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30 Anos de Experiência em Nefrologia Pediátrica: um Estudo Descritivo 30 Years of Experience in Pediatric Nephrology: a Descriptive Study.

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30 Anos de Experiência em Nefrologia Pediátrica:

um Estudo Descritivo

30 Years of Experience in Pediatric Nephrology:

a Descriptive Study.

José Silvério S. Diniz, José Maria P. Silva, Eleonora M. Lima, Luis Sérgio B. Cardoso, Maria

Lúcia S. Moreira, Ana Cristina S. Silva, João Luiz Monteiro, Maria Goretti P. Guimarães, Valeska

M. Machado, Roberta P. Silva, Tatiana Martins, Joyce S. Fiorini, Renata C. Marciano, Cristiane

S. Dias, Marcelo C. Campos, Graziella O. Pinho, Eduardo A. Oliveira

Unidade de Nefrologia Pediátrica, Departamento de Pediatria do Hospital das Clínicas — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.

Recebido em 16/08/05 / Aprovado em 14/10/05

Endereço para correspondência:

Eduardo Araújo Oliveira Av. Prof. Alfredo Balena 189 / 804 30130-100 Belo Horizonte, MG Email: eduolive@medicina.ufmg.br

RESUMO

Objetivo: Descrever as principais características dos pacientes portadores de doenças do trato urinário admitidos em uma unidade terciária de nefrologia

pediátrica. Pacientes e métodos: Estudo retrospectivo de dados registrados em prontuários médicos de crianças e adolescentes admitidos na Unidade de Nefrologia Pediátrica entre 1969-2002. Foram analisados os seguintes dados demográficos e de identificação: procedência, naturalidade, data de nascimento, data de admissão, cor, sexo e idade. Em relação aos dados de diagnósticos foram incluídas informações referentes ao motivo de encaminhamento, diagnóstico da doença de base, problemas associados, procedimentos cirúrgicos, biópsia renal, e dados evolutivos (hipertensão, surtos de infecção urinária, insuficiência renal). A análise estatística foi descritiva e foram calculados o odds ratio (OR) e o respectivo intervalo de confiança a 95% (95% IC) para identificar grupos de risco de evoluírem com hipertensão e insuficiência renal. Resultados: Foram registrados dados de 4.804 pacientes, sendo que 2.281 eram do sexo masculino (47,5%) e 2.523 do sexo feminino (52,5%). A média de idade de admissão foi de 5 anos (DP = 4,3). O mais freqüente motivo de encaminhamento foi infecção urinária – 1.872 (39%) pacientes, seguido de glomerulopatias – 1.071 (22,3%) e hematúria – 522 (11%). No seguimento, 665 (13,8%) pacientes cursaram com hipertensão arterial e 429 pacientes (8,9%) apresentaram deterioração da função renal. O grupo das glomerulopatias apresentou o maior risco de insuficiência renal no seguimento (OR = 2,2, IC 95% = 1,8–2,8, p< 0,001). Conclusão: Nossa casuística mostra a prevalência das doenças renais mais freqüentes na faixa etária pediátrica e a relativa alta morbidade associada a elas. (J Bras Nefrol 2005;27(4):201-206)

Descritores: Banco de dados. Nefrologia pediátrica. Síndrome nefrótica. Insuficiência renal. Infecção urinária.

ABSTRACT

Objective: The aim of this study was to describe the main features of patients with diseases of kidney and urinary tract admitted at a tertiary center of

pediatric nephrology. Patients and Methods: Retrospective study of data registered in medical records of children and adolescents admitted at Pediatric Nephrology Unit between 1969 and 2002. The following demographic data were included in the analysis: birthplace, birth date, date of enrollment, race, gender, and age. Diagnostic data were also analyzed including the motive of referral, main diagnosis, associated anomalies, surgical procedures, renal biopsy, and outcome (hypertension, episodes of urinary tract infection, chronic renal insufficiency). Statistical analysis consisted of descriptive data and the odds ratios (OR) and respective confidence intervals were calculated to identify risk groups of hypertension and chronic renal insufficiency. Results: Data from 4,804 patients were included in the analysis being 2,281 males (47.5%) and 2,523 females (52.5%). The mean age at admission was 5 years (SD = 4.3). The most frequent motive of referral was urinary tract infection – 1,872 (39%) patients, followed by glomerulonephritis – 1,071 (22.3%), and hematuria – 522 (11%). During follow-up, 665 (13.8%) patients developed hypertension and 429 patients (8.9%) presented chronic renal insufficiency. Patients with glomerulonephritis presented a greater risk of chronic renal insufficiency during the follow-up (OR = 2.2, 95% CI = 1.8–2.8, p< 0.001). Conclusion: Our series have shown the most prevalent renal diseases in children and its relative high morbidity. (J Bras Nefrol 2005;27(4):201-206)

