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Efeito de elementos externos ao SN na identificação de referentes

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(1)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTERNOS

AO

SN

NA IDENTIFICAÇÃO DE REFERENTES

Yara Goulart Liberato'

REsuMo

N

este trabalho procura-se mostrar que a informação exigida para a identificação de referentes pode ser encontrada em espaço externo ao Sintagma Nominal. Para tanto, discutem-se as condições sob as quais um Sintagma Adverbial anteposto pode não só exercer a função discursiva de tópico como, também, a de adjetivo, fornecendo informação relevante para o processo de delimitação do referente.

1 Introdução

Este trabalho se insere numa pesquisa maior que investiga a estrutura do SN em português. A análise proposta sugere que certos aspectos da composição in -terna do SN são determinados por sua função referencial.

Para dar um exemplo de um SN referencial podemos considerar a seguinte manchete retirada de um jornal:

(I) Charles foi fotografado nu

Normalmente, quando usamos um enunciado de forma declarativa como (1), esta-mos afirmando alguma coisa sobre alguém ou alguma coisa. Podemos dizer que a pessoa que produziu esse enunciado estava se referindo a uma entidade particula r-no caso, o príncipe Charles da Inglaterra, através do SN Charles e afirmando algo so-bre ela. A essa entidade particular chamamos referente. Esse não é o único tipo de referente possível, mas é suficiente para o objetivo deste artigo. (ver Liberato, 1997)

Alguns SNs servem assim para identificar referentes. Todavia nem toda a informação necessária para identificar o referente se encontra no SN. Parte da in-formação relevante pode vir do conhecimento de mundo armazenado em nossa me -mória e também de pistas lingüísticas localizadas fora do SN.

' Universidade Federal de Minas Gerais.

(2)

Yara Goulart Liberato

Pr

e

t

e

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sc

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s

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e

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s

.

2 Advérbios de lugar

O

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ou de

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l

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h

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, 1

970,

p. 246)

.

Mais particularmente

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restritivos. Na verdade,

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citada

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e

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(1977),

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e

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n

s

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o (2):

(2) Essa televisão pega melhor no outro apartamento.

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e

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-ça se

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lt

e

r

ação

na

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r

e

ta

ção:

(3) Essa televisão, no outro apartamento, pega melhor. (4) No outro apartamento essa televisão pega melhor.

A diferen

ça

qu

e

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e

(4),

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e

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d

e

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uma diferença

di

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os

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têm tópicos difer

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es

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d

e

Fau

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nni

e

r

(1985,

1

99

4

,

p.

3

0):

(5) Na Moldávia o presidente é um tirano.

(3)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTEiu"'OS AO SN NA IDENTIFICAÇÃO DE REFERENTES

Como observa o autor, (5) pode receber pelo menos duas interpretações: a) quando está na Moldávia, o presidente (daqui) é um tirano, ou b) o presidente da Moldávia é um tirano (independentemente de onde ele se encontre).

Na primeira interpretação, (5) é semelhante a (2)-(4), isto é, na Moldávia "especifica o I ugar de um evento". Já na interpretação (b), na Moldávia parece ter ou

-tra função, pois, nesse caso, não "especifica um lugar em que o evento expresso na oração se realiza". Comparem-se agora (6) e (7):

(6) O governo teve problemas em Pernambuco.

(7) Em Pernambuco o governo teve problemas.

A interpretação mais imediata para (6) é que o governo federal teve problemas em Pernambuco. Já em (7), a interpretação mais saliente é de que o governo de Pernam -buco teve problemas (que podem estar em outro lugar fora do estado). Ou seja, em

Pernambuco "especifica o lugar de um evento" em (6), mas não em (7). Em outras palavras, a interpretação mais saliente para (7) é semelhante à interpretação (b) de (5).

