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Autonomia Na Dependência - Gerson Moura

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Academic year: 2021

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GERSON MOtTRA

AUTONOMIA

NA DEPENDENCIA

A Politica Externa Brasileira de 1935 a 1942

U.F.M.G. - BIBLIOTECA UNIVERSITARIA

IIIIMEN111 111

106800908 NAO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA

EDITORA NOVA FRONTEIRA

(2)

1980 by Gerson Moura

Direitos adquiridos para a lingua portuguesa pela EDITORA NOVA FRONTEIRA S.A.

Rua Maria Angelica, 168 — Lagoa — CEP: 22.461 — Tel.: 266-7474 Enderego Telegrafico: NEOFRONT

Rio de Janeiro — RJ Capa VICTOR BURTON Diagramagao GUSTAVO MEYER Revisao

LUIZ AUGUSTO MESQUITA

Fotos CPDOC/FGV Reprodugoes de ANTONIO AUGUSTO FONTES

Para Margarida Maria, sempre-viva em meus olhos e coracao. BIBLIOTECA UNIVERSITARIA Oci /03 / icypq 1068009-08 FICHA CATALOGRAFICA CIP-Brasil. Catalogagdo-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Moura, Gerson.

M886a Autonomia na dependencia : a politica externa brasileira de 1935 a 1942. — Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1980.

Bibliografia

1. Brasil — Relagoes exteriores — 1935-1942. I. Titulo II. Titulo: A Politica externa brasileira de 1935 a 1942.

80-0059

CDD - 981.06 327.81

CDU - 981"1935-1942" 327(81)"1935-1942"

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"As nacoes, porem, grandes momentos Destino".

como os individuos, atravessam em que @ preciso enfrentar o

GETULTO VARGAS, discurso pronunciado em

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Agradecimentos

Varias pessoas e instituicoes tornaram possivel a reda-cao deste trabalho, que foi originalmente uma disser-tacao de mestrado.

Durante meu curso de pOs-graduacao em ciencia politica no Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), muito ganhei de professores e colegas, em termos de convivio e debate intelectual. A direcao do IUPERJ apoiou meus pedidos de bolsa a Comissao de Aperfeicoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) durante o curso e a Fundacao Ford na fase de redacao da tese. Sou grato por isso as tres instituicoes que ofereceram recursos de natureza di-versa para que este texto fosse urn dia escrito.

0 Centro de Pesquisa e Documentacao de Hist& ria Contemporanea do Brasil do INDIPO/Fundacao Getiilio Vargas, na pessoa de sua chefe, Celina do Amaral Peixoto Moreira Franco, apoiou desde o inicio a elaboracao deste trabalho, abrigando minha pesquisa como atividade da prOpria instituicao. Tambem os co-legas de trabalho do CPDOC, especialmente os de documentacao, informacao e biblioteca, contribuiram com seu interesse, inteligencia e boa vontade para a realizacao da pesquisa de fontes.

Na fase de redacao recebi orientacao amiga de tres pessoas: Aspasia Alcantara de Camargo, minha

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orientadora de tese, cujas criticas penetrantes e apoio pessoal constituiram forte estimulo a conclusdo do tra-balho; Celso Lafer que, mesmo a distancia, esteve sempre pronto a comenta-lo e a estimular o seu segui-mento; e Maria Regina Soares de Lima, que destaco, pela ajuda que me prestou desde o inicio da pesquisa, manifestando extraordinaria disponibilidade e inte-resse em debater minuciosamente cada capitulo da tese. 0 presente texto incorpora as pertinentes obser-vacoes criticas que os tres fizeram por ocasiao da de-fesa de tese. Ele se beneficiou tambem de uma con-sulta posterior ao Public Record Office britanico (Lon-dres ), que possibilitou o acrescimo de algumas infor-macoes, mas principalmente a confirmagdo e o reforco de evidencias já contidas no texto original.

Devo agradecer tambem a Maria Luiza Martino e Lilian Bianchi de Almeida, estagarias do CPDOC, a primeira pelo trabalho que fez durante algumas sema-nas de 1978 como auxiliar de pesquisa, e a segunda, pela paciencia corn que revisou os originals datilogra-fados. Estes vieram a existencia gracas a competencia de Ivone do Carmo Ferrarezi.

Sumdrio

Apresentagio

Introducao 19

1. Relagoes intemacionais e politica extern 23 A. As Visties de Conjunto: Analise Critica 23 B. 0 Modelo de Politica Burocratica: Aplicacio

e Critica 29

C. Conceitos Fundamentais 37

2. 0 Brasil e os novos sistemas de poder: o

funda-mento do equilibrio 51

A. A Estruturagio dos Novos Sistemas de Poder 51

B. 0 Exame das Conjunturas 58

C. 0 Sentido da Politica Externa Brasileira 62 3. DecisOes e contradecisoes no comercio exterior: o

equilibrio possivel (1935-1937) 69

A. 0 Tratado Comercial Brasil-EUA de 1935 73 B. 0 Ajuste de Compensagdo Brasil-Alemanha 91

C. 0 Equilibrio possivel 96

4. Os reajustes politicos: o equilibrio dificil (1938-

1939) 105

A. 0 Estado Novo e a Politica Externa 105

B. A Missao Aranha 115

C. 0 Equilibrio Dificil 129

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5. A ofensiva ideolOgica e politica dos Estados Unidos:

o equilibrio rompido (1939-1942) 135

135

A. 0 Pan-americanismo 142

B. 0 Fim da Equidistancia Pragmatica 168

C. 0 Equilibrio Rompido 177 Condusao 191 Bibliografia

Apresentactio

0 trabalho de Gerson Moura inicia uma serie que o Centro de Pesquisa e Documentacao de HistOria Con-temporanea do Brasil (CPDOC) da Fundagao Geti Vargas traz a pliblico, para esclarecer, corn ampla' documentagaio de seus arquivos, os rumos, priorida-des, bem como a dinamica e os impasses da politica brasileira dos anos 30. E o primeiro resultado con-creto de uma experiencia que se propos associar o arranjo de documentos as atividades de pesquisa. Tra-balho articulaclo a partir da organizacao do arquivo do ministro Oswaldo Aranha no periodo em que ocupou a pasta das Relacoes Exteriores (1938-1944) e do arquivo do ministro da Fazenda, Sousa Costa, permite-nos, por isso mesmo, adquirir uma visao ampla e especifica do processo de tomada de decisiies no interior da elite politica.

Ha varias rages que justificam urn intenso inves-timento academic° em urn periodo já recuado e que, portanto, apenas indiretamente responderia a indaga-coes e problemas da atualidade. Antes de mais nada, trata-se de urn momento hiqOrico decisivo, marcado por profundas mudancas no quadro economic° e po-litico, em meio a forte instabilidade institucional. A emergencia de novos atores e a expansao do Estado provocam oscilacOes e incertezas que tornam precaria

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a consecucao de urn pacto social mais duradouro e efetivo. Estas oscilacoes, perfeitamente visiveis no piano interno, nao sao menos relevantes no ambito da politica externa, que como bem o sintetiza o autor, deve ser contraditoriamente definida no caso brasi-leiro, como "autonomia na dependencia". Apesar de

sua posicao subalterna, o Brasil habilmente explora, neste periodo, as indefinicoes do jogo hegembnico mundial entre Alemanha e Estados Unidos, para obter ganhos politicos que alarguem sua margem de auto-nomia. E urn dos objetivos principais deste livro demonstrar, corn a documentacao pertinente, que se o caminho a longo e incerto, pela heterogeneidade dos interesses envolvidos, a atraves dele que a estrategia

de desenvolvimento nacional se consolida, corn seus limites bem definidos.

0 autor percorre os diferentes momentos deste processo, que alcanca momentos decisivos corn o Tra-tado Comercial de 1935; com a viagem de Sousa Costa aos Estados Unidos; a Missao Aranha, o controvertido e hoje historicamente claro discurso de Vargas, a 11 de junho de 1940, onde os ultimos laivos de simpatia pelo nazi-fascismo revelam-se como poderosos instrumentos

de pressao e de barganha; ainda a Conferencia de Chanceleres do Rio de Janeiro (1942), logo apes o bombardeio de Pearl Harbour; e a posterior entrada do Brasil na Guerra, selando definitivamente o reali-nhamento brasileiro a politica norte-americans.

Antes, porem, que se inicie urn novo ciclo de dependencia, o Brasil trata de tirar partido de uma conjuntura favoravel, na qual os Estados Unidos ne- cessitam de apoio estrategico a nivel continental e a Alemanha oferece vantagens comerciais que contra- balancam os efeitos da crise e atraem, corn a persp tiva de abastecimento de s e equipamentos,

ec- as

simpatias de uma corporacao militar que se moder-nize. A possibilidade de transformar o intercambio comercial corn a Alemanha em uma alianca econOmica e politica mais estreita, em urn momento de grave confronto e impasse, certamente alargou nossa capa-cidade de negociacao, em urn jogo instavel e complexo, que o autor caracteriza como equidistdncia pragmd-tica.