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INTRODUÇÃO

Nefrologia Pediátrica é uma especialidade da Pediatria que lida com a fisiologia e fisiopatologia dos rins e do trato urinário em crianças e adolescentes, grupo etário que apresenta características constitucionais dife-rentes dos adultos1,2. Essa especialidade se desenvolveu a partir do interesse de médicos e pesquisadores em compreender a fisiopatologia das doenças glomerulares, o metabolismo de água e eletrólitos, a manutenção da homeostase, e do equilíbrio ácido-básico3.

O espectro de doenças que afetam os rins e o trato urinário na faixa etária pediátrica é amplo, incluindo as de-sordens glomerulares primárias ou secundárias, anoma-lias congênitas, infecção urinária, doenças tubulares, doen-ças císticas hereditárias, nefrolitíase, vasculites, e ou-tras4,5. Este quadro torna-se mais desafiador diante da possi-bilidade de um percentual significativo desses pacientes evoluírem para insuficiência renal, necessitando de tera-pias de substituição da função renal de grande comple-xidade e alto custo6. Muitos pacientes nessa faixa etária com doenças renais ou do trato urinário necessitam de enca-minhamento para uma unidade terciária especializada7.

Há mais de 30 anos a Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG (UNP-HC-UFMG) tem prestado assistência a crianças e adolescen-tes com doenças nefrourológicas. Como uma unidade terciária de assistência, de ensino e de pesquisa clínica, a UNP-HC-UFMG entende que as informações e dados obtidos no transcorrer dessas atividades são uma rica fonte de conhecimento para entendermos a evolução da nefrologia pediátrica nas últimas décadas8. Esse estudo tem como objetivo descrever as principais características dos pacientes admitidos na Unidade e avaliar as principais doenças dos rins e vias urinárias encaminhadas para uma unidade terciária em nosso meio, bem como investigar preliminarmente a evolução das mesmas e os fatores que influenciaram o prognóstico dessas desordens.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram coletados retrospectivamente dados registrados em prontuários próprios da Unidade de Nefrologia Pediátrica – HC–UFMG de 4.804 pacientes admitidos entre 1969 a 2002. A UNP está situada em Belo Horizonte, associada ao Hospital das Clínicas, um hospital terciário universitário, pertencente à estrutura de saúde do SUS, provendo serviços de diagnóstico e tratamento para todos os pacientes da rede pública de saúde de Minas Gerais. Os dados foram armazenados em um banco de dados desenvolvido para essa finalidade. O projeto de informatização foi iniciado em 1994 e estruturado em diversas etapas seqüenciais9. Esse banco de dados foi baseado em um

prontuário específico desenvolvido no início da Unidade e no qual as informações sobre todos os pacientes cadastrados desde 1969 foram coletadas. O programa denominado “INFONE-FRO” foi dividido com quatro etapas que têm sido realizadas progressivamente: (1) Identificação, (2) Diagnósticos, (3) Evolução e (4) Banco de imagens. O banco de dados foi desen-volvido em um programa relacional, sendo que para cada etapa foi elaborada uma tabela de armazenamento de dados. No programa de identificação constam os seguintes dados: nome, procedência, naturalidade, data de nascimento, data de admis-são, cor, sexo e nomes dos pais. No programa de diagnósticos foram incluídas informações referentes ao motivo de enca-minhamento, diagnóstico da doença de base, problemas asso-ciados, procedimentos cirúrgicos, biópsia renal e dados evolutivos (hipertensão, surtos de infecção urinária, insuficiên-cia renal). Foram incluídas ainda as datas dos principais procedimentos e eventos ocorridos. Biópsia renal foi indicada em pacientes com síndrome nefrótica (córtico-resistente e córtico-dependente), hematúria de origem glomerular e outras indicações clínicas menos freqüentes. Hematúria microscópica foi definida como presença de cinco ou mais hemácias por campo em aumento de 400 vezes, após centrifugação da amostra de urina, em pelo menos dois exames em ocasiões diferentes. Para garantir a uniformidade dos dados foram criados mecanis-mos acessórios de preenchimento. Por exemplo, para o campo Motivo de Encaminhamento, a tabela auxiliar contém os seguintes diagnósticos possíveis: agenesia/displasia renal; doença cística; glomerulopatia; hematúria; hipertensão; infec-ção urinária; litíase; uropatia; vasculopatia; vasculite; misce-lânea; ausência de doença renal e sem diagnóstico. Dessa manei-ra, esse campo somente pode ser preenchido com esses diagnósticos, de maneira uniforme; caso contrário, o programa rejeita o procedimento, impedindo o usuário de continuar até que ocorra a correção.

