• Nenhum resultado encontrado

Estado, direitos sociais e a Política de Assistência Social: a afirmação da assistência social como direito social / State, social rights and the Social Assistance Policy: the affirmation of social assistance as a social right

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Estado, direitos sociais e a Política de Assistência Social: a afirmação da assistência social como direito social / State, social rights and the Social Assistance Policy: the affirmation of social assistance as a social right"

Copied!
17
0
0

Texto

(1)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

Estado, direitos sociais e a Política de Assistência Social: a afirmação da

assistência social como direito social

State, social rights and the Social Assistance Policy: the affirmation of social

assistance as a social right

DOI:10.34117/bjdv6n7-442

Recebimento dos originais: 15/06/2020 Aceitação para publicação: 17/07/2020

Ana Caroline Freitas do Monte e Silva Forte

Assistente Social; Mestre em Serviço Social, Trabalho e Questão Social. Instituição: Universidade Estadual do Ceará

Endereço: Rua José Vilar, 261 - Meireles, Fortaleza – CE, Brasil E-mail: carolinefreitasmsf@gmail.com

RESUMO

A constituição do Estado, como regulador das relações sociais, tem se modificado ao longo do tempo, e adotado medidas de intervenção sociais como a constituição dos direitos sociais, conquista social e política. A partir dessas percepções, o presente trabalho visa ratificar a concepção de Assistência Social como um direito social, através de pesquisa bibliográfica, trazendo a concepção de Estado e seu papel na sociedade, que tentam compreender as respostas dadas em determinado tempo histórico às classes fundamentais sobre o aparecimento e aprofundamento da pobreza, e a consequente intervenção do Estado. Por fim, entendendo assistência social como direito, parte-se do princípio de que existe uma grande dívida social, por parte do Estado, em relação às classes menos favorecidas, no que tange ao seu acesso aos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Estado; direito social; Política de Assistência Social. ABSTRACT

The constitution of the State, as a regulator of social relations, has changed over time, and adopted social intervention measures such as the constitution of social rights, social and political conquest. Based on these perceptions, the present work aims to ratify the concept of Social Assistance as a social right, through bibliographic research, bringing the concept of the State and its role in society, which try to understand the responses given in a given historical time to the fundamental classes about the emergence and deepening of poverty, and the consequent State intervention. Finally, understanding social assistance as a right, it is assumed that there is a large social debt, on the part of the State, in relation to the less favored classes, with regard to their access to fundamental rights.

Keywords: State; social law; Social Assistance Policy.

1 INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo analisar o papel da Política de Assistência Social, como política de Estado, fruto de respostas às manifestações da questão social, num processo de emancipação

(2)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

política e produto de amplas disputas políticas no interior da sociedade civil para sua real efetivação, reafirmando-a como direito social.

Para tanto, inicialmente, faz-se uma abordagem do resgate histórico do papel do Estado a partir da perspectiva de alguns filósofos e autores pré-modernos e modernos, que estudam a melhor forma de organização social, e problematizam a presença e funcionalidade do Estado, na perspectiva de ratificar os interesses da classe dominante ou dos interesses da coletividade.

Em seguida, tenta-se compreender, a partir das contribuições e concepções da função do Estado, as respostas dadas em determinado tempo histórico às classes fundamentais sobre o aparecimento e aprofundamento da pobreza, e o consequente surgimento das políticas sociais e da “questão social”, com o advento da sociedade capitalista.

Por último, abordam-se aspectos relevantes acerca da origem da Política de Assistência Social, como resposta do Estado às expressões da “questão social”, ratificando-a como uma política de Estado, fruto do confronto de projetos societários e articulações políticas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, na perspectiva de reafirmá-la como um direito social e não como mera benesse, favor ou clientelismo.

2 A ORIGEM DO ESTADO E A DISCUSSÃO SOBRE SUA NATUREZA NA PERSPECTIVA DOS CLÁSSICOS DA TEORIA POLÍTICA

Inúmeras são as teorias existentes sobre o momento do surgimento do Estado, no entanto, a teoria mais difundida entre os autores e filósofos sobre a origem histórica do Estado está em que a sociedade humana existiu sem o Estado durante certo período, mas, depois, por motivos diversos, este foi constituído para atender às necessidades dos grupos sociais, aparecendo de acordo com as condições concretas de cada lugar.

O termo Estado foi usado pioneiramente por Nicolau Maquiavel em sua obra “O Príncipe”, escrito em 1513, do latim status, que significa estar firme, expressando uma situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, passando a ser usado pelos italianos sempre ligados ao nome de uma cidade independente.

De forma geral pode-se definir Estado como: “uma instituição organizada social, politica e juridicamente, que ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição escrita. É dirigido por um governo soberano reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo uso da força e da coerção” (CICCO e GONZAGA, 2012).

Em uma perspectiva cronológica pode-se pensar a constituição do Estado a partir da seguinte sequência: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno. Na

(3)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

antiguidade clássica, ou Estado Antigo, ou também denominado Estado Teocrático, tinha como característica principal a influencia religiosa que é exercido pelos governantes, que refletem a vontade do poder divino, sob a forma de monarquia, em que o monarca é adorado como um deus. No Estado Grego, a característica fundamental era a cidade-Estado (polis), como a sociedade política de maior expressão, que visava a autossuficiência, e a difusão do conceito de democracia (apesar de restrita), cidadania e participação política (DALARRI, 1998).