É

importante observar que as interpretações discutidas acima não são as

únicas possíveis para (6)-(7); apenas as mais imediatas. A interpretação de (6) é pos-sível para (7) e vice-versa, principalmente com o auxílio de uma pausa separando o "advérbio" do resto do enunciado. A saliência de uma interpretação para cada enun -ciado fica mais clara se comparamos:

(8) O governo teve problemas em Pernambuco mas preferiu socorrer outros e

s-tados.

(9) Em Pernambuco o governo teve problemas mas preferiu socorrer outros es

-tados.

Considerando (8) e (9) com entonação neutra, vê-se que (8) é natural, ao contrário

de (9)- embora (9) seja possível com a pausa. A estranheza de (9) parece se dever à estranheza de um estado resolver os problemas de outro estado em vez dos seus pró -prios. Assim, (9) é estranha porque trata do governo de Pernambuco. Ao contrário, é

mais natural (embora não exatamente mais justo) que o governo central ajude al -guns estados em detrimento de outros. Assim, (8), que trata do governo central, é

mais natural que (9).

Outros fatores além da entonação podem também favorecer uma ou outra

interpretação. Comparemos (6) com:

(I O) O governo teve problemas com a arrecadação de ICMS em Pernambuco.

A interpretação mais imediata para em Pernambuco de (1

O)

seria, a exem -plo do que ocorre em (6), de especificação do lugar onde o governo teve problemas,

78

SCRJPTA, Belo Horizonte, v. 2. n. 4, p. 76-86, 1° sem. 1999

(4)

Yara Goulart Liberato

e não de especificação do governo que teve problemas. Mas, a partir do nosso conhe-cimento de mundo, deduzimos que o ICMS é arrecadado pelo governo do estado e

não pelo governo federal. Então, se se está falando de arrecadação de ICMS, deve-se estar falando de governo estadual. Assim, mesmo sem estar separado do resto do

enunciado por uma pausa, o "advérbio" é interptretado como especificando o gover

-no que teve problemas com a arrecadação de ICMS.

3 Contribuindo para identificar um referente

Retomemos agora o exemplo (7) com entonação neutra. Pode-se dizer que, nesse caso, em Pernambuco tem uma relação muito mais estreita com o sujeito do que com o resto do enunciado. Nesse sentido, tem função semelhante à de um

"ad-junto adnominal restritivo", isto é, de um subclassificador, como em as praias per-nambucanas, o governo pernambucano. Em outras palavras, em Pernambuco em (7) delimita uma subclasse de "governos".

Essa interpretação fica mais clara em sentenças como:

( 11) a França o presidente tem uma casa de verão na Itália. ( 12) No Brasil o presidente viaja todo ano ao exterior.

Itália (ou uma casa de verão na ItáLia) não está no escopo da França, concretamente falando. São dois espaços geográficos totalmente diferentes. O mesmo se pode dizer

de BrasiL e o exterior. Não parece, portanto, que na Fra11ça e no BrasiL estejam espec

ifi-cando um lugar em que "se desenvolve o processo verbal" ou em que "o evento

ex-presso na oração se realiza". O que esses elementos parecem fazer é especificar o

presidente do qual se está falando.

Outro tipo de sentença em que a função de adjunto adnominal restritivo, isto é, a interpretação "subclassificadora" do "advérbio" fica mais clara é o de:

( 13) Em Minas o governador é do PSDB.

Em (13), a única interpretação possível é aquela em que em Minas ajuda a delimitar o referente de o governador (isto é, trata-se do governador de Minas), como se pode

ver da impossibilidade de:

( 14) *Em Minas o governador do Ceará é do PSDB.

Concluindo a discussão feita até aqui, pode-se dizer que a colocação do

"advérbio de lugar" no início do enunciado tem como efeito, em certos casos, além da atribuição da função discursiva de tópico, a alteração da sua interpretação, p as-sando de especificador de lugar de um evento a delimitador de um referente.

