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BIOS MIDIÁTICO: O CORPO COMO O LIMITE DA COMUNICAÇÃO

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Academic year: 2019

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Marco André Vinhas de Souza

BIOS MIDIÁTICO: O CORPO

COMO O LIMITE DA COMUNICAÇÃO

Tese de Doutorado

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Marco André Vinhas de Souza

BIOS MIDIÁTICO: O CORPO

COMO O LIMITE DA COMUNICAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Comunicação e Semiótica sob a orientação da Profª Drª Christine Greiner.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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TERMO DE APROVAÇÃO

Banca Examinadora:

Encaminhador (a) e Orientador

(a)_______________________

1º Examinador

(a)_____________________________________

2º Examinador

(a)_____________________________________

3º Examinador

(a)_____________________________________

4º Examinador

(a)_____________________________________

São

(4)

RESUMO

(5)

ABSTRACT

(6)
(7)

Agradeço, imensamente,

minha família que está sempre comigo

e Cecília e Christine que são as melhores coisas que a

(8)

O que hoje une a humanidade é a negação

do que a espécie humana tem em comum.

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SUMÁRIO

Introdução (página 10)

Capítulo I (página 22)

Capítulo II (página 55)

Capítulo III (página 103)

Conclusão (página 127)

(10)

INTRODUÇÃO

Quando se acompanha qualquer panorama amplo, crítico e comparativo das teorias da comunicação, é habitual encontrar uma distinção entre as premissas da teoria da comunicação humana com as premissas da teoria da comunicação de massa. Também é possível encontrar modelos teóricos que buscam mostrar como a comunicação humana pode ser expressa com diferentes intenções através de um meio de comunicação. Mas qualquer tentativa de vincular combinadamente estas duas instâncias costuma estar ausente de qualquer panorama comunicacional. Tal situação se revela, ao mesmo tempo, como instigante e paradoxal porque, através de um exame atento, a presença do corpo (substrato fundamental da comunicação de todo ser vivo) pode ser verificada, com destaque ou sorrateiramente, nas linhas e extensões de cartografias comunicacionais que têm como objeto de análise a mídia.

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também é cabível, em certo sentido, afirmar que uma espécie de paradigma do corpo contribuiu, decisivamente, para o surgimento da comunicação como objeto de análise. Entretanto, tal viés fez com que o corpo, a comunicação e a mídia fossem tratados por uma produção de conhecimento que, significativamente, nunca tentou harmonizá-los como um assunto combinado. É como se qualquer tentativa de compreensão das influências conjuntas entre corpo, comunicação e mídia assumisse, para a grande maioria, uma posição automaticamente inadequada e incapaz de gerar conexões frutíferas para as análises comunicacionais.

Nesse sentido, ir além destas fraturas é lidar com a questão básica da relação entre comunicação e sociedade através das características específicas do indivíduo, que como membro pertencente à espécie humana tem um corpo com uma série de singularidades genéticas e culturais. O corpo é a mola-mestra e a célula básica que trouxe o desenvolvimento e a persistência de meios de comunicação e das próprias sociedades humanas. Portanto ligar teoria da comunicação de massa com teoria da comunicação humana torna-se, eficazmente, adequado ao se perceber como as particularidades do corpo humano implicam em uma aptidão comunicacional característica, justamente, destas particularidades. No amplo espectro das relações comunicacionais, o ser humano pode ser entendido como detentor de uma espécie de propensão à comunicação que ultrapassa as fronteiras do próprio corpo e culmina com a criação, a utilização, a apropriação e até mesmo a distensão de meios de comunicação de massa. Com isso, para compreender a mídia é necessário, igualmente, perceber como a propensão comunicativa do ser humano é um elemento-chave para a própria existência de habilidades e de estruturas midiáticas.

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entre a comunicação humana e a comunicação de massa. A pesquisa proposta aqui procura preencher lacunas e abrir portas para o campo comunicacional ao permitir a discussão de questões que não envolvem apenas comunicação, mas também o âmago da condição humana na medida em que o ser humano depende para existir de uma série de processos comunicativos. Dessa forma, explicitar estas ligações entre o corpóreo e o comunicativo, enseja um viés metodológico instigante, não só por possibilitar estudar a sobrevivência, o desenvolvimento e a manutenção destes enlaces no campo da comunicação, mas, por tentar entender e demonstrar como estas duas instâncias interagem e que conexões são configuradas entre elas. É uma premissa primordial que, pelo viés do pensamento comunicacional, opta por um processo epistemológico que permite a reflexão da ciência da comunicação sobre si própria. Além disso, demonstra como o enfraquecimento das fronteiras disciplinares só contribui para uma produção mais completa de conhecimento.

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das ciências acadêmicas e, por conseguinte, dentro de cada disciplina em particular.

A distinção de limites claros entre os diversos fatos e fenômenos que compõem a tessitura desta trama de acontecimentos, sejam eles físicos, biológicos ou humanos, só sobrevive, à base de convenções arbitrárias ou de reduções simplificadoras. Nessas circunstâncias, insistir na distinção das diversas dualidades justificadoras dos limites disciplinares, tais como as infinitas subdivisões do espaço, do tempo, da cultura e da natureza, seria seguir investindo apenas em métodos que aprofundam o fosso existente entre os próprios campos do conhecimento. Nesse sentido, as inúmeras críticas que um grande número de acadêmicos têm oferecido tanto as suas próprias e respectivas áreas, como as simplificações e idealizações que lhes têm dificultado os procedimentos investigativos, demonstram, agudamente, uma série de esforços direcionados para reavaliar um desprezo relativo dispensado às dimensões que lhes são estrangeiras. Ou seja: os objetos de estudo dos outros.

Pode-se mencionar, entretanto, que a produção de conhecimento está sempre pautada por uma série de interações. Nos escritos de Platão, considerações acerca do que, hoje em dia, denomina-se teoria do conhecimento despontam como tema filosófico. Há neles também uma teoria astronômica e uma cosmologia, conforme a tradição investigativa herdada dos físicos jônios e dos pitagóricos. Descartes e Kant pontificaram sobre a natureza e também desenvolveram trabalhos sobre física, fisiologia e geologia. Galileu, Newton e Darwin debateram sobre o método e a validade do saber, e não distinguiram se o que faziam era ciência ou filosofia.

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constrita nos próprios limites impostos pelas distinções acadêmicas que têm o seu símbolo máximo representado, básica e emblematicamente, pela arraigada noção de disciplina. Ao se abrir um dicionário qualquer do século XIX para procurar os significados do termo disciplina, encontra-se uma ausência total de referência como ramo do conhecimento ou como conteúdo específico. É comum encontrar-se apenas designações como ordem, organização e subordinação. Somente nos primeiros decênios do século XX, o termo disciplina aparece revestido de um novo sentido, passando também a ser classificado como matéria de ensino suscetível de servir de exercício intelectual exclusivo.

Até meados do século XIX e início do século XX, a pluralização do termo disciplina era inconcebível porque a Universidade reconhecia apenas as humanidades clássicas como disciplina, na assepsia mais contundente que o termo permite. A educação fundamentada na matemática ou nas ciências não era reconhecida antes do século XX como formadora ou constituinte de especialidades intelectuais. Este reconhecimento, que acompanhou as transformações sociais desta época de transição, só foi possível com a confrontação entre as disciplinas literárias e científicas, estimulando uma ampliação classificatória e ressaltando a necessidade urgente da autonomia de um termo genérico e aglutinador. Mesmo assim, em decorrência dos enlaces com os significados disciplinares, o termo em si traz a lembrança constante deste sentido, agudo e contundente, de restrição que está, subliminarmente ou ostensivamente, sempre presente.