0 prego de uma autonomia maior, neste curto e decisivo periodo, paradoxalmente foi pago com a abdi-cacao da eqiiidistancia, isto e, pelo realinhamento em troca de equipamentos militares e da siderurgia, que por sua vez abre urn novo ciclo de estreita dependen-cia.

A tese, exposta corn procedencia e clareza, nao se furta de identificar os diferentes interesses envolvidos, que implicam serias divergencias, tanto no piano nor-te-americano quanto no brasileiro. Em linhas gerais, nao a dificil identificar dois grandes blocos: ao nivel economic°, o industrialismo que se op& a vocactio agricola; e ao nivel politico, a linha pro-americans e a linha pre-alema. No piano norte-americano, emerge tambem urn entrechoque de tendencias que opoe o Departamento do Tesouro norte-americano que admite financiar a industrializacao brasileira — ao De-partamento de Estado — que se se dispoe a oferecer ajuda para estabelecer o tradicional fluxo de comercio entre a periferia e o centro.

Mem de urn especial destaque a relegada decada de 1930, deve-se sublinhar tambem a carencia de es-tudos brasileiros no campo da politica externa e das relacoes econemicas intemacionais, nos eltimos anos enriquecida por alguns trabaihos de "brasilianistas". A despeito da contribuicao substantiva de alguns auto-res, nao resta devida de que importantes lacunas ainda

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existem e de que, muitas vezes, a linha interpretativa sugere aprofundamentos por IAD explicitar as relacoes de dominacao e o desequilibrio de poder que comanda e ordena a politica decisOria. Em sentido inverso, os que optaram por adotar o modelo de explicacao "impe-rialista", tenderam a relegar questOes concretas que constituiram o cerne da politica externa e a subesti-mar a tarefa de reconstituir as tramas do jogo politico, o posicionamento de seus principals atores, os interes-ses mOltiplos que cada urn representava e, mais ainda, as alternativas reais, possiveis (corn suas conseqiien-cias inevitaveis) enfrentadas pelas elites do poder.

0 trabalho de Gerson Moura caminha no sentido de veneer este impasse. E ele o enfrenta, ja em seu pri-meiro capitulo, correndo os riscos que todo posiciona-mento teOrico inevitavelmente implica. Neste esforco de interpretacao, mais do que a solucao para os pro-blemas levantados, e louvavel, a meu ver, a tentativa

de explicitar alternativas de interpretacao e de corn-patibilizar as analises de estrutura e de conjuntura, identificando em cada urn destes niveis a sua especi-ficidade prOpria. Da interpenetracao de ambos, re-sulta a dinamica do fato politico, corn seus graus de condicionamento e liberdade.

Do ponto de vista institucional, Autonomia na Dependdncia iniela, no CPDOC, as possibilidades de tratamento rigoroso do material historic° ja depositado em seus arquivos. Em particular o arquivo Oswaldo Aranha, que ha mais de uma decada vem suscitando o interesse dos especialistas da histOria brasileira e que parece, com seus 90 mil documentos, inesgota-vel. Esperemos que o intercambio entre centros de documentacao e instituicOes de ensino e pesquisa — tal como o que se realizou corn o trabalho de Gerson Moura — permita que se afirme, em futuro proximo,

uma tradicao de pesquisa mais ligada a documentacao historica, da mesma maneira que buscamos mais es-treitamentc vincular os objetivos da pesquisa a orga-nizacao dos arquivos.

Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1979. Aspdsia Alcdntara de Camargo

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Introducao

Este trabalho surgiu da conjugacao de duas situacoes: de urn lado, os cursos de politica internacional e poli-tica externa brasileira oferecidos no IUPERJ em 1975 e 1976 pela Prof a. Maria Regina Soares de Lima, nos quais se punham em discussao formulnoes teOricas e analises empiricas sobre problemas de relnoes inter-nacionais tanto na politica como na histOria e na eco-nomia; e de outro lado, meu trabalho no setor de documentnao do CPDOC, onde organizei parte do arquivo de Oswaldo Aranha, exatamente a que diz respeito ao periodo em que esse homem paha) brasi-leiro ocupou o cargo de Ministro das Rein -6es Exterio-res (1938-1944), o arquivo de Sousa Costa, Ministro da Fazenda entre 1934-1945, alem de varias colecoes de documentos selecionados e adquiridos nas biblio-tecas presidenciais norte-americanas e no Arquivo Na-cional dos Estados Unidos.

Desta convergencia surgiu urn projeto de pesqui-sa, que se centrava no problema do processo decisOrio da politica externa brasileira entre 1935-1945 e desta-cava tres decisoes isoladas para urn estudolnais minu-cioso: o acordo comercial Brasil-Estados Unidos de 1935, a missao Aranha em 1939 e o rompimento de relacOes com o Eixo em 1942. Aos poucos, porem, a pesquisa de fontes foi modificando esses pianos origi-nais. A prOpria documentnao investigada foi sugerin-

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do o exame de outras decisoes que se interligavam as originalmente escolhidas em urn mesmo processo. Ao mesmo tempo, o foco de minha atencao deixava de estar no processo decisOrio strictu sensu e se voltava para o exame do significado de decisoes particulares para o conjunto da politica externa brasileira no pe-riodo. Alem disso, a pesquisa foi destacando, no perio-do inicialmente determinaperio-do, o momento 1935-1942 como o mais significativo em termos do problema que eu desejava examinar, a saber, urn certo equilibrio entre a influencia politica que exerciam sobre o Brasil os Estados Unidos e a Alemanha e a maneira pela qual o governo brasileiro reagiu a essa dupla influencia.

Tanto o problema como o periodo afinal eleitos ja tern sido examinados por politicOlogos, historiadores e economistas, brasileiros e estrangeiros. Deixando de lado as diferencas de estilo e dos angulos escolhidos para analises (economia, politica, etc.), a literatura corrente parece mover-se em torno de duas perspec-tival fundamentais, nem sempre assumidas explicita-mente pelos autores: a primeira, que denominei de `voluntarista' e que procura explicar a politica exter-na em termos de livre exercicio da vontade dos atores, individuais ou institucionais, informados pelos valo-res da cultura circundante; a segunda, de torte 'deter-minista' ye a politica externa brasileira como urn re-flexo da economia dependente ou simples expressao de forcas externas. Este trabalho recusa uma e outra maneira de situar o problem a e busca elaborar uma resposta para ele.

0 primeiro capitulo deste trabalho procura ava-liar a literatura corrente sobre as relacoes internacio-nais que ora se centra na ordem politica, ora na ordem econornica e, ao mesmo tempo, examinar criticamente os modelos correntes de analise de politica externa

que privilegiam o exame de processos politicos, nem sempre tomando na devida consideracao os elementos mais subjacentes da organizacao social. Por isso a ela-boracao de hipOteses gerais que guiassem o trabalho procurou discutir o papel e as inter-relacoes dos fato-res conjunturais e estruturais que estao pfato-resentes na elaboracao da politica externa de um pais dependente.

O capitulo 2 procura fazer a aplicacao dos con-ceitos considerados fundamentais a conjuntura dos anos 30, especialmente o processo politico norte-ame-ricano e brasileiro, para entao elaborar hipoteses mais especificas de trabalho, que dessem a chave para eluci-dar o significado preciso da politica externa brasileira no periodo. Para expressar a natureza e os movimentos dessa politica externa lancei mao do conceito de eqiii-distdncia pragmatica.

Os capitulos 3, 4 e 5 constituem os elementos mais substantivos do trabalho e resultaram da pesquisa documental. Duas ordens de problemas chamam a atencao do pesquisador nesse periodo: a questao do comercio exterior e as relacoes politicas entre as gran-des potencias e seus eventuais aliados, subordinados.

Nao se trata de assuntos separados, pois o corner-cio exterior de urn pais dependente tem implicacoes politicas evidentes que se manifestam, no caso brasi-leiro, na polemica comercio livre versus comercio corn-pensado que recortava grupos de interesse, partidos politicos e as prOprias organizacoes estatais, e fre-qiientemente implicava preferencias de alinhamen-to na ordem internacional. Por ser uma questao ligada a interesses vitais, o comercio a um campo privilegia-do para o exame da equidistdncia pragmdtica e dos esforcos para sustenta-la ou suprimi-la. Tambem piano que se presta a avaliacao dos possiveis ganhos

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por parte de urn pais dependente, numa situacan de equilibrio entre potencias em competicao.

As questoes mais especificamente politicas, que nessa conjuntura de conflito mundial ligam-se indisso-luvelmente a questdo estrategica, sublinham a impor-tancia da negociacdo entre uma grande potencia e um eventual aliado subordinado. Em outras palavras, o que se pee em discussao aqui e a deficiencia de expli-cacoes 'automaticas' do alinhamento pratico e, ao mesmo tempo, os limites da negociacao possivel. 0 texto explora o processo de aproximacao e colabora-cao politico-militar que se estabeleceu entre Brasil e Estados Unidos entre 1939-1942 que ilumina o debate entre liberdade e necessidade na decisdo politica.