(5)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTERNOS AO SN NA IDENTIFICAÇÃO DE REFERENTES

Vamos agora

exa

min

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3.1

Posição

Como

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un

ciado.

Relembremos m

a

i

s

um

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(6) O governo teve problemas em Pernambuco. (7) Em Pernambuco o governo teve problemas.

Em

(7),

em Pernambuco

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ou

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m

que

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o-bl

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m

as

.

Relembremos também que

essa

r

e

l

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e

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s

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ção e

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e

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pode

se

r alterada com um

a e

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ção

m

a

rcada. Podemos di

ze

r, portant

o,

que

a

posição

inicial

é o

primeiro

fator

condicionante da int

erpretação s

ubcl

ass

ifi

cadora.

3.2

ldentificabilidade

Uma

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a

condição par

a

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funcione como um

s

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aja

no

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exto

(linguístico ou

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pos

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m

e

nte

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rtir do

SN

e

m

questão. T

omemos

um

exe

mpl

o:

(15) Em Portugal o presidente foi aplaudido várias vezes na rua.

Consideremos primeiramente (15)

e

m um

contexto

em qu

e o ass

unt

o se

j

a "as

m

a

ni-f

es

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ações

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m

que não

se

tenha

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it

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n

e

nhuma pessoa

em

part

i

c

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qua

l

pudesse

se

r o presidente de que

se está fa

l

a

ndo

e

m

(15).

Nesse caso, a inte

r

p

r

e-tação

s

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n

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tur

a

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,

i

sto é,

trata-se do presidente de

Port

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gal.

Im

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nd

o

utili

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num contexto

em

que

se

está falando d

e

Bill

C

l

inton. P

or exemp

lo:

(16) Bill Clinton é muito popular.

(15) Em Portugal o presidente foi aplaudido várias vezes na rua.

Nesse

caso,

Bill

C

lint

o

n

é

um r

eferente

que pode

se

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v

iduali

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i

retamente a

partir do

SN

o presidente

e, como se

trata do presidente d

os

Estados

Un

i

dos,

em Por -tugal

recebe a interpretação de

espec

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cador

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to e o suje

i

to é

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fato

int

e

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ll

C

lint

o

n. M

as

n

ão é só

o

co

nt

ex

to lin

güístico

que p

ode

(6)

Yara Goulart Liberato

favorecer essa interpretação, o candidato a referente pode estar no contexto situaci o-nal. Assim, numa conversa sobre política, que se realize na França, entre franceses, o enunciado (15) pode ser interpretado como uma referência a Jacques Chirac, me s-mo que ele não tenha sido citado antes uma única vez durante a conversa.

Ao que parece, portanto, o "advérbio" só vai poder contribuir para a delimi -tação do referente se este já não tiver sido individualizado a partir apenas do SN. Pode-se dizer que a relação anafórica tem preferência para identificar o referente.

Essa condição pode ser verificada também se se· compara o exemplo (4) com (17):

( 4) No outro apartamento essa televisão pega melhor. (17) No outro apartamento a televisão pega melhor.

Como vimos antes, em (4), mesmo anteposto, no outro apartamento é interpretado como especificador de lugar do evento. Já em (17), a interpretação subclassificadora é a mais imediata. Note-se que essa televisão é necessariamente interpretado como uma anáfora, enquanto para a televisão a leitura anafórica é possível mas não obri ga-tória. Em outras palavras, (17) pode receber duas interpretações: a) quando está no outro apartamento, essa televisão pega melhor (interpretação anafórica), ou b) a te-levisão do outro apartamento pega melhor (independentemente de onde ela se en -contre). A interpretação (a) só é possível, e é obrigatória, se houver no contexto uma entidade identificável a partir do SN a televisão.