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muito bem orquestrada de normas e de códigos imprescindíveis para a delimitação de uma série de domínios. Entronizada como representante de um saber instituído, a disciplina é orientada, justamente, para funcionar como uma forma de dominação que não admite lacunas ou fissuras. Assim, a disciplina, lembrando o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), pode também ser entendida como um campo de relativa autonomia que é regido por regras particulares. A distinção das disciplinas pode ser vista, então, como um determinado local de relações entre grupos com posicionamentos distintos que engendram uma disputa de poder como inimigos declarados.

Com isso, a tradicional organização disciplinar tem uma responsabilidade manifesta pela produção difusa do conhecimento e pela dissociação do saber. Apesar de ser cada vez mais difícil o enquadramento de fenômenos no âmbito de uma única disciplina, ainda é possível verificar um tirocínio fortemente enraizado que promove uma fragmentação estagnante dos objetos do conhecimento nas diversas áreas. Uma prática que sem a contrapartida do incremento de uma visão de conjunto do saber instituído, tem se revelado crescentemente desorientadora por conduzir para especializações limítrofes e para um fechamento nos discursos.

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conta a preservação dos interesses de cada disciplina e a conservação de sua autonomia e objetos específicos para, ainda assim, conseguir produzir, ao mesmo tempo, novas combinações e novas aberturas a outras idéias ou à discussão de idéias vigentes.

É habitual que o processo de diálogo considerado mais incompatível entre disciplinas (cindidas pelas três áreas nomeadas como biológicas, exatas e humanas) encontra-se nas tentativas de relacionar as das ciências humanas com as das ciências biológicas. Estas duas áreas simbolizam, para muitos, princípios e propósitos que não estão aptos para nenhum tipo de consubstanciação adequada ou até mesmo lícita. A despeito das diferenças significativas entre estas duas áreas, qualquer proposta que almeje estatuir algum tipo de relação entre elas está, normalmente, sujeita a um número imenso de opiniões e de rejeições fundamentadas, basicamente, pela negação de todo resquício sequer que possa advertir e atestar a presença de tendências genéticas nas organizações e nos comportamentos humanos.

Toda esta espécie de “campanha higienizadora” praticada pela grande maioria das humanidades para ocultar a herança e a compleição genéticas na vida humana lembra, com as devidas proporções, o próprio processo civilizador que as sociedades experimentaram, experimentam e experimentarão ao longo de sua secular existência. Os ditames e as ações que pontuaram tal processo foram destrinchados pela obra referencial de Norbert Elias (1897-1990). O sociólogo alemão apresentou, pioneiramente, a originalidade de analisar o assunto aparentemente fútil que são as maneiras de gerenciar as funções corporais como, por exemplo, se comportar à mesa, assoar o nariz, cuspir, urinar, defecar, se lavar, copular, etc.

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somente o estado destes costumes em um dado momento, mas também sua evolução. Tal evolução é acelerada no decorrer do século XVII com uma direção claramente marcada, pois, os seres humanos, durante este processo civilizador, aplicam-se em reprimir tudo o que está relacionado com a sua natureza genética. De fato, a ordem geral é a de aumentar o controle sobre tudo o que possa rememorar os princípios corporais dos seres vivos, tornando-os menos visíveis ou relegando-os à intimidade. Assim, a nudez se mostra menos, os odores corporais são dissimulados, as funções naturais tendem a ser exercidas em lugares específicos e isolados, não se cospe mais no chão, mas em uma escarradeira, não se assoa mais o nariz na manga, mas em um lenço, não se come mais com as mãos, mas com um garfo.

São constatações que para Elias mostram como estas funções chamadas de naturais foram sendo, em certo sentido, acomodadas e sonegadas por um complexo contexto histórico e social. Além disso, a evolução dos gestos que definem tais costumes é indissociável da evolução da sensibilidade e, em particular, da intensificação progressiva e coletiva do sentimento de repugnância, que torna insuportáveis as manifestações corporais do outro, e sentimentos de vergonha, de constrangimento, de pudor, que incitam a esquivar do outro o espetáculo de seu próprio corpo, de suas excreções e de seus impulsos. Passando por um processo de aceitação e de incorporação, estes sentimentos levaram à formalização de regras de conduta que construíram um consenso sobre os gestos que convêm ou não fazer.

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espaço social, e, o segundo, o estreitamento das relações interindividuais que implica necessariamente em um controle mais severo das emoções e dos afetos. Pode-se, acompanhar, ainda hoje, a evolução deste processo de relegar as funções corporais e de interiorizar as limitações, inclusive sob a ótica da relativa liberalização dos costumes e do aumento da violência cotidiana na contemporaneidade. As condições atuais, pelo viés de Elias, não são nada além de um jogo com normas tão profundamente interiorizadas que permitem, com o passar do tempo, uma certa margem de transgressão, que não ameaça o nível de sensibilidade e de apaziguamento coletivamente atingido.

A adequação do corpo em seus níveis mais básicos é o que, na visão de Elias, erige os alicerces das variadas civilizações. Esta contenção do corpóreo também imprimiu marcas entranhadas no discurso de muitos

Homo academicus, representantes das ciências humanas, que advogam a terminante recusa de qualquer influência das tendências genéticas nas criações e nas práticas humanas tanto coletivas quanto individuais. É como se o reconhecimento da importância das especificidades da composição biológica significasse um rebaixamento das ciências humanas e da própria condição humana para um nível inferior (o nível do corpo) que seria uma contradição diante do tipo de produção e de condutas elaboradas (cultural, social, comportamental, etc.) que os seres humanos foram desenvolvendo ao longo dos séculos. Para as ciências humanas, tudo que o indivíduo faz e tudo que o cerca está além da biologia, que deve ser vista como um fator irrelevante para as ações e as reações do gênero humano. Apesar de se constatar um considerável esforço pelo diálogo entre as diferentes disciplinas das designadas humanidades1, as possibilidades de diálogos entre as ciências humanas e

1Um esforço de diálogo que se estende à sub-divisões específicas das ciências biológicas que são a

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as ciências biológicas acabam recaindo neste desmerecimento do corpo que, na maioria das vezes, faz com que estas duas áreas de conhecimento pratiquem, exaustivamente, a esterilidade do monólogo imposto pelo idolatrado limite entre disciplinas.

Mesmo assim, por mais contraditório que pareça neste momento desta introdução e a despeito de toda esta desconsideração dos componentes genéticos, as ciências humanas têm servido de palco para uma numerosa apropriação e utilização de uma série de metáforas e de analogias. O corpo humano acaba sendo apossado pelas ciências humanas através de práticas tropológicas que adequam a matéria corpórea para os princípios acadêmicos das humanidades. Com isso, o corpo passa a ser um objeto de estudo direcionado para os preceitos estabelecidos pelas disciplinas humanísticas. Estes costumam direcionar e desvirtuar a própria questão biológica para as prescrições e os interesses instituídos pelas especificidades destas disciplinas. As ciências humanas fomentaram, então, a fundação de uma identidade do corpo que não quer, na maioria das vezes, entender ou corresponder aos alicerces biológicos, mas aos pontos de vista particulares deste campo acadêmico. Assim, ao invés de produzir uma confluência entre as ciências humanas e as ciências biológicas, este assenhoreamento do corpo (que também ocorre nas ciências biológicas) inscreve o espaço corporal como um assunto pontual para o afastamento e a demarcação de domínios entre estas duas áreas.

