Universidade Nova
de
Lisboa
Faculdade de
Ciências
Sociais
eHumanas
Depart.
de
Ciências
da
Comunicac^o
Quando
jovens ganham
vozUma
pesquisa etnográfica
sobre
media
eculturas
juvenis
Raquel
Pacheco
Mello
Cunha
Disserta^ão
de
Mestrado
emCiências
da
Comunica^âo/
Estudo
dos
Media
edo
Jornalismo
Orienta^ão:
Prof.a
Doutora
Cristina
Ponte
Prof.
Doutor
Jacinto
Godinho
'aiMí DECJeWCIhS STCÎ- i$ £ ncm
BIBLIOTECA
G258Q
"Rato derua
îrrequieta
criatura Triboemfrenética
Proliferacão
Lúbrico,
tibidinoso Transeunte Boca deestômago
Atrás do seuquinhão
Vãoaos
magotes
A darcomumpau Levandooterror Doparking
aoliving
Doshopping
centerao léo Docano deesgoto
Protopo
doarranha-céuRato derua
Aborígene
dolodo Fucagelada
Couraca
de sabãoQuase
risonhoProfanador
de tumba Sobrevivente A chacinaeå leidocãoSaqueador
Dametrôpole
Tenazroedor Detoda esperancaEstuporador
da ilusão 0 meu semelhanteFilho de
DEUS,
meu irmão"A
Marcelo,
companheiro, amigo
esempre
presente.
Agradecimentos
As
três Marias
que
com tantocarinho
meacompanharam
eacompanham
nestajornada:
Angela
Maria
-que
mefez
nascer.Maria
Thereza
-que
meajudou
a meconhecer.
Maria Cristina Ponte
-que
com tantagenerosidade
me onentou.Aos
alunos
da
PM,
por
termosaprendido
tantojuntos.
Aos
amigos daqui
ede lá
que
com tantocarinho
meapoiaram, ajudaram
comas
crian^as
e meacalentaram
nosdias mais
dificeis.
te
(aos) companheiras
(os)
do
projecto "Crian^as
eJovens
emNotícia",
pela
rtossa
militan^a
notrabalho
emprol
dos direitos das criancas.
Ao
IAC,
napessoa de
Maria
João
Malho,
que
acreditou
einvestiu
nesteprojecto.
A
Leon
que
tanto meinspirou.
A
tia Adelina
etio
Zafer
que
commuita
paciência
me"co-orientaranf
9índice
INTRODUCÂO
1CAPÍTULO
I - JOVENS ECULTURAS
JUVENISAdolescênciae
Juventude
6Cultura
Juvenil
VS CulturasJuvenis
8Corrente
Geracional
e CorrenteClassista 9Trajectôrias
e IdentidadesJuvenis
10Cultura
Juvenil
Negra
emPortugal
13Cidade
Partida 15Cabe^a
de Porco 20CAPÍTULO
H-CULTURAS
JUVENIS NOSMEDIAA
Principal
Representacão
dasCulturasJuvenis
nosMedia 27 Um Caso Brasileiro: OTrabalho
da ANDI e o Relatôrio Balas Perdidas 29 AsTendências do Cinemaapartir
dos Anos 90: AEspectacularizac-io
daViolência
Juvenil
32A
Realidade
no Ecrã: DaIndústria Cultural ao DiscursoCinematográfíco
34Da Estética å
Cosmética
da Fome 39As
Consequências
Sociais no Casodo Cidade
de Deus 44CAPÍTULO
III - MEDIAEDUCACÃO
PARA E COMOS JOVENS: O DESENHO DEUMA
PESQUISA-ACCÃO
Educagão
paraos Media 52ACaixade Ferramentas
Etnográficas
56As Anotacoesno Terreno 57
Codificando e
Descodificando
os Dados 58Aspectos
Éticos
daPesquisa Etnográfíca
60A
Investigacão-
Accão 60O Trabalho de
Campo
e suaEstruturaMetodolôgica
62CAPÍTULO
IV-NÔS
TAMBÉM
TEMOS VOZ:DINÂMICAS
E MOVIMENTOS EMANÁLISE
4.1
Espaco
Escolar: Possibilidades eConstrangimentos
704.2
Lugares
dosJovens: 79Pontos dePartida 80
Pontos de
Viragem
84Pontos de
Chegada:
Nás Também Temos Voz 90CONCLUSÃO
98Introdu(ão
O fenômeno daexclusão social dos
jovens
- incluindo todasas suas correlativas
manifesta^ôes
de«desenquadramento
social» - temadquirido
uma relevânciapública
cuja
ressonânciaprincipal
é a ideia de que osjovens
vivemsituacoes
crescentes de nsco. Riscosmúltiplos
que se associam a condicoesprecárias
devida,
novasformas
devivência e
experimentacão
sexual,
manifestagôes
diversas de intolerância(racismo,
violência, eto),
apelos
consumistas
geradores
de«pânico
social»(nomeadamente
com o consumo crescente dedrogas,
mais ou menos«ilícitas»),
condutas e culturas«rebeldes»,
lazeres
marcadospor «excessos» e«transgressoes»,
etc.(Pais,
2005:13)
O aumento nas estatísticas de situacoes de violência envolvendocrian^as
ejovens
e oestigma
que os leva na maioria dos casos,principalmente quando
ems.tua^ôes
de risco eabandono,
a passar daposiQão
de vitimas a vilôessociais,
são ospressupostos
básicosque motivam a realizacão destapesquisa.
Utilizamos o cinema como meio para reflexão sobre a
violência,
cidadania ejuventude.
O cinemacontemporâneo
tem nos mostrado com umafrequência
cada vezmaior
umaparcela
da sociedade quemuitas
vezes desconhecemos. Filmes como obrasileiro Cidade de
Deus,
oportuguês
Zona J , o sul africano Wooden Camera e o venezuelanoHuelepega, ley
de îa Calle nosapresentam,
através daficclo,
a realidade decrian^as
ejovens
que vivem a mesma situacão derisco,
o queinclui, exclusao,
violência e abandono. Será esta uma coincidência
(o
que nãoacreditamos)
ou umarealidade advinda desta sociedade industrial moderna e
globalizada?
Sãoquestôes
comoestaque
pretendemos
investigar
durante odesenvolvimento destadissertacão.Percebemos a necessidade de dar um sentido afírmativo e transformador aos
fenômenos
ligados
aviolência,
apobreza
e amiséria,
sem com isso transformar apobreza
em umarepresentacão
de drama evitimiza^ão
e muito menos em umproduto
de consumo imediato paraentretenimentooufolclore(Bentes,
2003).