À

primeira vista, trata-se da exigência de que o referente seja novo - no sentido de Chafe (1976). Mas não é esse o caso, ou melhor, não basta que o referente seja novo para que o "advérbio" na posição inicial funcione como subclassificador do SN sujeito. O que importa realmente é que o referente não seja individualizável independentemente do "advérbio". Se apenas o SN que está na posição do sujeito é suficiente para que o ouvinte individualize o referente, isto é, identifique uma enti-dade particular, o mais provável é que o elemento anteposto seja interpretado como especificador de lugar de evento. Essa questão fica mais clara se colocamos um nome próprio-que identifica diretamente uma entidade particular- na posição de sujeito:

(18) Em Portugal Tom Jobim foi aplaudido várias vezes na rua.

(18) é perfeitamente possível em um contexto em que o referente de Tom Jobim seja novo; mesmo assim, em Portugal só poderá ser interpretado como lugar do evento. 3.3 Expectativa

Para que a interpretação subclassificadora seja possível, é preciso também que haja um certo tipo de relação entre o lugar- significado original do advérbio- e o referente. Essa relação pode ser explicitada em termos da Teoria dos Esquemas.

(7)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTERNOS AO SN NA IDENTIFICAÇ:i.O DE REFERENTES

Relembrando, os esquemas estão associados a objetos, situações, eventos e seqüências de eventos que conhecemos e são ativados em nossa mente quando nos

deparamos com um desses objetos, situações, etc., ou com uma representação dos

mesmos. Assim, por exemplo, se vemos um cachorro ou se ouvimos a palavra

"ca-chorro", ativamos em nossa memória uma rede de informações que associamos a esse estímulo percebido. Essa rede de informações, ou esquema, se constitui de uma

parte central, que corresponde basicamente ao sentido "de dicionário" (como, para o

nosso exemplo, 'animal doméstico, mamífero, carnívoro', etc) e uma parte não

de-finitória mas normalmente associada à parte central. No caso de cachorro, coisas como "são perigosos", "servem para guardar a casa", etc. Perini (manuscrito) chama a esse tipo de conhecimento que compõe os esquemas de expectativas. As expectati -vas têm um papel crucial na compreensão. Um texto como Mudei para uma casa e por isso vou ter de compmr um cachorro só é compreendido de forma coerente porque nos

baseamos na expectativa de que "cachorros servem para proteger casas". Essa não é

uma informação que está expressa no texto, mas se damos sentido a ele é porque

imaginamos que o cachorro deverá guardar a casa. A necessidade das expectativas para a compreensão fica mais clara se comparamos o texto anterior com Ganhei um livro e por isfo vou ter de comprar um cachorro. Nesse caso, não parece haver uma

co-nexão entre livros e cachorros que possa ajudar na compreensão do texto; por isso ele

parece sem sentido.

Voltando agora à questão do início da seção, pode-se dizer que a relação

que deve existir entre o lugar e o referente, para que a interpretação subclassificadora seja possível, é uma relação de expectativa: a de que o referente exista naquele lugar.

Comparem-se, por exemplo, (19) e (20):

(19) Na Inglaterra o primeiro ministro gosta de caçar (20) Nos Estados Unidos o primeiro ministro gosta de caçar.

Para quem tem o conhecimento prévio adequado, em (! 9) tem-se preferencialmen

-te a interpretação subclassificadora, ou seja, em (! 9) entende-se que o primeiro mi

-nistro da Inglaterra gosta de caçar. Por outro lado, em (20) o "advérbio" não pode ser

interpretado como um delimitador do referente do sujeito, já que nos Estados Uni

-dos o regime não é parlamentarista. Em outras palavras, o conhecimento que se tem

sobre os Estados Unidos não inclui a expectativa da existência de um primeiro mi

-nistro americano. Assim sendo, nos Estados Unidos é interpretado como lugar con -creto onde o primeiro ministro de outro país (identificado por outros meios) gosta de caçar.1

1 Sentenças como (18) c (20), em que o advérbio recebe interpretação de lugar, costumam ocorrer em contexto contrastivo, como por exemplo em:

18. Em Portugal Tom Jobim foi aplaudido várias vezes na rua. i. mas em Porto Alegre não lhe deram a menor confiança.

(8)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTERNOS AO SN NA IDENTIFICAÇÃO DE REFERENTES

Relembrando, os esquemas estão associados a objetos, situações, eventos e seqüências de eventos que conhecemos e são ativados em nossa mente quando nos

deparamos com um desses objetos, situações, etc., ou com uma representação dos

mesmos. Assim, por exemplo, se vemos um cachorro ou se ouvimos a palavra

"ca-chorro", ativamos em nossa memória uma rede de informações que associamos a

esse estímulo percebido. Essa rede de informações, ou esquema, se constitui de uma

parte central, que corresponde basicamente ao sentido "de dicionário" {como, para o

nosso exemplo, 'animal doméstico, mamífero, carnívoro', etc) e uma parte não de-finitória mas normalmente associada à parte central. No caso de cachorro, coisas como "são perigosos", "servem para guardar a casa", etc. Perini (manuscrito) chama

a esse tipo de conhecimento que compõe os esquemas de expectativas. As expectati -vas têm um papel crucial na compreensão. Um texto como Mudei para uma casa e por

isso vou ter de comprar um cachorro só é compreendido de forma coerente porque nos

baseamos na expectativa de que "cachorros servem para proteger casas". Essa não é

uma informação que está expressa no texto, mas se damos sentido a ele é porque

imaginamos que o cachorro deverá guardar a casa. A necessidade das expectativas para a compreensão fica mais clara se comparamos o texto anterior com Ganhei um

Livro e por isso vou ter de comprar um cachorro. Nesse caso, não parece haver uma

co-'

nexão entre livros e cachorros que possa ajudar na compreensão do texto; por isso ele

parece sem sentido.

Voltando agora à questão do início da seção, pode-se dizer que a relação que deve existir entre o lugar e o referente, para que a interpretação subclassificadora seja possível, é uma relação de expectativa: a de que o referente exista naquele lugar.

Comparem-se, por exemplo, {19) e {20):

(19) Na Inglaterra o primeiro ministro gosta de caçar (20) Nos Estados Unidos o primeiro ministro gosta de caçar.

Para quem tem o conhecimento prévio adequado, em ( 19) tem-se preferencialmen

-te a interpretação subclassificadora, ou seja, em (19) entende-se que o primeiro

mi-nistro da Inglaterra gosta de caçar. Por outro lado, em {20) o "advérbio" não pode ser

interpretado como um delimitador do referente do sujeito, já que nos Estados Uni

-dos o regime não é parlamentarista. Em outras palavras, o conhecimento que se tem sobre os Estados Unidos não inclui a expectativa da existência de um primeiro

mi-nistro americano. Assim sendo, nos Estados Unidos é interpretado como lugar

con-creto onde o primeiro ministro de outro país {identificado por outros meios) gosta de

caçar.1

1 Sentenças como (18) e (20), em que o advérbio recebe interpretação de lugar, costumam ocorrer em contexto

contrastivo, como por exemplo em:

18. Em Portugal Tom Jobim foi aplaudido várias vezes na rua. i. mas em Porto Alegre não lhe deram a menor confiança.

(9)

Outros exemplos:

(21) Na minha casa a TV não pega bem.

(22) No jardim a TV não pega bem.

(23) No McDonald's o sanduíche é difícil de comer.

(24) No McDonald's a Beth é difícil de comer.

Yara Goulart Liberato

Como existe uma expectativa de que casas-mas não jardins- tenham

Tv,

(21) pode

ter interpretação subclassificadora, mas em (22) isso é pouco provável (a menos que

se esteja falando de uma casa que tenha uma tv em cada cômodo, inclusive no

jar-dim). Considerando-se a expectativa mais comum, no jardim é interpretado como o

lugar concreto em que uma determinada tv (identificada no contexto lingüístico ou

situacional) não pega bem.