Indo um pouco mais adiante na discussão, diagnosticar a diagramação destas relações acadêmicas de poder que recaem sobre o corpo, implica, ainda, em perceber que dentre as ciências humanas, é, justamente, o campo da comunicação, que desdobra algumas das mais

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curiosas e significativas formalizações corporais. Assim, a utilização do corpo pelo campo da comunicação é um indício preciso de como este tópico serve, simultaneamente, como fundamento e desordenamento dos rumos tomados por esta área acadêmica. O caminho buscado pela pesquisa desta tese ampara-se, propriamente, na problematização destas questões ao suscitar a compreensão de um modelo teórico que leva em conta as características comunicacionais específicas do corpo humano como o fundamento básico para a existência dos meios de comunicação de massa. É importante ressaltar que ao invés de colocar a comunicação humana como causa e a comunicação de massa como efeito, o que se propõe aqui, no plano ontológico, é uma relação de interdependência funcional, como é o caso para o estômago e o cérebro, para as instituições econômicas e políticas, ou até mesmo para os humanos e a natureza. Ou seja, são sistemas relacionais de um tipo que não pode mais ser adequadamente compreendido por um modelo mecânico de causa/efeito. Os processos circulares com múltiplos vínculos constituem um princípio comum e interdependente. Trata-se, então, de mudar radicalmente o modelo usual de representação da complexa e multifacetada conjuntura humana, substituindo-o por uma casualidade com diversos níveis que ligam diferentes instâncias pela circularidade da interdependência de infinitas interações.

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organizações humanas. Para terminar, será demonstrado como os preceitos comunicativos inerentes ao corpo são o princípio de todos os meios de comunicação. No terceiro capítulo há a explicitação de uma possibilidade de modelo teórico que trata do corpo, da comunicação e da mídia através de combinações direcionadas pela emergência de um sistema cognitivo onde estão combinadas a teoria da comunicação humana e a teoria da comunicação de massa, como também, as ciências biológicas e as ciências humanas.

(22)

CAPÍTULO I

[1.1]

Para entender a comunicação, é necessário conhecer, mesmo que através de uma retrospectiva resumida, a história, os acontecimentos, os caminhos e os paradigmas que, pouco a pouco, foram forjando a própria problematização desenvolvida pelas diversas vertentes do pensamento comunicacional. Afinal, a comunicação é um terreno de confluências de estudos teóricos e empíricos com pressupostos epistemológicos muito diferentes entre si. A própria articulação da comunicação fundamenta-se em um conjunto de saberes e de práticas pertinentes a diversas disciplinas e a distintos campos. As proposições acadêmicas classificadas como Ciências da Comunicação compõem, então, um conjunto de conhecimentos de ordem inter e pluridisciplinar em permanente processo de atualização, e ao qual os teóricos da comunicação recorrem para identificar, definir, conceituar, descrever e analisar uma série de processos comunicativos.

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pela televisão ou pela internet. A modernidade apenas complexificou seu desenvolvimento, promovendo o surgimento de múltiplas variações e percepções na sua realização e na sua compreensão. A modernidade transformou a comunicação em problema, levantando questões e produzindo novas observações para uma prática que era vista como corriqueira e natural na vida humana.

Na França, o termo comunicação remonta ao século XIV, inventado por Nicole Oresme, filósofo e físico, conselheiro do rei Carlos V que fundou a primeira biblioteca real. (...) No século XIV, esse conceito era novo, pois o universo medieval conhecia apenas o conceito de comunhão que supõe uma não-distância, uma simbiose não somente entre seus atores, mas também entre a mídia e as mensagens. A intriga midiológica se trama talvez, completamente e montante, em redor desse primeiro desgrudamento, dessa flutuação, dessa liberação de uma distância problemática, insólita, entre um saber e uma forma, uma informação e uma mídia lingüística (o latim), reflexo de uma distância nova entre os seres humanos em que a questão da circulação do sentido surge como algo que já não é evidente, que deixou de ser “natural”. (DEBRAY, 1993: 33)

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acadêmica é que pode ser compreendida como uma conseqüência direta da modernidade. O próprio estudo de processos comunicacionais arcaicos, como a importância da comunicação oral, escrita e visual na Grécia Antiga e na Idade Média, resultam do estado e das demandas trazidos pelos tempos modernos. Então, no bojo de toda esta conjuntura, a comunicação, como um fenômeno com tantas facetas, suscita múltiplos olhares que, no mundo contemporâneo, a circundam através de uma variedade paradigmática de sentidos e de uma fértil polissemia semântica, expressas, igualmente, por uma imensa proliferação de práticas profissionais e acadêmicas e de tecnologias altamente elaboradas. É uma configuração extremamente complexa que enfatiza a existência de uma íntima relação entre os processos comunicacionais e os desenvolvimentos sociais.

Por isso, para entender o percurso e a formação das particularidades das correntes, paradigmas e tendências do pensamento comunicacional, é necessário entender que o estudo das diferentes civilizações humanas evidencia a necessidade, a presença e o desenvolvimento de uma variedade de sistemas comunicacionais. Não é por acaso que:

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e rupturas. Ao longo do tempo que é estudado, o conceito recompor-se-á imensas vezes numa figura inédita, sem contudo se abstrair dos elementos presentes no modo de comunicação anterior. (MATELLART, 1996: 10)

Por tal viés, em todas as eras da humanidade, a comunicação esteve presente e, ao mesmo tempo, tornou-se diversa por ser agregada, freqüentemente, com novas instâncias. Com isso, ao se centrar a atenção sobre as mudanças ocorridas nos meios de comunicação ao longo dos séculos e enfatizar os contextos sociais em que elas se deram, pode-se estabelecer uma correlação entre a intensificação das práticas comunicativas e a maior necessidade de seu conhecimento, em conjunto com um quadro de desenvolvimento dos meios de comunicação (e dos estudos sobre o meio) de dinâmica mais ampla que marcou a passagem do final do século XIX para o início do XX, período convulsionado por intensas transformações vividas pelo mundo e também pelas necessidades que as sociedades formularam a comunicação. Assim, os estudos sobre a comunicação tanto foram provocados pela chegada dos novos meios, como demandados por uma sociedade que necessitava usar melhor a comunicação para a consecução de sua própria organização.

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complexificação transformou a estruturação espacial e temporal da vida social, criando novas formas de ação e de interação, novos tipos de relações sociais e maneiras de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo. Por isso, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa pode ser entendido como uma parte integral da formação das sociedades modernas.

Indo além, a própria presença da comunicação nas sociedades humanas sofre uma série de transformações com o surgimento de novos meios de comunicação. Ou seja, a comunicação como um todo também é, completamente, modificada com o aparecimento de novas mídias no transcorrer da modernidade. Sendo assim, pensar a linha de formação dos fenômenos sociais no mundo moderno, implica em pensar no comparecimento contínuo de fenômenos comunicacionais em que:

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comunicação entre grupos, sociedades, culturas, economias, religiões, leis, línguas e códigos. A comunicação torna a verdadeira vida social praticável, pois comunicação significa organização. (CHERRY, 1962: 24)

Ao se compreender a comunicação como um fenômeno contínuo, deve-se perceber, entretanto, que a modernidade tem determinados tipos de mídia, mas a importância do passado para o presente mostra que cada período histórico também possui seus meios de comunicação. Algo que contradiz um senso comum que, habitualmente, quando tenta exemplificar quais são os meios da comunicação, cita, imediatamente, televisão, rádio, cinema, jornal, revista, internet, celular, iPod, etc., porque são meios de comunicação que, explicitamente, fazem parte da vida moderna. Mas pode-se pensar também em uma série de estruturas precursoras presentes em meios de comunicação coletiva como a escrita, a pedra, o barro cozido, a fumaça, o tambor, o papiro, o pergaminho, etc. Entretanto, uma diferenciação básica cabível entre estes dois tipos reside, obviamente, no fato de que os do primeiro tipo são meios de longo alcance característicos dos processos massivos de alta urbanização e de intensa industrialização do sistema capitalista, enquanto que os do segundo tipo são meios de pequeno alcance característicos de comunidades e organizações sociais baseadas em processos comunicacionais restritos a efeitos e usos limitados.