Nossa intenclo foi tentar
perceber
através destesfilmes,
porumlado,
o movimento qje está acontecendoquando
o cinema deficcjĩo
vai buscar através da temática darealidade de crianc-as e
jovens
pobres
e excluídos trazendo a vida destesjovens
para oconceitos de
comunicac-ão,
educaQão
eparticipac-ão,
trabalhamosquestôes
sobrecidadania,
autoestima eoutrastemáticas que fazemparte
do dia a dia dosjovens.
Que
quadro
de nossascriangas
ejovens
estes filmes querem mostrar9 0 cinemaconsegue
contribuir
dealguma
maneira para melhorar a realidade querepresenta?
O cinema tem umpapel politico
na sociedade9Qual
opapel
social do cinema9 Deve-seexigir
do cinema um envolvimento maior sobre asquestôes
levantadas por ele9 E!ntenderacercadosignificado
dopapel
social do cinema paraosjovens
e até queponto
este mesmo cinemapode provocar-lhes
umareflexão,
sãoalgumas
dasquestôes
que levantamos eabordamos nadissertacão
que sesegue.Nunca houve tanta circulaclo e consumo de
imagens
depobreza
eviolência,
deexcluídos,
decomportamentos
ditos "desviantes" e "aberrantes,\ A violência e adenúncia
de crimes tornou-se quase umgénero
jornalístico
(Bentes,
2003).
Esta tendência do mercadocinematográfico,
suscitou a ideia que nos levou a usar o cinema como meio para estudarmos osjovens
e aviolência que aparece nos media.Para o
antropôlogo
RobertoDaMatta,
esse fenômeno social é o quepodemos
chamar decooptac-ão,
onde os media se utilizam das realidadessociais,
cooptando-as
para
atingir
um determinado fim. Os discursos descritivos sobre apobreza
nos media tendem a funcionar como merorefor^o
dosestereotipos,
em que opobre
aparece comoportador
de riscoe amea^a social.A discussão das
questôes
aqui apresentadas
e seu maioraprofundamento,
constituem em linhasgerais,
nossaspreocupac-ôes
nodesenvolvimento
e andamento dapesquisa.
Esta
dissertacão
foiorganizada
emquatro
capítulos
e um vídeo de 28 minutos. Noprimeiro
capítulo
- Jovens e ctdturasjuvenis
- analisamos os conceitos de culturasjuvenis
versus culturajuvenil.
Osestereôtipos
relacionados aosjovens,
o queeles são e como sãovistosA tendência de ver o
jovem
como elementoperturbador,
o conceito de mito eestigma
de uma culturajuvenil
"ameacadora"
e como são usados constantementepelos
mediaquando
estes falam ou tentamrepresentar
osjovens
constitui osegundo capítulo
-
Culturas
juvenis
nos media. Nestecapítulo
abordamos as tendências do cinema apartir
dos anos90,
que através daespectacularizapão
da violênciajuvenil refor^a,
na maioria das vezes, estediscursoestigmatizante
sobre ojovem.
Questionamos
se o cinemapode
suscitar
a reflexibilidade dojovem
sobre suasprôprias
culturas,
experiências
e condicoes de vida. E apartir
dessaperspectiva
adquirir
uma maiorautonomia
parapensar sobre siprôprio
comocidadão e pessoa de direitos.Será que a
partir
desta análise osjovens
sãoestimulados
a pensar criticamente sobre outrasrepresenta^ôes
suas nosmedia
(noticias,
telenovelas,
publicidade)9
No terceiro
capitulo
- Media educacãopara e com
jovens:
o desenho de umapesquisa acgão
- falamos sobre toda a estrutura emetodologia
doprojecto
e oporquê
das escolhas que fizemos.Aspectos
éticos dapesquisa,
o consentimentoinformado,
osmateriais
usados durante ainvestigacão
acc-ão e como foi feita acodificacão
e aanálise
dos dadosobtidos
também foram assuntos destecapítulo.
Nôs também temos voz: Dinâmicas e movimentos em análise - é
o
quarto
eúltimo
capítulo,
ondeanalisamos
o contexto dapesquisa,
descodificando os dados obtidos no campo. Este material é trabalhado num vai e vem com oscapitulos
teôricos,
onde fazemos umbalan^o
dapesquisa empírica,
como foi fazer ovídeo,
asmudan^as
observadas,
etc. Como osjovens
vêem a violência emrelapão
a si e ao outro e como se contradizem(não
há violência naescola,
em casa e no dia adia)
sãoalgumas
dasabordagens
destecapítulo
final.Na conclusão observamos a necessidade que os
jovens
têm de sair doslugares
marcadospelos
media
com suaabordagem
sensacionalista
sobre a condicão dajuventude.
Como ojovem
de classe média é tratado como "bomaluno",
"bomrapaz",
"exemplar" contrapondo
com o tratamento que é dado aojovem
pobre
que é tratado como"menor",
"delinquente",
"infractor", "violento".
Observamos também que ojovem
de uma maneirageral
(rico
epobre)
têm necessidade de autoafírmacao,
decorresponder
aoesperado
(socialmente),
de se sentir dentro dosistema,
damoda,
do que éditadopelo
mercado de consumo e"bem estar".Para ter a sensacão de ser
"alguém",
de existir diante doprôximo,
do outro, deser
sujeito
de suaprôpria
vida,
quando
não se conseguepelos
meiossocialmente
"aceitáveis",
ojovem
vaiobte-la através
de outrosmeios.
Esses outrosmeios,
na naioria das vezes,significam
estar a"margem"
,através
depráticas
poucoaprovadas
socialmente,
como aviolência,
o uso dedrogas,
o hedonismo. Para isso éimportante
Capítulo
I
-Jovens
eCulturas
Juvenis
"As
teorias
são
objectos
de
crenca, mas emrelacão
aelas
tamhém
convém
alimentar
algumas
descrencas
- oque
nosajuda
amidtiplicar diferentes planos
de
perspectiva
emrelacão
a um mesmoohjecto
de análise.
"MachadoPais
(2003:109)
Estudando a
juventude percebemos
que esta comeca a ser umacategoria
socialmentemanipulada
emanipulável,
comopodemos
observar através dasinvestigavôes
de Machado Pais.Mais
especificamente
em CulturasJuvenis,
o autorpenetra
nos meandros doquotidiano
dosjovens
e desmistifica aimagem
quealguns
media tentam passar: "muitas vezes eles retratam uma culturajuvenil ameavadora
paraa
sociedade"
(Machado
Pais,
2003:36).
O que considera umparadoxo, quando
pensa que estaimagem pode
seralimentada
ou causionada por análisessociolôgicas
centradas nos mais"espectaculares"
e"marginais"
aspectos
da "culturajuvenil"
que,justamente,
são os que mais interessam aos media.A
defini^ão
de uma culturajuvenil
ameacadora,
como citamosacima,
é considerada um mito(Machado
Pais, 2003)
e também umestigma (Soares, 2005).