Da mesma maneira, como existe uma relação de expectativa entre McDo-nald's e sanduíche mas não entre McDonald's e Beth, (23) é interpretada como 'é

di-fícil comer o sanduíche do McDonald's'; enquanto (24) recebe a interpretação "é di

-fícil a Beth comer no McDonald's".

3.

4

U

nicidade (Univer

sa

lidade)

A expectativa de existência do referente no lugar em questão não é, no e

n-tanto, suficiente para tornar a interpretação subclassificadora possível.

É

preciso a in-da que o referente seja o único naquele lugar a que se possa referir com o enunciado em questão. Essa condição de unicidade pode ser verificada se comparamos (25)

com (26):

(25) Na PUC o reitor foi homenageado pelos alunos. (26) Na PUC o professor foi homenageado pelos alunos.

A relação de expectativa existe tanto entre PUC e reitor quanto entre PUC e profes

-sor. No entanto, a relação entre PUC e reitor é unívoca, enquanto entre PUC e

pro-fessor é plurívoca, isto é, a PUC tem apenas um reitor, mas vários professores. Con

-seqüentemente, (25) recebe interpretação subclassificadora, mas (26) é mais natural

num contexto em que se está falando de um determinado professor; e nesse caso na

PUC

é interpretado como o lugar em que tal professor foi homenageado.

20. Nos Estados Unidos o primeiro ministro gosta de caçar.

ii. Já no seu país prefere esquiar.

No entanto a contrastividade não é obrigatória como se pode ver, por exemplo, em (15), no contexto de (16).

Ou em (18), no contexto de (iii):

iii. Tom Jobim é muito popular.

iv. Em Portugal ele foi aplaudido várias vezes na rua.

SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 76-86, !0

(10)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTERNOS AO SN NA IDENTIFICAÇAO DE REFERENTES

Na ve

r

da

de,

a

rel

ação

necessá

ri

a

é

d

e

universalidade

e

n

ão

de unicidad

e

(cf.

L

i

bera

t

o,

1

997). Obse

r

ve-se q

u

e

em

(27) a i

nterp

re

t

ação mais

i

mediata também

é a subclassi

fi

cado

r

a:

(27) Na PUC os professores foram homenageados pelos alunos.

E

mb

ora a

r

e

l

ação

en

t

re

P

UC e pro

f

esso

r n

ão

seja

uní

voca, o co

nj

unto delimitado

pelo SN

é universal

,

ou sej

a, (27)

se

r

efe

re

a

todo

s os

p

ro

fesso

r

es

d

a PUC.

V

o

lt

a

nd

o a (26)

,

é

interessan

te o

b

se

r

va

r

q

u

e, se o en

un

c

i

ado p

u

de

r ser

in-t

e

r

preta

d

o co

m

o

u

ma gener

alização,

a

i

nter

p

retação s

ubcl

ass

ifi

ca

d

o

r

a

se

to

rn

a

p

os-síve

l.

Em (26), a p

r

ed

icação

pa

rece

favo

r

ece

r um

a

i

n

t

e

r

p

r

e

t

ação

in

d

i

v

idu

a

lizada,

so-br

e

u

m professor pa

rti

c

ul

a

r. P

o

r outro l

ado, (28)

é

p

r

efe

rivelm

e

nt

e

i

nte

r

p

retado como

um

a a

firm

ação so

br

e to

d

os os p

r

ofesso

r

es

d

a PUC:

(26) Na PUC o professor foi homenageado pelos alunos. (28) Na PUC o professor ganha muito pouco.

Nesse caso, a

uni

ve

r

sa

li

da

d

e se es

t

abe

l

ece

n

ão

e

ntr

e

um indivídu

o e o

lu

gar,

m

as e

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-tr

e

um

a classe

d

e

in

d

i

v

í

d

u

os e o

lu

ga

r

.

