• Nenhum resultado encontrado

Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas Departamento de História Programa de Pós-Graduação em História

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas Departamento de História Programa de Pós-Graduação em História"

Copied!
155
0
0

Texto

(1)

Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Humanas

Departamento de História

Programa de Pós-Graduação em História

Enunciados sobre o futuro: ditadura militar, Transamazônica e a

construção do “Brasil grande”

Fernando Dominience Menezes

(2)

Fernando Dominience Menezes

Enunciados sobre o futuro: ditadura militar, Transamazônica e a

construção do “Brasil grande”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, como requisito à obtenção do título de Mestre em História.

Área de concentração: História Social. Orientador: Prof. Dr. Celso Silva Fonseca

(3)

Fernando Dominience Menezes

Enunciados sobre o futuro: ditadura militar, Transamazônica e a

construção do “Brasil grande”

Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em História

da Universidade de Brasília, como requisito à obtenção do título de Mestre

em História, aprovada em 25 de maio de 2007, pela Banca Examinadora

constituída pelos seguintes professores:

__________________________________________

Prof. Dr. Celso Silva Fonseca - UnB

Presidente da Banca

__________________________________________

Prof. Dr. Élio Cantalício Serpa - UFG

__________________________________________

Prof. Dr. Estevão Chaves de Rezende Martins - UnB

__________________________________________

Prof. Dra. Vanessa Maria Brasil - UnB

Suplente

(4)
(5)

Agradecimentos

Embora por vezes tenha se feito sentir como o mais solitário dos empreendimentos, a globalidade humana envolvida na realização desse trabalho foi grande. De alguma maneira, para esta dissertação convergiram inúmeras subjetividades, traduzidas em vivências, solidariedades e sotaques que tive o privilégio de compartilhar em quase dois anos que morei em Brasília. Os que aqui reverencio contribuíram diretamente à realização dessa dissertação, uns mais, outros menos. Todo caso, todos de alguma maneira participaram. Assim, que me perdoem os parceiros do acaso, por mim não esquecidos, mas os nomes que aqui seguem eu não poderia negligenciar. Agradeço:

Ao meu pai, cuja devoção aos filhos fomenta uma base sólida que nos ampara para trilharmos caminhos com resolução e honestidade. O muito que escrevesse seria pouco para agradecê-lo por tamanha dedicação e altruísmo. Com amor.

Ao professor Celso Silva Fonseca pelo acolhimento da proposta que resultou neste trabalho, pelo apoio e confiança sem os quais eu provavelmente não estaria defendendo esta dissertação neste momento.

Ao professor Estevão Rezende Martins pela honra de ter sido seu aluno e podido participar de tão estimulantes discussões sobre teoria da história na disciplina que ministrou. Pela cordialidade, digna de um grande anfitrião, com que nos recebeu por estas paragens nem sempre afeitas à hospitalidade, e aqui falo, também, em nome dos emissários do Recife. Agradeço ainda pela valiosa contribuição no exame de qualificação e pela disposição de participar desta defesa.

Ao professor Élio Serpa, amigo de alguns anos, cuja convivência me foi sempre muito estimulante. Em parte responsável pela minha escolha por este tema, é gratificante tê-lo presente neste rito de enceramento de um ciclo. Agradeço pela profícua contribuição na qualificação, assim como pelas sugestões, críticas e incentivos feitos após a prévia leitura de cada um dos capítulos que constituem este trabalho.

À professora Vanessa Maria Brasil, pela simpatia e cordialidade com que me recebeu. Exemplo de quão significativos podem ser os eventos mais singelos, tornou a UnB à mim uma realidade mais próxima.

(6)

À professora Armênia Maria de Souza, pela sensibilidade e companheirismo com que se fez presente em um momento particularmente importante.

Aos funcionários do Programa de pós-graduação, Washington e Pedro, pela atenção no convívio cotidiano, sobretudo no primeiro ano do curso.

À Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de estudos concedida.

À política de assistência estudantil da Universidade de Brasília, pelo importante suporte oferecido aos alunos de outros Estados.

À amiga Lorena Fonseca e ao seu Mário, cujo abrigo e amparo atencioso em Brasília foram essenciais durante o processo de seleção.

Ao Luciano Dias, amigo dedicado, pela leitura atenta e pelas críticas honestas à primeira versão deste trabalho.

Ao amigo Carlos Augusto pelo empenho na revisão final do texto.