Este mito e/ouestigma
da culturajuvenil
"ameacadora"
é o conceitoprincipal
que iremosfabalhar,
discutir eanalisar aolongo
desta dissertacão.A
representacão
das culturasjuvenis
nosmedia
será,
entretanto, analisada noprôximo capitulo.
Nesteprimeiro capítulo
discutiremos osignificado
de culturasjuvenis
eperceberemos
porqueoptamos
trabalhar o conceito de "culturasjuvenis"
erão o de"cultura
juvenil".
1.
Ctdturas
Juvenis,
dosociôlogo
einvestigador português
José MachadoPais
-constitui
uma
grande
contribuic-ão teôrica paraestecapitulo
e para estadissertaQão
de uma maneirageral.
2.
Cidade
Partida,
do
escritor ejornalista
brasileiro Zuenir
Ventura-percebemos
aexistência
dediferentes culturas
juvenis
no espaco de uma mesmacomunidade/favela
no Rio de Janeiro(o
que serve paracontrapor
arepresentac-ão
da favelano fílme Cidade deDeus).
3.
Cabeqa
dePorco,
doantropôlogo
brasileiro
LuizEduardo
Soares e dos rappers MV Bill e CelsoAthayde
- mostra-nosde
uma maneira maisampla
arealidade
dejovens
pobres
moradores de favelas eperiferias
em diferentesregiôes
do Brasil(com
enfoque
nosjovens marginais),
trabalhando oconceito
doestigma.
A escolha destas três
bibliografías
sedeu,
primeiramente,
por abordarem(cada
uma a seumodo)
o tema que nos propomos discutir nestecapítulo. Depois,
por serem trabalhos realizados no campo, queutilizaram oregisto etnográfico
através do diário debordo;
foi apartir
dasexperiências
no campo que os autores escreveram seusrespectivos "depoimentos"
epartiram
parasuasanálises.
São tambéminvestigadores
de diferentes áreas:Sociologia,
Ciências
daComunicacão,
Antropologia
eMúsica;
cadaqual
tem a suametodologia
elinguagem
prôpria
como veremos no decorrer destecapitulo
Adolescência
eJuventude
"Curioso
eparadoxal
é que noBrasil,
para osjovens
pobres,
de ummodogeral,
não há adolescência: salta-se directo dainfância
ao mundo dotrabalho
(ou
dodesemprego)
"(Soares,
2005:211).
Machado Pais afirma que
jovens
e adolescentes sempreexistiram,
mas naopossuiam
este estatuto. Muito embora apuberdade,
em si.seja
um processobiolôgico
universal a adolescência sô come^ou a servulgarmente
encaradacomo fase davida,
nasegunda
metade do séculoXIX,
quando
osproblemas
e tensôes a ela associados atornaram
objecto
de "consciência social"(2003:39).
Podemosafirmar entâo,
que aadolescência
é um grupo etário delimitado quecorresponde
a uma fase davida
do indivíduo que é nomeadamentequando
estepossui
menoresresponsabilidades,
sendo tuteladopelos
pais
e/ou Estado e fazparte
de uma dasetapas
daquilo
que vem a ser ajuventude.
Algumas
vezes, aolongo
desta dissertacão iremos nos referirespecifícamente
ã esteperiodo
dajuventude
que chamamos deadolescência,
mas sempreenquadrando-o
no conceito maisamplo
que é o dejuventude.
Historiadores e
antropôlogos,
sublinha Soares(2005:210),
nos mostram que aadolescência
é uma invencão recente nassociedades
modernas ocidentais e que não existe na maioria das sociedades ditas"primitivas",
nasquais
as pessoas transitam da infancia â idade adulta num salto. Ou se éadulto,
ou se éum serincompleto, desprovido
de histôria: não háetapas
de evolucãopsicolôgica
ou moral. Já naépoca
medievaleuropeia
e ainda noRenascimento,
as criancas eram adultos em miniatura. As crianc.as não eramprotegidas,
tratadase estudadas como seresespeciais.
A adolescência foi concebida como uma
categoria geracional,
sendo também reconhecidasocialmente,
academicamente e atéeconomicamente,
durante a era industrial(Magro,
2002)
Portanto,
é umacategoria
moderna e que teve seu reconhecimentoprincipalmente quando
a educac-ãoformal,
que é um dosprincipais
projectos
damodernidade,
fícou sob ojugo
econtroledo Estado.As
crian^as
eadolescentes,
analisaMagro (2002),
apartir
desse momento, teriam o dever e odireito
de ficar nasescolas.
Aescolariza^âo,
comoconsequência,
estabeleceu um processo deseparacão
entre seres adultos e seres emformacão.
Portanto,
aeduca^ão
tornou-se o fundamento para o ordenamento do mundomoderno,
que ocorre de cima parabaixo,
dasclasses
dominantes para as classespopulares;
dos adultos(ordem estabelecida)
para ascrianpas
e adolescentes(seres
emformasão).
Paracumprir
estepapel
"domesticador" econservador,
operíodo
escolarfoi
expandido,
retirando as criancase,posteriormente,
os adolescentes do mundo do trabalho. O que sepretendia
com essa retirada era aformaQão
de mãos-de-obra cada vez maisespecializadas
para a sociedadeindustrial;
e, comoconsequência,
agarantia
da ordem e do progresso da modernidade.adultos" e passam a ter uma maior
capacidade
dedecisao,
intervencão e influenciam inúmeros modos decomportamento.
Cultura Juvenil VS Culturas Juvenis
"Por cultura
juvenil,
no sentidolato,
pode
entender-se o sistema de valoressocialmente atribuidos
ájuventude
(tomada
comoconjunto
referido
aumafase
da
vida),
istoé,
valoresa que aderirãojovens
dediferentes
meiosecondicôes
sociais.
"(Machado
Pais,
2003:69)
Em
Portugal,
nos anos1960,
osjovens
universitários eram, para determinadossectores da sociedade
portuguesa,
um dosproblemas
maispreocupantes.
Ocontigente
de alunos que comecaram, nestaépoca,
a invadir asuniversidades,
suplantava
acapacidade
de absorc-ão destasinstitui<?ôes,
dando assim aimpressão
que estas estavama encaminhar-se para uma
situaclo
de crisegeneralizada.
Asuniversidades
por outrolado,
estavam cristalizadas em moldes institucionaisultrapassados,
necessitando de umareformageral.
Se nos dias de
hoje
um dosgrandes
problemas
dosjovens
universitários é a dificuldade deinservão
no mercado detrabalho;
asdificuldades
dosjovens
na décadade
60,
emPortugal,
eram directamenterelacionadas
aos "adultos". Suaspreocupa^ôes
eramtraduzidas
como uma forma deprotesto
contra asgeracôes
maisvelhas,
contra opoder
e oregime
político
que não facilitava aparticipa^ão
dosjovens
a nívelinstitucional;
organizavam-se
assim,
em movimentosestudantis
numa maneira deresponder
a estasproblemáticas.