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tanto nos tempos antigos quanto nos modernos qualquer tipo de mídia (sejam aquelas com a mais avançada tecnologia ou aquelas com a mais rudimentar) tem como premissa fundamental comunicar alguma forma de informação. Por tal ponto de vista, todo modelo de comunicação é necessariamente um processamento de informações. Assim, apesar de todas as etapas de evolução e de diversificação que os tipos de mídia sofreram ao longo da história da humanidade, esta é uma constante que pode ser continuamente verificada nas diferentes épocas de todas estas passagens evolutivas.

Nesse sentido, o economista canadense Harold Adams Innis (1894-1952) foi um dos vários acadêmicos do século XX a apontar a importância da mídia no mundo antigo. Para ele (1986), por exemplo, o papiro e o pergaminho e depois o papel, juntamente com o alfabeto fonético, modularam o império romano em suas diversas fases. Cada um destes meios é mais leve que o outro, e, por isso, mais fácil de transporte e de circulação. O desenvolvimento destes três meios acompanhou o crescimento e a descentralização do império romano. De acordo com Innis, o transporte e a circulação de mídias leves conduziu a transmissão e a liberdade de informações contrárias ao controle e a administração do império.

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A noção de meio de comunicação transmissor de informação também deve ser extendida a modelos de transporte (WEISZ & CONNELY, 2001) capazes de tornar provável a circulção de informações e a ligação entre distâncias. O desenvolvimento das estradas, das rotas fluviais, marítimas e urbanas, do sistema ferroviário, rodoviário e viário, fazem, igualmente, parte de processos comunicativos fundamentais que alargam as possibilidades da comunicação e dos sentidos da mídia.

(30)

[1.2]

A teoria da comunicação caracteriza-se, sobretudo, pela heterogeneidade das correntes e das concepções que abriga. Por isso, a apresentação de um quadro geral das teorias esbarra na dificuldade de sistematização. Vários esquemas de agrupamento vêm sendo tentados, e cada época se identifica melhor com um tipo de critério. Por exemplo, normalmente é utilizada (em larga escala e até o momento presente) uma classificação, principal, básica e generalizante, que divide e agrupa os estudos e as correntes teóricas de acordo com dois influentes paradigmas: o pragmático (associado com a Mass Communication Reserach) e o crítico (associado com a Escola da Frankfurt). Esta classificação, apesar de consistente, é uma baliza categórica no meio de um aglomerado de concepções e de filiações da maioria dos estudos, sem falar nas inúmeras tendências em que se desdobram cada corrente, cada modelo teórico e cada pesquisa.

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pensamento comunicacional é uma opção intrincada que deve lidar com um corpo variado e fracionado tanto em seus fundamentos quanto em seu desenvolvimento. Isto faz com que qualquer tentativa de exprimir e detalhar este pensamento comunicacional envolva uma seleção e um esforço de interpretação muitas vezes parcial e questionável, mas que, igualmente, obedeça a uma série de escolhas inevitáveis a um empreendimento tão complicado quanto este.

A Comunicação ocupa hoje uma posição reflexiva sobre a vida social, se não com “um” objeto claramente discernível, certamente como um “nó” ou um núcleo objetivável, onde se entrelaçam problematizações diversas do que significa a vinculação ou a atração social. (...) Reduzir esse problema à pura intenção midiática resulta em (...) uma ciência da comunicação que coloca de si mesma a tarefa de produção de conhecimento específico (e não marcadamente sociológico, antropológico, psicológico, jornalístico, etc.) sobre a sociabilização decorrente dessa nova realidade histórica, com o objetivo de buscar perspectivas críticas e orientações práticas. (SODRÉ, 2002: 223-239)

(32)

Apesar de existir a classificação de comunicólogo para quem é bacharel em Comunicação Social, não há o termo Comunicologia, como existem, por exemplo, as especificações acadêmicas da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia, etc. Devendo ficar claro, contudo, que para que haja um processo de troca e de interação entre diferentes áreas de conhecimentos, é fundamental uma delimitação do que singulariza cada disciplina para que seja possível buscar em outras disciplinas novos complementos capazes de enriquecer e de complexificar a singularidade própria de cada disciplina. Então, qualquer tentativa de cruzamento entre saberes depende, em primeiro lugar, do estabelecimento das necessidades do particular em relação ao plural.

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Assim, os conflitos pela definição de procedimentos apropriados de análise tornam patentes uma pluralidade de correntes teóricas que almejam a hegemonia e a predominância doutrinária de suas escolhas acadêmicas por determinados mecanismos de pesquisa e estratégias de tirocínio. É uma dinâmica de legitimação que pressupõe uma espécie de emulação, direta ou indireta, entre e pelos representantes destas correntes que acabam sendo posicionadas por um âmbito histórico-social de contínuas sucessões e reelaborações de métodos e de escolas que, de acordo com os modismos de cada época, ficam fortalecidos ou amargam períodos de exclusão. Trata-se do resultado de um processo secular que acompanha as instâncias de um:

Campo de observação científica que, historicamente, se inscreveu em tensão entre as redes físicas e imateriais, entre o biológico e o social, a natureza e a cultura, as perspectivas micro e macro, o local e o global, o ator e o sistema, o indivíduo e a sociedade, o livre-arbítrio e os determinismos sociais. (MATTELART & MATTELART, 1996: 9-10)

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Apropriação de uma determinada teoria ou o monopólio de distribuição de um conhecimento específico que regem a construção de hipóteses, erigem e deslegitimam objetos, formas e métodos de estudo na configuração do sistema institucional de produção de conhecimento e na criação conseqüente de um corpo de especialistas dotados em altíssima escala de um saber prático de ação profissional tanto mais transformado em elaborações simbólicas quanto mais alta for sua posição e reconhecimento no campo específico.

(BARROS FILHO & MARTINO, 2003: 152)

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a constituição, mas o diálogo de saberes em torno da temática da comunicação.

Nesse sentido, retornando, ao propósito de demonstrar um panorama do pensamento comunicacional, é possível estabelecer também um fio condutor que tenha início através de como os contornos acadêmicos que adquiriram os estudos da comunicação formaram-se a partir das reflexões sobre as características particulares da modernidade. Isto se dá, principalmente, através de preceitos que suscitaram a crença de que a sociedade havia deixado de se constituir por relações pessoais, por relações de intimidade e de solidariedade comunitária, para adquirir uma nova conformação, definida por relações impessoais, anônimas e insolidárias trazidas e estimuladas por uma organização social massiva. Com isso, surge uma determinada conceituação de massa como a expressão de um conjunto homogêneo de indivíduos. Estes, enquanto membros de uma “sociedade de massa”, seriam essencialmente iguais, indiferenciáveis, mesmo que provenientes de ambientes diferentes, heterogêneos e de outros grupos sociais. Trata-se de indivíduos que não se conhecem, que estão separados, uns dos outros, pelo espaço urbano e que não têm nenhuma possibilidade de exercer uma ação de influência recíproca na realidade à sua volta. Assim, a principal maneira de se comunicar com este enorme agrupamento de indivíduos ocorre, justamente, através da comunicação de massa. Mais propriamente, através dos meios de comunicação de massa: a mídia.

Todo este eixo indivíduo-massa-comunicação está construído sobre um modelo sociológico, clássico e datado2, que advoga uma estrutura

2Atualmente, a massa é um conceito mais do que revisto. Não sendo mais cabível, hoje em dia,

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social na qual existe um centro de controle que domina e rege as vidas de seus controlados. Por tal viés, os indivíduos são moldados por esta imperante estrutura forjada pelo capitalismo, não havendo nenhum poder do indivíduo sobre a estrutura. A racionaização do capitalismo impunha uma dissolução da socialização, dos costumes, das crenças e dos comportamentos tradicionais. Com isso, o principal agente da modernização era a própria razão. A modernidade, por tal viés, não é a obra, por exemplo, de um déspota esclarecido, de uma revolução popular ou da vontade de um grupo específico, a modernidade é obra da própria razão, portanto da ciência, da tecnologia, da educação, etc. A modernidade pode ser entendida como a difusão dos produtos da atividade racional, científica, tecnológica, administrativa através de uma crescente diferenciação dos diversos setores da vida social. Fundando-se nestas ambivalências, o que vale para sociedade, vale para o indivíduo que tem sua vida direcionada pela participação em uma sociedade na qual a ação da razão é o princípio básico de organização do comportamento social e individual. (BAUMAN, 1991; TOURAINE, 2002).