Aos amigos da república, meu primeiro reduto em Brasília, uma extensão do triângulo mineiro na 404 Norte. Uberlândia, Uberaba, Araxá e Monte Carmelo lá representadas por Cid, Tiago, Gustavo e Arthur. Apartamento insalubre, de peripécias ainda hoje não desvendadas e acontecimentos primorosos, desses que habita a memória com certo saudosismo e melancolia, palco de uma “solidariedade de exilados” estabelecida no cotidiano sempre descontraído e amigo daqueles dias.

Ao amigo Jeansley, brasiliense atípico, companheiro sempre preocupado, anfitrião sempre disposto.

Aos confederados do Recife, Caetano e Glauber, amigos cujas peripécias cotidianas, demonstrações de companheirismo e controvérsias profundas mereceriam um texto em separado.

À Carol, cuja “solidariedade de exilados” resultou em um encontro de afeições, revelando uma grande amizade que os corredores da FCHF não possibilitaram.

Aos amigos do mestrado Paula, Sandro, Batista e Dario, esse sempre solícito em viabilizar o acesso aos materiais que precisei na biblioteca do Senado.

(7)

Gostaria de lembrar ainda Janaína Fernandes, meu padrinho Bené e minha tia Jacira; os amigos Aline Miklos, Léo, Mara, Anna Maria, Burjack, Élby e Núbia, Lívia Batista, Bibi e Adriana, João Marcelo, Patrícia e Cíntia, Tamiel, Adriana Araújo; os professores Carlos Oiti e Luiz Sérgio Duarte.

(8)

Um menino caminha

E caminhando chega num muro

E ali logo em frente

A esperar pela gente o futuro está

E o futuro é uma astronave Que tentamos pilotar

Não tem tempo nem piedade

Nem tem hora de chegar Sem pedir licença Muda nossa vida E depois convida A rir ou chorar

Aquarela

Toquinho / Vinícius de Moraes / G. Morra / M. Fabrizio

"Quanta coisa não vou deixando para trás, à direita e à esquerda, apenas para concretizar uma única idéia, que já se fez quase velha demais em minha alma!"

(9)

Resumo

O presente trabalho tem como foco a construção da rodovia Transamazônica, realizada durante o regime militar, no governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Entretanto, não se trata de uma crônica da construção da estrada, mas sim de uma problematização da repercussão da obra em duas das principais revistas de circulação nacional do período: O Cruzeiro e Manchete. São estes os anos do chamado “milagre brasileiro”, portanto, nessa conjuntura, associada à compreensão de um “destino manifesto” da nação, a estrada passou a figurar nas revistas (a exemplo dos discursos oficiais), como importante marco constitutivo de um “Brasil grande”, “Brasil potência”. Sua construção repercutiu ainda nos mais variados tipos de discursos como representando a “maior aventura vivida por um povo na face da Terra”, a “última grande aventura do século”. Estabelece-se o seguinte raciocínio: o desafio/aventura de construir a Transamazônica é o de construir o “Brasil potência”, de modo a adiantar assim o futuro para o qual a nação está predestinada. Este raciocínio traduz uma estratégia de legitimação do regime por se acreditar na capacidade de produzir mobilização social de afetos que a idéia do desafio/aventura portaria. Contudo, qualificá-la apenas como uma estratégia política seria descaracterizá-la. Por isso, entendemos mais adequado explorarmos essa constelação simbólica que envolve construção da Transamazônica, circunscrita pelo tema da aventura e do “Brasil grande”, na forma daquilo que definimos como “mito da grande aventura nacional”. Desta forma, no interior do debate sobre mídia e política, problematizamos a atuação das revistas durante o regime militar, perscrutando ainda a historicidade do “Brasil potência” no pensamento militar brasileiro.

(10)

Abstract

This assay approach to construction of the Transamazônica highway, performed during the military regimen in the government of Emílio Garrastazu Médici (1969 – 1974). However, it is not a chronicle of Trasamazônica construction events, but a discussion about the repercussion of the highway’s building in two important national magazines of the cited period, O Cruzeiro and Manchete. Those years were known Brazilian miracle. Therefore, in this conjuncture, the road was shown as an important constituent happening in the “Brasil grande”, “Brasil potência”. Its construction still resounded in the several types of speeches representing the “bigger adventure lived for a people in the face of the Land”, the “last great adventure of the century”. The challenge to constructing the Transamazônica is the constructing of “Brasil potência”, so that advances the future for which the nation is predestined. This reasoning means a legitimating strategy of the military regime by believing the capacity to generate social mobilization that the challenge idea would carry. However, to qualify it only as a politics strategy would be to change its characteristics. So, we believe being more suitable to explore this whole symbols that involves Transamazônica’s building represented by adventure theme and by “Brasil grande”, defined as “the myth of the great national adventure”. Therefore, up against this discussion about media and politics, we analyzethe actuation of the magazines during the military regime, exploring the historic perspective of “Brasil potência” in the Brazilian military thought.