Machado Pais
(2003:34)
afirma
que nos anos 1980 houve umaruptura
nasrepresenta?ôes
sociais dominantes sobre ajuventude.
Ajuventude
"militante",
"utôpica"
e cultivadora da"solidariedade"
dos anos 60 eprincípios
da década de70,
a doxadominante,
contrapôe
umajuventude
mais"céptica", "pragmática"
e "individualista".Referindo-se a Bourdieu
(em
Questôes
deSoaologia),
Pais(2003:28)
nosmostraque ao se falar dos
jovens
como uma "unidadesocial",
um grupo quepossui
"interessescomuns"
e de se referirem esses interesses a uma faixa de idades constituiuma clara
manipulagão
A tentativa de tornar ojovem
como se fizesseparte
de umacaltura
unitária,
ouseja,
de uma culturajuvenil,
nãocorresponde
ao que de factoacontece no
quotidiano,
na realidade. Paispropôe
não apenasexplorarmos
aspossiveis
smilaridades entre
jovens
ou grupos dejovens,
mas também as diferencas sociais que existem entre eles.Através
de umadesconstrugão
(desmistificac.ão) sociolôgica
dealguns
aspectos
daconstru<?ão
(ideolôgica)
dajuventude
que, em forma demito,
nos édadacomo
entidade
homogénea.
A
juventude,
aolongo
dahistôria,
sublinha Machado Pais(2003:30),
"temsido
encarada como uma
fase
de vida marcada por uma certa instabilidadeassociada
adeterminados
«problemas
sociais». Se osjovens
não seesfor<?am
para contornar esses«prob!emas»,
correm mesmo riscos de seremapelidados
de«irresponsáveis»
ou«desinteressados»".
Por
corresponder
a umconjunto
deresponsabilidades,
o adulto é normalmente considerado"responsável",
pois
tem um trabalho fixo eremunerado,
constituiu famíliae tem os mais diversos
tipos
dedespesas (casa, filhos,
etc).
Apartir
do momento quevão contraindo estas
responsabilidades
osjovens
vãoadquirindo
o estatutode adultos.Observamos então que a
juventude
é umacategoria
socialmenteconstruída
eque
pode
modificar-se aolongo
dotempo
dependendo
do contexto(econômico,
social,
geográfico
oupolítico).
Mas foram nos anos 60 e
70,
comodissemos
acima,
que ajuventude
passou a seridentificada
com uma "cultura"radicalizada,
rebelde e cheia deconfiitos,
em buscade auto afirmac-ão e autonomia em
relacão
ao mundo dos adultos. Foi nesta altura quesjrgiram
duas correntesteôricas acercadajuventude.
Corrente Geracional
eCorrente Classista
As diferentes
maneiras
de olhar ajuventude
e as diferentesjuventudes
fizeramsurgir
duas correntesteôricassociolôgicas:
a correntegeracional
e a correnteclassisia.MachadoPais sublinha as
diferencas
entre estas duas correntes:A)
CorrenteGeracional
(2003:48)
- toma comoponto
departida
a nocâo dejuventude,
entendida no sentidoáefase
devida,
eenfatiza,
porconseguinte,
odominante de valores. As culturas
juvenis
são culturasespecíficas
de umagerac-ão,
a"gera^ão
dosjovens"
.B)
Corrente Classista
(2003:
56)
- areprodu^ão
social é fundamentalmente vista emtermos de
reproducão
degénero,
de raca,enfím,
de classes sociais. São críticosao
conceito
dejuventude
como "fase de vida". Esta correnteafírma
que atransicão
para a vida adulta estará semprepautada
pordesigualdades
sociais,
porisso as culturas
juvenis
devem serentendidas
como culturas de classe.Segundo
a correntegeracional
as culturasjuvenis
defmem-se por suaoposic-ão
â cultura dominante das
gera<?ôes
anteriores e para a correnteclassisía,
as culturasjuvenis
são uma forma de resistir â cultura da classe dominante etudo o que esta classedominante
signifíca.
Pais acredita
quedependendo
do
tipo
de
sociedade,
podemos
privilegiar
uma ou outrateoria,
como também manter umtipo
deinterligac-ão
entre elas(2003:388).
As duas correntes tem como
ponto
em comumconcordarem
com o conceitode
cultura
aplicado
ajuventude.
Para asociologia
dajuventude,
este conceito temservido
para
discernir
osdiferentes
signifícados
relativos
aoscomportamentos
juvenis
comoprocessosde internalizacãoe socializacão.
Trajectorias
eIdentidades Juvenis
"As
trajectôrias
dosjovens
tomam aagilidade
deumafita cinematográfica.
"(Machado
Pais,
2003:75)
As culturas
juvenis,
analisa Paulo Carrano(2002),
sãoexemplares
daefectividade
desse sistemaglobal
decomunicacão,
pois
emgrande
medida
se definempela adop^ão
de determinadossignos
de identidade que as interconectam num mercadocultural
global.
Apartir
da "década de 1950 osurgimento
de uma culturajuvenil
específica
que marcouprofundas
diferencas entre as geracoes, ainda que não tenha sidoapenas uma
"inven^ão"
dos
fabricantes de bens de consumo. Tem sido emgrande
medida resultado da criacão de uma indústria cultural mundial
cujo
tra^o maissignificativo
foi ajuvenizacão
das referênciasestético-culturais
como valorpositivo
paratoda a sociedade. Ser e parecer
jovem
no contexto dedeterminados
padrôes
dominantesde consumo cultural passou a ser um valor a ser
perseguido.
O bluejeans
e o rock setornaram marcas deuma determinada
«juventude
culturalgIobal»"
(Carrano,
2002).
O autor sublinhaque amúsicaé um
exemplar
desse processo demundializa^ão
cultural na historia social dajuventude.
Com osurgimento
do rock nos anos 50 até âforte
referência
contemporânea
dofunk
e dohip hop,
estes últimosespecialmente
significativos
parajovens
dasperiferias
dosgrandes
centrosurbanos,
nospermite
encontrar os sinais da
real existência
de culturasjuvenis globais
ecompartilhadas.
"0reconhecimento da existência de referências culturais
globalizadas
nas culturasjuvenis
níto deve
servir,
contudo,
para que pensemos osjovens
como meros consumistas das referênciasinternacionais
desterritorializadas,
uma vez que as identifícacôesglobais
não existem fora dasculturas,
práticas
elôgicas prôprias
aoslugares
reais de existência"(Carrano,
2002)
.Através da
forca
e criatividade doslugares
praticados
porsujeitos
sociais
activos,
estes são capazes dealterar
alôgica
dominantereproduzida pelos
territôrios e isso também é válido paraas culturasjuvenis
queconstantemente se"reinventam".As
trajectôrias
dosjovens
devem ser encaradas comoalgo
mais do que apenasmovimento,
é acima de tudo um processo desocializacão
ejuvenilizacão.