O Estado Romano, era semelhante ao Estado Grego, onde o povo participava do governo de forma direta, porém a noção de povo era muito restritiva. Estrangeiros e escravos estavam excluídos e, dentre os cidadãos romanos, somente uma parte podia participar das decisões políticas – classes restritas. No Estado Medieval, que marca o período compreendido entre a queda do Império Romano (séc. V, 476, a. C.) e a queda de Constantinopla (1453), caracteriza-se fundamentalmente pelo cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo.

Surge uma nova categoria social, caracterizada pela atividade do comércio e circulação de mercadorias, a burguesia. A Igreja firma acordo com os Estados, reconhecendo sua soberania. No Estado Moderno, a dupla autoridade do Papa espiritual e do Imperador no temporal, desaba definitivamente, dando lugar à profanização da filosofia, rompendo dessa forma com a escolástica, doutrina oficial da Igreja católica. Assim, enquanto na Idade Média as concepções eram sacrais e teológicas, na Idade Moderna as teorias passam a ser baseadas no instinto e na racionalidade, na lei natural, na liberdade do homem (DALARRI, 1998).

3 A DISCUSSÃO SOBRE O ESTADO NA PERSPECTIVA DOS CLÁSSICOS DA TEORIA POLÍTICA

Desde os tempos da Grécia Antiga, de Platão e Aristóteles, existem diálogos e reflexões entre filósofos a respeito do Estado, dos governos e de suas relações com a sociedade, tais filósofos da antiga Grécia, os políticos romanos, assim como as análises de Maquiavel, mostram a existência de interesses pelos estudos sobre Estado e a sociedade antes da “era moderna”, chamados pensadores “pré-modernos”, que, a partir dos seus posicionamentos social, teórico e político, tentavam caracterizá-los (Estado e sociedade civil), formulando diversas correntes de pensamento, sem possuir, no entanto, uma articulação em um único pensamento ou formulação de uma teoria, nem de uma definição consensual sobre o Estado e a sociedade civil.

Platão (Atenas, 429 – 347 a.C) entende que as diversas “formas de governo” (Monarquia, Aristocracia, Democracia, Oligarquia e Tirania) caracterizavam-se como formas boas ou más, e no estado real, este tende a ser corrupto porque o interesse particular sobressai ao público, e que tal corrupção é gerada pelo egoísmo. Já para Aristóteles (Atenas, 384 – 322 a.C), que já denunciava a

(4)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

existência de grupos ou classes sociais, diferenciados por sua condição social: ricos e pobres, existem dois tipos de governos, o dos retos (que seguem o interesse comum) e dos desviados (que perseguem o interesse próprio), no entanto, a existência do Estado se faz necessária na medida em que este atua como mediador das tensões dos “interesses de classes”.

Nicolau Maquiavel (Florença, 1469 – 1527) dedica-se a análise da “política”, referente ao espaço de ação, outorgando certa historicidade à ação política, que incorpora a distinção do Estado e da sociedade no debate político, onde aquele é o espaço onde o ator político por excelência (o príncipe) atua, exercendo sua coerção e procurando o consenso, desenvolvendo o poder político e criando leis que regulem a ordem “social”; este caracteriza-se pelo espaço “privado” em que o povo desenvolve as atividades econômicas, onde se gera a propriedade privada e onde se constrói a família, e é nele que o príncipe (Estado) não deve intervir.

As concepções de Estado no pensamento moderno desenvolvidas no processo de transição para o capitalismo tem seu lastro nas teorias contratualistas do “direito natural” ou jusnaturalismo caracterizada pelo busca de uma abordagem racional do exercício do poder político por meio do Estado, em que este, sendo um “mediador civilizador”, atua no controle das paixões (desejos insaciáveis de vantagens materiais, própria dos homens em estado de natureza); e suas bases de reflexão se fundam no Movimento Natural entre Estado de Natureza para a constituição de um Estado Social e Político, e ainda em pressupostos como: a secularização da Política; a ruptura do Estado com a Igreja; o rompimento com o teocentrismo; a valorização da razão por sobre a fé e a decadência da lei.

O Contrato Social difere-se da lógica do direito divino, onde a vontade é dada pela racionalidade do homem e sua capacidade de pensar, tendo a “realidade humana” o ponto de partida para a concepção do Estado político e da sociedade civil. Hobbes, Locke e Rousseau foram percussores nas reflexões sobre o “direito natural moderno” e na criação de um princípio novo de legitimação do poder político, exercido através de um pacto ou contrato social entre os homens e o poder estatal, no sentido de estabelecer normas de convivência social, renunciando a sua liberdade individual e natural.

Para Thomas Hobbes (Inglaterra, 1588 – 1679), o que mais interessa aos homens é a preservação da vida, para este a “essência primeira e fundamental da própria natureza é o objetivo primordial do homem”, e o estado de natureza, onde o “homem é lobo do homem” e onde os apetites e as aversões determinam as ações voluntárias dos homens, não garante a segurança, a tranquilidade e a paz imprescindível ao homem.

É através da razão que permite aos homens abdicar de certas condições de sua liberdade, de fazer tudo que deseja, em troca de segurança e de garantia da vida, ou seja, a liberdade em troca de

(5)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

segurança. Dessa forma a defesa de um poder absoluto, o pacto social, se faz necessário e deve estar sob o poder de um soberano. No entanto se o Estado não se mostra capaz de assegurar aos súditos a proteção pretendida, o pacto é violado e os súditos retomam sua liberdade para se defenderem como quiserem.

Segundo John Locke (Inglaterra, 1632-1704) o estado de natureza do homem é marcado por uma paz relativa mediada pela razão, e concordava com Hobbes ao afirmar que os homens se juntam na sociedade política para defenderem-se na “guerra de todos contra todos”, mas afirmava que a monarquia absoluta era incompatível com o governo civil, já que o soberano não teria a quem apelar a não ser ele mesmo.