Nao se pretendeu fazer a `reconstituican' do perio-do, ilusao ainda perseguida em nossos dias com muitos recursos humanos e materiais, mas apenas identificar os componentes principais das conjunturas e o sentido de sua transformacao, mediante um levantamento do-cumental sistematico. Esse procedimento pareceu-me suficiente para elucidar o valor das hipoteses de tra-balho levantadas nos capitulos iniciais e enriquecer o conhecimento sobre o periodo e o problema de que me ocupei.

CANTULO 1

Relacoes internacionais

e politica externa

A. As VisOes de Ccmjunto: Analise Critica

Da perspectiva do pensamento liberal, o estudo de relacoes internacionais e de politica externa tern sido feito a partir de dois focos distintos e frequentemente excludentes: a ordem economias e a ordem politica.

Os que se preocupam com a ordem economic tendem a ver as relacoes internacionais no marco de integracan e interdependencia crescentes, devido ao fluxo internacionalizado de bens, services, capital e tecnologia, promovido pelas corporacoes multinacio- nais. Essa preocupacao equivale a dizer que economias nacionais isoladas nao se podem constituir em marco apropriado de analise, e ate mesmo a supor que Esta- do-nacdo ji se tornou urn anacronismo (Vernon, 1971). Embora alguns autores dessa linha reconhegam que o processo de intemacionalizagdo da economia nao seja homogeneo, insistem no seu carater interde- pendente, assim como no fato de que essa nova reali- dade confere beneficios a todas as economias envol- vidas, ao mesmo tempo que exige delas responsabili- dades nas decisoes (Cooper, 1972; Knorr, 1973). De acordo corn essa perspectiva, os paises menos desen- volvidos tambem ganham com a intemacionalizagio

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da economia, visto que a manufatura dos centros mais desenvolvidos esta migrando para a periferia, nao so pelo alto custo da mao-de-obra nos paises centrais, como pelo aumento continuado dos precos de certas materias-primas e de fontes energeticas. Pela `migra-gao' das manufaturas, o desenvolvimento atinge a peri-feria do sistema e o integra no conjunto da economia capitalista mundial (Gilpin, 1975).

Esse tipo de formulagao de relagoes internacionais supoe a existencia de urn principio regulador das rela-goes economicas transnacionais, que e a liberdade eco-nOmica; proclama urn novo padrao de relagao entre as economias nacionais, que e a interdependencia; e alega que o resultado final sera a complementagao e harmo-nia dos diferentes interesses em jogo. A matriz desse marco conceitual tern origens facilmente reconheci-veis, como bem notaram Blake e Walters: ela esta

cal-cada no modelo de mercado, tipico do pensamento liberal (Blake e Walters, 1976).

Mesmo quando essa perspectiva se remete apenas ao estudo das relagoes economicas entre paises capi-talistas avangados — o que por si so ja apontaria para uma limitagao severa de suas al -Wises —, a necessario questionar essa liberdade, harmonia e interdependen-cia nas relagoes economicas internacionais. As analises his tOricas mais cuidadosas tem mostrado como a assi-metria das relagoes economicas entre as nagoes foi um elemento indispensavel aos processos nacionais de acumulagao capitalista e nao se constituiu em dado `exterior' ao sistema economic° global: pelo contrario, inscreveu-se nos prOprios mecanismos econOrnicos que regem o sistema (deterioragao dos termos de troca, exportagao de capitais, utilizacao da mao-de-obra rela-tivamente barata, etc.), produzindo diferenciagoes niti-

das e crescentes entre os paises.• A prOpria existencia de empresas transnacionais nao a novidade do pOs-guerra, embora nao apresentasse anteriormente a forga do fenOmeno de nossos dias; somente agora, porem, o pensamento economic° liberal se preocupa em desig-nar-lhe um papel importante no exame das relagoes internacionais, acabando por se fixar nas aparencias do fenOmeno. Na verdade, o resultado global da ex-pansao das forgas economicas transnacionais configura urn novo formato do sistema capitalista mundial, ca-racterizado por novos padroes de acumulagao de capi-tal e por novas formas de dependencia econOmica (F. H. Cardoso, 1972, 186-211). Nesse contexto, a liber-dade econOrnica' nao pode ser tomada como urn prin-cipio regulador das relagoes economicas internacionais em geral, mas tao-somente como a politica econOmica mais conveniente as corporacoes multinacionais (Mar-tins, 1974) e nem a geradora de harmonia dos interes-ses em jogo; pelo contrario, tern acentuado a condigao dependente das economias perifericas. Outra debili-dade dessa tenclencia consiste em considerar o sistema economic° internacional como uma forga politica des-ligada dos Estados nacionais ou soberana em relagao a eles. Ela tambem nao se pergunta ate que ponto as condigoes politicas proporcionadas pelos Estados-nagoes se constituiram em fator favoravel a agdo das corporagoes. Os `autores transnacionais' ainda nao pu-deram mostrar que a nagao tenha deixado de se cons-tituir em urn marco decisivo na compreensao das rela-goes internacionais.

• F desnecessario insistir nesse ponto, devido a evidencia acumulada nos estudos econ6micos e politicos; para uma consideracio de ordem hist6rica, v. "Subdesenvolvimento e Estagnaclo na America Latina" (Fur-tado, 1966) . Para urn exame empirico do modo de operacao atual do sistema, v. "0 Novo Imperialismo" (Alavi, in Pereira, 1971) .

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Uma outra vertente do pensamento liberal no estudo das relacoes internacionais centra sua atencao na ordem politica. Tanto na historiografia como na ciencia politica, os autores vinculados a essa vertente pensam as relacoes internacionais em termos de rela-cao entre Estados soberanos, cuja forca nao a identica, mas cujo comportamento segue parametros semelhan-tes. Em fungao disso, sua percepcao de relagoes inter-nacionais comporta duas dinamicas basicas: a coopera-cao, que gera as aliancas, e o conflito, que produz as guerras ( Renouvin a Duroselle, 1966; Duroselle, 1976; Renouvin, 1960; Morgenthau, 1971) .

E bem verdade que um sem-numero de correntes agitam-se dentro dessa perspectiva. Na polemica rea-lismo versus idealismo, que marcou a literatura poli-tica norte-americana, por exemplo, encontramos duas abordagens divergentes: para o realismo, a chave de compreensao da politica internacional e o confronto dos interesses nacionais' (Kenan, 1951; Morgenthau, 1971), elevados assim a categoria de conceitos expli-cativos das decisoes nesse campo. Já o idealismo tern um fundamento etico a pensa no ambito universal: condena o realismo por exaltar o `egoismo national' e revela uma preocupacao mais normativa, destinada a construir um sistema internacional harmonioso (Tan-nenbaun, 1951) . Ha tambem os que pretendem colo-car-se acima dessa polemica, como Aron a Liska. Para o primeiro, tan'o o realismo como o idealismo ignoram as situacoes reais, cada qual a seu modo: o idealismo, pela pretensao a uma harmonia utopica de uma ordem juridica universal; o realismo, pela eficacia que con-fere ao confronto de interesses nacionais para criar uma ordem international. Propoe, por seu turn, uma "ordem international fundada na hegemonia de uma grande potencia e o consentimento dos paises mais

fracos" ( Aron, in Hoffman, 1963, 115-126) . Quanto a Liska, imagina uma posicao intermediaria eftre o rea-lismo e o idearea-lismo, propondo uma compreensao de relagoes internacionais regida por um `equilibrio dina-mico' entre os Estados nacionais (Liska, in Hoffman, 1963, 177-190) .

Outra polemica tern agitado a ciencia politica estabelecida forte-americana a europeia: e a que opoe os `tradicionalistas' aos `behavioristas'. A discussao, no caso, diria respeito nao apenas a temas substantivos, mas tambem a abordagens metodologicas e pressupos-tos epistemolGgicos (Lijphart, 1974), mas o fulcro do debate parece situar-se em questoes de procedimentos mais do que de conteudos. Fortemente influenciados pelos rumos tomados pela psicologia no pos-guerra, especialmente nos Estados Unidos, os cientistas poli-ticos behavioristas abandonam a enfase tradicionalista no estudo das instituicoes a passam a interessar-se pelo estudo do comportamento ( Singer, in Knorr a Ro-senau, 1967), tratando, para isso, de formalizar mode-los capazes de determinar os componentes da acao nas •elacoes internacionais. Dai a proliferacao de `teo-rias' as mais variadas no campo: dos jogos, da deter-rencia, da comunicacao social, das coalizoes politi-cas, etc. Esse debate tern uma correspondencia na historiografia forte-americana do pos-guerra: tam-bem aqui os estudos da sociedade a partir dos interes-ses a conflitos de classe, tipicos dos historiadores `pro-gressistas' a `econSmicos' do pre-guerra, cedem lugar ao culto do consenso, aos valores tipicamente america-ns que determinam o comportamento dos estadistas e executores das decisoes nacionais (Berkhofer, in Ma-chado, 1975, 16).•

• Essa tendencia 'comportamental' da denda social americana cometa a ser severamente contestada hoje em dia nos Estados Unidos pela pers-

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Acima das diferencas, porem, realistas e idealis-tas, tradicionalistas e behavioristas movem-se num terreno relativamente comum: o piano politico-estra-tegico. Alguns se ocupam de microproblemas, outros dedicam-sea relacan entre Estados, uns se voltam para analises concretas, outros tratam de criar mode-los abstratos. Todos tern, no entanto, duas caracteris-ticas marcantes: ocupam-se de questoes que dizem respeito basicamente aos paises `desenvolvidos', dei-xando de lado as areas chamadas 'perifericas% e nao se preocupam em pensar o fenOmeno das relacoes de poder no piano internacional a luz da ordem econ6- mica mundial, assim como a insercao de cada nacdo nessa ordem. Ou, quando procuram pensar, nao o f a-zem satisfatoriamente. 1v o caso de Gilpin, que procura fazer essa relacdo, mas a faz em urn sentido unidire-cional: para ele, a ordem econOmica mundial depende das condicoes politicas criadas pelos Estados; alem disso, a interpretacao do quadro internacional depen-de mais dos objetivos nacionais do que das considepen-dera- considera-goes de eficiencia global do sistema economic° (Gil-pin, 1975, 215-262). Para esse autor, a configuracao econOmica mundial parece ter pouca ou nenhuma in-fluencia na elaboracdo das politicas que o Estado poe em exeeuedo.

