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A História da Educação e o Currículo Escolar

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Academic year: 2020

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José Luís Sanfelice2

S

e n t i a n e c e s s i d a d e d e r e l a c i o n a r o t e m a c e n t r a l – c u r r í c u l o e s c o l a r - c o m a h i s t ó r i a d a e d u c a ç ã o , e m e s p e c i a l a h i s t ó r i a d a e d u c a ç ã o brasileira, para não perder a dimensão de historicidade que a abordagem exige. Minha preocupação está centrada na necessidade de explicar o currículo escolar como uma produção histórica intencional.

Desde as origens da educação, entendida como prática formal escolar, discutiu-se, mesmo que sob outras nomenclaturas, quais conhecimentos, valores, comportamentos e habilidades a instituição escolar deveria disponibilizar (impor?) aos educandos. Então, através do percurso histórico, é possível constatar-se como as propostas curriculares foram se alterando nos seus fundamentos fi losófi cos, quanto aos ideais pedagógicos, em relação à concepção de homem e principalmente no que diz respeito aos conhecimentos a serem socializados. Bastaria lembrar, sem ter que entrar em detalhes, quanto é antiga a discussão travada entre os defensores de uma formação mais humanística e os

1 Publicado originalmente em: APASE. São Paulo. Suplemento Pedagógico.

Ano IX, n. 24, out. de 2008, p. 1-3.

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adeptos de uma formação mais de caráter científi co. Quanto já não se escreveu sobre uma formação mais generalista ou uma formação mais especializada? E a educação religiosa? Deve ou não fazer parte do currículo escolar (em especial da escola pública)? Desde quando esse debate está em pauta? Hoje se discute formação profi ssional, formação técnica, tecnológica e formação para o mercado. E qual currículo?

É razoável lembrar também que os jesuítas, ardorosos combatentes da Reforma Protestan-te e ativos participanProtestan-tes da empresa colonial portuguesa no Brasil, discutiram duranProtestan-te muitos anos o conjunto das suas ações pedagógicas, o eixo do seu currículo de ensino, até que univer-salizaram seus procedimentos pela edição do Ratio Studiorum. Pode-se dizer que os jesuítas tinham bastante clareza do que queriam na educação e na catequese dentro do processo da Contra-Reforma e de conquista européia sobre a América e os povos indígenas: formar cristãos, quadros da própria ordem religiosa e ilustrar parte das elites. Os propósitos jesuíticos junto à Coroa portuguesa, em certo momento, não foram mais partilhados integralmente pelo ministro Pombal. Pombal não só expulsou os jesuítas do reino, mas também fundou escolas renovadas, reformulou outras, mudou currículos, tornou obrigatória a língua portuguesa e, no Brasil, ins-taurou as Aulas-Régias. Pode-se dizer que os objetivos do déspota esclarecido não visavam mais somente à formação de um homem cristão, mas sim do nobre de Estado, pelo menos na Metrópole. Em última instância era o Estado e a nacionalidade que deveriam sair fortalecidos, sob o comando das classes dominantes.

Mais um exemplo e sem ser exaustivo: na história bem recente da educação brasileira, a ditadura civil-militar do capital, que ocupou o poder de Estado com o movimento golpista de 1964, fez profundas incursões na legislação e organização escolar, nos currículos e nos fi ns a serem alcançados pelos diferentes níveis e modalidades de ensino. Daquelas ações resultaram a Reforma Universitária de 1968 (Lei 5540) e a Lei de Diretrizes e Bases de n. 5692, dentre outras. Teríamos ainda como exemplos mais próximos todas as alterações curriculares feitas no transcorrer dos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Não é necessário continuar apontando as inúmeras situações históricas em que as sociedades modernas, nas quais a educação formal se institucionalizou nas instituições escolares, repensam, reformulam, substituem, radicalizam em diferentes direções a orientação dos seus currículos escolares. Mas, já podemos expressar uma consideração: o currículo escolar é sempre produto de um contexto histórico determinado que tendencialmente será alterado quando as conjunturas sócio-econômicas e político-culturais se transformarem,

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dentro de um processo mais geral de permanências e mudanças da sociedade como um todo.

É preciso ter clareza que no desenrolar da construção histórica das sociedades capitalistas, sob o comando da revolução burguesa e já quando com a burguesia no poder, que a educação foi sendo pensada para esse tipo de sociedade que se caracteriza por um determinado modo de produção, bem como para tudo que decorre de tal especifi cidade. O Estado, em tais circuns-tâncias, tornou-se estratégico.