Defendia que o poder político, com base em uma sociedade justa e equitativa, tem origem em um pacto estabelecido pelo consentimento mútuo dos indivíduos, no sentido de preservar a vida, a liberdade e a propriedade, esta última caracterizada como um bem natural e inalienável, não sendo objeto de disputa nem de força. Para ele, o fundamento originário da propriedade é o trabalho, onde os homens tornam-se proprietários através de seu trabalho, visando à subsistência e satisfação.

Ao contrário de Hobbes, Locke rejeitava a noção de um Estado absoluto, sendo um defensor da divisão de poderes, entre Legislativo e Executivo. As formulações de Locke constituíram as bases fundamentais do Estado Liberal, inaugurando aquele que se afirmaria como um dos princípios e fundamentos do liberalismo, afirmando que: “o Estado existe para proteger os direitos e liberdades dos cidadãos que, em ultima instância, são os melhores juízes de seus próprios interesses”.

Jean Jacques Rousseau (Suiça, 1712-1778) em suas elaborações sobre Estado e sociedade civil possui concepções radicalmente opostas a Hobbes e Locke, entende que a natureza humana não é má, e que os homens, no seu estado de natureza, estão sem moralidade e sem maldade, e, portanto, seu estado originário era feliz e pacífico e que a liberdade como o mais natural direito do homem. Afirma que o homem é movido por duas paixões: “instinto de conservação” e “compaixão”. Seu principal aporte, ao contrário de Locke, era denunciar que a propriedade privada origina a desigualdade social, a rivalidade de interesses e a concorrência, as quais torna o egoísmo a motivação da vida social.

Aduz que a sociedade civil é imperfeita, pois corrompida pela propriedade, e que a instituição do Estado é criação dos ricos para preservação da desigualdade e a propriedade e não o bem comum, dessa forma pensa a democracia como a forma mais adequada de governo, no sentido em que são os indivíduos que devem criar as leis que regulam suas vidas e o governo deve submeter a soberania do povo, numa suprema direção da vontade geral.

A visão sobre Estado e poder político dos contratualistas permite construir a legitimação de Estado, não mais por determinações divinas, mas de forma racional e lógica como forma de garantir a convivência social dos homens, através de um contrato social. No entanto, enquanto os

(6)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761 jusnaturalistas propunham um modelo ideal de Estado, após as revoluções burguesas, gestadas no século XVIII, surgem interpretações da formação social moderna em que o Estado não se apresenta mais como modelo ideal e sim como um Estado burguês no marco do movimento histórico real da sociedade capitalista.

É nesse contexto que autores como Hegel, Marx, Lênin e Gramsci apreendem concepções sobre o Estado Moderno e suas relações com a sociedade civil, não mais na perspectiva da conformação de um “contrato” e na oposição de um estado de natureza e estado civil e político, mas na concepção de que a Estado e sociedade civil são distintos, que coexistem entre si, apesar de seus conflitos e tensões.

Para Geog Wilheim Friedrich Hegel (Alemanha, 1770-1831) a razão de ser, ou fundamento, da família e da sociedade civil é o Estado, onde na esfera da sociedade civil o homem estabelece uma reação de duplicidade entre o homem “bourgeois” equipara-se, na sua existência particular, isolada, como membro da sociedade civil burguesa, e o homem “citoyen” como ser genérico, inserido na comunidade, pela mediação universal do Estado. Esse, por sua vez, aproxima e une os seres humanos enquanto cidadãos e organiza-se segundo interesses particulares, que se tornam coletivos. Para Hegel “a sociedade civil ascende ao Estado e este último é o seu fundamento, a sua forma mais desenvolvida”, ou seja, a esfera estatal seria o reino em que se expressariam os interesses públicos e universais, que seriam construídos a partir das vontades particulares existentes, transformado no sujeito real que materizaliza a universalização dos interesses privatistas e particulares da sociedade civil.

Karl Heinrich Marx (Alemanha, 1818- 1883) traz um conhecimento crítico da estrutura e da dinâmica capitalista para sua superação, apropriando-se criticamente dos fundamentos de fontes de pensamentos de autores como Lênin, Hegel, Feuerbach, Proudhon, Saint-Simon, Fourier, Blanc e Owen, entendendo na sua concepção de Estado e sociedade civil sendo, esse, como base econômica, e aquele como superestrutura.

Tendo como ponto de partida as concepções de Hegel, Marx o contrapõe acerca da natureza do Estado moderno, e define que o Estado é um produto da sociedade civil, e não o contrário como supunha Hegel, e que a concepção de que o sujeito é o Estado e o predicado é a sociedade civil, na verdade, ocorre também de forma inversa. Para ele “o Estado é elemento subordinado e as relações econômicas, o elemento dominante”, no entanto, o Estado, movido por interesses da classe burguesa, que detêm o controle dos meios de produção e do trabalho no processo de produção, passa a constituir a classe dominante e passa a expressar seus interesses em leis e normas, sendo, dessa forma, cooptado pelos interesses e instrumento de dominação da classe burguesa.

(7)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

Para Marx, o desenvolvimento capitalista se expressa como uma forma social pela qual medeiam essas contradições antagônicas de classe (burguesa e operária), e a apropriação da mercadoria gera mais valia, e essa, potencializa a acumulação do capital que, por sua vez, gera desigualdade social.