2

3.5 Predica

ç

ão

O

n

osso co

nh

ec

im

e

n

to prév

i

o

a

ssoc

i

a

d

o

à

p

re

di

cação

d

o en

un

c

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ado

t

am

-b

é

m in

ter

f

e

r

e

n

a i

nt

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r

p

r

etação

do

"a

d

r

b

i

o". Por exe

mpl

o, v

im

os

qu

e em (lO) a

i

n-te

r

pr

e

t

ação

d

e

lu

ga

r d

e eve

nt

o

n

ão

é

possív

el

:

(10) Em Minas o governador é do PSDB.

A

o

que

pa

r

ece

, i

sso

se deve

ao

f

ato

d

e

que

"se

r d

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um parti

do po

líti

co"

não é

u

m pr

e-di

ca

d

o q

u

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po

ssa va

ri

a

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rd

o co

m

o

lu

ga

r

e

m

q

u

e a pessoa

d

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qu

em se

p

redica

se e

n

co

ntr

a

.

Em o

ut

ras

p

a

l

av

r

as,

um

de

t

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rmin

a

d

o

p

o

líti

co

n

ão

p

o

d

e se

r

de

um

part

i-d

o e

m um lu

ga

r

e

d

e o

u

tro e

m

o

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tro

lu

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(

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B

ras

il

cos

tum

a

m mud

a

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de

u

m tempo

p

a

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a o

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t

r

o)

. D

essa

m

a

neir

a

fi

ca

di

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ícil in

te

rpr

eta

r

em

M

inas co

m

o

lu

ga

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de

evento.

Se,

n

o e

nt

a

nt

o,

mu

da

m

os a

predi

cação, essa

i

nter

p

retação se torna poss

ível:

(29)

E

m

Mi

nas o gove

rn

ado

r

gosta

d

e

caça

r.

2 Melhor dizendo, a relação nesse caso é entre o lugar e um papel- professor-e não entre o lugar e uma en -tidade- um professor particular (sobre a oposição papeVentidade, ver Liberato, 1997).

O exemplo (23), citado acima, é um outro exemplo em que a relação universal se estabelece entre o papel e o

lugar. E também (v):

(23) No McDonald's o sanduíche é difícil de comer. v. Na Mesbla o cliente é atendido na hora.

Para maiores detalhes sobre a relação entre a universalidade, o tipo de referente (entidade ou papel) c o tipo de

SN (definido ou indefinido), ver Liberato (1997).

(11)

Yara Goulart Liberato

Embora

a

interpretação

s

ubcl

ass

ifi

cado

r

a

se

ja

a

m

ais

im

e

diat

a,

também

é

po

ss

ível

u

sa

r

(29)

para

se

referir

a

um

gove

rn

ado

r

de

o

utr

o estado,

que

gosta

de

caçar em

Mina

s

. I

sso é

possível

porqu

e

também

é

po

ss

ível que

a

l

g

u

é

m goste de caçar

em

um

lu

ga

r m

as

não

e

m

outro.

Outro

e

xemplo

,

aqui

r

epet

id

o, é:

(21) Na minha casa a TV não pega bem.

Co

mo vimos, a interpreta

ção s

ubcl

ass

ificad

o

r

a é

a mai

s

imediata para (21),

m

as esse e

nun

c

iado t

a

mb

é

m pod

e se

r u

sa

d

o

para falar de uma TV ref

e

rida anterior

-m

e

nt

e)

que pega bem em outros lu

gares

m

as

n

ão

n

a

minh

a casa

. Com outro tipo de

predicação,

a a

mbi

g

üidad

e

d

esa

p

arece:

(30) Na minha casa a TV é de 30.

(31) Na minha casa a TV tá quebrada.

A úni

ca

int

erp

r

e

ta

ção

po

ss

í

ve

l par

a o

"advérbio" de

(30)-(3

1

) é

a de delimit

ador

d

o

referente do

s

uj

e

it

o.