(11)

Lista de siglas

AERP - Assessoria Especial de Relações Públicas ARP - Assessoria de Relações Públicas

BASA - Banco da Amazônia S.A. BIBLIEX - Biblioteca do Exército Editora

CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CEDI - Centro de Documentação e Informação / Câmara dos Deputados Cenimar - Centro de Informações da Marinha

Cisa - Centro de Informações da Aeronáutica

CNUMAD - Conferência das Nações Unidas Para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

CODI - Centro de Operação de Defesa Interna DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda

RMVP - Ministério de Esclarecimento Popular e de Propaganda do Reich DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas DOI - Departamento de Operações de Informação DOPS - Departamento de Ordem Política e Social ESG - Escola Superior de Guerra

GTRP - Grupo de Trabalho de Relações Públicas IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática Intelsat - Sistema Internacional de Satélites

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

ONU - Organização das Nações Unidas PIN - Programa de Integração Nacional SNI - Serviço Nacional de Informações SNRP - Serviço Nacional de Relações Públicas

SPVEA - Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia SUDAM - Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

(12)

Lista de imagens

Imagem 1: Manchete, 1/8/1970, n. 954. p. 80. ... 104

Imagem 2: Manchete, 1/8/1970, n. 954. p. 81. ... 104

Imagem 3: Manchete, 10/1970, ed. esp. “Brasil 70”. p. 58. ... 105

Imagem 4: Manchete, 10/1970, ed. esp. “Brasil 70”. p. 59. ... 105

Imagem 5: Manchete, 20/3/1971, n. 987. p.79-79. ... 106

Imagem 6: Manchete, 15/4/1972, n. 1043. Capa. ... 108

Imagem 7: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 80-81. ... 109

Imagem 8: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 82. ... 109

Imagem 9: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 83. ... 109

Imagem 10: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 84. ... 110

Imagem 11: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 85. ... 110

Imagem 12: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 86. ... 110

Imagem 13: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 87. ... 110

Imagem 14: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 88. ... 111

Imagem 15: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 89. ... 111

Imagem 16: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 91. ... 111

Imagem 17: Manchete, 9/1/1971, n. 977. p. 93. ... 111

Imagem 18: Manchete, ed. esp. “Amazônia”, 2/1973. p. 68. ... 115

Imagem 19: Manchete, ed. esp. “Amazônia”, 2/1973. p. 69. ... 115

Imagem 20: Manchete, ed. esp. “Amazônia”, 2/1973. p. 74. ... 115

Imagem 21: Manchete, ed. esp. “Amazônia”, 2/1973. p. 75. ... 115

Imagem 22: O Cruzeiro, 13/10/1971, n. 41. p. 110. ... 117

Imagem 23: O Cruzeiro, 13/10/1971, n. 41. p. 111. ... 117

Imagem 24: Manchete, 14/10/1972, n. 1069. p. 4. ... 118

Imagem 25: Manchete, 14/10/1972, n. 1069. p. 5. ... 118

Imagem 26: O Cruzeiro, 10/10/1972, n. 41. p. 4. ... 118

Imagem 27: O Cruzeiro, 10/10/1972, n. 41. p. 5. ... 118

Imagem 28: Manchete, 16/2/1974, n. 1139. p. 98. ... 119

Imagem 29: Manchete, 16/2/1974, n. 1139. p. 99. ... 119

Imagem 30: O Cruzeiro, 13/2/1974, n. 7. p. 107. ... 119

Imagem 31: O Cruzeiro, 13/2/1974, n. 7. p. 107. ... 119

Imagem 32: O Cruzeiro, 27/10/1971, n. 43. p. 116. ... 121

Imagem 33: O Cruzeiro, 27/10/1971, n. 43. p. 117. ... 121

Imagem 34: O Cruzeiro, 17/11/1971, n. 46. p. 110. ... 125

Imagem 35: O Cruzeiro, 17/11/1971, n. 46. p. 111. ... 125

Imagem 36: Manchete, ed. esp. “Brasil 71”, 1971. nº 1000. p.230. ... 126

Imagem 37: Manchete, ed. esp. “Brasil 71”, 1971. nº 1000. p.231. ... 126

(13)