Em resumo, esse arrazoado inicial sublinha a necessidade de evitar, na analise das relacoes interna-cionais, tanto a afirmacao de uma dicotomia visceral entre a ordem politica e a ordem econOmica, como o estabelecimento de relacoes equivocadas entre elas.

pectiva 'critica' (ou 'radical') que question os fundamentos mesmos da ciencia social estabelecida (Boschi, s.d.) . No entanto, behaviorismo ainda constitui matriz metodologica de grande peso na ciencia social dos Estados Unidos. Sua filia4ao epistemologica ao positivismo acha-se exposta e criticada em Japiassu, I975b.

Essa preocupagao subjaz ao conjunto de nosso tra-balho.

B. 0 Modelo de Politica Burocratica:

Aplicacao e Critica

Ate aqui cuidamos de abordagens mais gerais sobre as relacoes internacionais. Antes de prnpor os concei-tos fundamentais que guiam nosso estudo da politica externa brasileira, procuraremos examinar a maneira pela qual autores correntes na historiografia e ciencia politica norte-americanas explicam a politica externa. 1. Ao estudar a politica externa norte-americana, Allison propOs tees modelos explicativos para a corn-preensdo das decisoes nesse campo. 0 primeiro mode-lo considera a nacao como urn ator unitdrio, capaz de ter ideais, perceber seus interesses, formular pianos, tomar decisoes e seguir politicas consistentes. 0 segun-do modelo considera que as noes de um governo sao, na realidade, efetuadas por organizacoes semi-auto-nomas no interior do governo, corn orientacoes pro-prias, do que resultam diretrizes distintas na politica externa, dependendo do equilibrio momentaneo das forcas (organizacoes) no interior do governo. Urn ter-ceiro modelo concebe o governo como o certhrio de competicao entre individuos estrategicamente situados na maquina governamental, cada qual corn seus inte-resses e pereepeoes. Para os modelos 2 e 3, as decisoes se produzem mediante ajustamentos ou aliancas mo-mentaneas entre organizacoes ou individuos (Allison,

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1971). Ao aplicar os tres modelos as relaeoes Estados Unidos-Argentina, May sugere que os modelos nao sao excludentes, podendo ser utilizados alternativa-mente ou combinados em formas e graus diversos

(May, in Cotler e Fagen, 1974, 149-184).

Na pratica, os autores costumam aderir ao mode- lo 3, isto é, o paradigma que ye como atores decisivos os individuos colocados em postos estrategicos, corn- petindo entre si e gerando politicas que sao o resul- tado de compromisso, de conflito e ate mesmo de con- fusao dos atores (Mitchell-Loewenthal, in Cotler e Fagen, 1974, 197-228/237-262). Esse modelo tambem

conhecido pelo nome de 'politica burocratica'. Utilizando esse paradigma, Mitchell procurou de- monstrar que a politica norte-americana para a Ame- rica Latina tem sido fragmentaria, confusa e muitas vezes contraditOria, devido exatamente a variacao das

coalizoes de atores-individuos no interior do governo, cada qual com uma percepeao diversa do interesse nacional e orientado por valores tambem desiguais. Questionando as formulaeoes de Mitchell em particular e o modelo de 'politica burocratica' em ge-ral, Graciarena afirma que nao existe tal `incoerencia' e `diversidade' na politica externa norte-americana para a America Latina, se fizermos uma distincao cla-ra entre os seus interesses fundamentals ligados a ma-nuteneao de sua posicao hegemonica no continente e

cursos alternativos de acao diante de problemas con-cretos (Graciarena, in Cotler e Fagen, 1974, 229-236). Os 'interesses fundamentals' sao dados pela posicao do pais no sistema de poder em que se insere (no caso dos Estados Unidos, a posicao de centro hege-mOnico). Os `cursos alternativos de aeao' seriam dados

pela conjuntura particular em que se envolvem as agencias e os individuos que decidem.

Mas o modelo de 'politica burocratica', na medi-da em que ye a acao governamental apenas como jogo de atores ou agencias individuais, acaba por vincular a politica externa apenas aos cursos alternativos de acao, desprezando as determinaedes estruturais. Po-der-se-ia dizer que essas determinaeoes fornecem o quadro mais geral sobre o qual se dao as decisoes con-cretas (isto é, as °Noes pelos cursos alternativos de acao) e que estas constituem, na verdade, a politica externa do pais. Mas o problema do modelo de 'poli-tica burocra'poli-tica' a exatamente a compartimentalizacao que opera ao desvincular, no piano te6rico, os cursos alternativos de acao das determinaeoes estruturais. Isso ocorre porque o modelo de 'politica burocratica' tam-bem se constroi a partir do modelo de mercado do pensamento econ6mico liberal para entender a dina-mica da acao governamental. Mesmo reconhecendo uma contribuicao positiva do modelo de 'politica buro-cratica' ao nivel de descried° dos fenOmenos estudados, devemos afirmar, por outro lado, que the falta maior capacidade explicativa, visto que ele ado contempla os elementos estruturais que conformam os processos mais imediatos de decisao, e poe toda enfase nos `va-lores' que definem os interesses e modelam as percep-e6es dos individuos revestidos de poder decisOrio. Nes-se Nes-sentido, o chamado modelo de 'politica burocrati-ca' apresenta grande afinidade corn a orientacao beha-viorista da ciencia politica.

Nosso esforeo neste trabaiho nao sera o de con-trapor ao modelo de 'politica burocratica' urn outro modelo, 'estruturar, do qual se derivariam explicacoes automaticas do processo decisOrio, mas sera o de pro-curar a mediaccio, que tome inteligivel a acao dos ato-res nos limites dados pelas estruturas. Em outras pala-vras, as percepeoes do modelo de 'politica burocrati-

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ca' sao Uteis no sentido de distinguir corn clareza a aca dos atores envolvidos em conjunturas concretas, ma, falham ao pretender que apenas essa distincao seja explicativa de uma dada politica externa. Ha que estabelecer o nexo entre as noes dos atores individuais e/ou institucionais e as estruturas nas quais eles se movem e que lhes ditam limites e condicionamentos concretes.

2. Nesse ponto, e a titulo de ilustracao, ser6 Util exa-minar as analises que alguns brasilianistas tern produ-zido sobre a politica externa brasileira. Sua insistencia em apegar-se aos condicionamentos das decisoes indi-viduais os aproxima dos cientistas sociais behavioristas, mas em geral essa tendencia nao se explicita, see que chega a ser consciente. Tudo se resume a uma `neutra-lidade metodolOgica', pela qual se supoe que o exame da realidade concreta exige apenas uma pura `ida aos fatos', a mais isenta de preconceitos possivel. 0 pres-suposto desse procedimento e que o objeto do conhe-cimento se confunde com os objetos empiricos e que basta a utilizacdo de certas regras corretas de pesqui-sa para extrair dos objetos empiricos o conhecimento que guardam. Nesse sentido, o conhecimento teOrico previo e considerado mais urn empecilho do que uma ajuda eficaz ao conhecimento da realidade.

No entanto, sabemos que essa `isencao metodo16- gica' inexiste.* Fatalmente seus textos apresentam no-coes teoricas implicitas, que os autores imaginam ver nos prOprios fatos que examinam, mas que em reali-dade sdo dadas pelo campo intelectual em que se mo-vem, a saber, a tendencia `comportamentar da ciencia norte-americana do pOs-guerra. Nao e surpreendente, • Uma ampla discussio pode ser encontrada em Carr, 1977, e Car-doso e Brignoli, 1976, para a historiografia, e em Japiassu, 1975a e 1977, e M. L. Cardoso, 1971 e 1977, para o conjunto das ci'encias sociais.

portanto, encontrar nesses autores uma visa() psicolo-gista do processo politico e social. Devemos reconhe-cer que o esforeo por des empreendido pode acrescen-tar, e efetivamente acrescenta, muita informaedo rele-vante ao conhecimento do processo politico, mas: ao mesmo tempo mostra-se decepcionante pelos equivo-cos que comete: aguilo que e determinado se toma usualmente como determinante ; o que necessita ser explicado se toma como explicacao; e enfim as aparen-cias dos fenOmenos Sao frequentemente consideradas como sua prOpria essencia.