Nessa perspectiva, os meios de comunicação geram informações voltadas para um controle social uniformizador e inquestionável. São princípios comunicativos que podem ser explicados por um processo de estímulo e resposta, que, assim, provocaria efeitos instantâneos, mecânicos e amplos, de tal forma que se um “indivíduo-massa” fosse atingido pelo veículo comunicativo, poderia ser facilmente controlado, manipulado e direcionado para determinado comportamento. Então, mesmo diante da amplitude de tradições de pesquisa com métodos, finalidades e doutrinas radicalmente opostas, é possível constatar, pelo viés panorâmico proposto, que o indivíduo social, a massa e os meios de

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comunicação (em termos de conteúdo, presença, extensão, direção, recepção, formato e tecnologia) compõem, desde o seu começo até a atualidade, os elementos-chave das teorias da comunicação, sendo utilizados, em conjunto ou separadamente, por diferentes modelos teóricos que tornam a mídia o assunto principal e mais estudado pelo campo comunicacional.

Nesse contexto, a construção de uma área de conhecimento depende, centralmente, da formulação e do desenvolvimento de estratégias de trabalho intelectual, que se concretizam em programas de investigação empírica e teórica. No processo de sua constituição como campo de saber, o pensamento comunicacional revela e reflete também a história social, política, econômica e geográfica das comunidades de investigadores; das formas de divulgação e discussão de resultados e inquietações; dos centros de pesquisa e ensino; dos esforços pragmáticos de utilização de conclusões e descobertas; e do comportamento profissional e pessoal das equipes e dos investigadores. Por isso, a complexidade das escolas, correntes e tradições de investigação midial engloba, em diferentes graus, todos estes aspectos que foram citados. A dificuldade de sua caracterização advém, diretamente, da intrincada diversidade estrutural, intelectual e institucional com que se congregam e se comportam.

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profundas ou superficiais que comprovam sua importância e sua presença constantes para o pensamento comunicacional. Então, ao se optar por um panorama que parte destes dois paradigmas, opta-se por um ponto de vista que tem um sentido adequado para quem, realmente, conhece e vivencia, com intimidade, os meandros da teoria da comunicação.

Sendo assim, muitas das pesquisas estadunidenses exploram os fenômenos comunicativos. São linhas de análise que englobam desde Charles Horton Cooley, Ernest Watson Burgess e Robert Ezra Park que reuniram seus enfoques pioneiros em torno da cultuada Escola de Chicago3 até a revolucionária Escola de Palo Alto4 (também conhecida como o Colégio Invisível) com Gregory Bateson, Ray Birdwhistell, Edward T. Hall, Erving Goffman, Don Jackson, Paul Watzlawick e Stuart Sigman. Contudo, a primeira configuração específica de um campo de estudos da comunicação foi, de fato, o Mass Communication Research

que surgiu na década de 1920 com a criação dos primeiros institutos de sondagem de opinião pública do mundo e que pode ser dividido em três grandes grupos: o da corrente do Paradigma Funcionalista-Pragmático (representada, por exemplo, por Harold D. Lasswell5, Walter Lipmann6 e

3Por Escola de Chicago costuma-se designar um conjunto de trabalhos de pesquisa sociológica

realizados, entre 1915 e 1940, por professores e estudantes da Universidade de Chicago. Nem sempre se trata, é claro, de uma corrente de pensamento homogênea, com uma abordagem teórica comum. Mas, apesar disso, a Escola de Chicago apresenta diversas características que sem dúvida lhe conferem uma grande unidade e lhe atribuem um lugar particular e distinto no campo sociológico. E é em apenas alguns textos, entre muitos, de Cooley, Burgess e Park que é possível encontrar determinadas análises sobre a presença e o papel da mídia na estrutura espacial e na ecologia humana das sociedades urbanas e industrializadas.

4A Escola de Palo Alto é composta por pesquisadores que vêm de áreas diversas. O antropólogo

Gregory Bateson procurou formular uma teoria geral da comunicação. Os antropólogos Ray Birdwhistell e Edward T. Hall são estudiosos de lingüística que procuram ampliar o terreno da comunicação, introduzindo a gestualidade (caracterizada pelo termo kinésica) e o espaço interpessoal (caracterizado pelo termo proxêmica). O sociólogo Erving Goffman estuda os fundamentos microssociológicos da ordem social. Don Jackson e Paul Watzlawick ampliam alguns aspectos da obra de Bateson, e Stuart Sigman retoma e relaciona o pensamento de Birdwhistell e Goffman. Então, a comunicação para esses estudiosos é um processo social permanente que integra múltiplos modos de comportamento e de expressão.

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Charles Wright7), o da Teoria Matemática da Comunicação ou a Teoria da Informação (criada por Claude E. Shannon e Warren Weaver), e o da corrente dos Estudos dos Efeitos Comunicativos (representada, por exemplo, por Paul F. Lazarsfeld, Robert K. Merton8, Carl I. Hovland9, Kurt Lewin10, Leon Festinger11 e Joseph T. Klapper12). Como a Mass Communication Research é composta por abordagens e autores tão variados que passam pela engenharia das comunicações, pela psicologia, pela filosofia, pela ciência política e pela sociologia, esta tradição de estudos tem pressupostos teóricos e resultados tão distintos que, em muitos casos, tornam-se quase inconciliáveis.

Mesmo assim, o que permite dar coerência a este conjunto de estudos são quatro características comuns. A primeira é a orientação empiricista dos estudos, tendendo na maioria das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensão quantitativa de uma série de estatísticas. A segunda é a orientação pragmática, mais política do que científica, que determinou a problemática dos estudos. Isto porque as pesquisas em comunicação desta tradição acadêmica têm origem em demandas instrumentais do Estado, das Forças Armadas ou dos grandes monopólios da área de comunicação de massa, e têm por objetivo compreender como funcionam os processos comunicativos para adequá-los aos propósitos destas demandas. A terceira característica é o objeto de pesquisa que está

6Uma minoria de fontes bibliográficas aponta o livro de Lipmann, Public Opinion de 1922, como a

primeira publicação impressa a observar os mecanismos de funcionamento da mídia em relação ao público.

7Wright criou um modelo funcionalista de análise baseado em uma estrutura conceitual que prevê

funções e disfunções inerentes aos meios de comunicação.

8As pesquisas de Merton colocam a mídia como transmissor social de hierarquia, de normatização e de

alienação.

9As pesquisas de Hovland examinam a eficácia da propaganda junto aos soldados norte-americanos. 10As pesquisas de Lewin tratam das relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de

decisão.

11As pesquisas de Festinger discorrem sobre a sua Teoria da Dissonância Cognitiva, que advoga sobre

o comportamento individual e suas motivações em relação a realidade.

12As pesquisas de Klapper visam sobre os efeitos das influências exercidas pelos meios de

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sempre direcionado para a comunicação midiática. Por fim, a quarta característica diz respeito a um modelo comunicativo unidirecional (de um centro para o resto da sociedade) que fundamenta todos os estudos.