Com a produção histórica da escola estatal, no âmbito das sociedades capitalistas, desde os meados do século XVI, o Estado foi moldado, em especial pelo ideário burguês, para cons-tituir-se no principal articulador da educação para o povo. Nesse empenho teve que superar as infl uências até então hegemônicas da Igreja Católica. Não obteve sucesso, por exemplo, na universalização da escola estatal primária com facilidade, sem contestações ou sem superar adversidades e contradições intrínsecas, produzidas por outros interesses de ideologias, grupos ou classes sociais. Mas, pode-se dizer que o Estado consolidou-se no papel de educador do povo, usando a educação formal da instituição escolar como o veículo de execução da referida tarefa. Consagraram-se, naquele contexto, os princípios da laicidade, da gratuidade, da escola única e gratuita para todos. É claro que não foi esse o único mecanismo utilizado para se proceder à sujeição do povo à nova ordem sócio-econômica e cultural. Em última instância: era preciso encontrar as formas pelas quais as classes trabalhadoras seriam preparadas para atenderem de forma pacífi ca e disciplinada às determinações do mundo do trabalho, sob a égide do capital.

Tornou-se uma necessidade histórica pensar a escola estatal e o currículo escolar de forma intencional. Não se pode acusar a burguesia de ter agido com má fé, pois ela tão somente foi, no limite, em busca dos seus interesses de classe e que não são exatamente os interesses de toda a sociedade ou de todas as classes. Veja-se, como um dos exemplos possíveis, o denominado Movimento da Escola Nova nos países centrais do movimento capitalista mundial. A educação foi “revolucionada” nos seus pressupostos e métodos, na busca de cientifi cidade, na concepção em torno da criança, no papel do professor, na organização escolar e, muito, mas muito mes-mo, nos seus conteúdos curriculares disciplinares. Era, de certa forma, a busca de superação da considerada educação tradicional sob a infl uência religiosa, fosse ela católica ou reformada. Mas não se tratava de continuar a revolução rumo à liberdade, igualdade e fraternidade univer-sais, pois era preciso, na ótica burguesa, consolidar a sociedade capitalista. A educação formal escolar, os currículos escolares precisavam atrelar-se a tais propósitos.

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Sabe-se dos refl exos do Movimento da Escola Nova no Brasil e, com grande freqüência, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, é considerado um marco da expressão daquele novo ideário educacional por estas terras. Sabe-se também que a realidade brasileira não era exatamente a realidade européia e que, conseqüentemente, os desfechos práticos do Movimento da Escola Nova por aqui e por lá, foram bem distintos.

É preciso considerar que desde sempre, após o processo de colonização portuguesa, o Brasil atrelou-se à economia capitalista mundial, quer como colônia ou após sua “autonomia” polí-tica, mais formal do que real. No campo econômico, as determinações externas sobre o país e a sociedade foram e são ainda infi nitas. A nossa História da Educação, portanto, aconteceu quer em decorrência das determinações externas, bem como das determinações postas pelas especifi cidades locais. Os currículos escolares aqui ministrados, por sua vez, refl etem, não de forma mecânica, mas sim tendencialmente, esta situação histórica. A escola estatal brasileira teve que responder às necessidades que foram se impondo para um país de economia subalterna, que vivenciou três séculos de práticas escravistas, que desenvolveu uma sociedade patriarcal, infl uenciado pela religião católica e, sempre, de profundas desigualdades sociais. Os currículos escolares, por exemplo, teimaram durante muito tempo em diferenciar as disciplinas e os con-teúdos ofertados (impostos?) aos meninos e meninas que passaram a freqüentar escolas, mesmo que os representantes de ambos os gêneros pertencessem às elites.

Os exemplos retirados da História da Educação mostram claramente que os currículos es-colares não são desinteressados. É sempre possível dizer que não poderia ser de outra forma. O empenho do Estado em prover a educação formal de escolas estatais, com grande ônus de custos/investimentos em prédios, salários, formação de pessoal e gastos de consumo não pode limitar-se a um mero processo civilizatório. O Estado tem seus interesses para além disso, pois civilizar as novas gerações é o mínimo que se espera em termos de sobrevivência da própria sociedade.

O Estado não é uma instituição que se confunda com o governo de plantão. Ele é uma instituição mais permanente e de grande alcance sobre a sociedade. O Estado vigia, julga, pune e, por complexos mecanismos histórico-sociais, ganhou legitimidade para praticar a violência em certas situações. Evidentemente, os aparelhos do Estado não se movem em abstrato, pois são movidos por seres humanos. Os governos, mais passageiros, ocupam o Estado por cami-nhos considerados democráticos ou não e aí, o Estado que não existe em abstrato, atende aos interesses das pessoas, dos grupos ou das classes sociais que conjunturalmente estiverem na hegemonia da sociedade.