Tomemos para exemplo a orientagdo que tres brasilianistas deram ao estudo da politica externa bra-sileira.

Para Giffin, a decada de 1930 apresentou condi-coes econOmicas e politicas que se combinaram para restringir a flexibilidade da politica externa brasileira. As decisaes tomadas naquela fase da histOria tiveram curto alcance e destinaram-se a obter vantagens mo-mentaneas. Apesar disso, a politica externa teria apre-sentado algumas constantes, a saber: (a) precedencia de questoes domesticas sobre os negOcios externos;

(b) economia dependente de poucos produtos de

ex-portaedo; (c) papel influente das relagoes pessoais na tomada de decisao; (d) rivalidade corn a Argentina; (e) boa vontade do Brasil para corn os Estados Uni-dos (Giffin, 1962, 428-436).

Como se pode ver, as `constantes' da politica ex-terna brasileira descobertas pelo autor referem-se a diferentes niveis de abordagem (politico, economic°, de psicologia social) sem uma analise mais rigorosa, capaz de relaciona-los entre si. A escolha de elementos de explicacao tao disparatados revela o procedimento metodolOgico da analise: os `fatos' observados no pe-riodo pelo autor apresentaram certas recorrencias, logo

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essas recorrencias foram consideradas por ele como `constantes' da politica externa brasileira; se sao cons-tantes, devem explica-la. A recorrencia a tomada assim como indicador de causalidade e as aparencias ganham

o status de conceitos explicativos. Devido a isso, o

au-tor ye a politica externa brasileira da epoca como uma serie de decisoes que traziam vantagens apenas mo-mentaneas (leia-se, que nao guardavam coerencia en-tre si ao longo do tempo) e que, portanto, reduziam sua flexibilidade enquanto politica externa. Essa au-sencia de urn referencial teOrico mais consistente leva- o tambem a afirmar que urn dos temas em torno dos quais se centrou a relagao Brasil-Estados Unidos entre 1930-1939 foi o desejo de ambas as nagEres de fortale-cerem o sistema interamericano... (Giffin, 1962, 111)

0 estudo de Hilton tern urn parentesco evidente tom os behavioristas. Ele procura as explicagoes da politica extema brasileira naquilo que chama de per-cepcoes da elite governante brasileira, bem como em seu estilo peculiar de acao. Segundo esse autor, os

decision-makers brasileiros tinham ideia clara da pre-cariedade do momento em que viviam, assim como de que a politica internacional se movia por normas de

Realpolitik e nao por cOdigos de moralidade e lealda-de. Dal sua enfase em questoes econOmicas: eles pro-curavam incrementar e fortalecer a posicao econOmica do pais, para evitar que as competigoes imperialistas o atingissem. A essas percepgOes da elite governante, junte-se urn estilo informal, pragmatic° e personalista de agir (fundado em bases culturais reconhecidas, como a primazia das relagoes pessoais na vida politica e social), e tem-se a politica externa brasileira, feita de compromissos circunscritos por expedientes, de barganhas, de solucOes informais ditadas pelo `jeito' brasileiro (Hilton, 1969).

0 resultado inevitavel das nogoes desse autor que ele nao consegue tragar os limites da percepgao e do comportamento da elite, que por sua prOpria virtu-de a capaz virtu-de aplicar pressOes para obter concessiies no plano internacional. Em resumo, para Hilton, as virtualidades da elite governante brasileira nao se re-metem a qualquer situagao que the seja exterior; seu estilo de comportamento e a chave das explicagoes da politica externa brasileira, mas para nose antes um fenOmeno a ser explicado. Dito de outra maneira, aqui-lo que para Hilton e o ponto de chegada e para nos o ponto de partida: constatado urn determinado estilo de decisoes e explicitada sua relevancia, resta indagar em que condicoes e limites as elites operam, e e esse esforgo que nos pode dar explicagoes mais seguras so-bre a politica extema brasileira.

0 conceito de 'cultura politica', utilizado mas nao explicitado por Hilton, tern sido usado equivocada-mente na literatura norte-americana sobre o Brasil, como nogao explicativa das decisoes politicas. Em sua tese sobre a politica externa brasileira, Fontaine afir-ma explicitamente que nao esti interessado em estu-dar a influencia do sistema internacional sobre o pro-cesso decisOrio no Brasil. Escolhe entao algumas variaveis explicativas, unificadas pelo rOtulo de 'in-fluencias domesticas', que sao: (a) grupos e institui-goes que pressionam o sistema de decisoes para fazer valer os seus interesses setoriais ou sua prOpria pers-pectiva de interesse nacional, tais como intelectuais, Igreja, militares, grupos de pressao; (b) o nacionalis-mo que subjaz aos grupos e instituicOes; e (c) princi-palmente a 'cultura politica', que reflete crengas e ati-tudes comuns (sistema cultural) da populagao. Apesar de reconhecer as dificuldades de generalizar nesse campo, sugere o autor que certos tracos da cultura bra-

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sileira sao nitidos: o personalismo; o `jeito'; a presenca de urn pensamento facil, gracioso e brilhante (e, por-tanto, a ausencia de urn pensamento penetrante, vigo-roso e profundo), etc. Dessas constatacoes gerais, o autor deriva consequencias diretas para a politica ex-terna, a saber: os brasileiros tendem a estimular gran-des ideias que nao conduzern a noes praticas; gran- despre-zam o planejamento em beneficio da improvisnao e da sorte; e seu apego a rotina se traduz em desencora-jamento e recuo sempre que uma nova politica encon-tra obstaculos dificeis. Alem disso, o personalismo e a enfase nas relnoes familiais costumam matar a coope-racao e a coordennao, alem de produzir urn tipo de cortesia que e insuficiente para fazer valer compro-missos assumidos (Fontaine, 1970, 8-32).

A mesma critica anteriormente feita a Giffin pode ser aplicada a Fontaine, mas nesse Ultimo autor a ques-tao da 'cultura politica' assume o papel de conceito explicativo fundamental. Seu texto apresenta duas grandes lacunas: ele chama de `cultura politica' aqui-lo que, numa visao apenas impressionista de urn curto periodo, identificou como urn comportamento basic° dos brasileiros na politica. Em segundo lugar, mesmo que tivesse elaborado convincentemente o conceito de `cultura politica', este seria por si se inadequado problematica especifica das decisoes de politica exter-na. Em outras palavras, a 'cultura politica' pode ser considerada um elemento necessario, mas de modo al-gum suficiente para a compreensao de uma dada poli-tica externa.' A construcao equivocada e a aplicacao inadequada do conceito de 'cultura politica' levaram Fontaine a explicar a politica externa brasileira pelo carater (ou fraqueza de miter) dos agentes indivi-duais, nao entrando em cogitacao na analise os fatores

estruturais capazes de delimitar o campo de acao dos formuladores e executores da politica externa, assim como as conjunturas politicas concretas nas quais eles atuam.

C. Conceitos Fundamentais

Em contraposicao as orientacOes ate aqui expostas e criticadas, pensaremos a politica externa do Brasil como o resultado da conjugacao das conjunturas poli-ticas mais imediatas, tanto internas como externas, dentro dos condicionamentos estruturais mais amplos, que dizem respeito a totalidade do campo capitalista e o lugar que nele ocupa o pais em estudo. 0 campo capitalista, na primeira metade do sec. XX, se caracte-riza pela competicao por hegemonias, que traduzem no piano politico o fenOmeno subjacente do impe-rialismo.

Em seus primordios, a teoria marxista do imperia-lismo considera-o um estagio do desenvolvimento capi-talista, no qual a forma predominante do capital monopolista e as relnoes economicas mundiais se ca-racterizam mais pela exportagdo de capitais do que pela de mercadorias, o que engendra severa rivalidade no piano internacional e se traduz no piano politico por uma divisao territorial do mundo entre as maiores po-tencias capitalistas (Lenin, HiHerding). As interpre-tnoes nao-marxistas do imperialismo consideram-no uma aberracao do sistema capitalista, seja em termos de ma distribuicao da renda e conseqiiente subconsu-mo (Hobson, 1949), ou cosubconsu-mo expressao de uma explo-raga° de tipo pre-capitalista no interior de Estados ca- • Ver adiante, p. 45 a 47.

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pitalistas ( Schumpeter, 1961); seja como fenOmeno exclusivamente politico, cujo resultado e a dominacao politica ou economica, direta ou indireta, de uma na-qão por outra (Cohen, 1976).