Sumário

Resumo ... 1

Abstract... 2

Lista de siglas ... 3

Lista de imagens ... 4

Introdução... 6

Capítulo 1 ... 11

“Alguém precisa dizer o que nós pensamos”: revistas O Cruzeiro e Manchete 1.1 Por uma melhor visibilidade pública pela via oficial ... 12

1.2 Mídia e política – para além da propaganda oficial, os meios de comunicação e a produção de visibilidades desejadas... 20

1.3 As revistas – classificação formal, caracterização, mercado editorial ... 29

1.4 O Cruzeiro e Manchete - história, política e poder ... 41

Capítulo 2 ... 53

“Aqueles que pensaram o ‘Brasil grande’”: a geopolítica nacional e o “Brasil potência” 2.1 Transamazônica – do Nordeste a caminho do Norte pela integração nacional... 54

2.2 Antecipar o futuro na rota para o “Brasil grande”... 66

2.3 A geopolítica do “Brasil potência”... 76

Capítulo 3 ... 86

“A Lua já não dá mais Ibope”: a Transamazônica e o “mito da grande aventura nacional” 3.1 Todos juntos vamos construir a maior aventura da face da terra ... 87

3.2 A estrada, as revistas e o “mito da grande aventura nacional”... 96

Considerações finais... 129

Fontes e Referências Bibliográficas ... 137

(14)

Introdução

Parafraseando o historiador Eric Hobsbawm, podemos dizer que inúmeros trabalhos historiográficos surgem “porque alguém fez uma pergunta e depois sondou desesperadamente em busca de alguma maneira – qualquer maneira – de respondê-la”.1 A motivação originária deste trabalho foi simplesmente a de procurar entender porque a rodovia Transamazônica encontrava-se tão amplamente noticiada nas revistas O Cruzeiro e Manchete na década de 1970. Entretanto, em se tratando de história, é ingênuo imaginar que perguntas simples implicam em respostas simples. Dessa forma, Transamazônica e revistas surgiram-nos como dois universos particulares que, explorados em sua relação com a ditadura militar implantada no Brasil com o golpe de 1964, se traduz em uma estratégia de legitimação do regime, de modo a estabelecer a problemática que circunscreve esta pesquisa.

Como parte integrante do Programa de Integração Nacional (PIN), a construção da Transamazônica foi anunciada em 16 de junho de 1970 pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici. Com um traçado transversal, que pretendia ligar a região Nordeste à região Norte do país, a sua realização se justificava no interior de duas motivações distintas, entretanto articuladas: por um lado, a estrada representaria uma alternativa aos problemas sociais causados pelas secas sazonais que assolavam os nordestinos; por outro

(15)

lado, trataria de uma resposta à pouca densidade demográfica da Região Amazônica, cuja necessidade de integração era entendida pelo regime como uma questão de segurança nacional e de desenvolvimento econômico. Articulam-se na medida em que, do ponto de vista operacional, tais problemas seriam enfrentados, em síntese, com o deslocamento de fluxos populacionais entre essas duas regiões, partindo-se do Nordeste. Entretanto, uma peculiaridade atribui contornos especiais à construção da estrada: ela é realizada por um governo que estabeleceu como meta-síntese de atuação assegurar a viabilidade do Brasil como uma grande potência mundial até o fim do século XX. Eram os anos do chamado “milagre brasileiro”.

Nessa conjuntura, associada à compreensão de um “destino manifesto” da nação, a estrada passou a figurar nas revistas (a exemplo dos discursos oficiais), como importante marco constitutivo de um “Brasil grande”, “Brasil potência”. Sua construção repercutiu ainda nos mais variados tipos de discursos como representando a “maior aventura vivida por um povo na face da Terra”, a “última grande aventura do século”. Estabelece-se o seguinte raciocínio: o desafio/aventura de construir a Transamazônica é o de construir o “Brasil potência”, de modo a adiantar assim o futuro para o qual a nação está predestinada. Esse raciocínio traduz uma estratégia de legitimação do regime por se acreditar na capacidade de produzir mobilização social de afetos que a idéia do desafio/aventura portaria. Contudo, qualificá-la apenas como uma estratégia política seria descaracterizá-la. Por isso, entendemos mais adequado explorar essa constelação simbólica que envolve a construção da Transamazônica, circunscrita pelo tema da aventura e do “Brasil grande”, na forma daquilo que definimos como “mito da grande aventura nacional”.