Nesse estudo foram analisados os dados de Iden-tificação, Diagnósticos e Evolução. As seguintes variáveis foram incluídas na análise: sexo, idade, procedência, motivo de encaminhamento, diagnóstico da doença de base, procedimentos realizados (cirurgias e biópsias), presença de hipertensão arterial e insuficiência renal no seguimento. Análise dos dados foi descritiva e realizada no programa SPSS. Foram calculados o odds ratio (OR) e o respectivo intervalo de confiança a 95% (95% IC) para identificar grupos de risco de evoluírem com hipertensão e insuficiência renal.

RESULTADOS Dados demográficos

Do total de 4.804 pacientes inscritos, 2.281 eram do sexo masculino (47,5%) e 2.523 do sexo feminino (52,5%). Em relação à cor da pele houve predomínio de brancos – 2.489 pacientes (51,8%), seguida de pardos – 1.365 (28,4%) e negros – 613 (12,7%). Não foi registrada a cor da pele em 337 pacientes (7%). A idade média de

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admissão foi de 5 anos (DP = 4,3). As crianças do sexo masculino foram admitidas com média de idade de 4,9 anos (DP = 4,4) e as do sexo feminino com 5,1 anos (DP = 4,3), sendo a diferença significativa (p = 0,04). A distri-buição de freqüência da idade na admissão de acordo com o sexo é ilustrada na figura 1. Houve predomínio do sexo masculino apenas no primeiro ano de vida, do sexo femi-nino nas demais faixas etárias, exceto após 13 anos de vida, quando houve igualdade entre os sexos.

Dados do diagnóstico e evolução

Em relação ao motivo de encaminhamento, os pacientes foram divididos em categorias abrangentes. O motivo mais freqüente de encaminhamento foi infecção urinária – 1.872 (39%) pacientes, seguido de glomerulo-patias – 1.071 (22,3%). Em seqüência, os demais motivos de encaminhamento foram: hematúria – 522 (11%), uropatias – 458 (9,5%), litíase – 166 (3,5%), hipertensão arterial – 126 (2,6%), doenças císticas – 124 (2,6%) e outros (9,4%). Houve diferença significativa da mediana de idade entre as principais categorias de diagnóstico, variando de 1,4 anos para as doenças císticas até 8,5 anos para pacientes com litíase (p< 0,001). A figura 2 ilustra as diferenças da mediana de idade entre os grupos.

Infecção urinária (ITU)

Um total de 1.872 pacientes foi encaminhado para investigação de ITU, sendo 655 (35%) do sexo masculino e 1.217 (65%) do sexo feminino. A média de idade de en-caminhamento foi de 3,5 anos (DP = 3). Os pacientes do sexo masculino foram admitidos com idade menor (2,9 anos, DP = 3,2) quando comparados com pacientes do sexo feminino (3,9 anos, DP = 3,4) (p< 0,001). Dos 1.872 pacientes analisados, o diagnóstico de infecção urinária não foi confirmado em 291 (15,5%) casos e outros 91 (4,9%) pacientes abandonaram precocemente o

segui-mento, não realizando a propedêutica na Unidade. Dos 1.490 casos (79,5%) nos quais foi confirmado o diag-nóstico de ITU, em 518 (34,7%) não foram encontradas quaisquer anomalias do trato urinário. Nos 972 (65,3%) pacientes restantes foram detectados diversos tipos de uropatias, sendo o refluxo vesicoureteral primário o mais comum: 377 (38,7%) dos pacientes. Outros achados foram: bexiga neurogênica – 96 (9,9%), duplicação do trato urinário – 89 (9,1%), válvula de uretra posterior – 80 (8,2%), estenose pieloureteral – 55 (5,6%), litíase – 35 (3,6%), ureterocele – 26 (2,7%), estenose ureterovesical – 20 (2%) e outros menos comuns.

