acesso, a não ser à particularidade de sua escolaridade. Alguns acesso, a não ser à particularidade de sua escolaridade. Alguns comentá-rios de aparente menor importância nos ajudam a preencher essa lacuna. rios de aparente menor importância nos ajudam a preencher essa lacuna.  Num

 Num dos vdos volumolumes des da coa coletâletânea nea de Sãde São Pauo Paulo, elo, enconcontrantramos umos uma rema reflexflexãoão especial sobre "dois informantes jovens" (Castilho e Preti, 1987: 2-3): especial sobre "dois informantes jovens" (Castilho e Preti, 1987: 2-3):

De fato, alguns de seus trechos poderão causar espécie a leitores menos De fato, alguns de seus trechos poderão causar espécie a leitores menos avisados, em face da presença de estruturas em desacordo com as regras da avisados, em face da presença de estruturas em desacordo com as regras da língua escrita e da gramática tradicional, além de vocábulos e expressões língua escrita e da gramática tradicional, além de vocábulos e expressões  popula

 populares ou res ou gírios gírios [sic].[sic].

4. O performativo é um conceito elaborado pelo filósofo inglês John L. Austin (1976) e desenvolvido 4. O performativo é um conceito elaborado pelo filósofo inglês John L. Austin (1976) e desenvolvido longamente por outros autores e autoras ao longo dos últimos cinquenta anos. Para os estudos a que longamente por outros autores e autoras ao longo dos últimos cinquenta anos. Para os estudos a que me filio, o performativo não é um tipo especial de enunciado, mas uma visão da linguagem e sua me filio, o performativo não é um tipo especial de enunciado, mas uma visão da linguagem e sua relação com a construção social do mundo. Resumidamente, os performativos produzem efeitos que relação com a construção social do mundo. Resumidamente, os performativos produzem efeitos que constroem o que alegam descrever em atos de fala ritualizados e iteráveis (Austin, 1976; Butler, 1997; constroem o que alegam descrever em atos de fala ritualizados e iteráveis (Austin, 1976; Butler, 1997; 1993; Derrida, 1990|. Isto significa que, quando falamos sobre como as coisas no mundo são ou como 1993; Derrida, 1990|. Isto significa que, quando falamos sobre como as coisas no mundo são ou como os eventos aconteceram, o que fazemos não é simplesmente descrever coisas ou eventos, mas produzir os eventos aconteceram, o que fazemos não é simplesmente descrever coisas ou eventos, mas produzir efeitos que constroem o que alegamos descrever.

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PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA E HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA INVENÇÃO

PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA E HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA INVENÇÃO DO DO PORTUGUÊS PORTUGUÊS 125125

Ao destacar e pressupor esse estranhamento ("trechos poderão causar Ao destacar e pressupor esse estranhamento ("trechos poderão causar espécie a leitores menos avisados"), o projeto estabelece uma das espécie a leitores menos avisados"), o projeto estabelece uma das "carac-terísticas" pressupostas desse grupo de falantes: espera-se que esse grupo terísticas" pressupostas desse grupo de falantes: espera-se que esse grupo fale de acordo com as regras da

fale de acordo com as regras da língua escrita e da gramática tradicional.língua escrita e da gramática tradicional. Harris (1981: 12) afirma que os suportes metalinguísticos de grande Harris (1981: 12) afirma que os suportes metalinguísticos de grande influência para a falácia do código fixo, que sustenta com a falácia da influência para a falácia do código fixo, que sustenta com a falácia da telementalidade do mito da lingua(gem), são "os dois grandes instrumentos telementalidade do mito da lingua(gem), são "os dois grandes instrumentos da educação europeia, o livro de gramática e o dicionário". Tais suportes da educação europeia, o livro de gramática e o dicionário". Tais suportes têm um papel central nos "efeitos de língua" por todo o mundo colonizado têm um papel central nos "efeitos de língua" por todo o mundo colonizado

 — 

 —   tanto para as "novas línguas descobertas" quanto para as línguas  tanto para as "novas línguas descobertas" quanto para as línguas

europeias que se construíram em oposição aos povos nos territórios europeias que se construíram em oposição aos povos nos territórios colonizados (Errington, 2001; Makoni; Pennycook, 2007; Mignolo, 2003; colonizados (Errington, 2001; Makoni; Pennycook, 2007; Mignolo, 2003; Quijano, 2005).

Quijano, 2005).

Makoni (2003: 141) sintetiza: "A própria noção de línguas como Makoni (2003: 141) sintetiza: "A própria noção de línguas como uni-dades distintas, ou 'caixas', é um produto do positivismo europeu dades distintas, ou 'caixas', é um produto do positivismo europeu re-forçado pelo letramento e padronização". Errington (2001: 21) chama a forçado pelo letramento e padronização". Errington (2001: 21) chama a atenção para a conexão entre a escrita, o cientificismo e o projeto de atenção para a conexão entre a escrita, o cientificismo e o projeto de subalternização e controle nas práticas dos estudos linguísticos coloniais subalternização e controle nas práticas dos estudos linguísticos coloniais (de missionários e não missionários): "A linguística colonial precisa ser (de missionários e não missionários): "A linguística colonial precisa ser enquadrada aqui, então, como um nexo de tecnologia (letramento), razão enquadrada aqui, então, como um nexo de tecnologia (letramento), razão e fé e como um projeto de conversão múltipla: de paga para cristã, da e fé e como um projeto de conversão múltipla: de paga para cristã, da fala ã escrita, e

fala ã escrita, e do estranho ao compreensível". Em artigo recente, Cama-do estranho ao compreensível". Em artigo recente, Cama-cho (2010: 142) retoma os fundamentos judeu-cristãos dessa prática de cho (2010: 142) retoma os fundamentos judeu-cristãos dessa prática de  padronização dos dialetos:

 padronização dos dialetos:

[n]as culturas ocidentais, ou pelo menos, judeu-cristãs, numerosas [n]as culturas ocidentais, ou pelo menos, judeu-cristãs, numerosas institui-ções têm como uma de suas funinstitui-ções primárias ou secundárias a redução da ções têm como uma de suas funções primárias ou secundárias a redução da diversidade linguística em favor do dialeto padrão. Estão aí para provar os diversidade linguística em favor do dialeto padrão. Estão aí para provar os dicionários prescritivos, as gramáticas escolares, as autoridades dicionários prescritivos, as gramáticas escolares, as autoridades institucio-nalizadas.

nalizadas.