(16)

chegam à Transamazônica”. Ainda: “a competência dos brasileiros fará o Brasil transformar-se, em prazo surpreendentemente curto, numa das grandes potências do mundo. A nação caminha confiante no rumo do ano 2000”.2 Embora um desafeto político do regime, que lhe cassou o mandato de senador por Goiás e cancelou seus direitos políticos, obrigando-lhe ao exílio, em seu texto, ao comparar a Transamazônica às sete maravilhas do mundo, ele apresenta a rodovia como um dos símbolos do Brasil moderno, significativa da competência nacional em transformar o Brasil em uma potência mundial. A reportagem de Kubitschek, ao atribuir esse significado à estrada, reforça o “mito da grande aventura nacional”, que possui comoum dos pilares de sustentação a convicção na vocação de grandeza do Brasil, como expresso no texto de Kubitschek. Entretanto, procuramos mostrar como essa crença nas potencialidades do Brasil funda-se em uma tradição secular do imaginário social brasileiro, o que corrobora com o entendimento do mito como um produto coletivo, tal qual será discutido.

O mito da “grande aventura nacional”, por sua vez, possui uma historicidade particular, que pode ser balizada entre os anos de 1970 e 1974. A definição desses marcos temporais é coincidente ao surgimento e desaparecimento de reportagens e publicidade sobre a rodovia Transamazônica nas revistas O Cruzeiro e Manchete. O ano de 1970 marca o início da construção e, por conseguinte, início da veiculação de reportagens, artigos e publicidade a seu respeito. Após 1974, o foco das revistas volta-se para a sucessão presidencial – era a passagem do governo Médici para o governo Geisel – e para problemáticas relacionadas à crise mundial do petróleo (1973) e a respectiva descoberta pela Petrobrás, em 1974, do campo de Garoupa, na bacia de Campos, uma das grandes províncias petrolíferas do mundo3. Essa notícia, que foi uma das maiores da história nacional, nutriu um espasmo propagandístico que retroalimentou, embora de maneira mais modesta, o sonho do “Brasil grande”. Carlos Fico acrescenta que, “com os fracassos da política econômica, a idéia de ‘grande potência’ foi sendo paulatinamente abandonada. Geisel, no início de seu governo, ainda falava de potência ‘emergente’. Mas mobilização de forças necessárias para o assomar da longa tradição de anseio por um Brasil grande não admite eufemismo”.4 Diante de tais circunstâncias, a Transamazônica, já praticamente

concluída, embora não pavimentada, transformou-se em uma moeda desgastada a custear legitimidade ao regime.

2Manchete, 23/1/1971, n.979. p. 61. 3 GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada.

(17)

Entretanto, as balizas temporais que circunscrevem nosso problema de pesquisa são mais flexíveis, na medida em que nela se entrecruzam historicidades múltiplas. Obrigamo-nos a percorrermos algumas dessas inúmeras historicidades, no esforço de somarmos alguns itinerários na construção de nossa trama que, urdida, permitirá compor aquilo que denominamos como “mito da grande aventura nacional”. Por um lado, cabe percorrer a história das revistas discutindo a aproximação dessas ao regime autoritário em sua propagação e construção desse imaginário, que por sua vez, possui uma história de longa duração em nossa tradição intelectual, política, social e geopolítica, que também demanda abordagem. Assim, para realizarmos esses percursos e articulá-los, apresentamos esse trabalho dividido em três capítulos. No primeiro, discutiremos a imbricada relação entre mídia e política. A partir da constatação de que os meios de comunicação de massa assumem um papel de centralidade no jogo político contemporâneo, perscrutamos a atuação das revistas O Cruzeiro e Manchete na vida política nacional desde as suas fundações (1928 e 1952, respectivamente), levando em consideração a atuação dessas no golpe de 1964. Trata-se de justificar as revistas como importantes agentes políticos durante o regime militar, contribuindo ainda, mesmo que modestamente, com o resgate dessas, até então preteridas pela historiografia política nacional.

No segundo capítulo, nos debruçaremos propriamente sobre aspectos políticos e técnicos que envolvem a decisão da construção da Transamazônica, relacionados ao projeto e ao itinerário da estrada, assim como as justificativas para sua execução. Dos primeiros discursos de apresentação do projeto ao texto cunhado na placa de inauguração do último trecho, a estrada já figura relacionada ao tema do Brasil grande. Dessa forma, buscaremos ainda percorrer a historicidade desse tema, demonstrando não se tratar esse sonho do “Brasil potência” como se fosse uma invenção do regime militar. O enaltecimento das potencialidades do Brasil funda-se em uma tradição secular inscrita no imaginário social brasileiro. Não nos propomos trilhar essa tradição em toda sua historicidade, outros autores já o fizeram, entretanto nos debruçaremos sobre o pensamento geopolítico nacional para localizar no interior do pensamento militar brasileiro as proposições acerca de o Brasil se tornar uma potência, que já datam de 1930, conforme apresentaremos.