Glomerulopatias

Um total de 1.071 pacientes foi encaminhado para investigação de ITU, sendo 588 (54,9%) do sexo masculino e 483 (45,1%) do sexo feminino. A média de idade de encaminhamento dos pacientes com doença glomerular foi 7 anos (DP = 4). Houve diferença signi-ficativa da média de idade de admissão entre o sexo mas-culino (6,7 anos, DP = 3,9) e o sexo feminino (7,4 anos, DP = 4,2) (p = 0,004). Dos 1.071 pacientes encaminhados para avaliação de uma possível glomerulopatia, 109 (10%) abandonaram o seguimento precocemente, antes da realização da propedêutica. Nos demais 962 casos, o diagnóstico da doença de base mais comum foi glomeru-lonefrite aguda pós-estreptocócica em 288 casos (30%). Outros achados freqüentes foram: síndrome nefrótica córtico-sensível – 208 (21,6%), esclerose focal e segmentar – 121 (12,6%), mesângio-proliferativa – 87 (9%), nefropatia IgA – 68 (7%), nefrite lúpica – 23 (2,4%), endo-extra capilar – 18 (1,9%), proliferativa difusa – 14 (1,5%), esclerose mesangial difusa – 13 (1,4%), membranoproliferativa – 10 (1%), membranosa – 4 (0,5%) e outros diagnósticos – 59. Outras 49 crianças estão em propedêutica ou em seguimento, sem o diagnóstico definitivo da causa básica confirmado.

Figura 1. Distribuição da idade de acordo com o sexo na admissão na Unidade de Nefrologia Pediátrica.

Figura 2. Distribuição da idade de acordo com o diagnóstico na Unidade de Nefrologia Pediátrica.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 >14 Idade (anos) 700 500 400 300 200 100 0 700 Pacientes 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 -2 Idade (anos)

Cística Uropatia UTI Tubulopatia Diagnóstico

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Hematúria

Um total de 522 pacientes foi encaminhado para investigação de hematúria, sendo 283 (54,2%) do sexo masculino e 239 (45,8%) do sexo feminino. A média de idade de encaminhamento dos pacientes com hematúria foi 7,8 anos (DP = 3,6). Não houve diferença significativa da média de idade de admissão entre o sexo masculino (7,9 anos, DP = 3,6) e o sexo feminino (7,5 anos, DP = 3,7) (p = 0,22). Dos 522 pacientes encaminhados para avaliação de hematúria macroscópica ou microscópica, 120 (23%) abandonaram o seguimento precocemente, antes da reali-zação da propedêutica, e em outros 128 (24,5%) o diag-nóstico não foi determinado (pacientes em seguimento ou em propedêutica). Assim, 248 (47,5%) dos casos de hema-túria encaminhados não tiveram o diagnóstico da causa básica. Nos demais 274 casos, o diagnóstico da doença de base mais comum foi hipercalciúria em 148 casos (sendo 55 associados a litíase renal), nefropatia IgA – 58 casos, e outros distúrbios metabólicos da urina em 35 casos.

Dados do seguimento

Além dos diagnósticos obtidos na avaliação dos pacientes, foram registradas informações relativas ao se-guimento clínico. Durante o acompanhamento na Uni-dade, 844 (17,5%) foram submetidos a procedimentos ci-rúrgicos diversos. Um total de 576 pacientes (12%) foi submetido a biópsia renal no período. No seguimento, 665 (13,8%) pacientes cursaram com hipertensão arterial. A hipertensão arterial esteve associada mais freqüentemente com glomerulopatias – 329 pacientes e uropatias – 89 ca-sos. Hipertensão essencial foi diagnosticada em apenas 24 crianças. O grupo dos pacientes com glomerulopatias apre-sentou maior risco de desenvolver hipertensão arterial no seguimento (OR = 4,3, IC 95% = 3,7–5,2, p< 0,001). Em relação à evolução para insuficiência renal crônica, 429 pa-cientes (8,9%) apresentaram deterioração da função renal (ou já foram encaminhados com disfunção renal). O grupo dos pacientes com glomerulopatias apresentou o dobro do risco de desenvolver insuficiência renal no seguimento (OR = 2,2, IC 95% = 1,8–2,8, p< 0,001). Houve asso-ciação entre a presença de hipertensão arterial e a evolução para insuficiência renal durante o acompanhamento na Unidade (OR = 18, IC 95% = 14–23, p< 0,001).