Além disso, é já muito sabido que a construção das diferenças entre Além disso, é já muito sabido que a construção das diferenças entre as línguas na Europa e suas colônias foi, igualmente, fruto de disputas as línguas na Europa e suas colônias foi, igualmente, fruto de disputas  políti

 políticas cas nada nada discretdiscretas as do sédo século culo XIII XIII ao ao século século XXXX —  —  nacionalismos nacionalismos

de vários tipos, amalgamados eficientemente pela modernidade e pela de vários tipos, amalgamados eficientemente pela modernidade e pela colonização (Mignolo, 2003). Bagno (2011)

colonização (Mignolo, 2003). Bagno (2011)55 dá boa amostra disso ao sin- dá boa amostra disso ao

sin-5. Este artigo de Bagno é bastante instigante. Ele inicia com um destaque importante: "Nunca é 5. Este artigo de Bagno é bastante instigante. Ele inicia com um destaque importante: "Nunca é demais lembrar que a questão dos nomes que se dá às línguas escapa da órbita dos especialistas demais lembrar que a questão dos nomes que se dá às línguas escapa da órbita dos especialistas (filólogos, gramáticos, linguistas) e se vincula muito mais a problemáticas de natureza política, (filólogos, gramáticos, linguistas) e se vincula muito mais a problemáticas de natureza política, cultural,

cultural, econômiceconômica e ideológica" (Bagno, 2011: 34). a e ideológica" (Bagno, 2011: 34). Ainda que concorde integralmeAinda que concorde integralmente com a nte com a segundasegunda  part

 parte e da da afirmafirmação ação sobre sobre a a vincuvinculaçãlação o dos dos nomenomes s das das língulínguas as a a problproblemátiemáticas cas polítipolíticas, cas, culturculturais,ais, econômicas e ideológicas, não vejo razão alguma para concordar com a primeira parte. É razoável econômicas e ideológicas, não vejo razão alguma para concordar com a primeira parte. É razoável compreender que

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126

JOANA PLAZA PINTOJOANA PLAZA PINTO

tetizar como foram construídas as idéias de "língua espanhola" e "língua tetizar como foram construídas as idéias de "língua espanhola" e "língua  portuguesa" no

 portuguesa" no contexto contexto da formação da formação dos estados dos estados espanhol e espanhol e português,português, estabelecendo o lugar de "dialeto" para o galego:

estabelecendo o lugar de "dialeto" para o galego:

A Galiza passou a formar parte da coroa de Castela e Leão em 1230 e a A Galiza passou a formar parte da coroa de Castela e Leão em 1230 e a  partir

 partir daí daí foi foi perdendo perdendo a a sua sua autonomia autonomia política política a a favor favor de de Castela. Castela. EsseEsse quadro político apresenta, de um lado, a Galiza: um território sem governo quadro político apresenta, de um lado, a Galiza: um território sem governo  próprio durante

 próprio durante 750 anos, 750 anos, uma região uma região que é em que é em tudo tributártudo tributária e dependeia e dependen- n-te de um Estado central espanhol, marcado, ao longo de sua história, por te de um Estado central espanhol, marcado, ao longo de sua história, por uma forte política de silenciamento das identidades étnicas subestatais, de uma forte política de silenciamento das identidades étnicas subestatais, de esmagamento das lutas em favor da autonomia dos povos submetidos à sua esmagamento das lutas em favor da autonomia dos povos submetidos à sua coroa e de substituição planejada das línguas locais pela língua oficial, coroa e de substituição planejada das línguas locais pela língua oficial, cas-telhana, que deixa de ser um dialeto local, o dialeto de Castela, para receber telhana, que deixa de ser um dialeto local, o dialeto de Castela, para receber o título nobiliárquico de "língua espanhola". Do outro lado, literalmente do o título nobiliárquico de "língua espanhola". Do outro lado, literalmente do outro lado do rio Minho, fronteira natural que sempre demarcou os dois outro lado do rio Minho, fronteira natural que sempre demarcou os dois territórios, está Portugal: país independente, reino autônomo desde o século territórios, está Portugal: país independente, reino autônomo desde o século XII, Estado soberano, inimigo secular de Castela, sempre muito cioso de XII, Estado soberano, inimigo secular de Castela, sempre muito cioso de  preservar

 preservar sua lisua liberdade berdade política política diante diante da vizda vizinha Einha Espanha, spanha, mais pomais poderosaderosa e maior. [...] Com isso, temos uma língua, o português, língua de um Estado e maior. [...] Com isso, temos uma língua, o português, língua de um Estado soberano, e temos o galego, que sempre viveu no inferno do não-ser, porque soberano, e temos o galego, que sempre viveu no inferno do não-ser, porque lhe falta precisamente um Estado soberano (Bagno, 2011: 36).

lhe falta precisamente um Estado soberano (Bagno, 2011: 36).

Essa amostra indica como o discurso hegemônico que materializa Essa amostra indica como o discurso hegemônico que materializa o português finca raízes na invenção da nação portuguesa, e para isso o português finca raízes na invenção da nação portuguesa, e para isso esconde interações e conexões entre falantes, homogeneizando práticas esconde interações e conexões entre falantes, homogeneizando práticas linguísticas diversificadas com o nome de "língua portuguesa".

linguísticas diversificadas com o nome de "língua portuguesa".