(18)

alguns discursos sobre a Transamazônica produzidos por autoridades do regime e por alguns de seus correligionários, em que se explicita a aposta na capacidade legitimadora da estrada. Demonstraremos como essa estratégia repercute nas revistas, analisando algumas reportagens, artigos e publicidades concernentes à Transamazônica, que foram veiculadas nessas revistas entre os anos de 1970 e 1975, compondo o corpus documental básico dessa pesquisa.

(19)

Capítulo 1

“Alguém precisa dizer o que nós pensamos”: revistas

O

Cruzeiro

e

Manchete

(20)

1.1 Por uma melhor visibilidade pública pela via oficial

A atividade política exige visibilidade. Sobretudo, visibilidade favorável. Dessa forma, os governos preocupam-se com a sua imagem, com a forma com que pretendem ser vistos. Durante o regime militar implantado no Brasil com o golpe de 1964, então desencadeado por setores preponderantes das Forças Armadas e organizações civis, o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) preocupou-se com a penetração de uma nova imagem para o Estado autoritário. Dessa forma, a implementação de um sistema de relações públicas deu origem à criação da AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas), que teve seus anos áureos de atuação durante o governo Médici sob a direção do coronel Octávio Costa. Essa agência teve como maior objetivo fornecer uma imagem favorável e de otimismo para a então desgastada imagem da ditadura militar brasileira.

A propaganda política institucionalizada em agências governamentais, departamentos de governo e ministérios, prestou-se historicamente a fomentar visibilidades desejadas. Em regimes autoritários, alguns casos tornaram-se clássicos: a Alemanha nazista criou o Ministério de Esclarecimento Popular e de Propaganda do Reich (Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda – RMVP) que, instituído em março de 1933 sob responsabilidade de Joseph Göebbels, atuava na coordenação da promoção do regime de Hitler, valendo-se de diversos veículos, e tornou-se o símbolo da política da era do rádio; no Brasil, durante o Estado Novo (1937-1945), Getúlio Vargas criou em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Com Lourival Fontes ocupando a direção geral, o departamento passou a executar com centralidade todo serviço de propagada oficial até então produzido nos mais diversos setores do governo. Constituiu-se ainda no principal mecanismo da censura promovida pelo regime Vargas.

(21)

de promover o restabelecimento da ordem política no país, de modo a viabilizar e consolidar o exercício da democracia no Brasil.1 Relembra Octávio Costa que:

O movimento militar de 64 a cada dia tornava-se mais impopular. Era preciso fazer alguma coisa. Havia pressões para que o Castelo criasse um órgão de comunicação, mas ele se mostrava intransigente, achava que a verdade impõe por si só. Trazia bem nítido o espectro do DIP, e

repugnava-lhe qualquer manipulação da opinião pública.2

Dessa forma, o projeto de uma propagada oficial chocava-se com as convicções castelistas. Nesse sentido, corrobora Maria Toledo de Camargo – chefe da Assessoria de Relações Públicas de Ernesto Geisel – afirmando que “Castelo tinha muitos traços do extinto udenismo. E os udenistas, quando pensavam em propaganda oficial, lembravam logo do DIP de Getúlio, o que lhes provocava até arrepios”.3 Entretanto, a proposta favorável à criação de um órgão que cuidasse da imagem pública do regime foi levada adiante. A Assessoria Especial de Relações Públicas foi criada em 1968, durante o governo Costa e Silva, constituindo-se como o único centro governamental de propaganda política. Até o momento de sua criação, as propagandas governamentais eram produzidas setorialmente, de maneira desarticulada, nos diversos órgãos do governo. Estes possuíam, até então, seus próprios setores de publicidade que se ocupavam basicamente com a divulgação das campanhas de interesse público promovidas por esses órgãos, como: trânsito, vacinação.4

O sistema oficial de relações públicas, que originou a criação da AERP, surgiu propriamente sem muitas pretensões, em torno do grupo de apoio do general Costa e Silva, que vinha recebendo inúmeras críticas, até mesmo jocosas, por parte da população, desde o seu anúncio como sucessor do presidente Castelo Branco. Nesse sentido, escreve o jornalista Gilnei Rampazzo em O Estado de São Paulo de outubro de 1977:

1 FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. p. 89.

2 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon & CASTRO; Celso (orgs). Os anos de Chumbo:

a memória militar sobre a repressão. p. 259.