A utilizacao do conceito de imperialismo neste trabalho, para designar as determinacoes estruturais da politica externa de um pais dependente, procura le-var em conta dois elementos basicos:

a) 0 imperialismo a um conceito construido para a anilise de uma totalidade e suas relacoes inter-nas, a saber, a sociedade capitalista em ambito mun-dial, e nesse sentido nao deve ser extrapolado para o estudo de outras totalidades, que obedecem a legicas

distintas. Evidentemente, o fenOmeno da dominacao politica esti presente nas formacoes pre e p6s-capita-listas; nesses casos, seria necessario desvendar a legica de suas estruturas e elaborar conceitos explicativos para o tipo de dominacao em pauta.'

b) A teoria do imperialismo fornece urn quadro de referencia geral do movimento do sistema capitalis-ta, mas nao di por si uma resposta imediata a formas atuais e dilferenciadas de hierarquia politica. Em outras palavras, quando pensamos nas relacoes especi-ficamente politicas, a teoria do imperialismo nos ajuda a tracar os limites dentro dos quais agem os atores ins-titucionais e/ou individuais, mas nao nos fornece o exato contend° dessa acdo. Abre-se ai urn vasto cam-eo para indagacoes e pesquisa empirica sobre as rela-Vies econernicas, politicas, juridicas, etc., que caracte-rizam urn determinado sistema de poder.**

Todo o debate que se convencionou chamar de `dependencid para caracterizar a insercdo da America

• Veja-se, por exemplo, a tentativa de Silva Michelena, a proposito das relacoes inter-socialistas (Silva Michelena, 1977, 205-250) .

•• A literatura ja e extensa. Tomem-se como exemplo as bibliogra-fias relacionadas em Jaguaribe, 1977; Cohen, 1976; Bacha, 1971.

Latina no sistema capitalista mundial e uma tentativa de especificar as formas atuais, politicas e economicas, assumidas pelo imperialismo na America Latina. Urn born exemplo desse esforco e o estudo de Anibal Qui-jano sobre imperialismo e relacoes internacionais, no qual o autor vislumbra dois momentos da atuacao im-perialista na America Latina: a acumulacao semicolo-nial ou primirio-exportadora, e a acumulacao de base urbano-industrial. No primeiro momento, a acumula-cao se caracteriza pelo investimento imperialista no setor primario e organizacao da producao em 'encla-ves' diretamente articulados corn a economia capita-lista metropolitana; nesse caso, os Estados imperialis-tas agem em funcao de seus interesses nacionais de dominacao imperialista. No segundo, a acumulacao se baseia na atividade urbano-industrial e sua relacao glo-bal corn a economia metropolitana, e na incorporacao de algumas economias dependentes mais avancadas ao circuito de reproducao ampliada; nesse momento, os estados imperialistas agem basicamente em funcao de uma estrategia global de defesa do sistema e nao ape-nas em defesa de seus interesses nacionais de domina-

imperialista. A cada momento correspondem arti-culacnes particulares das classes no interior da socie-dade subordinada e em relacao as classes da sociesocie-dade hegemonica, assim como a forma e atuacao dos Esta-dos nacionais na cadeia imperialista (Quijano, in Co-tler e Fagen, 1974, 82-108).

Sao distincoes titeis para analise de diferentes si-tuagOes nacionais e das formas atuais de que se reves-te a dominacao imperialista. 0 reves-texto de Quijano se ressente, porem, da falta de uma discussao mais acura-da acura-das estruturas politicas abrangentes que confor-mam e orientam a acao dos Estados. Nao fica claro por que razOes os Estados imperialistas que, no pri-

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meiro momento, agiam em funcao de seus interesses nacionais, passam no segundo momento a agir em fun-cab de uma estrategia global de defesa do sistema capitalista. Quijano constata a mudanca sem explicar sua necessidade. Sugerimos que o responsavel pela mo-dificacao foi o novo formato politico assumido pelo imperialismo no segundo momento caracterizado pelo autor. De fato, o exame das relacoes internacionais a partir da emergencia do imperialismo nos mostra que a distribuicao do poder politico nao permaneceu iden-tica o tempo todo. Nao apenas emergiram novas po-tencias corn pretensoes hegemonicas, como variaram no tempo os arranjos de poder na esfera internacional. Nada mais diferente, por exemplo, do `equilibrio de poder' entre as potencias europeias no inicio do sec. XX do que a hegemonia solitaria dos Estados Unidos ao final da Segunda Guerra Mundial. No primeiro caso, os `sistemas de poder' europeus existiam no inte-rior do sistema capitalista e rivalizavam entre si, o que permite entender por que perseguiam objetivos nacio-nais. No segundo caso, o `sistema de poder' norte-ame-ricano abrangia o conjunto dos paises capitalistas, alem de se confrontar corn outro `sistema de poder'

(URSS ), que englobava a totalidade dos paises de go-verno socialista, o que permite compreender por que os Estados Unidos se preocupavam corn a defesa do sistema capitalista no seu conjunto. A diversidade na distribuicao do poder politico nos parece, portanto, fundamental para entender a mudanca constatada por Quijano.

Numa mesma configuracao capitalista geral pode entaio ocorrer uma seqiiencia de diferentes hegemo-nias na esfera internacional. Sera potencia hegemOnica urn pais capitalista desenvolvido, o que nao significa que qualquer pais capitalista desenvolvido se constitua

em potencia hegemOnica. Alem dos requisitos de capa-cidade econOmica, devem-se acrescentar as condicoes especificamente politicas que permitem a hegemonia. Tomem-se, por exemplo, os elementos que Gramsci considera essenciais para caracterizar uma grande po-tencia (extensao territorial, populacao, forca econOmi-ca, poder militar e paz interna), e ver-se-a que se tra-tam de condicoes ou expressoes do capitalismo desen-volvido. Mas ele vai alem e afirma que, para se consti-tuir em grande potencia, o pais deve expressar politi-camente essas condicoes, ou seja, deve ter capacidade de imprimir uma direcao autOnoma as atividades esta-tais e tornar-se lider na formacao de pactos e aliancas que configurem um bloco de poder e influenciem outros Estados (Gramsci, 1968, 191-192).

Desse modo, quando fizermos referencia a centro hegemjnico, estaremos destacando lideranca politica, militar e ideolOgica sobre urn certo campo, mas tarn- bem designando uma economia central corn a qual se relacionam as economias dependentes. Da mesma ma- neira, a referencia a esfera de poder internacional dira respeito aos arranjos de poder politico, militar e ideo- logic°, mas tambem designara o sistema capitalista mundial, a partir do qual se fazem os arranjos citados. 0 estudo da politica externa de urn pais depen- dente passa pelo exame do sistema de poder no qual o pais se insere no piano internacional. Entendo por sistema de poder uma constelacao de Estados, com- posta de um centro hegernOnico (grande potencia) e sua respectiva area de influencia (Estados aliados su- bordinados). A direcao geral do sistema a dada natu- ralmente pelo centro hegemonico, mas as relacoes que este mantem corn os aliados subordinados sao muito diferenciadas. 0 dinamismo das relacoes politicas nao permite pensar a unidade do sistema sendo em termos

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de estabilidade provisoria, que permite sua reproducao em meio a uma grande variedade e fluidez de situagoes.

Poder-se-ia arguffr que o tratamento que demos ao assunto peca pela generalidade, isto e, os conceitos de sistema de poder, centro hegernOnico, etc. podem referir-se tambem ao conjunto de paises chamados socialistas. E, sem dtivida, haveria muita coisa em co-mum, visto que na esf era internacional a dimensao es-trategica a essencial no momento de formacao e con-solidacao de urn sistema de poder. A distincao maior ocorreria no interior dos sistemas de poder, onde se poderia discutir a hierarquia e o peso especifico das relacoes politicas e econOmicas entre os Estados-na-goes que compOem o sistema.*

Naturalmente podem existir varios sistemas de poder simultaneamente no piano mundial, estabele-cendo uma dada correlacao de forcas. Ao conjunto de sistemas de poder no piano mundial designo como `esfera de poder internacional'.

Pelas razoes ate aqui expostas, minha hipOtese mais geral de trabaiho e que a politica externa de urn pais dependente esta condicionada simultaneamente ao sistema de poder em que se situa, bem como as con- • Um estudo comparativo dessa natureza seria da maior relevancia, mas evidentemente escapa aos objetivos deste trabalho, que se concentra na analise de uma situacao concreta, a saber, o Brasil de 1935-1942.