Dessa maneira, pode-se passar para uma das principais contribuições da corrente funcionalista que foi a tentativa de formalização do processo comunicativo, a partir da “questão-programa” do cientista político, Harold Dwight Lasswell13 (1902-1978). Através da observação das estruturas dramáticas utilizadas pela propaganda política e comercial, Lasswell (1979, 1980) criou um modelo “da estrutura e da função da comunicação na sociedade”. Para tanto, ele retomou e expandiu os princípios da retórica grega de Aristóteles que identificou os principais componentes do processo: o locutor, o discurso e o ouvinte; e apontou como propósito principal da retórica a busca de prender a atenção e de comunicar informações para o maior número possível de pessoas. Assim, se Aristóteles14 havia identificado o quem, o o quê e o a quem, a Lasswell coube acrescentar um por que meio e um com que efeitos. Com isso, o ato comunicacional passava a ser descrito como uma seqüência interrogativa:

Quem diz o quê, por que meio, a quem e com que efeitos? É, portanto, uma teoria da comunicação que formula a identificação de determinados componentes de um modelo de ação comunicativa.

Além disso, para Lasswell, toda comunicação é intencional porque tem por objetivo obter um efeito provocado pelo conteúdo comunicado, que, então, atua como um todo integrado e encerra uma função no processo social derivada de um modelo linear em que os componentes

13Lasswell também foi o criador do termo comunicacional “agulha hipodérmica” que acabou gerando a

Teoria Hipodérmica ou Teoria da Bala Mágica ou Teoria da Correia de Transmissão. É uma teoria que trabalha a relação público-mídia através do behaviorismo de estímulo e resposta e que, curiosamente, não foi, até a atualidade, relacionada como resultado de criação do trabalho de um intelectual específico.

14Para o filósofo grego Aristóteles (1994), a prática da retórica, a prática da comunicação oral tinha

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comunicativos são encadeados em uma única ordem e não podem se dispor de outra forma. A mídia, de acordo com essa ótica, gera reações no público pelos conteúdos que dissemina, e as reações do público dependem de suas identificações projetivas, de seus anseios e expectativas, latentes ou não. Com isso, a mídia tem, nesse sentido, o papel de integrar e de trocar informações entre os diferentes componentes sociais para que aconteça, entre eles, uma relação e um funcionamento adequados aos interesses do sistema social.

Tais formulações encontraram novos horizontes com a Teoria Matemática da Comunicação (1975) elaborada pelos engenheiros matemáticos, Claude Eldwood Shannon (1916-2001) e Warren Weaver (1894-1978), em 1949. Essa teoria é uma sitematização do processo comunicativo a partir de uma perspectiva puramente técnica, com ênfase nos aspectos quantitativos. De acordo com eles, uma fonte emissora de informação (eminentemente humana) seleciona, em um conjunto de mensagens possíveis, uma mensagem específica. Um emissor (mecânico) codifica esta mensagem específica em consonância com as regras e a combinação de um código determinado, que convertem esta mensagem específica em sinais que são transmitidos por meio de um canal específico ao receptor (mecânico). O receptor capta os sinais e os decodifica, recuperando a mensagem original e permitindo sua assimilação por parte de um destinatário humano.

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decodificação, em razão de uma necessidade de compatibilizar as características semânticas da mensagem (os ruídos) à capacidade de entendimento daqueles aos quais ela se destina. A comunicação é vista, aqui, não como um processo, mas como um sistema que é constituído por elementos que podem ser relacionados e montados em um modelo, novamente, unidirecional.

Enfim, para citar apenas um exemplo entre muitos da corrente dos efeitos, é adequado discorrer sobre a preocupação fundamental do sociólogo Paul Felix Lazarsfeld (1901-1976) com as reações imediatas da audiência dos conteúdos da comunicação de massa. Para Lazarsfeld (1969), as mensagens elaboradas e transmitidas pela mídia nem sempre atingem os potenciais receptores de forma direta, isso se dá em função de um repasse informativo que funciona de acordo com os contextos sociais em que os indivíduos vivem. Cada membro de uma sociedade integra vários grupos, formal ou informalmente constituídos, e, ao interagir com eles, se faz permeável à sua influência.

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aqui, o que vigora é também o modelo unidirecional que trata sempre do caminho que vai da mídia ao indivíduo e nunca o contrário.

Os meios de comunicação de massa, então, têm sido utilizados com muito bom resultado para canalizar as atitudes básicas, mas parecem existir muito poucas provas de que tenham servido para modificar estas atitudes. (...) O papel atual dos mass media está quase por completo limitado a assuntos socais periféricos e os media não mostram o grau de potência social que normalmente se lhes atribui. Pela mesma razão e em vista da presente organização da propriedade e do controle dos mass media, estes têm servido para sedimentar a estrutura da sociedade. (...) Assim, as mesmas condições que agem em favor da máxima eficácia dos mass media operam em favor da manutenção da estrutura social vigente. Ou seja, trabalham muito mais para a manutenção desta estrutura sócio-cultural do que para a sua modificação. (LAZARSFELD & MERTON, 1969: 124-127)

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operacionais, preocupados com as funções da comunicação e, sobretudo, com a questão dos efeitos. Portanto, é a partir dos princípios da Mass Communication Research que todas as análises midiais estadunidenses subseqüentes15 (e muitas análises feitas em outros países16) reelaboram, em vários sentidos, o eixo indivíduo-massa-comunicação, ao fazerem uso de conceitos acadêmicos com pressupostos diversos e ao inaugurarem outras frentes de investigação científica.

No outro extremo destas questões, mas, propriamente, do outro lado do Oceano Atlântico, as pesquisas comunicacionais européias assinalam um posicionamento destacado com as proposições germânicas crítico-conceituais da famosa Escola de Frankfurt. Na época da República de Weimar, na Alemanha, um grupo de intelectuais, do qual faziam parte os filósofos Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), fundou, no dia 3 de fevereiro de 1923, o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, que viria a ser mudado para apenas Escola de Frankfurt. Em 1930, Horkheimer foi designado diretor, introduzindo, então, mudanças na orientação intelectual da Escola. O método marxista de interpretação da história foi revisto e reproposto por uma filosofia da cultura, da ética, da psicologia e da psicanálise. As idéias de Karl Marx referentes a ideologia, ao fetiche da mercadoria e ao valor de troca foram associadas com as idéias de Sigmund Freud referentes às necessidades supérfluas incutidas na psique humana e aos

15Nesse sentido, é possível citar a Teoria dos Usos e Satisfações de J.G. Blumler e Elihu Katz, exposta

a partir de 1974, que advoga para mídia a função de suprir e de suprimir necessidades individuais e coletivas. Como também é cabível citar a Teoria do Agendamento ou Teoria dos Efeitos a Longo Prazo, que passou a ser formulada por Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw com base nos trabalhos, de 1952, de Kurt Lang e Gladys Engel Lang e que pensa a mídia como um alterador da estrutura cognitiva dos indivíduos, e, assim, grande parte da realidade social é fornecida pela relação entre a mídia e o indivíduo.

16Podendo-se citar como, provavelmente, a mais famosa, a Teoria da Espiral do Silêncio arquitetada

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condicionamentos comportamentais, e, com isso, surgiram os fundamentos básicos da Teoria Crítica da Cultura (1985).

Por meio de tal teoria, a Escola de Frankfurt direciona seus esforços para a afirmação categórica da Kultur, ou seja, pelo viés germânico da cultura como modelo de requinte e de civilização. Isto mostra porque as considerações filosóficas de Adorno e Horkheimer apresentam rejeição a expressão Mass Culture, substituindo-a por

Kulturindustrie (indústria cultural). Ao associar pesquisa sociológica, reflexão filosófica e princípios psicanalíticos, a Teoria Crítica opõem-se ao empirismo estadunidense da Mass Communication Research17, assim como a toda espécie de análise descritiva e factual do processo da comunicação. Aplicando-se na vida social, à qual entende como totalidade constituída, tal teoria estima que as análises setoriais e as disciplinas compartimentadas expressam o triunfo da razão instrumental, que se amolda admiravelmente à manutenção de uma determinada ordem social. Dessa maneira, a prática acadêmica não pode confinar-se à coleta de dados, ignorando as mediações sociais, nem pode esquecer de referir os fenômenos investigados às forças sociais que os determinam. E esta razão instrumental, vigente em sociedades capitalistas e industrializadas, não garante o exercício de um livre arbítrio, mas, na verdade, a submissão à ideologia dominante e o aumento do desnivelamento socioeconômico.