As concepções de Marx sobre o Estado permitiram que Vladimir Ilitch Ulianov Lênin (Rússia, 1870-1924) concebesse o Estado como poder coercitivo institucionalizado de uma classe específica, através do exército e da polícia, e que a destruição do Estado burguês só deve acontecer pelo confronto armado, a partir de uma revolução violenta, em que permitirá a classe proletária utilizar os instrumentos de poder contra a classe burguesa para o definhamento do Estado e a supressão definitiva das classes, numa verdadeira ditadura do proletariado. E assim: substituir provisoriamente o Estado burguês pelo Estado proletário, instalar a economia socialista e, por fim, suprimir o aparelho de poder do Estado.

Assim como Marx e Lênin, Antônio Gramsci (Itália, 1891 – 1937) também perspectiva uma sociedade sem Estado, já que corrobora com a ideia de que o Estado é, não só, uma forma de dominação da sociedade, como também um aparelho de fortalecimento da classe dominante, através de aparelhos de coerção e repressão para o consentimento organizado e planejado da classe subalterna.

Gramsci já vivenciava uma conjuntura política e social nova, comparada a seus precursores, e eventos históricos mundiais marcantes, como: primeira guerra mundial, revolução russa, levantes operários da Europa, formação dos grandes partidos políticos e a consolidação de regimes totalitários, em um momento em que a classe dominante havia perdido o consenso e as grandes massas haviam se afastado da ideologia tradicional (SEMERANO, 1999).

Gramsci difere de Marx na concepção de Estado, na perspectiva que o Estado se amplia e incorpora novas funções, inclusive a luta de classes, através da conjunção da sociedade política (Estado-coerção) e da sociedade civil (esfera da hegemonia e do consenso), em que essa caracteriza-se por uma rede de organizações que confrontam projetos societários, e em que as clascaracteriza-ses lutam entre si para conquistar hegemonia, são exemplos dessa esfera estatal: escola, igreja, partidos políticos, organizações sindicais, meios de comunicação, movimentos sociais etc; e aquela, possui a função de dominação de uma classe, através de Aparelhos e Coerção e Repressão, representada pela: burocracia estatal, a força militar – repressiva, sistema judiciário e administrativo.

Para Gramsci a transição revolucionária para o socialismo dar-se-ia pela formação de uma contra-hegemonia, ou seja, pela constituição da hegemonia das classes subalternas, através de uma “reforma intelectual e moral” e uma “preparação ideológica das massas”, pelo intelectual orgânico, numa dimensão educativa de formação da consciência crítica de elevação da “classe em si” à “classe

(8)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

para si”. Desse modo, a criação de um novo “bloco histórico”, com o fim do Estado, somente seria possível com a absorção da sociedade política pela sociedade civil, ou ampliação da sociedade civil, até a eliminação completa da sociedade política, através de uma ação política consciente, coletiva e articulada das classes subalternas.

No decorrer do século XX, os Estados contemporâneos, inclusive os Estados democráticos, podem assistir a um fenômeno definido como “guerra civil legal”, em que tem como base o totalitarismo moderno. Partindo desse fenômeno, o filósofo e autor italiano Giorgio Agamben explica o que chama de Estado de Exceção, como sendo uma prática permanente de governo, como sendo a “forma legal daquilo que não pode ter forma legal”, em que “as medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem encontram-ser compreendidas no plano do direito”.

Portanto, Estado de Exceção não é um direito especial, como o direito de guerra, expressamente definido nas normas constitucionais, mas é a suspensão da própria ordem jurídica, que permite a eliminação física não só de adversários políticos, mas também categorias inteiras de cidadãos que pareçam não integráveis ao sistema político (AGANBEM, 2007). Esse tipo de atitude permanente do Estado atual na sociedade contemporânea pode explicar certas exceções ou brechas na legislação que os governantes se valem para atuar de forma arbitrária favorecendo seus interesses de classe e legitimando decisões despóticas ou até irracionais, como é o caso do nazismo em Hittler. A partir das contribuições desses grandes filósofos, autores e clássicos da teoria política pode-se compreender melhor o funcionamento da sociedade em cada tempo histórico, suas formas de pensar a organização social, justificando ou eliminando o aparelho do Estado, tentando explicar sua existência e funcionalidade, na perspectiva de fundamentar um norte para a organização da sociedade. No entanto, tais acepções, não se esgotam diante dos diversos conceitos que envolvem esse tema. Outros autores cunhados de acepções e fundamentos diversos irão desenvolver suas teorias sobre o Estado que ratificam ou não interesses coletivos, na perspectiva de eliminação da desigualdade social e na direção da emancipação política e humana.

As intervenções e respostas do Estado sobre as questões sociais ao longo dos processos históricos que permeiam aspectos como a pobreza, a miséria e a desigualdade social da população, e o surgimento da “questão social” com o advento das classes fundamentais no modo de produção capitalista, o acirramento do pauperismo e suas diversas expressões que põem em cheque as funções do Estado como mediador fundamental e expõem fragilidades contundentes sobre sua natureza. Dessa forma, é a partir dessas contradições no interior de posicionamentos políticos, sociais e históricos que favorecem o surgimento das políticas sociais, dentre elas, a Política de Assistência Social.

(9)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

4 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA SOCIEDADE CAPITALISTA E O SURGIMENTO DOS DIREITOS SOCIAIS

Com a decadência da sociedade feudal e da lei divina como fundamento da hierarquia política, a ideia de igualdade social e o reconhecimento do homem (homo sapiens sapiens) como ser dotado de igual inteligência e portador de mesmos direitos sociais - diferentes das sociedades antigas, em que segmentos sociais eram vistos como seres inferiores e por isso não seriam dignos de mesmo tratamento e dos mesmos direitos que os “seres superiores” – como uma decisão política, favoreceu a introdução e o estabelecimento da sociedade capitalista, como estratégia, articulação ou justificativa para intensificar a livre concorrência entre os homens no mercado de trabalho.