Asocializac-ão faz
parte do
processo daintegracão
dosjovens
no mundoadulto,
a absorcão das regras e condutassociais.
Oconceito
dejuvenilizacão
refere-se,
em contrapartida,
ao processo deinfluência
dosjovens
sobre a sociedade(Machado
Pais,
2003:76).
O
processo deconstru^ão
de umavisão
dosjovens
através dos seusquotidianos
permite
descobrir
adiversidade
decomportamento
entre eles. Movendo-seem diferentes contextos
sociais,
osjovens partilham
diferenteslinguagens,
comportamentos,
modos de se vestirem e valores. "Mais do que umafor^a
social,
aolongo
dostempos
nas sociedadesocidentais
ajuventude
foi-se
tornando uma marcasocial,
uma norma construída social e historicamente que,simbolicamente,
unifica umgrupo
composto
porgrande
heterogeneidade"
(Carvalho
eBrites,
2006:57).
As
diferentes
culturasjuvenis
e os diferentessignificados
que osprôprios
que os
jovens
utilizam e queprecisamos compreender
nos seussignificados
paraentendermos
aimportância
que estessímbolos
têm parao indivíduo."As formas como são vistos e tratados
pelos
adultos epelas
mais diversasinstitui^ôes
acaba porinfluenciar
ocomportamento dos
jovens
ereflecte-se
nas suasatitudes
e noposicionamento
perante
siprôprios,
perante
os pares e os outros Asrelafôes
sociais e asac<?ôes
são moldadaspelos
diferentes olhares que, destemodo,
secolocam em
jogo
e nosquais
se inclui também a forma como se querem dar a ver econhecer"
(Fine
inCarvalho eBrites,
2006:10).
Podemos ilustrar esta
afirma^ão
ao analisarmos o modo como o circulofamiliar e a
escola
vem se tornandocada
vez mais distante dos interesses dosjovens.
Com o desenvolvimento
econômico,
a influencia dos mass media e "com a construcao de uma escola de massas, novosproblemas
sociais
emergiram.
A instituicão escolartornou-se o
principal
palco
dedisputa
social desde a infancia âjuventude
onde surgetodo o
tipo
dechoques
culturais, sociais,
étnicos,
religiosos
e degénero"
(Sarmento
inCarvalho e
Brites,
2006:42).
Machado Pais(2003:
110)
acredita queinstituicôes
como aescola e a familia teriam
perdido
seupoder
deinfluência
em favorde
contextos maisinformais ou subterrâneos de
socializac-ão
comoaqueles
que envolvem o grupo deamigos.
O grupo de
amigos
não viria ameac-ar os valores dafamília,
masgarantir
aojovem
umaproteccao,
pois
otempo
queestes passam com osamigos
é sentido como umtempo
realmente "seu". Umtempo
prôprio
para arealizacão
de seusdesejos,
interesses,
lazeres e prazeres.
É
um momento em que acaba desenvolvendo formas deinteracgão
que normalmentenão desenvolveria na escolaou com a familia.
É
importante
sublinhar queas culturasjuvenis
são,
na suaessência , culturas delazer:
pormotivos
deordem
prática
eideolôgica.
Pormotivos
de ordemprática,
porquea
afirmaQão
dosjovens
nãopode
deixar de se fazer sentir numdominio:
o dolazer,
onde aparticipaclo
juvenil
parece sergeracionalmente
maisintegrativa.
Por motivos decrdem
ideolôgica,
porque nasrepresentac-ôes
comuns,designadamente
a nível dos massmedia,
o mito dajuventude homogénea
éprincipalmente
alimentadopelos
fenômenos cue no domínio do lazer - como a música -mais
parecem
aproximar
osjovens
(Machado
Pais, 2003:226).
Cultura
Juvenil
Negra
emPortugal
Quando
se diz "novosluso-africanos"
cede-selugar
para um outrosignificado
de"pertencer",
através dareferência
étnica,
ouseja,
torna-seimpraticável
aplenitude
icentitária o que dá a estes filhos
de
imigrantes
nascidos emPortugal
uma conotacãoestigmatizante
da etnicidade. Preferimos nomear os filhos deimigrantes
dos PALOP emPartugal
de acordo com acategoria terminolôgica
proposta
pelo investigador português
Antônio Concorda Contador
(2001: 2-3):
adejovens
negrosportugueses.
Estadefinivão
p-ivilegia
a delimitacãode
espa<?os dereferência
múltiplos
(portugalidade/ocidentalidade,
africanidade,
negritude).
Esses
jovens
herdam de seuspais
a cultura dasorigens,
asraízes,
a lembrancadî"terra
mãe";
mas ao mesmotempo
absorvem acultura,
alinguagem
e o modo de vidaáo
país
onde vivem.Sempre
em constanteprocesso de(re) constru^ão
deuma identidadeprôpria
parasi,
sendo estesjovens
"e" negros "e"portugueses.
Autenticidade
versusperda
de autenticidade: desta tensão geram-se as formascalturais negras
juvenis
que são do âmbito daestética,
dareapresenta^ão
imagética,
e não daconsciência
etnizada de grupoétnico
"negro".
Contadorsublinha
que destatensão nascem as linhas de
desterritorializa^ão
das formas culturais negrasjuvenis
quetransformam, portanto,
asidentificac-ôes
porpertenca
étnica,
emidentificacoes
porreferência
a umaestética negra ejuvenil.
"Aidentidade
estética dosjovens
negros, eporconseguinte,
dosjovens
negrosportugueses,
ganha
corpo nainsolubilidade,
agravada
pela
evidênciada presenca do corpo negro, desta tenclo entre o autêntico- identificacao porpertenca
- e aperda (desterritorializacão)
do autêntico identificaclo porreferência- dasformas culturais
juvenis
negras vinculadosao
mediascape" (Contador,
2001:33).
Um corpo negro. Um estilo negro. Uma cultura negra, é um processo deidentificacjĩo
å nacionalidade. Tensão entrenegritude
enacionalidade,
e tensão entre o cue "se é" e o"que
se quer ser".Negro,
negritude,
nacionalidade eportuguês
estesconceitos estão intrinsecamente associados com a identidadee o corpo.
A música é sem dúvida a forma de
expressão,
porexcelência,
dajuventude
regra
portuguesa.
Através do movimentoHip Hop
estajuventude
se "reinventa",
se expressa ecria
seus lacos deidentidade
com seus pares, com opais,
com a sociedade. "OHip
Hop
é um movimento de culturajuvenil
quesurgiu
nos EstadosUnidos,
noslatino-arnericanos nos
guetos
e ruas dosgrandes
centros urbanos. O movimento éconstituído
pela linguagem
artistica da música(RAP-Rhythm
and
Poetry,
pelos
rappers eDJ's),
dadanc-a
(o
break)
e daarteplástica
(o
graffiti)"
(Magro,
2002).