As teses defendidas pela Escola de Frankfurt colocam em relevo o papel central que a ideologia desempenha nas formas de comunicação das sociedades modernas. Agentes da “barbárie cultural”, os meios de

17É famosa a troca de “desavenças teóricas” entre o austríaco (naturalizado cidadão estadunidense) Paul

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comunicação de massa seriam veículos propagadores de ideologias próprias das classes dominantes, impondo-as às classes dominadas pela persuasão ou pela manipulação das informações transmitidas através da mídia. Por integrarem uma indústria cultural, os meios de comunicação são os principais responsáveis por este estado de coisas porque a produção em série e a promoção publicitária acarretaram a homogeneização dos padrões de gosto, proporcionando uma deterioração da Kultur. A razão instrumental subordinou a cultura a um princípio de serialização e de padronização massivas, e a indústria cultural é o resultado primordial do processo de mercantilização capitalista de qualquer artefato produzido pela cultura. O capitalismo rompeu os limites da economia e penetrou no campo da formação da consciência, convertendo bens culturais em mercadoria. A tensão entre cultura e barbárie, arte e entretenimento, foi superada com a criação de um modelo cultural de mercado direcionado, unicamente, para a venda e para o consumo.

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seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte elaborada e da arte popular. Com o prejuízo de ambas. A arte elaborada se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a popular perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de resistência, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total.. (ADORNO & HORKHEIMER, 1978: 287-288)

Toda esta análise frankfurtiana18 transformou-se, progressivamente, em um manancial de referências obrigatórias nos estudos da comunicação em vários países (até mesmo em alguns estudos estadunidenses), compondo também o principal ponto de antagonismo e de alternativa à pesquisa estadunidense. Em certo sentido, são dois lados opostos em que a linha estadunidense representa um saber empírico da coleta de dados, da montagem de estatísticas, da entrevista de pessoas, da descoberta de fatos e da compilação de resultados sobre o assunto proposto, enquanto que a linha européia representa um saber conceitual e

18Esta linha de pensamento comunicacional da Escola de Frankfurt se aplica, entretanto, ao trabalho de

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ensaístico que depende da capacidade de análise, do nível de conhecimento e da habilidade de fazer relações de cada autor19.

Por meio deste contexto de um cenário empírico e conceitual em transição, constata-se que tanto o paradigma pragmático como o crítico fundamentaram a pergunta básica dos estudos comunicacionais: o que a mídia (em suas variações tecnológicas) provoca e estabelece na sociedade e no indivíduo? Estas duas correntes articularam possíveis respostas que lidam com as transformações surgidas com diferentes meios de comunicação através de dois pólos20: a onipresença e a onipotência da mídia ou a sua limitada presença e influência regida pela capacidade de recepção e de singularização dos indivíduos. Com isso, a Mass Communication Research e a Escola de Frankfurt acabaram, não intencionalmente21, criando tipos de interesse e pontos de vista que guiam, por matizes diversificados, toda uma história central das diferentes abordagens teóricas utilizadas para a investigação dos meios de comunicação de massa. Então, apesar de todas as décadas e até séculos, e diferentes estágios da comunicação e da mídia, que separam o paradigma pragmático e o paradigma crítico do tempo presente, as proposições e as práticas deles ecoam, com força ou com descrição, em inúmeras análises

19É claro que também se verifica, em níveis gradativos, uma presença desse posicionamento ensaístico

na Mass Communication Research e da pesquisa quantitativa na Escola de Frankfurt. Sendo notório o estudo A Personalidade Autoritária (1952) que foi um projeto frankfurtiano elaborado em torno de uma série de questionários que procuravam traçar as motivações e o perfil de anti-semitas. O que mostra, então, como nestes dois lados opostos é, igualmente, possível encontrar uma combinação entre as diferenças metodológicas que os dois representam.

20Mesmo em uma extensão tão variada que envolve, por exemplo, a escola inglesa dos estudos culturais

representada por Raymond Williams, Richard Hoggart, E.P. Thompson e Stuart Hall; a escola canadense da Teoria da Mídia representada por Herbert Marshall McLuhan, Harold Adams Innis e Eric Havelock; ou a escola latino-americana representada por Antonio Pasquali, Eliseo Véron, Luis Ramiro Beltrán e Armand Mattelart. É claramente perceptível a presença da divisão entre esses dois pólos no tipo de pensamento comunicacional que aparece no trabalho de todos esses pesquisadores.

21Tanto os estadunidenses quanto os frankfurtianos não tinham, realmente, a intenção de criar um

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que a atualidade do campo comunicacional realiza. Análises que atravessam fronteiras estabelecidas, promovem migrações conceituais e constituem novos olhares.

Por ser resultado de uma estrutura muito mais complexa, a configuração dos processos comunicativos pressupõe o convívio, a influência e a contaminação de uma seqüência de fatores diversos. Assim, a mídia não deve ser entendida como um conceito isolado e fechado em si mesmo, mas precisa, de fato, ser considerada como uma parte fundamental inserida em um processo intrincado que resulta e que depende de uma cadeia de conexões extremamente complexas e elaboradas. Por isso, a definição e a análise dos elementos que compõem a comunicação favoreceram a elaboração de abordagens conceituais diversificadas. Procurando por outras questões a serem exploradas, tais abordagens partem de processos comunicacionais que buscam expandir as fronteiras da mídia delimitadas pela teoria da comunicação de massa.

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[1.3]

Nas primeiras fases de formação do campo comunicacional, a analogia biológica com o corpo foi um parâmetro fundamental para explicar o funcionamento dos meios de comunicação e sua relação com o arranjo social. Eram metáforas que associavam a mídia e a sociedade com preceitos inerentes ao orgânico e ao organismo. Palavras que são entendidas como sinônimos de corpo. Corpo que, por tal viés, possui níveis de organização que funcionariam de acordo com os mesmos princípios de organização que regem a vida como um todo. E, conseqüentemente, que regem as próprias organizações sociais e os seus diferentes meios de comunicação.

A função social é um modo de atividade socialmente padronizado, ao mesmo tempo em que é um modo de pensamento, com sua relação com a estrutura social para cuja existência e continuidade traz alguma contribuição. Analogamente, em um organismo vivo, a função fisiológica das batidas do coração, ou da secreção de sucos gástricos, é sua relação com a disposição orgânica. (RADCLIFFE-BROWN, 1977: 32)

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O sucesso da linguagem do organismo político e social é um caso particular e particularmente notável de valorização analógica. Quando a idéia mesma do organismo é supervalorizada, todos os enunciados que se ligam a ela ou invocam a sua caução, participam de um mesmo quadro geral de valorização. (...) A noção de organismo, nos seus diversas componentes, descobriu-se generalizada e absolutizada como arquétipo da racionalidade. O organismo deixa de designar uma ordem importante, mas localizada, de fenômenos que são objeto de um saber. Passando a remeter a um complexo de significados, a partir do qual se organiza diretamente qualquer saber. O termo organismo revela-se dotado de um poder de integração racional, comparável mas muito superior ao papel desempenhado pela noção de estrutura. (...) Nesse sentido, é possível falar de uma verdadeira racionalidade orgânica. (SCHLANGER, 1983: 30-36)

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trouxeram outras possibilidades de entender a realidade. Sendo a biologia, neste período, o descortinamento de um mundo novo, ao qual, naquele momento, as questões fisiológicas serviam não apenas como metáfora ou analogia, mas como a confirmação de toda uma conjuntura social que via no corpo não só o motivo, como também a explicação plausível para o formato moderno ao qual a vida humana, pouco a pouco, seguia. Assim, como o corpo é algo natural, este formato social moderno deveria ser aceito também como algo natural e inerente à vida humana. Então, a implantação da modernidade, traz a invenção da mídia. Uma situação que corresponde, igualmente, a uma espécie de invenção do próprio corpo de acordo com premissas pelas quais a sociedade moderna expandia e firmava seus limites.