DISCUSSÃO

Nos últimos anos houve significativa modificação na epidemiologia das doenças nos países em desenvol-vimento. Na América Latina, entre 1950-55 e 1990-95 a

expectativa de vida ao nascer aumentou de 51,3 para 67,9 anos. No mesmo período, a mortalidade infantil caiu de 127 para 47 por 1.000 nascidos vivos. A ampliação dos programas de vacinação e a melhoria dos cuidados no pré-natal, o tratamento efetivo das doenças infecciosas e a terapia de reidratação oral para a diarréia aguda têm contribuído para alterar substancialmente o quadro epidemiológico. Neste contexto, as doenças crônicas têm se tornado relativamente mais importantes no cenário epidemiológico10-12.

No presente estudo foi relatada a experiência de 30 anos de uma Unidade de Nefrologia Pediátrica imple-mentada em hospital universitário que promove acesso a todos os níveis sociais. Os principais motivos de enca-minhamento foram: infecção urinária (39%), seguido de glomerulopatias (22,3%) e hematúria (11%). Assim, essas três condições corresponderam a 72% dos problemas do trato urinário referendados à nossa unidade. A referência para serviços terciários depende de vários fatores como organização dos serviços de saúde públicos ou privados, disponibilidade de unidade terciária na região, acesso dos pacientes a esses serviços e da qualidade e capacidade de resolução dos serviços primários. Assim, um quadro epidemiológico real das doenças renais mais graves que afetam crianças e adolescentes é difícil de ser obtido. Chan5 relatou experiência de 20 anos de um programa em nefrologia pediátrica no estado da Virginia (EUA). Um total de 3.150 pacientes foi encaminhado no período, sendo o mais freqüente motivo alterações urinárias (hematúria e proteinúria), correspondendo a 25,7% dos casos. Outras causas freqüentes de encaminhamento foram doenças glomerulares (17,3%), insuficiência renal (10%), tubulo-patias (9,3%) e hipertensão arterial (9%). É interessante notar que infecção urinária foi responsável por apenas 4,5% entre os motivos de encaminhamento. Recentemen-te, Filler et al.7relataram dados de uma unidade de nefro-logia pediátrica situada em uma região bem determinada no Canadá (Otawa, com cerca de 1.000.000 de habitan-tes). Eles descreveram dados de 6.154 casos encaminha-dos entre 1985-2002. As causas mais comuns de enca-minhamento foram enurese primária (19%), infecção uri-nária recorrente (16%), hematúria (16%), proteinúria (8,5%), nefropatia do refluxo (3,5%), entre outras. Assim, deve ser notado que há uma grande hetero-geneidade de doenças renais em crianças e adolescentes encaminhados a unidades de referência em diferentes localidades.

Essa freqüência de problemas renais é provavel-mente determinada por múltiplos fatores, incluindo área de abrangência, condições sócio-econômicas da região, organização dos serviços de saúde, condições