Makoni (2003: 142) exemplifica esse tipo de materialização com o Makoni (2003: 142) exemplifica esse tipo de materialização com o caso das descrições de línguas africanas: "Discussões sobre vernáculos caso das descrições de línguas africanas: "Discussões sobre vernáculos africanos são tanto sobre formas específicas de imaginar a paisagem africanos são tanto sobre formas específicas de imaginar a paisagem sociolinguística africana como são sobre descrições". Esse autor destaca sociolinguística africana como são sobre descrições". Esse autor destaca a naturalização das divisões de línguas africanas como estratégia de a naturalização das divisões de línguas africanas como estratégia de separação das pessoas, o que "facilita a velha tática do 'dividir para separação das pessoas, o que "facilita a velha tática do 'dividir para governar' e serve aos interesses neoimperialistas contemporâneos". governar' e serve aos interesses neoimperialistas contemporâneos". Makoni e Mashiri (2007: 77) analisam também o lugar dos dicionários Makoni e Mashiri (2007: 77) analisam também o lugar dos dicionários das línguas "descobertas" no contexto da colonização europeia na das línguas "descobertas" no contexto da colonização europeia na África, interpretando-os como aparato de vigilância e controle:

África, interpretando-os como aparato de vigilância e controle:

Dicionários, durante a era colonial, eram parte de um processo que Dicionários, durante a era colonial, eram parte de um processo que encora- jou os

 jou os africanos a internalizarem a epistemologia europeia sobre si mesmos,africanos a internalizarem a epistemologia europeia sobre si mesmos, criando uma nova visão sobre seus assuntos atuais e sobrepondo novos criando uma nova visão sobre seus assuntos atuais e sobrepondo novos va-lores sobre seu passado.

lores sobre seu passado.

os especialistas não orbitam fora das problemáticas mencionadas; ao contrário, já sabemos que os tais os especialistas não orbitam fora das problemáticas mencionadas; ao contrário, já sabemos que os tais especialistas são agentes fundamentais na propagação e legitimação dos interesses de nomeação das especialistas são agentes fundamentais na propagação e legitimação dos interesses de nomeação das línguas, e de forma alguma inocentes herdeiros desses nomes (Errington, 2001; Gardy, Lafont, 1981; línguas, e de forma alguma inocentes herdeiros desses nomes (Errington, 2001; Gardy, Lafont, 1981; Makoni, Meinhoff, 2006; Makony, Pennycook, 2007; M

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PREFIGURAÇÃO

PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA IDENTITÁRIA E E HIERARQUIAS HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS LINGUÍSTICAS NA NA INVENÇÃO INVENÇÃO DO DO PORTUGUÊS PORTUGUÊS 127127

Pennycook (2007: 97), por sua vez, chama

Pennycook (2007: 97), por sua vez, chama aaatenção para tais suportesatenção para tais suportes na invenção do inglês: "A construção do inglês padrão foi um projeto que na invenção do inglês: "A construção do inglês padrão foi um projeto que  produziu um conjunto

 produziu um conjunto de crenças sobre de crenças sobre supostos objetos supostos objetos sacralizados emsacralizados em dicionários, gramáticas, e manuais de estilo". Souza (2007: 140) também dicionários, gramáticas, e manuais de estilo". Souza (2007: 140) também destaca dicionários e descrições gramaticais diversas (de jesuítas no destaca dicionários e descrições gramaticais diversas (de jesuítas no sé-culo XVI a linguistas do XXI) como estratégias de dominação dos povos culo XVI a linguistas do XXI) como estratégias de dominação dos povos indígenas no Brasil, produtos de verdadeiros "sequestros de línguas" que indígenas no Brasil, produtos de verdadeiros "sequestros de línguas" que visam "reduzir a profusão de sinais desconhecidos em códigos visam "reduzir a profusão de sinais desconhecidos em códigos conhe-cidos, impondo sentido e controle sobre o que era visto como faltando cidos, impondo sentido e controle sobre o que era visto como faltando ambos". A consequência disso é que "o papel da gramática a serviço de ambos". A consequência disso é que "o papel da gramática a serviço de uma modernidade supostamente progressista foi reiterado, sustentando uma modernidade supostamente progressista foi reiterado, sustentando a sua instrumentalidade em uma política de desigualdade".

a sua instrumentalidade em uma política de desigualdade".  Nas mesmas

 Nas mesmas condições ccondições coloniais e oloniais e neoimperialistas neoimperialistas a que a que foram subforam sub--metidas a África e a América indígena, as ideias sobre o português no metidas a África e a América indígena, as ideias sobre o português no Brasil naturalizam estrategicamente o uso culto como se dicionários e Brasil naturalizam estrategicamente o uso culto como se dicionários e gramáticas apenas o refletissem e confirmam a separação tácita entre gramáticas apenas o refletissem e confirmam a separação tácita entre culto-letrado X popular-iletrado, ao mesmo tempo em que inventam o culto-letrado X popular-iletrado, ao mesmo tempo em que inventam o monolinguismo nacional. Os iletrados e populares falariam uma monolinguismo nacional. Os iletrados e populares falariam uma variedade ou dialeto iletrado e popular de uma mesma língua, ao variedade ou dialeto iletrado e popular de uma mesma língua, ao contrário dos cultos, que falariam um dialeto ou variedade que segue "as contrário dos cultos, que falariam um dialeto ou variedade que segue "as regras da língua escrita e da gramática tradicional" dessa língua. A regras da língua escrita e da gramática tradicional" dessa língua. A descrição da chamada variedade culta pressupõe que ela corresponda a descrição da chamada variedade culta pressupõe que ela corresponda a esses dois suportes da