Dessa forma, a responsabilização da condição de riqueza ou pobreza do indivíduo não mais seria diferenciada por critérios de diferenciação do homem (negro,estrangeiro,criança,mulher) x homem (branco e nobre), mas agora sob critérios da meritocracia, em uma sociedade marcada pelos alicerces ideológicos da desigualdade de cor, raça e gênero.

Assim, o surgimento e intervenção do Estado, nos diferentes tempos históricos, como mediador das relações sociais entre as classes e administrador de tensões permite entender as respostas aos diversos segmentos no que tange a desigualdade social e a pobreza, no entanto, com objetivo primeiro de manter suas bases estruturais.

Nas sociedades hierárquicas que tinham como fundamento a lei divina, a religião tenta explicar a condição do indivíduo pobre como algo predeterminado, e o seu tratamento com medidas caritativas e pontuais privadas. Já nas sociedades pré-capitalistas não se privilegiava as forças de mercado e o Estado assumia algumas responsabilidades sociais, não com o fim de garantir o bem comum, mas com o intuito de “manter a ordem e punir a vagabundagem”, associada a ações pontuais da caridade privada e de ações filantrópicas, com características eminentemente assistenciais.

As primeiras iniciativas do Estado como forma de regular a vida social da população são legislações seminais inglesas e tem origens que antecedem a Revolução Industrial, são consideradas como as protoformas da política social. São essas: o Estatuto dos Trabalhadores (1349), Estatuto dos Artesãos (1563), Lei dos Pobres elisabetanas (1531-1601), Lei do Domicílio (1662), Speenhamland Act (1795), Lei Revisora das Leis dos Pobres, ou Nova Lei dos Pobres (1834) (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).

Essas legislações tinham caráter punitivo, restritivo e agiam na intersecção da assistência social e do trabalho forçado, e apresentavam alguns fundamentos comuns: estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam de sua força de trabalho para sobreviver; obrigar o pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe fosse oferecido; regular a remuneração do trabalho, de modo que o

(10)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

trabalhador pobre não poderia negociar formas de remuneração; proibir a mendicância dos pobres válidos, obrigando-os a se submeter aos trabalhos oferecidos.

O advento da sociedade capitalista, sob os imperativos da liberdade e da competitividade com o Estado Liberal, período que marca meados do século XIX até a terceira década do século XX, tendo como principais fundamentos: o princípio do trabalho como mercadoria, a regulação do trabalho pelo mercado, o individualismo, o Estado – mínimo, e o assistencialismo privado; fizeram com que as já precárias iniciativas de proteção social regredissem, lançando aos pobres à “servidão da liberdade sem proteção” e provocando o fenômeno do pauperismo (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).

Algumas iniciativas estatais estiveram presentes nesse período como o Estado-providência (1898) na França e o modelo bismarkiano de seguridade social na Alemanha (1883), em um contexto de mobilização da classe trabalhadora.

A precariedade das condições de vida e de trabalho repercutia amplamente nos valores estruturantes de sua sociabilidade, como exemplo, as altas taxas de natalidade, a prostituição e o alcoolismo que expressavam um nível extremo de barbarização da vida social.

Como resposta a todo esse sistema opressor, que trata a “questão social” como um problema individual, a emergente classe trabalhadora irrompe e expõe a “questão social” para o cenário politico da sociedade, através de manifestações trabalhistas, destacando-se como expressão, nesse período, os movimentos sociais como: o Trade Unions, o Ludismo, o Cartismo, a Greve Geral (1842) e a Revolução Francesa.

Dessa forma, ocorrem algumas mudanças na natureza do Estado, bem como estratégia de contenção, intervindo nas sequelas da “questão social”1, através de politicas públicas sistemáticas,

favorecendo tanto a manutenção do sistema monopólico do capital como a constituição dos direitos sociais e de cidadania da classe trabalhadora. Para José Paulo Netto (1992) a funcionalidade da política social no Estado burguês na era do capitalismo monopolista está na tensão entre favorecer as reinvindicações da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que mantem as bases estruturais do sistema capitalista.

Dessa forma, a mudança estratégica do Estado dão origem as primeiras intervenções estatais nas expressões da “questão social”, o que originar-se-á como políticas de seguridade social, englobando a política de assistência social, como direito social.

O enfraquecimento das bases materiais dos argumentos liberais, com a grande crise do capital, ocasionada principalmente pelo crescimento e manifestações do movimento operário, as mudanças

1 Segundo Iamamoto e Carvalho (2005) a “questão social” não é senão as expressões do processo de formação da classe operária e sua inserção no cenário político da sociedade, exigindo seus reconhecimentos enquanto classe, pelo Estado e pelo Empresariado. Em suma, é a manifestação da vida cotidiana exigindo outros tipos de intervenção mais além da caridade e da repressão.

(11)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

no mundo da produção, a Revolução Socialista da Rússia e a crise de 1929, o Estado assume outra postura diante da conjuntura política e social vivenciada, e reinventa sua atuação, como estratégia hegemônica do capital para manter suas bases estruturais, através dos fundamentos sócio-históricos do regime de acumulação fordista-keynesiano, que combinava o modo de produção e consumo em massa de mercadorias com maior intervenção do Estado na economia e vida social.