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epidemio-lógicas e influências genéticas de cada população. Possi-velmente, em localidades onde há um serviço de atendi-mento primário bem organizado, com profissionais bem treinados, e propedêutica disponível, os pacientes referendados seriam aqueles com necessidades de exames específicos (como biópsia renal, por exemplo), ou com necessidade de seguimento especializado (como “nefropatia do refluxo” ou síndrome nefrótica córtico-resistente, por exemplo). Contudo, esse cenário não tem sido nossa realidade. Esse fato pode ser exemplificado pelos casos encaminhados com suposto quadro de infecção urinária. Em aproximadamente 20% dos casos o quadro não foi confirmado, muitas vezes porque o exame de urina original não foi obtido de maneira adequada (ou seja, com resultado falso-positivo). Entre os pacientes com diagnóstico confirmado, os quais tiveram o trato urinário investigado por exames de imagem, 33% não apresentavam anomalias do trato urinário. Assim, aproximadamente metade dos casos encaminhados poderia ser conduzida em unidades de atendimento primário, casos estas dispusessem de adequada capacidade de resolução. Por outro lado, 65,3% das crianças investigadas apresentavam anomalias ou alterações do trato urinário, sendo o refluxo vesicou-reteral a mais freqüente alteração encontrada (38% das uropatias). Crianças com infecção urinária devem ser investigadas para identificar fatores de risco de recor-rência e avaliar a presença de lesão renal13,14. Contudo, embora esta afirmativa seja consensual, há controvérsias sobre a melhor abordagem dessas crianças15. É impor-tante ressaltar que o percentual de anomalias do trato urinário encontrado em nossa casuística, especialmente de refluxo vesicoureteral, é similar ao descrito na litera-tura. Por exemplo, Sargent16reviu 250 estudos da lite-ratura e encontrou um percentual de 31% (IC 95% 29,9–32,8).

Outros achados de nossa casuística devem ser notados. A alta incidência em nosso meio de glomeru-lonefrite aguda pós-estreptocócica (30% das desordens glomerulares em nosso estudo) em contraste com a pe-quena freqüência dessa entidade em países desen-volvidos ou mesmo em países latino-americanos fora dos períodos epidêmicos17. Esse fato ressalta pro-vavelmente as baixas condições sócio-econômicas e sanitárias da maior parte de nossa população. Outro aspecto importante a ser comentado tem relação com a investigação e seguimento de crianças com hematúria isolada não associada a outros sinais e sintomas de doenças do trato urinário. Podemos observar em nossa série que, apesar de ser uma freqüente causa de encaminhamento para unidade de referência, mais da metade dos pacientes não tiveram uma causa básica

identificada ou não tiveram seguimento adequado. Esses dados chamam a nossa atenção para a neces-sidade de aprimoramento dos protocolos de inves-tigação de hematúria e, conseqüentemente, obtenção de maior adesão à abordagem desses pacientes.

Os dados de seguimento em nossa unidade mos-tram que um percentual significativo de crianças e adolescentes com doenças renais encaminhados a uma unidade terciária apresentaram evolução com hiper-tensão arterial (13,8%) e deterioração da função renal (12,9%) durante o seguimento. Assim, crianças e ado-lescentes com doenças do trato urinário vivenciam uma significativa morbi/mortalidade no período de acompanhamento, necessitando, quase sempre, de exames invasivos, procedimento cirúrgicos, trata-mentos complexos e de alto custo. Mais preocupante é o fato relatado por Filler et al.7, que demonstraram um aumento de incidência de insuficiência renal em dois períodos estudados. Entre 1985 e 1993, a incidência calculada foi de 0,994, aumentando para 2,334 por 100.000 crianças por ano no período de 1994 a 2002. Em nossa casuística, o grupo portador de doenças glomerulares crônicas apresentou pior prognóstico, com o triplo (OR = 3,2) do risco de insuficiência renal quando comparado com os demais pacientes. As doenças glomerulares, e conseqüente proteinúria, são marcadores independentes de mau prognóstico mesmo nos pacientes com insuficiência renal leve a mo-derada, como observado em estudo prévio em nossa unidade18.

Concluindo, nossa casuística representa dados preliminares de uma experiência de mais de 30 anos no tratamento e seguimento de crianças e adolescentes com doenças renais e do trato urinário. Esses dados chamam a nossa atenção para a prevalência das doenças renais mais freqüentes na faixa etária pediátrica e a relativa alta morbidade associada a elas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPEMIG e ao CNPq por incentivarem este estudo, na forma de fi-nanciamento da plataforma de informática e de bol-sistas de iniciação científica, respectivamente. Os então graduandos da Faculdade de Medicina da UFMG Artur Emílio Leonardi Tibúrcio, Adriana Gonçalves da Silva, Andrey Kaliff Pontes, Ivana Penido Giesbrecht, Júnia Carla Morais de Souza e Mariana Aun de Oliveira tiveram participação valiosa no início do projeto.

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