esses dois suportes da metalinguagem normametalinguagem normativa ocidental, a escrita e ativa ocidental, a escrita e a gramática. Espera-se igualmente que esse grupo "culto" evite vocábulos gramática. Espera-se igualmente que esse grupo "culto" evite vocábulos e expressões "populares" e gírias, cuidando de naturalizar as diferenças e expressões "populares" e gírias, cuidando de naturalizar as diferenças na unidade linguística nacional

na unidade linguística nacional  —  —   o que garante a naturalização das  o que garante a naturalização das

desigualdades entre grupos socioeconômicos. Essa suposta separação desigualdades entre grupos socioeconômicos. Essa suposta separação entre o culto e o popular perpassa as explicações circulares que entre o culto e o popular perpassa as explicações circulares que constroem a "variedade culta" do português. O trecho a seguir ilustra constroem a "variedade culta" do português. O trecho a seguir ilustra como a caracterização do português culto é cíclica, retornando de modo como a caracterização do português culto é cíclica, retornando de modo repetido ou regular àquilo de que se parte:

repetido ou regular àquilo de que se parte:

É óbvio

É óbvio que, no momento em que conseguimos classificar certo grupo so-que, no momento em que conseguimos classificar certo grupo so-cial, por suas características típicas, como culto (levando-se em conta, cial, por suas características típicas, como culto (levando-se em conta, par-ticularmente, seu grau de escolaridade) podemos também, em tese, ticularmente, seu grau de escolaridade) podemos também, em tese, con-siderar a linguagem por ele usada como dialeto culto. Da mesma forma siderar a linguagem por ele usada como dialeto culto. Da mesma forma como um grupo considerado inculto praticaria, também em tese, um dialeto como um grupo considerado inculto praticaria, também em tese, um dialeto inculto, popular, vulgar, ou como quer que o denominemos (Castilho, Pretti, inculto, popular, vulgar, ou como quer que o denominemos (Castilho, Pretti, 1987: 3, destaques meus).

1987: 3, destaques meus).

Ainda que em seguida os autores observem a dificuldade de Ainda que em seguida os autores observem a dificuldade de deli-mitação entre variedades e uma convivência entre estas, os privilégios mitação entre variedades e uma convivência entre estas, os privilégios

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l l 28 28 JOANA JOANA PLAZA PLAZA PINTOPINTO

de classe são coextensivos aos privilégios linguísticos: "é óbvio" que as de classe são coextensivos aos privilégios linguísticos: "é óbvio" que as classes cultas não são apenas "privilegiadas", "escolarizadas" e "letradas", classes cultas não são apenas "privilegiadas", "escolarizadas" e "letradas", são também as mais linguisticamente hábeis; "são os falantes cultos, são também as mais linguisticamente hábeis; "são os falantes cultos,

por

por

certo,

certo,

os que possuem maior consciência da variação linguística e de suaos que possuem maior consciência da variação linguística e de sua adequação à grande diversidade de situações de comunicação" (Castilho, adequação à grande diversidade de situações de comunicação" (Castilho, Pretti, 1987: 3; destaques meus). Acaba-se encontrando aqui mais uma Pretti, 1987: 3; destaques meus). Acaba-se encontrando aqui mais uma ideia integrante do critério zero: a fetichização do dialeto de prestígio e ideia integrante do critério zero: a fetichização do dialeto de prestígio e de seus falantes. Falantes cultos são linguisticamente melhores que os de seus falantes. Falantes cultos são linguisticamente melhores que os não cultos; enquanto os "populares" não sabem transitar entre não cultos; enquanto os "populares" não sabem transitar entre varieda-des ou dialetos, ficando "presos" à variedade que conhecem, os "cultos" des ou dialetos, ficando "presos" à variedade que conhecem, os "cultos" adaptam-se à situação de comunicação:

adaptam-se à situação de comunicação:

São essas oscilações naturais do uso linguístico do falante, aliadas ao natural São essas oscilações naturais do uso linguístico do falante, aliadas ao natural contato entre os grupos sociais numa comunidade, que explicam a eventual contato entre os grupos sociais numa comunidade, que explicam a eventual  presença, na linguagem dos falantes cultos [...] de

 presença, na linguagem dos falantes cultos [...] de estruturas sintáticas [...] eestruturas sintáticas [...] e vocabulário tipicamente coloquiais, afetivos, gírios [s/c], em aparente vocabulário tipicamente coloquiais, afetivos, gírios [s/c], em aparente desa-cordo com seu nível de escolaridade (Castilho e Pretti, 1987: 3-4).

cordo com seu nível de escolaridade (Castilho e Pretti, 1987: 3-4).

Uma espécie de "decepção" paira sobre a ideia de que tais falantes Uma espécie de "decepção" paira sobre a ideia de que tais falantes  poss

 possam usar estruam usar estruturas sintátturas sintáticas e vocabuicas e vocabulário "em desaclário "em desacordo com seuordo com seu nível de escolaridade". A escola, espaço tecnológico de reprodução e nível de escolaridade". A escola, espaço tecnológico de reprodução e apli-cação dos suportes metalinguísticos europeus, é aqui fundamental para cação dos suportes metalinguísticos europeus, é aqui fundamental para a materialização da língua que se diz descrever. Quando o falante não a materialização da língua que se diz descrever. Quando o falante não corresponde ã língua que a escola deveria ensinar

corresponde ã língua que a escola deveria ensinar  —  —   especialmente a  especialmente a universidade

universidade —  — , está em "desacordo" e, o mais provável, é que esteja, está em "desacordo" e, o mais provável, é que esteja se adaptando à situação de comunicação, pois afinal ele é ótimo nisso. se adaptando à situação de comunicação, pois afinal ele é ótimo nisso. A proposta é descritiva

A proposta é descritiva —  —  supostamente não prescritiva, mas as infor- supostamente não prescritiva, mas as

infor-mações geradas que desconectam o chamado "falante culto" das mações geradas que desconectam o chamado "falante culto" das carac-terísticas consideradas "cultas" da língua (entenda-se, caraccarac-terísticas da terísticas consideradas "cultas" da língua (entenda-se, características da estrutura da escrita e da gramática tradicional) são secundarizadas. Fica estrutura da escrita e da gramática tradicional) são secundarizadas. Fica difícil saber qual critério é usado para que: a variedade culta é culta difícil saber qual critério é usado para que: a variedade culta é culta  porque é

 porque é falada por falada por falantes cultos, ou falantes cultos, ou eles são eles são cultos quando falam cultos quando falam aa variedade culta?

variedade culta?