•• A distincao aqui feita entre 'esfera de poder internacional' e 'sis-

temas de poder' nao guarda identidade com as nocoes de sistema mundial e subsistemas regionais, tipicas dos textos de inspiracao sistemica (Atkins, 1977, 1-15) . As primeiras dizem respeito a conform:107es de poder que sup8em uma fundamentacao econ8mica; as segundas tem uma natureza mais ou menos indeterminada (geopolitica?). Em Atkins, por exemplo, nao fica claro em que consiste a integracao do subsistema no sistema, sendo este, ao que parece, um sinOnimo para as relacoes internacionais em geral.

junturas politicas, interna e externa ( a saber, o proces-so imediato de deciproces-soes no centro hegemOnico, bem como nos paises dependentes). Essa hipetese, por urn lado, acentua a necessidade de conjugar as determina-goes estruturais, que delimitam o campo de ay .-do dos agentes decisores, corn as determinacoes conjunturais, dadas pela decisao e acao dos policy-makers; por ou-tro lado, repele a nocao de que a politica externa de um pais dependente a urn simples reflexo das decisoes do centro hegemOnico e nega tambem que se possa entende-la mediante o exame exclusivo das decisoes no pais subordinado. A insistencia nos elementos con-junturais tem a finalidade de nos alertar para o perigo das explicacoes economicistas da realidade, que pro-curam derivar de uma dada estrutura normas inflexi-veis de comportamento politico. Por outro lado, a preocupacao corn os elementos estruturais nos previne contra o voluntarismo e o 'ideologismo' que imaginam ser a realidade modelada pelo exercicio de vontad es individuais ou grupais que se exercem mediante o mais completo e mais livre arbitrio. As interpretacoes de natureza mecanicista e economicista estao bem exemplificadas na literatura politica que atribui, por exemplo, todo e qualquer acontecimento importante na America Latina a acao do 'imperialism americano', enquanto a explicacao meramente voluntarista acha-se largamente difundida nos meios academicos norte-americanos. Alem dos exemplos ja dados em paginas anteriores, veja-se a tentativa de explicacao compre-ensiva da politica externa dos Estados Unidos feita por Loewenheim, na qual o pensamento e a acao da diplomacia norte-americana atual sao explicados ex-clusivamente pelo pensamento e acao de seus estadis-tas no passado (Loewenheim, 1969, 13-95). Nao esta-mos negando a importancia da tradican na conforma-

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cao do pensamento e da acao politica em geral e diplomatica em particular; apenas chamamos a aten-cao para o fato de que Loewenheim nao atribui maior importancia a posicao atual dos Estados Unidos na esfera de poder internacional para determinnao de sua politica externa.

Quando falamos em conjugnao de determinnoes estruturais e determinacoes conjunturais, queremos dizer que os processos imediatos de decisao politica guardam uma grande autonomia, isto é, nao sao sim-ples reflexos do sistema de poder. Ao mesmo tempo, porem, nao se trata de uma autonomia absoluta, pois aqueles processos reproduzem, a longo prazo, os ele-mentos de dominnao-subordinacao que caracterizam os sistemas de poder. Essa relnao dialetica garante a estabilidade provisoria do sistema de poder, o que sig-nifica que a autonomia relativa das conjunturas nao se remete eternamente a determinnao em Ultima ins-tancia pela estrutura; se fosse esse o caso, a HistOria deixaria de existir. As conjunturas podem atuar deci-sivamente sobre as estruturas; em outras palavras, os processos de decisao politica tambem tern urn poten-tial de transformnao dos sistemas de poder.*

As determinacties estruturais

Ha, portanto, urn primeiro nivel de analise, estru-tural, que consiste em desvendar as relacoes funda-mentais que caracterizam um sistema de poder. Em se tratando de pais periferico, sua posicao dentro do siste-ma sera definida principal, siste-mas nao exclusivamente,

• Uma discussio extensa sobre a inter-relacio estrutura-conjuntura pode ser encontrada em Cardoso e Perez Brignoli (1976, 76-381).

pela relnao que mantem corn o centro hegemOnico; esta devera ser privilegiada, portanto, na cousideracao da politica externa daquele pais periferico. Como afir-mamos anteriormente, a relnao de dominacao-subor-dinnao que caracteriza a estrutura do sistema de po-der acha-se internalizada nos processos politicos do centro e da periferia. Contribui para isso a solidarie-dade fundamental das classes dominantes nos dois pOlos do sistema, como tambem, no piano ideologic°, os valores segregados pelo sistema de poder corn a fina-lidade de assegurar sua coesao, estabifina-lidade e perma-nencia. Por isso, a relnao de dominnao-subordinnao nao se explicita a cada momento, pois ela nao existe nem se manifesta enquanto 'pressao externa', eis que se acha incrustada nos processos politicos nacionais e se manifesta em termos de uma ideologia politica que faz convergir os interesses de dominadores e subordi-nados, escondendo a natureza verdadeira da relnao. Dessa maneira, a politica externa aparece sempre como urn ato de vontade pura ou escolha iivre entre varias opcoes.

Essa intemaliznao das expressoes ideolOgicas do sistema de poder nos processos politicos nacionais, aqui chamada de ideologia politica, nao se confunde corn o use equivocado da nocao de 'cultura politica' para explicar o processo decisOrio em muitos autores, conforme ja vimos.* Dizemos equivocada, porque a ri-gor a nocao de cultura politica diz mais respeito aos revestimentos simbOlicos do processo de decisao do que as necessidades politicas e o impacto da decisao na relnao entre os Estados. No entanto, como vimos anteriormente, muitos autores tern lancado mao do

0 conceito de `ideologia politica', aqui utilizado, acha-se desenvol-vido na tese de Mario Machado, Political Socialization in Authoritarian

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conceito de cultura politica como urn conjunto de va-lores, crencas e atitudes derivados da cultura, que os decisores e executores politicos trazem para o exercicio do poder e que explicam em Ultima instancia nao so as decisoes como a prOpria constituicao do sistema po- litico.

Em oposicao a essa perspectiva, cremos que o sis-tema politico produz seus valores especificos, aqui cha-mados de ideologia politica, e que orientam os respon-saveis pela decisao politica. Em outras palavras, os `valores e `crencas' daqueles que decidem ligam-se primordialmente as necessidades do sistema politico em que atuam.

Essa distingao nao nega a validade dos esforcos que hoje se fazem no sentido de recuperar a importan-cia da cultura na explicacao mais acurada das noes sociais. Haveria ai urn espaco para resgatar a nocao de cultura politica do pantanal de equivocos em que ela tern sido plantada, desde que se delimitasse com precisao o ambito de sua acao. Se, por exemplo, este trabalho se propusesse a fazer um estudo comparativo de desempenhos e estilos diplomaticos, seria sem do-vida primordial apelar para a cultura politica. Mas explicar a existencia e funcionamento do sistema poli-tico somente pela cultura seria um reducionismo tao incorreto quanto considera-lo urn epifenomeno do sis-tema economic°. Os que lancam mao apenas da nog -do de cultura politica para explicar as decisoes de politica externa nao levam em conta a especificidade do campo, e corn isso o processo decisOrio se reduz a uma ques-tao psicolOgica e educational (a socializacao de indivi-duos nos valores de uma dada cultura). Ocorre entao uma 'despolitizacao' do campo politico que se preten-de estudar, que nao consipreten-dera o papel da coercao na instituicao da ordem politica, nem a dimensao institu-

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cional do consentimento dado aos valores ( Machado, 1975, 27).

Em resumo, a reproducao da dominacao em de-terminado sistema de poder requer mais do que urn potencial coercitivo e formulacoes legais; requer tam-bem uma legitimacao ideolOgica, mediante a qual a dominacao apareca como convergencia de interesses entre dominados e dominadores. Esse processo de so-cializacao politica, que deve ser entendido de urn pon-to de vista macropolitico e nao individual, ot one a partir da 'ideologia politica' segregada pelo sistema de poder e tern uma forca prOpria na mobilizacao dos atores, pois traduz em consenso os elementos de con-tradicao do sistema. E claro que em momentos de crise, em que o consenso desaparece, o sistema pode apelar pura e simplesmente para formas coercitivas a fim de manter a dominacao.

Uma vez estabelecido, o sistema de poder tende a ganhar estabilidade e perdurar no tempo. No entan-to, os sistemas de poder mais fortemente estabelecidos dao lugar, a longo prazo, a arranjos de novo tipo. As mudancas na esfera de poder internacional podem ocorrer pelo surgimento de novos sistemas de poder e/ou pelo desaparecimento de outros, assim como pelo transit° de paises de urn sistema a outro. As modifica-coes significativas na relacao entre os sistemas de po-der nem sempre coincidem com as mudancas de orien-tacao nas conjunturas politicas nacionais; quando, porem, isso ocorre, cria-se uma situacao particular-mente propicia

a

reorientacao na politica externa, especialmente se se trata de urn aliado subordinado, visto que os condicionamentos mais fortes do sistema de poder sobre as conjunturas politicas nacionais se desmantelam ou pelo menos se enfraquecem sensivel-mente.

s'4Q7BLIOTICAli

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As determinagiies conjunturais

Urn segundo nivel de ancilise consiste em compreender as conjunturas politicas imediatas tanto no centro hege-mOnico como na periferia. 0 processo politico no cen-tro hegemonico age no sentido de manter a relagao estrutural e/ou fortalece-la. Naturalmente, os metodos e instrumentos para realizar esse objetivo variam, sao inclusive objeto de disputa no interior dos governos, mas o exame dessas disputas é, por si SO, insuficiente para perrnitir o entendimento da politica da grande potencia. Por isso, o debate e as formulacoes sobre `quern decide' em politica externa podem ter certa uti-lidade descritiva, mas nao fornecem, por si sOs, explica-goes compreensivas.