O regime de acumulação “fordista-keynesiano” impulsiona a economia e dá bases para o surgimento do Welfare State, ou Estado de Bem Estar Social, que caracteriza um momento de expansão das politicas sociais, chamado “ANOS DE OURO” das politicas sociais, de 1945 a 1965. No entanto, a desarmonia entre gastos públicos e crescimento econômico capitalista é o principal fator para o estabelecimento de uma profunda crise estrutural iniciada na década de 1970, sendo a Crise do Petróleo sua expressão maior, tendo forte repercussão para a classe-que-vivi-do-trabalho, no desmonte do sistema de proteção trabalhista (ANTUNES, 2001).

Tais mudanças na economia modifica também o sistema de produção, sendo o fordismo substituído pelo toyotismo, modelo de produção japonês, como exemplo o : “just in time”, o Kaban, os Cículos de Controle de Qualidade, etc. Baseado no processo de produção heterogênea e horizontal, no trabalhador qualificado e polivalente, tendo como principal característica a adoção do “regime de acumulação flexível”, baseado na flexibilização das relações trabalhistas (HARVEY, 1993), no processo de terceirização, na reengenharia ou reestruturação produtiva, tendo como consequências a desregulamentação enorme dos direitos do trabalho; o aumento da fragmentação da classe trabalhadora; a precarização e terceirização da força de trabalho e a destruição do sindicalismo de classe, enfraquecendo a classe trabalhadora (ANTUNES, 2001).

Essas transformações na economia política do capitalismo no final do século XX marcam significativamente o período pós-moderno e a esfera da cultura, caracterizada pelo culto ao efêmero, ao fulgaz e ao fragmentado numa crítica à razão e a ciência, afetando as relações humanas e sociais, com a banalização do individuo e do humano, com o processo de mercantilização universal, a indiferença e a descartabilidade em relação ao outro, a naturalização das relações sociais e a submissão das necessidades humanas ao poder das coisas (HARVEY, 1993).

Harvey (2006), também fundamenta o que vai chamar de “novo imperialismo” como o poderio financeiro global na mão dos Estados Unidos, em que este vai ditar a dinâmica político-financeira mundial através de organismos internacionais, com o Sistema Bretton Woods (1944), utilizando-se, portanto, do terrorismo do Oriente Médio, através do que o autor chama de “indústria da guerra” para superar sua crise econômica interna. O século XX, também chamado século americano, e caracterizado pelas regras da “Pax Americana”, termo que refere-se a hegemonia norte-americana no mundo, é marcado por profundas contradições produzidas pelo capital, em uma atmosfera de

(12)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

triunfalismo e permanência dada a insolvência dos antagonismos e a incontrolabilidade do capital (MÉSZAROS, 2013).

Para o autor, se no século XXI ocorrer o triunfalismo do “século americano” do capital não haverá futuros para a humanidade, pois a sua permanência traz um perigo para a sobrevivência da humanidade. O autor ratifica que o sistema do capital é totalmente “incompatível com suas próprias projeções de universalidade globalizante”, uma vez que sua tendência universalizante se transforma na realidade da alienação desumanizante e na reificação.

E aponta para a proposição de construção de outro mundo, o rompimento com a naturalização do conceito formal de igualdade, que emerge do posicionamento cooperativo dos indivíduos e da luta contra a continuidade desse sistema, a partir de elementos a serem constituídos para a efetivação da igualdade substantiva, modificando, assim, radicalmente as bases da realização socioeconômica do atual sistema, e apontando para a construção de uma outra alternativa social (MÉSZAROS, 2013).

O Brasil não acompanhou o tempo histórico internacional e não vivenciou o Welfare State europeu, no entanto, a política social no Brasil introduziu–se e desenvolveu-se na “Era Vargas” (1930-1945), baseado na construção de um Estado Social. As primeiras instituições de assistência social surgem para intervir na vida privada do trabalhador, incentivar na qualidade de vida e na produtividade dentro da indústria, é o caso da Legião Brasileira de Assistência Social (1942), e do Sistema “S”.

O desenvolvimento dessas políticas sociais do Estado Social surgiram com caráter corporativo, fragmentado, fundamentado na ideologia do favor, do não-direito, da filantropia, privilegiando a via do seguro social bismarckiano (YAZBECK, 2009). No período da ditadura militar (1965 -1985), que possui como marca o chamado “Milagre Econômico”, são expandidas as politicas sociais iniciadas na “Era Vargas”, embora com características tecnocrática e conservadora, e a “questão social” é enfrentada com um mix de “assistência” e “repressão”.

A década de 1980 marca um momento de efervescência social, com o processo de redemocratização do país, as manifestações de diversas categorias em luta por direitos sociais, resultando na formulação da Constituição Federal de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”. No entanto, vivencia-se também uma década de profunda crise, com a alta inflação e a crescente dívida externa, chamada dessa forma de “década perdida”.

Como consequência a essa crise, o Estado toma medidas como politicas de estabilização, uma reforma do Estado, adota o modelo econômico neoliberal, na década de 1990, caracterizado pelo Estado mínimo para o social e as regulações das relações sociais pelo mercado, numa crescente desresponsabilização do Estado para o social, seguindo a cartilha do chamado Consenso de Washington, que previa que ao se aderir a essas políticas poderia se trazer um novo ciclo de

(13)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

crescimento econômico, o que na verdade favoreceu para concentração de renda, aumento da pobreza e rebatimentos negativos nas políticas sociais.

Tal modelo econômico tinha como principais medidas a privatização das empresas estatais, e a regulamentação do terceiro setor, influenciando fortemente na classe trabalhadora, no desmonte do sistema de seguridade social e na privatização das relações sociais e trabalhistas (BEHRING E BOSCHETTI, 2008). Dessa forma, apesar das conquistas sociais da Constituição Federal de 1988, esta não tem a sua materialização na vida real.