Em Preti e Urbano (1988: 4-5), um "desacordo" com a estrutura da Em Preti e Urbano (1988: 4-5), um "desacordo" com a estrutura da escrita, o "anacoluto", é explicado como decorrente da informalidade escrita, o "anacoluto", é explicado como decorrente da informalidade da geração dos dados, enquanto características da formalidade dos da geração dos dados, enquanto características da formalidade dos mes-mos dados são enfatizadas como "típicas" dos falantes "cultos". Não há mos dados são enfatizadas como "típicas" dos falantes "cultos". Não há como se enganar: o falante "culto" sempre tem alguma razão "externa" como se enganar: o falante "culto" sempre tem alguma razão "externa"  para usar

 para usar uma estrutura uma estrutura "popular", mantendo as "popular", mantendo as "caracterí"características estru-sticas estru-turais" da variedade culta intactas. Como Cameron (1995: 8) apontou turais" da variedade culta intactas. Como Cameron (1995: 8) apontou

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PREFIGURAÇÃO

PREFIGURAÇÃO IDENTITÂRIA IDENTITÂRIA E E HIERARQUIAS HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS NA LINGUÍSTICAS NA INVENÇÃO DO INVENÇÃO DO PORTUGUÊS PORTUGUÊS 129129

 bem, "

 bem, "'descrição' e 'descrição' e 'prescrição' acabam 'prescrição' acabam por ser por ser aspectos de aspectos de uma única uma única (e(e normativa) atividade: a luta para controlar a língua através da definição normativa) atividade: a luta para controlar a língua através da definição de sua natureza". E Camacho (2010: 143) é ainda mais direto ao avaliar o de sua natureza". E Camacho (2010: 143) é ainda mais direto ao avaliar o  papel da li

 papel da linguístinguística na críticca na crítica à normatia à normatização da lízação da língua:ngua:

 Não é,

 Não é, entretanto, exclusivamente no âmbito entretanto, exclusivamente no âmbito da fixação e da fixação e da defesa de da defesa de umauma norma prescritiva que o processo ideológico tende a interferir no domínio norma prescritiva que o processo ideológico tende a interferir no domínio da linguagem. A teoria da linguagem pode basear-se, ela mesma, em certos da linguagem. A teoria da linguagem pode basear-se, ela mesma, em certos valores fundamentais, que confinam com os limites do conteúdo ideológico valores fundamentais, que confinam com os limites do conteúdo ideológico e apresentar, nesse caso, um caráter curiosamente normativo, ainda que o e apresentar, nesse caso, um caráter curiosamente normativo, ainda que o rejeite por princípio. Se, com efeito, procurarmos avaliar a contribuição que rejeite por princípio. Se, com efeito, procurarmos avaliar a contribuição que deu a linguística para mudar essa concepção, os resultados não ultrapassam deu a linguística para mudar essa concepção, os resultados não ultrapassam a linha do alegado critério de cientificidade, mediante o qual é comum opor a linha do alegado critério de cientificidade, mediante o qual é comum opor a linguística à gramática normativa sobre a base da dicotomia descritivismo/ a linguística à gramática normativa sobre a base da dicotomia descritivismo/  prescritivismo.

 prescritivismo.

Os limites entre descritivismo e prescritivismo são obscuros quando Os limites entre descritivismo e prescritivismo são obscuros quando os discursos hegemônicos sobre a língua portuguesa ficam incólumes e os discursos hegemônicos sobre a língua portuguesa ficam incólumes e as categorias sociais usadas para sustentar os alegados critérios de as categorias sociais usadas para sustentar os alegados critérios de cien-tificidade não são submetidas à crítica.

tificidade não são submetidas à crítica.

Aposição defendida em Cardoso (2001), autora que é membro do Aposição defendida em Cardoso (2001), autora que é membro do pro- jeto Atlas

 jeto Atlas Linguístico do Brasil, tLinguístico do Brasil, também conectado ao NURC na ambém conectado ao NURC na BahiaBahia66,, é indicativa de como a descrição de línguas e seus correlatos depende é indicativa de como a descrição de línguas e seus correlatos depende metodologicamente da estabilidade e homogeneidade de grupos sociais. metodologicamente da estabilidade e homogeneidade de grupos sociais. Alegadamente, ter "controle de variáveis socioculturais dos informantes" Alegadamente, ter "controle de variáveis socioculturais dos informantes" (Cardoso, 2001: 27) é dever de qualquer descrição de variedade, de (Cardoso, 2001: 27) é dever de qualquer descrição de variedade, de dia-leto ou de língua. Controlar "programaticamente" (Cardoso, 2001: 28) leto ou de língua. Controlar "programaticamente" (Cardoso, 2001: 28) o perfil de falante informa o perfil de uma variedade. Espera-se que os o perfil de falante informa o perfil de uma variedade. Espera-se que os dados gerados possam refletir mesmo "o ambiente cultural em que vive dados gerados possam refletir mesmo "o ambiente cultural em que vive o informante" (Cardoso, 2001: 32). Seguindo as mesmas premissas do o informante" (Cardoso, 2001: 32). Seguindo as mesmas premissas do  NURC, a autora sintetiza:

 NURC, a autora sintetiza:

O Projeto ALiB [Atlas Linguístico do Brasil] se propõe descrever

O Projeto ALiB [Atlas Linguístico do Brasil] se propõe descrever aa realidaderealidade

linguística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque linguística do Brasil, no que tange à língua portuguesa, com enfoque priori-tário na identificação das diferenças diatópicas e estabelecer isoglossas com tário na identificação das diferenças diatópicas e estabelecer isoglossas com vistas a traçar a divisão dialetal do Brasil,

vistas a traçar a divisão dialetal do Brasil, tornando evidentes as diferen-tornando evidentes as diferen-ças regionais

ças regionais através de resultados cartografados em mapas linguísticos eatravés de resultados cartografados em mapas linguísticos e de estudos interpretativos de fenômenos considerados (Cardoso, 2001: 34, de estudos interpretativos de fenômenos considerados (Cardoso, 2001: 34, destaques meus).

destaques meus).