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Em educação, gradativamente, o Estado passou a discursar em prol da formação de um cidadão. E, qual seria o currículo escolar mais adequado para se formar um cidadão? Cidadãos considerados iguais perante a lei, mas de uma realidade sócio-econômica e cultural desigual. É só olhar pela janela que dá acesso à história da educação e constatar que se torna inevitável formular indagações. Por que temos currículos escolares considerados abrangentes, sólidos em conteúdos, alicerçados em bases fi losófi cas e científi cas para as escolas consideradas formadoras de parte das elites? E, por que temos currículos de aligeirado treinamento para uma precária formação profi ssional de jovens que irão, ainda muito jovens, ao mercado de trabalho? É porque as relações do capital com o trabalho, mediadas pelo Estado, determinam em última instância, os conteúdos curriculares voltados à formação de cidadãos que sendo considerados formalmente iguais perante a lei, estão “destinados” socialmente a ocuparem diferentes postos, funções e papéis numa sociedade que, na ótica dos mais privilegiados, deve permanecer como está.

Na história da educação brasileira mais recente, desde a ditadura civil-militar de 1964 até os dias de hoje, diferentemente do que imaginam alguns educadores, os mecanismos de controle sobre a escola estatal foram cada vez mais ampliados. Os discursos ofi ciais podem não revelar ou não referendar a constatação, mas ela é um fato. Depois da ditadura e, com o pretexto de se superar a legislação do arbítrio, se alterou profundamente o quadro institucional da escola estatal.

Para não se arrolar todos os indicadores que levam à constatação acima, aponto apenas alguns: o golpe dado para a aprovação da LDB de 1996 que usurpou e ignorou a proposta de projeto de lei que se produzia na sociedade civil; a municipalização do ensino estatal que sem ter apenas o propósito de deslocar a vigilância para o poder mais local, visa também outros objetivos de controle sobre o próprio município; o FUNDEF/FUNDEB; a reforma do ensino profi ssional; os PCNs; os Temas Transversais; os múltiplos sistemas de avaliação do aluno, da escola, do professor, dos gestores; as classifi cações comparativas de desempenho entre as unidades escolares; a anuência para que se adquira e consuma apostilas produzidas pelas empresas de ensino privado; os bônus salariais vinculados à produtividade; as metas “sugeridas” pelas agências multilaterais de fi nan-ciamento e a imposição unifi cada de material didático-pedagógico produzido pelas Secretarias Estaduais de Educação. O controle está agora induzindo que cada docente da escola estatal seja um vigilante da produtividade e do desempenho dos demais docentes da sua unidade escolar. E por que aumentou o controle?

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econômica fi caram menores e mais frágeis perante o movimento do capital transnacional, desde as últimas décadas do século XX. Nesse sentido os Estados cumprem agendas às quais aderem, sem grandes chances de resistências e com o consentimento das elites locais que se benefi ciam do processo. O fenômeno da privatização dos serviços públicos, por exemplo, é um bom indicador. A perda dos direitos sociais, conseguidos com muita luta dos trabalhadores no passado, seria outro indicador. A educação, por sua vez, tornou-se uma pauta presente nas discussões das cúpulas que comandam a nova organização mundial do trabalho.

Do ponto de vista interno, ou seja, da atuação do Estado sobre a sociedade local, passou a ser necessário um maior controle. O Estado, precisa gerenciar, por exemplo, a miséria, o au-mento do desemprego estrutural, o primeiro emprego e o acesso à escolaridade, dentre outras mazelas, com ações e programas que, mesmo sendo paliativos, tendem a diminuir o poder das tensões sociais geradas pelo desespero.

Educar a mão de obra, com uma oferta crescente de mão de obra feminina e juvenil, pas-sou a ser uma meta. Os países periféricos da globalização econômica se tornam praticamente obrigados a formar muitos trabalhadores para o trabalho simples e que se constituirão em mão de obra barata para o capital transnacional que aqui implanta suas indústrias ou subsidiárias. Uma escolarização básica e uma formação profi ssional média respondem a isso. Uma parte in-fi nitamente menor dos trabalhadores chegará à formação técnica e tecnológica para o trabalho mais complexo. E a orquestração de todo o propósito do capital, na educação, se realiza, em grande parte, pelo controle da escola estatal e pelo controle do currículo de toda a educação nacional.

Finalmente cabe indagar: como, no Brasil, o Estado vem executando a sua tarefa? Bem, na conjuntura atual, por não se viver sob um mandato governamental resultante de nenhuma di-tadura política, mas sim da didi-tadura do capital, busca-se o consentimento da sociedade para as ações que são empreendidas. O trabalho solidário, o voluntariado, os Amigos da Escola, a Escola Aberta, o Adote uma Escola, os estágios não remunerados pontuados nos currículos e outros mecanismos estão demonstrando sua efi ciência. Participar de tais programas virou sinônimo de cidadania e conscientização política. Enquanto isso os currículos escolares vão se esvaziando em conteúdos, substituídos por práticas e saberes e que cada vez auxiliam menos a pensar, entender e explicar a própria realidade para nela se posicionar como um sujeito da história.

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