5 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SUA AFIRMAÇÃO ENQUANTO DIREITO SOCIAL

Para compreender melhor a natureza e a gênese da Política de Assistência Social, como política não contributiva e a quem dela necessitar interessante faz-se pensar as origens da prática da assistência, em que há um legado de concepções, ações e práticas de assistência social que precisam ser capturados para análise do movimento de construção dessa política social.

Conforme já citado anteriormente no capítulo um desse trabalho, em diferentes sociedades, a solidariedade dirigida aos pobres, aos estrangeiros, aos doentes e aos incapazes pautava-se na compreensão de que na humanidade sempre existirão os mais frágeis, que serão eternos dependentes e precisam de ajuda, em uma acepção acrítica da realidade. A civilização judaico-cristã transforma a ajuda em caridade e benemerência e, dessa forma, compreende-se que o direito à assistência foi historicamente sendo substituído pelo apelo à benevolência e benemerência.

No Brasil, até 1930, não havia uma compreensão da pobreza enquanto expressão da questão social e quando esta emergia para a sociedade, era tratada como “caso de polícia” e problematizada por intermédio de seus aparelhos repressivos. Dessa forma a pobreza era tratada como disfunção individual.

Com a expansão do capital e a pauperização da força de trabalho, as práticas assistenciais de benemerência foram apropriadas pelo Estado direcionando dessa forma a solidariedade social da sociedade civil, e a concepção de que o Estado se tornaria responsável para responder as questões expostas pelas manifestações da “questão social”.

O período histórico, a partir da década de 1980, configurou-se como um divisor de águas no que diz respeito ao campo dos direitos sociais. Ocorreu nesse período um forte engajamento e pressão da sociedade civil no que concerne à discussão das políticas sociais, na qual denotou-se uma ampla articulação dos movimentos sociais, principalmente no campo da Assistência Social.

Todo esse processo de ampliação do conceito de direitos sociais e de políticas públicas culminou na organização das definições das frentes de ação que caracterizariam o Sistema de Proteção Social

(14)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

brasileiro, tripé da Seguridade Social: Saúde, Previdência Social e Assistência Social, tornando-se políticas públicas que são direito do cidadão e dever do Estado. Desta forma, a Assistência Social, pela primeira vez em sua história, foi pensada como uma das três instituições políticas basilares da Seguridade Social. Avanço que se expressam nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 e pretendem à superação do conceito de assistencialismo, da filantropia e da benemerência social, e passa a está atrelada ao atendimento às necessidades básicas da população, e junto à população em situação de risco e vulnerabilidade social.

Constitui, pois, um avanço e um marco ao permitir que a assistência social transite do assistencialismo clientelista para o campo da Política Social e do direito, bem como quanto a sua organização, gestão e regulamentação, são expressão dessa conquista: a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) nº 8.742 de 1993, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), 2005, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), 2004, e a instituição do Conselho Nacional de Assistência Social, e os Conselhos Municipais, o Fundo Nacional e os Fundos Municipais de Assistência Social, a constituição de um Ministério do Governo Federal para o tratamento da miséria, entre outros. Outra expressão do fortalecimento da política de assistência social foram os Programas de Transferência de Renda, em especial o Bolsa Família, que, cujos índices sociais, retiram famílias da linha da extrema miséria do país. A Lei Orgânica da Assistência Social ratifica em seu artigo primeiro:

A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento as necessidades básicas. (BRASIL, Lei n° 8.742,1993).

A construção da proteção social brasileira enquanto política pública de direito, é perceptível que foi um processo lento e gradual, mas, que teoricamente pode ser considerando como um modelo que evidencia um novo paradigma no que tange os direitos sociais.

A posição secundária que a Assistência Social vem tradicionalmente ocupando nas políticas sociais, e que a forma de concessão dos benefícios, meramente como assistencialismo, voltando ao passado da assistência como “não direito”, aliada ao seu atendimento seletivo e discriminatório, reiteram a noção de subalternidade dos sujeitos sociais, despolitizando e obscurecendo a perspectiva do direito, abrindo caminho para o clientelismo no trato da questão social (YASBEK, 1993).

O “desmerecimento” dessa área foi sendo problematizado durante anos e contextualizado em fins da década de 1980, quando o Brasil vivenciou o movimento de redemocratização, de efervescência dos movimentos sociais, das lutas por direitos, com foco na justiça e igualdade sociais. Tal movimento contribuiu para a elaboração da Constituição Federal de 1988, em especial, em seus artigos 194 a 204, que incluíram a Assistência Social no campo da Seguridade Social e da Proteção

(15)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

Social Pública, e a trouxeram para o âmbito dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal.

Entretanto, os impactos causados pela implementação de políticas econômicas neoliberais, na década de 1990, barram os avanços constitucionais alcançados, e colocam em andamento processos desarticuladores, de desmontagem e retração de direitos e investimentos no campo social. Isso resulta em uma desarticulação, em especial, da política de Assistência Social, e consequentemente, em sua operacionalização, defrontando-se com a fragmentação e focalização, em que se avulta o caráter funcionalista dessa política social para a sociedade capitalista.