3.6 Observações finais

É

int

eressa

nt

e

notar que

é

po

ss

ível que

o "a

d

rbi

o" con

tribua n

a

d

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limit

a-çã

o de

o

utr

os

referente

s

do

e

nun

c

i

a

do

a

l

é

m do

s

uj

eito,

d

es

d

e

que

as

me

s

m

as co

ndi

-ções

apontadas

para

o s

uj

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it

o

se

j

am

satisfe~tas

tamb

é

m

para

esses

referente

s

. Por

exe

mplo:

(32) Em Portugal o presidente foi aplaudido várias vezes na rua pelo povo.

(33) Em Portugal Tom Jobim foi aplaudido várias vezes na rua pelo povo.

Em

(

32), o "advé

rbi

o"

funciona

co

m

o se

fosse

s

ubcl

ass

ifi

ca

d

o

r

para

o

referente do

s

uj

e

it

o-

o presidente,

ma

s

t

a

mb

é

m

de

a rua

e

o povo.

Em (

33),

Tom Jobim

n

ã

o

ace

it

a

s

ubcl

ass

ifi

ca

d

o

r, m

as o

"advérbio"

fun

c

i

o

n

a

c

omo

se

fo

sse

s

ubcla

ss

ifi

ca

dor

par

a

o

r

efe

r

e

nt

e

d

e

a rua

e

o povo.

Esses exe

mplo

s

par

ece

m r

efo

r

ça

r

a

afirma

ção

d

e

que

o

"advérbio"

exe

r

ce a

fun

ção

di

sc

ur

s

i

va

de t

óp

i

co

-

no

se

ntido de qu

e se

r

ve

aí como

"

uma moldura para

o

re

s

to do

e

nun

c

i

ado".

Ma

s

p

a

r

a

i

ss

o n

ão é p

r

ec

i

so

n

ega

r

s

u

a

função

s

ubcla

ss

ifi

ca

d

o

r

a.

O que

acontece é

que

t

óp

i

co e

s

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ass

ifi

ca

dor

são

funções distint

as,

d

e

a

s

pe

c

to

s

dif

e

rent

es

do proc

esso

de int

e

rpreta

ção.

Tópico tem

a

ver

co

m

a

o

r

ga

ni

za-ção

do

s "

a

ss

unt

os"

n

o

texto;

e s

ubcl

assificador

t

e

m

a ver co

m

o

pro

cesso

d

e

delimita-ção

d

e

r

e

f

e

r

e

nt

es

.

Ass

im

,

pode-s

e

di

ze

r qu

e, e

m

(32)

-

(33),

em Portugal

acumula

as

funçõe

s

de tópi

c

o

e s

ubcl

ass

ifi

cado

r

.

(12)

EFEITO DE ELEMENTOS EXTERNOS AO SN NA IDENTIFICAÇÃO DE REFERE:'-ITES

AB

STRAC

T

T

his paper is an attempt to show that the information required to identify referents can be found outside the NP.It discusses the co n-ditions under which a preposed adverbial phrase can take not only the

discoursive function of a topic but also the semantic function of an

ad-jective, provinding relevant information to the referent delimitation

pro-cess.

Referências

bibliográficas

CHAFE, Wallace L. Givenness, contrastiveness definiteness, subjects, topics and Point of View. In: LI, Charles (Ed) Subject and topic. New York: Academic Press, 1976.

CUNHA, Celso. Gramática moderna. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970.

FAUCONNIER, Gilles. (1985). Mental spaces: aspects of meaning construction in natural language. Cambridge: MIT Press, 1994.

LIBERATO, Yara G. A estrutura do SN em português: uma abordagem cognitiva. Belo Horizonte: FALEJUFMG, 1997. (Tese. Doutorado em Estudos da Linguagem).

Referências

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