Entusiasta de uma separação dialetal traçada no início de século XX Entusiasta de uma separação dialetal traçada no início de século XX  por Antenor

 por Antenor Nascentes (CarNascentes (Cardoso, 2012), a adoso, 2012), a autora usa duas utora usa duas metáforas metáforas dede

6. Os dois projetos estão hospedados no mesmo site da UFBA: http://www.twiki.ufba.br/twiki/bin/ 6. Os dois projetos estão hospedados no mesmo site da UFBA: http://www.twiki.ufba.br/twiki/bin/ view/Alib/. "AliB" é a sigla para Atlas Linguístico do Brasil.

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JOANA

JOANAPLAZA PINTOPLAZA PINTO

imobilização típicas da geolinguística, a da fotografia e a do mapa, para imobilização típicas da geolinguística, a da fotografia e a do mapa, para discutir o projeto ALiB. A fotografia e o mapa escondem e revelam ao discutir o projeto ALiB. A fotografia e o mapa escondem e revelam ao mesmo tempo o ponto de vista de quem os produz. Escondem, na mesmo tempo o ponto de vista de quem os produz. Escondem, na medi-da em que não deixam ver quem ou qual situação os produz. Revelam, da em que não deixam ver quem ou qual situação os produz. Revelam, na medida em que se pode refazer o percurso e voltar ao olhar que se na medida em que se pode refazer o percurso e voltar ao olhar que se esconde. Essas metáforas são reveladoras do controle que constrói esconde. Essas metáforas são reveladoras do controle que constrói pre-missas de analise

missas de analise —  —  o ponto de vista o ponto de vista —  —  e de estabelecimento de limites e de estabelecimento de limites

da prática linguística que se visa analisar

da prática linguística que se visa analisar —  —   a fotografia ou mapa. O  a fotografia ou mapa. O

 ponto

 ponto de de vista vista estabelece estabelece os os pressupostos pressupostos que deque depois pois se se alega alega descreverdescrever de tal forma que "dados" divergentes são tratados como fora do perfil de tal forma que "dados" divergentes são tratados como fora do perfil traçado. A fotografia ou mapa é tratado não como produto construído traçado. A fotografia ou mapa é tratado não como produto construído  por esse

 por esse ponto de ponto de vista, mas vista, mas como se como se não pudesse ser não pudesse ser outro. Além outro. Além disso,disso, estabilidade e separação linguística são básicas para definir o dialeto estabilidade e separação linguística são básicas para definir o dialeto ou variedade; esta fotografia apaga o movimento que ela congela. Uma ou variedade; esta fotografia apaga o movimento que ela congela. Uma vez percebida uma variável como relevante para aquele grupo vez percebida uma variável como relevante para aquele grupo suposta-mente homogêneo, os usos divergentes são eliminados ou explicados mente homogêneo, os usos divergentes são eliminados ou explicados aa  priori,

 priori, como é o caso das "estruturas populares" encontradas no "dialetocomo é o caso das "estruturas populares" encontradas no "dialeto culto". As relações entre os dialetos são subsumidas na homogeneidade culto". As relações entre os dialetos são subsumidas na homogeneidade e estabilidade do retrato final, e qualquer tipo de interação entre eles é e estabilidade do retrato final, e qualquer tipo de interação entre eles é rejeitada em nome das diferenças a serem destacadas. Como observaram rejeitada em nome das diferenças a serem destacadas. Como observaram  bem Gardy

 bem Gardy e Lafont e Lafont (1981: 77(1981: 77) ao anal) ao analisarem a digisarem a diglossia fralossia franco-occitannco-occitana,a,

tal atitude, que considera a diglossia como um fato realizado, uma situação tal atitude, que considera a diglossia como um fato realizado, uma situação estabilizada, apaga evidentemente as tensões que existem entre os estabilizada, apaga evidentemente as tensões que existem entre os funcio-namentos

namentos linguísticoslinguísticos ee a ideologia de seus funcionamentos, e mascaram osa ideologia de seus funcionamentos, e mascaram os

mecanismos que produziram e continuam a produzir os fenômenos tomados mecanismos que produziram e continuam a produzir os fenômenos tomados como objeto de estudo.

como objeto de estudo.

Se o "dialeto culto" é fruto da escolarização e de privilégios difusos, é Se o "dialeto culto" é fruto da escolarização e de privilégios difusos, é  possível descre

 possível descrevê-lo sem vê-lo sem confrontar seu confrontar seu funcionamento com funcionamento com a ideologiaa ideologia que constrói e mantém esses privilégios? Sendo a ideologia um sistema que constrói e mantém esses privilégios? Sendo a ideologia um sistema contextualizado e dinâmico, as relações de poder em jogo entre o "culto" contextualizado e dinâmico, as relações de poder em jogo entre o "culto" e o "popular" não afetam os dialetos que os qualificam? Se confrontamos e o "popular" não afetam os dialetos que os qualificam? Se confrontamos a dinâmica de classe subentendida na dicotomia dos dialetos a dinâmica de classe subentendida na dicotomia dos dialetos brasilei- brasilei-ros, redes de poder muito mais complexas se fazem emergir, redes que ros, redes de poder muito mais complexas se fazem emergir, redes que incluem marcas de identidades controversas e contraditórias do mundo incluem marcas de identidades controversas e contraditórias do mundo contemporâneo e que inserem suas malhas num tecido local e global contemporâneo e que inserem suas malhas num tecido local e global ao mesmo tempo.

ao mesmo tempo.