Com o desmonte das políticas públicas, em especial, da Assistência Social é diretamente afetada, retomando o que Yazbek (1993) chama de “refilantropização do social”. Reproduz-se o individualismo na sociedade da mercantilização das pessoas, a teoria pós-moderna, com a efemeridade das coisas e pessoas, a predominância do sentimento de “solidariedade” em relação ao próximo, retornando à concepção da assistência social como um não direito, valores ainda correntes no cenário atual, que aponta uma tendência de inflexão e perda de direitos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre Estado, questão social e desenvolvimento da política de assistência social permite, além de um resgate histórico sobre a organização da sociedade e suas formas de resistência, o entendimento sobre as formas de Estado e sua natureza, a partir das conformações de interesses dominantes e como a sociedade civil reage para a construção de sua liberdade e emancipação, através da luta por direitos e por melhores condições de vida e existência.

A figura do Estado, considerado comitê executivo da burguesia (NETTO, 1993), como (co) responsável pela reprodução da desigualdade e da pobreza, através de decisões políticas que favorecem os interesses do capital, na esfera da dominação dos instrumentos jurídicos que permitem ou possibilitam a ratificação ou não dos direitos sociais e da efetivação da emancipação política da classe trabalhadora, exerce uma posição proeminente no que tange o alcance da justiça e da igualdade social, no entanto exime-se dessa responsabilidade em prol dos interesses da classe dominante.

Assim, a compreensão e (re) afirmação da Assistência Social como direito parte do princípio de que existe uma grande dívida social, por parte do Estado e da classe dominante, não só para com a classe trabalhadora, mas principalmente com os que não alcançam esse status, os “excluídos” sociais, os desempregados, a população do “quarto mundo” (CASTEL, 1998) que não consegue inserir-se no mercado de trabalho, os sobrantes, ou o “exército industrial de reserva”, e que impedem que possam ter uma vida digna e inclusiva, no que tange ao seu acesso aos direitos fundamentais, preconizados na Constituição Federal.

(16)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

Essa população que tem os seus direitos negados, são marginalizadas pela conjuntura social que naturaliza a situação da pobreza e da miséria, como algo para além de suas possibilidades, e reduz a assistência social à esfera do assistencialismo privado, ou de uma explicação metafísica, como forma de amenizar sua situação social.

A crise do novo desenvolvimento no Brasil e o retorno a princípios neoliberais para o trato das políticas sociais, com uma política voltada as classes dominantes do setor financeiro do país, tem favorecido para a retração da Política de Assistência Social, com menos investimentos para essa área, afetando a população vítima da constituição de uma conjuntura e de um sistema opressor, cruel e tirano que supervaloriza interesses individualistas e egoístas em prol da coletividade.

Dessa forma, o direito a Assistência Social, como política pública de direito, não pode nem deve retroceder com as decisões políticas regressivas para os direitos sociais nem regredir para a esfera do assistencialismo privado. A luta deve ser para que esses direitos sejam cada vez mais ampliados para dar qualidade de vida, dignidade e possibilidade de emancipação para as “classes subalternas”.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2007. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação dotrabalho. 5 edição. São Paulo, Boitempo, 2001.

BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: Fundamentos e História. São Paulo: Cortez, 2006.

BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei n 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social

______. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004; Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Secretaria Nacional de Assistência Social, 2005.

______. NORMA OPERACIONAL BÁSICA – NOB/SUAS. Resolução nm. 130/2005. Brasília: CN AS, 2005.

CICCO, de Cláudio; GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria geral do Estado e ciência política. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 47.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 1998.

HARVEY, David. Do Fordismo à Acumulação Flexível. In: A condição pós moderna. São Paulo: Loyola, 1993.

IAMAMOTO, M.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. 18 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

(17)

Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 47982-47998, jul. 2020. ISSN 2525-8761

MÉSZÁROS, István – O SÉCULO XXI socialismo ou barbárie? Tradução Paulo Cezar Castanheira – Boitempo Editorial 1ª ed. São Paulo. 2013.

MOTA, Ana Elizabete da; AMARAL, Ângela; PERUZZO, Juliane. O novo desenvolvimentismo e as políticas sociais. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). Desenvolvimentismo e construção de hegemonia: crescimento econômico e reprodução da desigualdade. São Paulo: Cortez, 2012.

NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.

ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado Providência. Trad. De Sérgio Bath. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998.

SEMERANO, Giovani. Da sociedade de massas à sociedade civil: a concepção de subjetividade em Gramsci. 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf. Exibido em: 16/07/2017.

SPOSATI, Aldaísa. A assistência social no Brasil – 1983 -1990. São Paulo: Cortez, 1991. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez, 1993.

Referências

Documentos relacionados

Após a receção das propostas apresentadas pelos concorrentes acima indicados, o Júri decidiu não admitir a concurso as Propostas do concorrente “Oficina da Inovação, S.A” por

Contudo, pelas análises já realizadas, as deformações impostas às placas pelos gradientes térmicos devem ser consideradas no projeto deste tipo de pavimento sob pena de ocorrer

A criança deverá ser acompanhada de adulto responsável por sua guarda (familiar ou terceiro indicado pela candidata) e permanecer em ambiente reservado. Não

A solução, inicialmente vermelha tornou-se gradativamente marrom, e o sólido marrom escuro obtido foi filtrado, lavado várias vezes com etanol, éter etílico anidro e

O conceito de colonialidade, a obra de Frantz Fanon (1952;1961) e os princípios metodológicos da psicanálise concreta nos permitiram uma base que orientou

Quando necessária a elaboração de material fotográfico específico, a solicitação deve ser feita à Ascom, com 48h de antecedência (dias úteis), via e-mail, especificando o teor

• Marcas comerciais – o contrato deve listar quais são as marcas registradas de propriedade do licenciador que você pode usar.. • Relatórios - além das

​Considerações finais: O projeto possui muita relevância no âmbito da saúde e se situa em situações de aprendizagem, não somente para os que recebem a ação, mas