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os mecanismos fisiológicos, destacam-se os de reação aos estímulos do meio, como uma espécie de padrão explicativo para a compreensão e a definição do que são os processos de comunicação e quais as suas características.

Podemos ter uma visão mais ampla das sociedades humanas quando notamos até que grau a comunicação é uma característica da vida em qualquer nível. Uma entidade vital, quer esteja relativamente isolada ou em associação, tem recursos especializados para receber estímulos do meio ambiente. O organismo unicelular ou o grupo mais complexo tende a manter um equilíbrio interno e a reagir às mudanças de ambiências de forma a manter esse equilíbrio. O processo de reação aos estímulos do meio exige maneiras especializadas de organizar as partes do todo para uma ação harmoniosa. (…) Os processos de comunicação da sociedade humana quando analisados em pormenor, revelam equivalência em relação às especializações encontradas no organismo físico e nas sociedades animais. (LASSWELL, 1975: 106-109)

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Lasswell, porque Lazarsfeld, por exemplo, associou a seletividade diante dos efeitos da mídia com a capacidade dos anticorpos, assim como Shannon e Weaver foram influenciados por descobertas da biologia sobre o sistema nervoso acerca da transmissão de informação nos níveis fisiológicos. Na mesma medida, o paradigma crítico expressa as metáforas orgânicas de maneira mais sutil. Adorno e Horkheimer associam, por exemplo, a modernidade com o desmembramento de um corpo. Para eles, a modernidade desestabilizou a unidade social (identificada com a analogia organicista) e trouxe o desequilíbrio para um corpo que funciona, em termos fisiológicos, de maneira saudável. Cabendo aí ainda, a associação da modernidade com um corpo doente. Também é possível encontrar passagens na obra dos dois, em que o meio de comunicação é relacionado com metáforas orgânicas do corpo social, da neuralgia e da capacidade dos nervos produziram dor ou alívio na estrutura social.

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CAPÍTULO II

[2.1]

A produção de conceitos, conhecimentos, tratados, livros, teses, pesquisas, artigos, imagens e manifestações sobre o corpo no transcorrer da história da humanidade é vasta e diversificada. Isto indica, com clareza, porque o corpo se tornou um dos assuntos mais discutidos, referentes e atrativos no contexto contemporâneo. No entanto, a imensa maioria, destas discussões sobre o corpo e suas representações são herdeiras de princípios que, desde tempos antigos, desenvolvem-se, normalmente, em torno de duas interpretações: a visão do corpo como um dado natural, possuindo unidade, estabilidade e adaptações, e a abordagem construtivista em que a cultura surge como algo que intervém e que interfere nos menores gestos, de tal forma que o corpo torna-se, infinitamente, moldável.

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Estas são duas linhas de abordagem que, até o momento presente, exercem uma grande influência em diferentes áreas de conhecimento, mas que procuram, entretanto, não entender o corpo, mas, na verdade, submetê-lo, por meio de um confronto de interesses a uma série de controles e de instâncias que determinam quais são os significados corporais que devem ser aceitos como vigentes e válidos. Conhecer o corpo é um empreendimento, constantemente, irresoluto, e as certezas que se supõe possuir acerca dele são, de fato, totalmente provisórias. Isto porque as formas de atuação do corpo, tal como tudo que existe no universo e até mesmo o próprio universo, estão, freqüentemente, em transformação. Por isso, a passagem dos séculos testemunhou profundas mudanças no mapeamento e no saber de tudo que envolve e fundamenta os paradoxos da matéria corporal como algo que é sempre descoberto e redescoberto, mas, nunca, completamente, revelado e desvendado.

É uma situação que demonstra, com precisão, como as fronteiras entre natureza e cultura relacionam disposições e dados de heranças e de épocas distintas. Torna-se cabível, então, notar a preponderância de um emprego característico expresso por diferentes enfoques cujo primordial intento está explicitado por correspondências e incidências de sistemas de conhecimento e de autoridade (medicina, biologia, genética, antropologia, sociologia, psiquiatria, etc.) que se propõem a colocar em evidência um esforço divisório para captar e para separar as forças que atuam a partir do e no corpo. Por essa perspectiva, o corpo é balizado como o eixo de um processo de figuração no qual navegam e interatuam discursos, práticas, saberes e desígnios que não tratam, sobremaneira, do corpo, mas, sobretudo, das estruturas sociais e simbólicas que o conformam.

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ângulos diversos, expostos por destacadas correntes intelectuais através das quais são veiculados e modificados os legados culturais e biológicos que comprovam a prevalência de todo um percurso histórico que mostra como:

Seria simplista demais assumir que o corpo humano existiu eternamente como um objeto natural não problemático, com necessidades e desejos universais, afetado de maneiras variadas pela cultura e pela sociedade (em uma época “reprimido”, em outra, “liberado”, etc.). Tal divisão grosseira entre natureza e cultura seria obviamente inútil, e seria equivocado e irônico proporcionar ao velho dualismo mente/corpo uma nova vida. (...) Evidentemente devemos enxergar o corpo como ele tem sido vivenciado e expresso no interior de sistemas culturais particulares, tanto privados quanto públicos, por eles mesmos alterados através dos tempos. (...) Os corpos estão presentes para nós, apenas por meio da percepção que temos deles, então a história dos corpos deve incorporar a história de suas percepções. (PORTER, 1997: 195)

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sociais, globais, instituídos e analíticos que estão, igualmente, exteriorizados e expressos por noções científicas e acadêmicas, por princípios populares e tradicionais, e por crenças particulares e coletivas. Com isso, ocupar-se do corpo é também entendê-lo, desde uma distinção primordial que é o de substrato básico da existência de qualquer organismo vivo até distinções gerais que o fazem objeto de determinadas práticas e de significados singulares para a presença corporal em condições variadas. Como, por exemplo, o nascimento, o crescimento, a alimentação, o sexo, a reprodução, a doença, a raça, a dor, as emoções, o movimento, o trabalho, a aprendizagem, o vestuário e a morte. Ou seja, o corpo, com suas características, necessidades e imposições, é o componente-chave de, indubitavelmente, tudo que compõe o cotidiano humano, indo da organização global das sociedades até os arranjos culturais.

Nesse sentido, é, extremamente, complicado, a partir de todos estes aspectos, entender porque as complexas determinações e indeterminações entre natureza e cultura estão, na maioria das vezes, distanciadas por uma espécie de limite que, incompreensivelmente, traça uma separação clara dentre as chamadas ciências biológicas e as chamadas ciências humanas. Por causa deste limite, o corpo acaba, repetidamente, sendo ainda analisado através de preceitos que são, ao mesmo tempo, diferenciados, mas, que também:

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do que a carne. Em sintonia com essa visão, o corpo ainda aparece descrito como espécie de tabula rasa que

recebe informações da cultura, com capacidade para moldá-lo, confinando-o mais uma vez ao papel de instrumento do determinismo sociocultural. Qualquer referência ao corpo, como sujeito de si mesmo e mídia do conhecimento, é considerada como perigosa porque propõe analisar seu funcionamento genético e neurofisiológico. Esta é a armadilha mais saborosa das novas pesquisas porque é só estudando mais de perto este “como o corpo funciona” que parece possível compreender como as informações do mundo são internalizadas no organismo e, então, modificadas. Isto nada tem a ver com o cientificismo maroto ou o discurso do poder. Mais do que nunca, ciência e filosofia aparecem irremediavelmente conectadas, assim como a natureza e a cultura. (GREINER, 2003: 12-13)

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