(22)

Afastado daquele pleito, mas ainda habituado à movimentação das campanhas eleitorais, o brasileiro foi buscar no inesgotável arsenal de irreverência popular a sua forma de participação. E Costa e Silva, o escolhido para substituir Castelo Branco, tornou-se o alvo principal do humor de um povo que ainda não perdera a espontaneidade do riso. 5

Preocupados em fomentar um melhor ambiente e uma imagem mais favorável ao candidato, no esforço de controlar o anedotário que assumia grandes proporções, constituir-se-ia, em torno de Hernani d’ Aguiar, o Grupo de Trabalho de Relações Públicas (GTRP). Pretendia-se com isso “favorecer a imagem do candidato e equacionar o problema da comunicação social no Brasil, com vistas ao futuro governo”.6 Como premissa de fundação, o grupo deveria manter caráter sigiloso. Dessa maneira, procurava-se garantir um caráter de espontaneidade às ações do candidato, uma vez que a impressão de artificialidade poderia comprometer a arquitetura de sua imagem. Sua existência deveria ser entendida, “para todos os efeitos”, apenas como “uma reunião informal de uns poucos amigos”.7

Entretanto, a atuação desse grupo que se justificava pretensamente de ordem extraordinária e emergencial, enraizou-se. O que surgiu como aparato de apoio a uma candidatura, aos poucos ampliou o foco de atuação, recaindo sua preocupação sobre a imagem do regime como um todo, denotando sua preocupação com a dita “opinião pública” e as críticas recebidas pelo regime.8 Essa ampliação de perspectiva baseava-se em um diagnóstico produzido pelo grupo em que se avaliava a impopularidade da ditadura militar. Afirma:

Um governo digno, honrado, austero e de autoridade, com o receio de praticar demagogia, deixou de dialogar com o povo, deixou de informá-lo. Deixou de esclarecê-lo, não procurou persuadi-lo, conquistá-lo e integrá-lo aos seus alevantados ideais. Em conseqüência, tornou-se impopular e, mais do que isso, malquisto, por todas as classe sociais e em todos os setores da vida nacional.9

(23)

Observa-se um deslocamento de foco: trata-se não mais apenas de promover a imagem de Costa e Silva, mas de estabelecer metas globais para a promoção do regime. Algumas das premissas que consubstanciam as tarefas e os objetivos de criação do grupo já apontam nesse sentido. Afirmam terem por tarefa a produção de “estudo da estrutura, em nível presidencial, de um órgão de relações públicas para funcionar no próximo governo”, com o objetivo de “planejar a evolução paulatina do GTRP para SNRP (Serviço Nacional de Relações Públicas)”.10 Portanto, pretendiam, institucionalizar a propaganda oficial nos termos de um Serviço Nacional.

O grupo foi extinto com a posse de Costa e Silva em 1967, mas esses objetivos foram estabelecidos com criação da AERP, seis meses após a posse. Substituiu-se a sigla, mas mantiveram-se os princípios e propósitos de atuação. A hesitação no tocante à propaganda oficial por parte de setores do governo consagrara a definição “relações públicas” como um eufemismo apaziguador. A íntima associação entre propaganda oficial e ditaduras era uma marca que o regime militar brasileiro relutava para si. Para Carlos Fico, “uma série de relativizações conformava um regime político que, embora autoritário, ditatorial, não pretendia ser identificado desse modo”.11 É esse ambiente muito desconfiado que marca o surgimento da AERP. Relembra Octávio Costa a esse respeito:

a AERP tinha sido criada pelo D’ Aguiar com o Costa e Silva, de forma

muito tímida e encabulada.[...] Fora criada por um decreto que tratava de vários assuntos, nada específico. Criação meio escondida, como se o criador quisesse que ninguém tomasse conhecimento ou estivesse envergonhado de sua criação.12

A atuação de D’ Aguiar à frente da AERP foi efêmera, no entanto lançou as bases de um sistema de comunicação social que teria com Octávio Costa, durante o governo Médici, seu momento de consolidação, permanecendo ativo até o fim do regime, transformando-se na Assessoria de Relações Públicas(ARP) durante o Governo Geisel. Na historiografia brasileira, Carlos Fico, em seu livro Reinventado o Otimismo, dedicou parte do seu trabalho ao estudo cuidadoso dos episódios que marcaram a criação, o estabelecimento e a configuração da AERP. Preocupou-se em analisar os mecanismos de