Quanto aos aliados subordinados, o processo po-litico pode agir tanto no sentido de manter a relacao estrutural, nega-la, ou simplesmente redefini-la, depen-dendo da correlacao de forcas no seu interior. No caso dos paises de economia dependente tem-se insistido no papel crucial do Estado no processo de acumulagao capitalista (Velho, 1972; Martins, 1973). Segundo Aspasia Camargo, a prOpria situacao de dependencia acentua o poder estatal, visto que muitos dos processos de crescimento economic° nao sao controlados interna-mente, isto e, escapam ao controle direto das classes economicamente dominantes, que tambem sofrem de algum modo os efeitos daqueles processos. 0 Estado, nesse caso, seria a Unica entidade capaz de exercer algum `controle' sobre essis forcas externas (Camargo, 1973, 35-39 ). Por isso, o foco de nossas atengoes sera a acao estatal e os conflitos de interesse que condicionam tal acao. Estaremos preocupados, ao mesmo tempo, em vincular concretamente a acao do Estado aos grupos de interesse que procuram ter acesso aos centros de

decisao, e em sublinhar a autonomia da acao estatal face a esses mesmos grupos.

Para isso examinaremos, a seguir, o contexto da acao do Estado brasileiro na decada de 1930, em ter-mos dos conceitos formulados, procurando discernir o significado geral da politica externa brasileira no periodo.

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CAPITULO 2

0 Brasil e os novos sistemas de

poder: o fundamento do equilibrio

Neste capitulo procuraremos examinar o contexto em que se dá a politica externa brasileira de 1935 a 1942 dentro da perspectiva tracada no capitulo introduterio. Comecemos por um exame sumario da esfera de poder internacional.

A. A Estruturactio dos Novos Sistemas de Poder

Se o sec. XIX pode ser considerado o momento do apogeu da sociedade liberal, no qual a acao imperia-lista sublinha sua extraordinaria capacidade para esten-der uma influencia economica, politica e cultural por todo o mundo, o periodo que vai da Primeira a Segun-da Guerra Mundial (1914/18-1939/45) e o momento de sua crise generalizada. E uma crise politica, em que o Estado liberal passa a ser contestado por um lado como ditadura de classe, por outro, como excessiva-mente democratico; a uma crise ideologica, em que os pressupostos de racionalidade do liberalismo sao ata-cados ora em nome de valores tradicionais, ora em funcao de perspectivas radicalmente novas; e e uma crise econ4mica e social que, com a excecan de urn breve momento de prosperidade, recobre todo o perio-

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do. 0 entre-guerras assiste a um recuo generalizado do liberalismo, ao mesmo tempo que se fortalecem e se confrontam as alternativas socialistas e fascistas que procuram mobilizar as massas para a tomada do poder

(Falcon, in Rodrigues, 1974, 17-36).

A crise econdmica desarticulou o sistema

capita-lista mundial e provocou como resposta dos Estados a adocao de politicas de protecao economica e conquista de mercados, claramente nacionalistas. A decada de 1930 assistiu, portanto, a uma verdadeira guerra mun-dial na esfera internacional, e ate mesmo as potencias tradicionalmente liberais nao ficaram imunes as ten-dencias da epoca, procurando defender por todos os meios seus mercados. Os menos aquinhoados dentre as grandes potencias, isto é, aqueles que sairam da Pri-meira Guerra Mundial como `perdedores' (Alemanha, Japao e Italia) e que nao dispunham de imperios colo-niais, impulsionavam uma politica de conquista de mercados e fontes de materias-primas, de modo paci-fico ou violento. Quijano nota, com muita acuidade, que nenhuma potencia pretendeu nesse momento sal-var o sistema capitalista mundial ou dar-lhe uma orde-nnao, mas cada governo tratou de Or em acdo seus objetivos expansionistas nacionais (Quijano, in Cotler e Fagen, 1974, 87-88). Os Estados Unidos cons-tituem uma excecao notavel, como defensores da recuperacao do comercio internacional em termos de livre-cambismo, por razOes que examinaremos mais adiante. A competicao interimperialista levaria a uma recomposicao do sistema mundial em bases novas e modificaria o proprio carater da acao imperialista, alem de criar situacoes novas que poderiam ser even-tualmente Uteis as economias dependentes.

Na esfera de poder internacional, as mudanas foram radicais. Ate 1914, as relacoes internacionais se

regiam pela nocao de `equilibrio de poder', o que sig-nificava, primeiro, a presenca de varios sistemas de poder na esfera internacional e, segundo, a centralidade europeia nas relacoes internacionais. Mas as mUltiplas rivalidades decorrentes da propria expansao da socie-dade liberal europeia conduziram a guerra generali-zada ( Falcon e Moura, 1977, 137-139), e a partir dai os sistemas de poder tradicionais entram em irreme-diavel declinio, consumado pela Segunda Guerra Mun-dial, quando entao emergem dois novos e exclusivos sistemas de poder (EUA e URSS ).

No periodo entre-guerras temos, portanto, ao mes-mo tempo, a desintegracao de antigos sistemas de poder, cujas areas de influencia passam a ser objeto de disputa, e a constituicao de novos sistemas que pro-curam ampliar sua area de influencia. E bern verdade que nesse momento os candidatos a condicao de centro hegernOnico nao eram considerados como tais pela consciencia politica da epoca, embora ja se encon-trassem agindo naquele sentido. Contribuiam para isso o isolamento que se impuseram EUA e URSS face as relacoes internacionais apos a Primeira Guerra Mun-dial, e a crenca de que o Tratado de Versalhes redu-zira a Alemanha a impotencia. Isso alimentou a ilusdo de que as relacoes internacionais poderiam ser consi-deradas atraves da velha nocao de equilibrio de poder entre as potencias europeias exclusivamente. Na ver-dade, ja se modelavam novos sistemas de poder no piano internacional: EUA, Alemanha e URSS.

Voltada para si mesma na construcao do 'socia-lism num so pais', a Unido Sovietica nao parecia de-sempenhar, aos olhos da Europa, o papel de uma po-tencia emergente na decada de 1920. A intervencao estrangeira, seguida pela politica do `cordao sanitario' estabelecido pelas potencias em tomb do pais, parecia

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ter contido em seus limites a ameaca bolchevique de revoluedo. Nao obstante e apesar das terriveis convul-saes internas desencadeadas a partir da decisdo de coletivizar rapidamente a economia, a decada de 1930 assistiu a um salto espetacular na capacidade produ-tiva sovietica, gracas a planificaedo econOmica. E embora a politica externa do stalinismo oscilasse em termos taticos, guardava urn sentido fundamental: garantir a seguranca e o poder da Unido Sovietica (Deutscher, 1967, 57-74 ). 0 resultado do seu cresci-mento the permitiu, na segunda metade da decada de 1930, ser considerada urn parceiro ou adversario res-peitavel no quadro dos candidatos a grande potencia; desse modo, a sua influencia ideolOgica, somava-se entao o seu poder politico no continente europeu.

Sob a conjuntura do 'isolacionismo' apOs a Pri-meira Guerra Mundial, o poder economic° dos Estados Unidos nao cessou de crescer. E a crise econOmica de 1929, produzindo resultados devastadores, suscitou uma nova configuracao do capitalismo nacional, corn uma intervened° decidida do Estado no piano econO-mico, planejando, controlando e investindo em larga escala. Mas a capacidade produtiva da economia norte-americana era tamanha, que sua capacidade competitiva sobrepassava as demais potencias capita-listas. Para essa economia em expansdo era necessario:

1.°) ligar-se a outras economias no piano internacional para assegurar sua prOpria recuperacdo e crescimento; nesse sentido a America Latina seria urn elemento-chave em virtude' de seu papel de fonte de materias-primas e mercado para a exportacao da indirstria pe-sada americana, assim como area proveitosa para inves-timento (Green, 1971, 19 ); 2.°) defender a politica do livre-comercio, capaz de abrir-ihe as portas dos

mercados mundiais para os manufaturados e materias-primas que exportava. Isso colocava os Estados Uni-dos contra a corrente protecionista que encontrava seguidores fervorosos nos governos de paises fascistas, mas tinha tambem entre seus simpatizantes os prOprios paises de capitalismo avaneado e tambem os paises de economia dependente. A insistencia do governo dos Estados Unidos na recuperacao do comercio interna-cional sob sua lideranea relacionava-se menos as exi-gencias dos grupos americanos ligados ao comercio exterior e mail as formulaeoes estrategicas de um Estado que comeeava a agir como grande potencia; mas cram formulaeoes que faziam coincidir em termos gerais os interesses comerciais americanos.

A consolidaedo do Estado nacional-socialista na Alemanha (1934) laneou novamente a Alemanha no cenario internacional. A semelhanca de 1914, tambem agora ela tentava elevar-se a categoria de potencia mundial, em pe de igualdade corn as demais potencias, mas a dimensdo dominantemente europeia de sua poli-tica externa confundia os analistas, que viam em sua politica agressiva a tentativa de estabelecer uma hege-monia sobre o continente, criando urn imperio europeu

(Barraclough, 1964, 90-118). Na decada de 1930, os objetivos revanchistas e anexionistas do nazismo encon-traram perfeita consonancia corn as limitaeoes do mer-cado interno alemdo, agravadas pela politica de carte-lizaedo e compressao salarial, que apontavam a con-quista de espaeos econOmicos no exterior como a solu-gdo para os problemas do momento (Bettelheim, 1971, v. II, 101-116). A extensdo do seu domino territorial e a conquista de novos mercados sao apenas duas faces da mesma politica imperialista.

Na America Latina, os conflitos ideolOgicos opu-nham tres foreas principais: socialismo, fascismo e

Referências

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