O movimento
Hip
Hop
e suaselabora^ôes
artísticas
atingem
a sociedade eprincipalmente
asperiferias
urbanasenquanto
meios de uma educacao informal. Destaselaboracoes,
destacaremosalinguagem
dorap. "ORap
(Rhythm andpoetry)
éum estilomusical
originado
do canto falado daÁfrica
ocidental,
adaptado
â músicajamaicana
dadécadade 1950 e influenciado
pela
cultura negra dosguetos
americanos noperíodo
pôs-giaerra. As letras das
can^ôes
de rap são denúncias da exclusao social ecultural,
violênciapolicial
e discriminacloracial;
constituindo-se delongas
descric-ôes
do dia-a-d a dejovens
que vivem nasperiferias
de centros urbanos"(Magro, 2002).
O vap seconstitui como um processo
espontâneo,
carregado
de valores erepresentacôes,
detransmissão
de informacôes quesuscitam
aforma^ão
deuma consciência mais crítica deseusouvintes.
Em
Portugal,
o movimentoHip
Hop
fazparte
da cultura dosjovens
negrosportugueses.
De um modogeral
nospaíses
ocidentais
este movimento é elaborado nos espacos urbanose porjovens
que vivem nasperiferias
dasgrandes
cidades. Essesjovens
síio em sua maioria negros e
pobres. Segundo
ainvestigadora
epsicôloga
Viviane Melode
Mendonca
Magro (2002)
essaparte
dapopulacão
(jovens,
negros epobres)
é alvocomum das visôes
negativas
sobre osjovens,
como a de serdelinquente,
violenta,
desenformada e
desqualificada profissionalmente;
e,principalmente,
porqueaquela
que é denominadapelas
ciências como"juventude
normal" tem como modelo ojovem
de classemédia,
branco ehomem,
epoderíamos
acrescentar, que sãooriginários
dospaises
desenvolvidos
Portanto,
para se construir novos olhares sobre osjovens
negrosportugueses
é necessário buscar alternativas ao modelohegemônico
dejovem
que nos éimposto.
Cidade Partida
"Vigário
Geral é uma metonimia doRio,
assim como oRio é aparte
quepode
sertomadapelo
todochamado Brasil."
(Ventura,
2004:14)
A chacina de 21 pessoas na favela de
Vigário
Geral,
noRio deJaneiro,
onde os assassinos foram aprôpria
policia,
tornou-se oponto
culminante para que oescritor
ejornalista
Zuenir Venturadecidisse
escreverCidade
Partida(1994).
O autoracompanhou
a actividade de dois grupos de cidadãos(o
movimento Viva Rio erepresentantes
organizados
dacomunidade
deVigário
Geral)
que durante quase um ano tentaramaproximar
os dois lados da cidadedo
Rio deJaneiro,
o ladopobre,
nomeadamente a favelade
Vigário
Geral,
e o lado maisabastado,
nomeadamente a Zona Sul da cidade.A
primeira
parte
do livro éproduto
depesquisas
realizadaspelo investigador
e asegunda
é o resultado de uma vivência nafavela,
que Venturaffequentou regularmente
durante dez meses. O resultado final destetrabalho,
"constitui
umconjunto
deirnpressôes
deviagem
a um mundoonde arepública
nãochegou"
(Ventura, 2004:12).
Foi ao analisar esta convivência entrecontrários queZuenir Ventura conheceu a
singular
histôria de doisjovens.
Sãojovens
da mesmageracão,
quase da mesmaidade,
anigos
deinfancia,
ambos
nascidos e criados na mesmafavela,
que seguem caminhosopostos.
Um échefe
do tráfico dedrogas
local(Flávio Negão)
e o outro é lídercomunitário
(Caio
Ferraz)
Massimo
Canevacci
emA cidadepolifômca,
já elegia
o Brasil como um modelopara a
Europa
e EstadosUnidos,
emrelacão
a maneira como opreconceito
étnico era tratado. Aquestão
dopreconceito
étnico no Brasil nãoestavaresolvida,
o que Canevaccisublinhava,
naverdade,
era o modo como as racas eramintegradas
umas com as outras Mas se por um lado o modo do brasileiro vivenciar estetipo
depreconceito
servia como referênciamundial,
por outro osprôprios
governantes
usaram como norma de conduta"expulsar"
paraos morros eperiferia
seus cidadãos de"segunda
classe",
ouseja
aqueles
que nãopertenciam
a classe média e nem a elite. O resultado destapolítica
foi umacidade
partida
(Ventura,
2004:12-13).
partir
de 1953 que apercepcão
da violência fez-se sentir devido a umamaior
cobertura daimprensa.
Na
década
de 50 umaparcela
dajuventude
dourada do Rio deJaneiro,
irtranquilizava
acidade muito
mais do que adelinquência
pobre.
Eramjovens
que tentavam imitar as proezas de Marlon Brando e de JamesDean,
emO
selvagem
eJuventude Transviada.
Em1958,
doisjovens
de classe médiaalta,
num crime quenarcou a histôria do Rio de
Janeiro,
jogavam
umajovem
do alto de um edifício emCopacabana.
Cara de
Cavalo
e Mineirinhoforam
outrosdois
jovens
que faziamparte
doquadro
dadelinquência
carioca daépoca,
mas estes eramjovens pobres,
moradores defavelas,
vivendo uma realidade muito diferente das que se vivia nos edificios deCopacabana.
Cara deCavalo,
porexemplo,
come^ou na criminalidade com apenas dezasseisanos.Dos anos 50 aos dias atuais os tracos desta cidade
partida
foram-se acentuandocada
vezmais.
Ventura realiza suapesquisa
em 1994 e descobre emVigário
Geral våriostipos
de culturasjuvenis.
Sãojovens
que lutam por suacomunidade,
jovens
artistas,
estudantes,/w/?Æc.ros,
trabalhadores,
marginais,
traficantes,
etc. Duranteotempo
em queacompanhou
as actividades dos dois grupos, que tentavamdesenvolver
iniciativas que melhorassem a vidada
comunidade,
o escritor conviveu e tambéma^ompanhou
deperto
o dia a dia dealguns jovens,
o quepossibilitou
que elepudesse
contar
algumas
histôrias sobreeles,
ajuventude
da favelae seuquotidiano
Fizemos uma seleccao dos
perfis
dealguns
dosjovens
destas histôrias. Essa pequenarepresenta^ão
das culturasjuvenis
existentes em apenas uma das mais de 700 favelas do Riode
Janeiro nos mostra a diversidadede
jovens
eculturas,
ou sepreferirmos,
de culturasjuvenis
quepodemos
encontrar nas favelasdesta cidade:A)
Andrea - 22anos, mãe de João
Vitor,
afilhado deFlávio
Negão.