Cardoso (2001: 37) chega a discutir as mudanças no mundo Cardoso (2001: 37) chega a discutir as mudanças no mundo contem- porâneo, "as gran

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PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIA

PREFIGURAÇÃO IDENTITÁRIAííHIERARQUIAS HIERARQUIAS LINGUÍSTICAS LINGUÍSTICAS NA NA INVENÇÃO INVENÇÃO DO DO PORTUGUÊS PORTUGUÊS 131131

entre os povos", e seu possível impacto na metodologia do projeto. Ela entre os povos", e seu possível impacto na metodologia do projeto. Ela afirma que tais mudanças afetam a estabilidade pressuposta pela afirma que tais mudanças afetam a estabilidade pressuposta pela dialetologia, quando do seu surgimento no século XIX: "Isso tudo leva a dialetologia, quando do seu surgimento no século XIX: "Isso tudo leva a que se tenha, hoje, por um lado, usuários da língua mais sedimentados que se tenha, hoje, por um lado, usuários da língua mais sedimentados em suas regiões e, por outro, falantes que não só têm grande mobilidade em suas regiões e, por outro, falantes que não só têm grande mobilidade mas também convivem com uma massa também móvel" (Cardoso, 2001: mas também convivem com uma massa também móvel" (Cardoso, 2001: 37). Essa sedimentação, essa mobilidade geram práticas linguísticas cada 37). Essa sedimentação, essa mobilidade geram práticas linguísticas cada vez mais difíceis de serem caracterizadas nos moldes tradicionais da vez mais difíceis de serem caracterizadas nos moldes tradicionais da divisão língua-dialeto-variedade.

divisão língua-dialeto-variedade.

Ainda assim, a autora defende a manutenção das diferenças Ainda assim, a autora defende a manutenção das diferenças regio-nais (ou diatópicas, como ela prefere) no foco das descrições. Com essa nais (ou diatópicas, como ela prefere) no foco das descrições. Com essa  posição, melhor

 posição, melhor seria se seria se fosse usada fosse usada a metáfora a metáfora da gravura: da gravura: a "geografiaa "geografia linguística" do país já tem seu próprio encavo (a diferença regional) e linguística" do país já tem seu próprio encavo (a diferença regional) e não está disponível para rabiscos experimentais ao sabor da superfície não está disponível para rabiscos experimentais ao sabor da superfície encontrada; a imagem que se verá depois de usado o molde da encontrada; a imagem que se verá depois de usado o molde da metodo-logia proposta é sempre a mesma e suas variações não são significativas logia proposta é sempre a mesma e suas variações não são significativas  para

 para o o conjunto conjunto da da compreensão compreensão das das práticas práticas linguílinguísticas sticas no no BrasilBrasil —  — aa

divisão dialetal regional é, ao mesmo tempo, um pressuposto

divisão dialetal regional é, ao mesmo tempo, um pressuposto ee uma con-uma con-clusão. Hibridizações, conflitos e qualquer tipo de

clusão. Hibridizações, conflitos e qualquer tipo de continuumcontinuum linguísticolinguístico tão comuns no mundo contemporâneo (Borba e Ostermann, 2008; Busch tão comuns no mundo contemporâneo (Borba e Ostermann, 2008; Busch e Schick, 2007; Canagarajah, 2007; Ibrahim, 2003; Maher, 2010; Makoni, e Schick, 2007; Canagarajah, 2007; Ibrahim, 2003; Maher, 2010; Makoni, 2003; Makoni, Brutt-Griffler e Mashiri, 2007; Makoni e Mashiri, 2007; 2003; Makoni, Brutt-Griffler e Mashiri, 2007; Makoni e Mashiri, 2007; Mufwene, 2002; Santos e Cavalcanti, 2008; Winford, 2003) sequer serão Mufwene, 2002; Santos e Cavalcanti, 2008; Winford, 2003) sequer serão visibilizados pela metodologia homogeneizante e estabilizante.

visibilizados pela metodologia homogeneizante e estabilizante.

Lucchesi (2001) apresenta outro foco à dicotomia culto-popular ao Lucchesi (2001) apresenta outro foco à dicotomia culto-popular ao apontar suas raízes na própria formação do Brasil, sustentando sua apontar suas raízes na própria formação do Brasil, sustentando sua argu-mentação predominantemente em estudos sobre a configuração mentação predominantemente em estudos sobre a configuração sociodemográfica do território. O autor observa que, até o século XIX, o sociodemográfica do território. O autor observa que, até o século XIX, o Brasil foi um território dividido entre algumas cidades e vilas e uma Brasil foi um território dividido entre algumas cidades e vilas e uma grande área rural. Nas cidades, em sua maioria costeira, ficavam os grande área rural. Nas cidades, em sua maioria costeira, ficavam os órgãos administrativos dos colonizadores e lá, portanto, o consumo da órgãos administrativos dos colonizadores e lá, portanto, o consumo da cultura e da língua da metrópole era mais intenso

cultura e da língua da metrópole era mais intenso e sobe sob controle doscontrole dos  portugueses.

 portugueses. Enquanto Enquanto isso, isso, nas nas áreas áreas rurairurais, s, estava estava a a maior maior parte parte dada  população

 população, , e e essa essa formação formação bipolar bipolar teria teria tido tido grande grande impacto impacto no no uso uso dada língua portuguesa:

língua portuguesa:

Fora dos reduzidos centros da elite, nas mais diversas regiões do país, o Fora dos reduzidos centros da elite, nas mais diversas regiões do país, o  português era levado, não pela fala de uma aristocracia de altos funcionários  português era levado, não pela fala de uma aristocracia de altos funcionários ou de ricos comerciantes, mas pela fala rude e plebéia dos colonos pobres. ou de ricos comerciantes, mas pela fala rude e plebéia dos colonos pobres. Além disso, a língua portuguesa tinha que lutar para se impor, em primeiro Além disso, a língua portuguesa tinha que lutar para se impor, em primeiro

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JOANA

JOANA PLAZA PINTOPLAZA PINTO

lugar, contra as variedades da língua franca de base tupi falada na costa lugar, contra as variedades da língua franca de base tupi falada na costa  brasileira,

 brasileira, chamada chamada língua língua geral. geral. Por Por outro outro lado, lado, a a língua língua portuguesa portuguesa eraera adquirida nas situações as mais precárias pelos escravos, que muitas vezes adquirida nas situações as mais precárias pelos escravos, que muitas vezes  preferi

 preferiam am se se comunicar comunicar entre entre si, si, usando usando uma uma língua língua franca franca africana. africana. SobSob essas ásperas condições, a língua portuguesa se foi disseminando entre a essas ásperas condições, a língua portuguesa se foi disseminando entre a po- pulação pobre,

 pulação pobre, de orde origem predominantemente igem predominantemente indígena e indígena e africana, africana, nos trêsnos três  primeiros sé

 primeiros séculos da hculos da história do istória do Brasil (LuccheBrasil (Lucchesi, 2001: 1si, 2001: 102).02).

A hipótese de Lucchesi é que o papel das línguas indígenas e das A hipótese de Lucchesi é que o papel das línguas indígenas e das línguas africanas foi de extrema importância nas práticas linguísticas línguas africanas foi de extrema importância nas práticas linguísticas  brasile

 brasileiras iras entre entre o o século século XVI XVI e e XIX, XIX, o o que que é é defendiddefendido o por por ele ele comocomo uma hipótese de crioulização: "Um processo de transmissão linguística uma hipótese de crioulização: "Um processo de transmissão linguística irregular que marcou decisivamente a formação das atuais variedades irregular que marcou decisivamente a formação das atuais variedades  populares

 populares da da língua língua portuguesa portuguesa no no Brasil" Brasil" (Lucchesi, (Lucchesi, 2001: 2001: 104). 104). SuaSua  posição

 posição seria seria uma uma entre entre as as duas duas vertentevertentes s dos dos estudestudos os do do portuguportuguês ês dodo Brasil, uma que considera central a influência das línguas indígenas e Brasil, uma que considera central a influência das línguas indígenas e africanas na formação do português brasileiro, e outra que considera africanas na formação do português brasileiro, e outra que considera que as mudanças e estado atual do português são decorrentes de que as mudanças e estado atual do português são decorrentes de carac-terísticas do português europeu e que, depois de período nebuloso de terísticas do português europeu e que, depois de período nebuloso de convivência diglóssica com línguas indígenas e africanas, o português convivência diglóssica com línguas indígenas e africanas, o português nacional estaria cada vez mais próximo de seu modelo europeu. Como o nacional estaria cada vez mais próximo de seu modelo europeu. Como o  próprio Lucchesi

 próprio Lucchesi (2001) observa, (2001) observa, esta esta última posição última posição é é predominante napredominante na tradição filológica e linguística brasileira, tendo como representantes tradição filológica e linguística brasileira, tendo como representantes no-mes como Serafim da Silva Neto, Gladstone Chaves de Melo, Sílvio Elia, mes como Serafim da Silva Neto, Gladstone Chaves de Melo, Sílvio Elia, Mattoso Câmara Jr. e mais recentemente Anthony Naro e Marta Scherre. Mattoso Câmara Jr. e mais recentemente Anthony Naro e Marta Scherre. Segundo Lucchesi (2001: 98), esses autores

Segundo Lucchesi (2001: 98), esses autores

embora admitam a formação de crioulos e semicrioulos decorrentes do embora admitam a formação de crioulos e semicrioulos decorrentes do aprendizado imperfeito do português por falantes africanos, negam uma aprendizado imperfeito do português por falantes africanos, negam uma maior influência destes na constituição do

maior influência destes na constituição do PBPB[português do Brasil]. Tal po-[português do Brasil]. Tal

po-sição se justifica pela imagem de unidade e conservadorismo do

sição se justifica pela imagem de unidade e conservadorismo do PBPB por que por que

militavam esses autores, decorrente de uma visão de superioridade cultural militavam esses autores, decorrente de uma visão de superioridade cultural do colonizador branco em relação aos aloglotas.

do colonizador branco em relação aos aloglotas.

Assim como Scherre e Naro mais tarde, Mattoso Câmara Jr. defendeu Assim como Scherre e Naro mais tarde, Mattoso Câmara Jr. defendeu que "a influência das línguas africanas na constituição do PB se que "a influência das línguas africanas na constituição do PB se resu-miria à aceleração de tendências prefiguradas no sistema linguístico do miria à aceleração de tendências prefiguradas no sistema linguístico do  português"

 português" (Lucchesi, (Lucchesi, 2001: 2001: 98). 98). Mencionando Mencionando autores autores que que defendem defendem aa hipótese de crioulização, Lucchesi (2001: 99) aponta que "o processo de hipótese de crioulização, Lucchesi (2001: 99) aponta que "o processo de mudança se daria em direção

mudança se daria em direção àà língua-alvo: o português culto". Nas duaslíngua-alvo: o português culto". Nas duas hipóteses (crioulização ou mudança contínua do português europeu), o hipóteses (crioulização ou mudança contínua do português europeu), o "português culto" é a referência e o objetivo final. Posição descritiva "português culto" é a referência e o objetivo final. Posição descritiva ou efeito performativo (cf. nota 4)? Mariani (2004: 26) observa que "as ou efeito performativo (cf. nota 4)? Mariani (2004: 26) observa que "as

Referências

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