Viúva por duas vezes.B)
Boi - 17 anos,engraxate,
líder da famosabriga
de gangues napraia
deIpanema.
C)
Caio
Ferraz - 26anos,
líder
do Movimento Comunitário deVigário
Geral(Mocovige),
oobjectivo
deste movimento é desvincularaimagem
da favela a ideia de violência.Sociôlogo
e intelectual. Deu uma enormecontribui<?ão
aoautorpara a
realiza^ão
de suainvestiga^ão.
D)
Cristina
- 25anos, mãe de Priscila de 7 anos. Ex-mulher do
antigo
chefe dotráfíco.
E)
Djalma
- irmão de FlávioNegão.
Trabalhador. Não édo
tráftco,
mas daria a vidapelo
irmao.F)
FlávioNegão
- 23anos, chefe do tráfíco de
drogas.
Fisicamente é um"molecote". Têm
quatro
fílhos,
um de cada mulher. Nãofuma,
não bebe e nâocheira,
mas é viciadoem Coca-Cola.G)
João - 22anos,
"magricela",
alto,
um dos chefes do tráfico dedrogas.
Representante
dopoder
local. "A sua autoridade era exercida com oolhar"
(2004, 61).
H)
Rafael-jovem,
negro,elegante,
bonito,
cabelorastafari,
inteligente.
Fazparte
do grupo musical e movimentoAfro-Reggae,
realizamapresentacôes
por todo Brasil. Professor de histôria em duas escolasmunicipais.
Militante do movimento negro(não
radical).
I)
Raul-um dos
responsáveis
pelo
tráfíco.J)
Renato-amigo
de CaioFerraz,
26 anos.Cuidou
do abatedouro local de avesdurante quasetoda a
juventude.
Ha três anos vivia naAlemanha,
trabalhandono
Europa
Park.É
o mais velhode
seteirmãos,
sendo que um deies envolveu-se comasdrogas
e foi assassinado.K)
Stallone- trabalha notráfíco,
22 anos.Grandalhão,
"grosseiro".
L)
Zé -companheiro
de Caio noMocovige,
improvisou
uma escolinha de arteparaas
crian^as
dafavela. Professor debiologia.
O quevemos acima éuma
amostragem
muitoheterogénea
e reduzida do universode
jovens
citados por Ventura. Naverdade,
preferimos
classifícaraqueles
que mais dados foramapresentados pelo
escritor aolongo
da histôria. Nestaclassificacão
podemos perceber
que em uma mesmafamília,
um irmão é chefe do tráfico dedrogas,
enquanto
o outro é trabalhador epai
de família. Outro caso é a histôria deRenato,
que fabalha como actor circense naAlemanha, enquanto
um de seus irmãos envolveu-secom as
drogas
e foi assassinadoFlávio
virou
o"Homem" do tráfico dedrogas.
Mas a iníancia destes meninos não foi sôbrincadeira,
foram infanciaspobres,
duras,
onde elesaprenderam
osignificado
dapalavra
trabalho
desde bem pequenos. Mas o que levou estes trêsjovens
a tracaremtrajectôrias
de vida tão distintas? Neste caso, estaquestão
nãopode
serrespondida
apenas com o indicativo social.O
antropôlogo
Luiz
Eduardo Soaresconsidera
otráfico
dedrogas
"o nervo mais fundo esensível
daproblemática
da violência e dacriminalidade
noRio"
(Ventura,
2004:142).
Mas para Soares é necessário desfazerestereôtipos
no campo da violência oade airracionalidade,
a desinformacão e a emocãopredominam.
"Em
Vigário
Geral tem 30 mil habitantes e nem trezentos traficantes"(Ventura,
2004:79).
Podemos analisar nos baseando nasinvestiga^ôes
académicas e não académicas a que tivemos acesso que o chamado"crime
organizado",
tão difundidopslos
media,
não passa de uma invencâo dosprôprios
meios decomunica^ão;
que baseiam-se na maioria das vezes emdepoimentos
apenas daprôpria policia,
quenormalmente
é aúnica,
ou aprincipal
fonte das noticiasdivulgadas
pelos
media. Desta 'Votina viciada" é que osmedia
tiram suas conclusôes edivulgam
para a sociedade dadose acontecimentosrelacionados
com a violência.O que de facto existe é uma
"camaradagem"
entre bandidos e trafícantes. Domesmo modo que existem
bandidos,
traficantes e gruposrivais,
existe os que seajudam
eprotegem-se
mutuamente, através depactos
deamizade, lealdade,
tomando-se aliados. Muitas vezes,quando
ochefe
do tráfico dedrogas
de uma determinadacomunidade,
sente-se invadido por um gruporival,
oupela
policia,
ele "convoca" seus"amigos",
que tantopodem
pertencer
a comunidadelocal,
como a outras comunidades.A
disseminacão
do terror e da violência tornou-se interessante parapoliciais
egovernantes corruptos.
Quanto
mais a sociedade olhar para as favelas eperiferias
associando-as
aviolência,
mas distante esta sociedade estará deste universo depobreza
edesigualdade.
Longe
dos formadores deopinião,
que são nomeadamente a classe médiae a
elite,
a comunidadepobre
e"sem voz" ficaentregue
âcorrupQão
policial,
ao mercado"negro"
de armas,juntamente
com a rentabilidade do tráfíco dedrogas,
que não pagaimpostos
e que envolve"figurôes"
muito maispoderosos
do que osjovens pobres
que aparecem como"laranjas"
neste mercado milionário.Os
jovens
contam comnaturalidade
a Ventura as inúmeras vezes quejá
foram rnal tratados ouapanharam
dospoliciais.
Apolícia
age de forma arbitraria eameacadora,
nãorespeita ninguém.
Trabalhadores,
crian^as,
estudantes,
mulheres e idosos saotratados com a mesma
violência
earrogância.
Apolícia
ameaca dia e noite apopulacão
como se os 30 mil habitantes dafavela
fossemmarginais.
Naverdade,
essaestratégia
ameacadora coloca apolícia
"carioca" acima do bem e domal,
agindo
de acordo com seus interessespessoais.
O que queremos dizer é que cadapolicial
trabalha de acordo com critériosprôprios
epessoais,
que normalmente envolvem ameacas,desrespeitos
e ortorsão.O autor sublinha que muitas vezes não entende bem o que
aqueles
jovens
dzem,
porqueinfringem
agramática
e a semântica econclui
que muitos desses vocábulos acabam indo para a Zona Sul(bairros
nobres)
junto
com acocaína,
ouseja,
quando
osprôprios
moradores
da Zona Sul vão a favela para comprar adroga,
muitas vezes levamjunto
novasgírias
e até estilos etendências.
Nãopodemos
esquecer que o que de facto mantém toda esta estrutura, que é o tráfico dedrogas,
a funcionar são osconsumidores,
que são em sua maioria pessoas "debem" moradores daZona SulMas não é sô de
trabalho,
ou sepreferirmos,
da faltadele,
quevivem osjovens
e:nVigário
Geral(na
favela,
fala-se quealguém
é bandido com a mesma naturalidade qje se diz quealguém
épedreiro, vagabundo
outrabalhador).
Se para osjovens
negrosportugueses
o rap é a forma de musicalidadepreferida,
nas favelas do Rio de Janeiro ofunk
éo queosjovens
mais ouvem edan^am, depois
de RaulSeixas*,
é claro.O movimento
Hip
Hop
progressivamente
vem tomandoforga
nas favelas eperiferias
e é desenvolvidoprincipalmente
porjovens
negros. OHip Hop
tem transformado paramuitos
jovens
o lazer em forma de luta e resistência. Mas são os bailesfunk,
muitofrequentes
noRio,
que fazem mais sucesso entre osjovens.
Estes bailes congregamjovens
desituagôes
financeirasdistintas,
habitantes das zonas norte, sul e oeste e encenamaspectos
centrais da vidasocial,
comorelacoes
declasses,
erôticas, sexuais,
deviolência,
defraternidade, pactos
degénero
(certos
bailes sô para homens eoutros sô paramulheres).
Ventura
(2004:63)
sublinha queo hedonismo dessesjovens
costuma incomodar c "bomgosto"
comportado
da classe média e conta que umjovem
deuns 16 anosque*0 cantor Raul Seixas (falecido na década dc 1980). o Maluco Beleza. - ex
parceiro do afamado escritordos livros de
auto-ajuda/mistico
Paulo Coclho- é unanimidadequando
sefala de músicaentreos
jovens
moradoresda favela. tcndo até mesmotrechos dc suas músicas cscritosnos murosdestasparticipou
dofamoso
arrastão de 1992 ao serperguntado
por umrepôrter
por quetinham(ele
e seugrupo)
feitoaquilo,
respondeu:
"De sacanagem. Praarrepiar
os bacanas""Nâo se
sabe
o queimpede
esses rapazes, sem emprego e semrenda,
de caíremnotráfwo.
Em matéria dejuventude
pobre,
atéapergunta
estáerrada. Não é «por que tantosjovens
estão notráftco?»,
mas «por que tantos ainda nãoestão?»
"(Ventura,
2004: 178).
Cabe^a
de
Porco
"Até que
ponto
a sociedade colaborapara oagrmamento
da violência quegostaria
dereduzir,
quando
falamos
dejovens
que se envoivem com aviolência,
delinquência
e acriminalidade9
"(Soares,
2005: 123)
"Eles são muito
jovens,
quase sempre, e amargaram muitasrejeic-ôes
aolongo
da
vida. Foramprivados
dos benefícios mais elementares dacidadania
e acabaram cedendoaseduclo
do crime. Sãovítimas,
também,
ainda que facam outrasvitimas,
noscrimes que
perpetuam.
Seriamuito
cínico lavar asmãos,
manter as estruturassociais
comoestão,
projectar
nelestodo mal e mandá-los ardernafogueira.
A violência deixariade ser o fruto venenoso da sociedade que
construimos"
(Soares, 2005:123).
Assim,
sublinhaSoares,
atragédia
brasileira
da violência se resumiria a umproblema
depolícia.
"Dormiríamos com
medo
dosjovens
violentos
e de suas armas mas com aconsciência
tranquila, apaziguada,
comocompete
aos homens de bem"(Soares, 2005:124).
Não é aceitáveljogar
aculpa
de tantas deformacôes einjusticas
nas costas dealguns
jovens,
precisamos
retirar nossas lentes reducionistas para vermos o que háde facto por trás doespelho.
A recusa â
culpabiliza^ão
unilateral emaniqueísta
dosjovens
pobres
que se envolvem com o crime nãopode
mais se traduzir em meranega^ão
de suaresponsabilidade.
Nem são apenas osjovens
pobres
quetransgridem
as leis. Seus crimes cifícilmenteexistiriam,
naescala que oscaracteriza,
se não fosse a accão dos criminosos ce "colarinho branco"(Soares,
2005).
Mantemos a cultura da pena
perpétua,
estajuntamente
com a dificuldade denudan^a,
condena umjovem
criminoso,
se estesobreviver,
a ser fatalmente um adultoc'iminoso? Não há saida? Não há tratamento, não há chances nem melhoras? Actualmente na sociedade brasileira o que vemos são
jovens
pobres
semperspectivas,
que
quando
entram para o tráfico e/ou mundo do crime estão fadados a seremestigmatizados
como bandidos(mesmo
quequeiram
deixar deser)
para o resto davida,
vida esta que normalmente não passa dos vinte e poucos anos. Essesjovens
habitam todoestepaís
continente chamado Brasil.Para a
realizavão
dotrabalho
de campo que foidesenvolvido
durante asinvestiga^ôes
do livro CabecadePorco,
que tambémoriginou
odocumentário
Falcão,
meninos dotráftco,
seus autores percorreram diferentescidades,
em diversos estados brasileiros. Durante mais de dois anos MV Bill eCelso
Athayde
desenvolveram
umtrabalho de
entrevistas einvestigacão-acgão
que envolveujovens
dasperiferias
brasileiras.
Segue
abaixo umaamostragem
doslugares
percorridos:
A)
Jovens daperiferia
do Planalto Central.B)
Jovens deJoinville,
Santa CatarinaC)
Jovens do tráficoemAracaju.
D)
Jovens dotráfico
em Belém do Pará.E)
Jovens dosmorros do Rio Grande do Sul.F)
Meninos daParaiba.G)
Meninos do tráfico em Curitiba(além
deestados como Rio deJaneiro,
SãoPaulo eCeará)
Deste
longo
trabalho de campo, o que não foi novo para osinvestigadores
é a existência devários
"Brasis" dentro doBrasil,
este dado serviu para reafirmar o que cutrospesquisadores
já
haviam descoberto anteriormente. Existem os mais diferentes t pos de culturas dentro doBrasil,
e estadiferen^a
sedá,
principalmente,
de estado para estado. Mas o que ficou constatado e que nesteaspecto
contraria a teoria dos diferentes"Brasis" é
afalta
deoportunidades,
oabandono,
a miséria e a ausência de cidadania emcue vivem milhares de
jovens
de norte a sul do Brasil. 0 que maissurpreendeu
nestainvestigavão
foi como em todos os diferentes estados brasileiros o tráfico econsequentemente
aviolência fazia parte doquotidiano
destesjovens.
De estado para estado mudava o