10 Idem.

11 FICO, Carlos. op. cit., p.95.

(24)

consolidação desse órgão de promoção do regime, entendido como inovador em termos de propaganda oficial ao criar estratégias originais, na medida em que abandonou o tom oficialesco, comum a esse tipo de empreendimento. Fico afirma que “o regime militar brasileiro criou uma propaganda política singular, que, para alcançar grau ótimo de propagação, se travestia de ‘despolitizada’, calcando-se em valores fundados num imaginário forjado por vasto material histórico”.13

Para Fico, a criação da AERP está mais relacionada à prevalência da vontade de setores, que compartilhavam um certo ponto de vista doutrinário no interior do regime, entendedores da propaganda como imprescindível, do que propriamente as injunções de conjuntura externa, de contestações populares ao regime, cujas manifestações de oposição se intensificaram realmente a partir de 1968.14 Surge hesitante. Gozando pouca simpatia de vários setores militares, é estabelecido como assessoria e não como Serviço Nacional. Mesmo com a sua consolidação como sistema de propaganda política do regime, para o autor é difícil falar em um projeto de propaganda política muito claro.

Carlos Fico observa que, de fora, a assessoria poderia parecer produto de um sistema bem arquitetado, porém, seu funcionamento e organização dependiam muito mais de iniciativas pessoais e setoriais. Isso, com efeito, criou um sistema de propaganda que se definiu pelo perfil individual de alguns personagens marcantes, daí a importância de se entender as motivações dos sujeitos que a criaram e a dirigiram no esforço de se entender como se produziu essa propaganda, que pautas eram observadas, que temas eram eleitos e de que maneira eram trabalhados.15 A atuação da AERP interessa-nos particularmente para os fins desse trabalho, no que diz respeito à sua produção durante o governo Médici, quando essa era dirigida pelo coronel Octávio Costa.

Personagem particular, Octávio Costa era um militar que se interessava por literatura e poesia, sobretudo brasileira. Afirmava-se discriminado pela linha dura ao ser taxado como utópico e alienado. Justifica:

Primeiro, porque sentiam que eu não concordava com eles. Achavam-me um lírico, um poeta, um pseudo intelectual – tudo entre aspas -, inconseqüente e desprezível. Achavam-me vaidoso, ingênuo, irrealista, sem maior importância no cenário. Eu apresentava duas facetas muito

13 FICO, Carlos. op. cit., p.129. 14 Idem. p.92.

(25)

nítidas: lia, por exemplo, recortes de transmissões das rádios de Tirana e Havana, em que era pintado como fascista, um dr. Goebbels dos trópicos; e, de outra parte, era odiado pela comunidade de informação.16

Para Fico, “Costa criou uma nova modalidade de propaganda política no Brasil, que se amparava nos modernos recursos dos meios de comunicação de massa e que absorvia e recriava padrões de comportamento, crenças, instituições e outros valores espirituais e materiais tidos como conformadores da sociedade brasileira”.17 Com presença deliberativa junto ao Instituto Nacional de Cinema, a AERP consagrou os “filmetes” como o seu padrão de produção, sendo a televisão seu mecanismo veiculador. Octávio Costa mostrou-se bastante sensível à possibilidade difusora desse veículo. A propósito desses filmetes veiculados durante os comerciais de Tv, o representante da Agência no Rio de Janeiro, Alberto Rabaça, afirmou que eles pretendiam:

retratar e cercar de significado especial, principalmente através de belos efeitos plásticos e de montagem, aspectos do cotidiano e que lhe são caros, como vida em família o trabalho, o carnaval, o futebol etc. Todos os valores étnicos e morais que o brasileiro incorpora e exercita [...] recebem, nesses filmes, com que um reforço oficial, uma espécie de bênção, e a afirmação de que são corretos e desejáveis.18

Amplamente divulgados em todos os canais de televisão, tinham sua veiculação gratuita amparada por dispositivo legal, tendo os seus custos de produção pagos por empresas como Petrobrás, Eletrobrás e Banco do Brasil.19 As campanhas que os articulavam possuíam traços comuns em seus temas, sobretudo na recorrência de mensagens, enunciando uma atmosfera positiva de otimismo, de construção e de trabalho favorável ao país. Nesse sentido, algumas campanhas são emblemáticas: Ninguém segura o Brasil (1971), É tempo de construir (1971), Você constrói o Brasil (1972), Sesquicentenário da Independência (1972), Povo desenvolvido é povo limpo (1972), Conheça melhor o Brasil (1973), País que se transforma e se constrói (1973), O Brasil merece o nosso amor (1973). São campanhas que trazem a marca de uma compreensão

16 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon & CASTRO; Celso (orgs). op. cit., p.268. 17 FICO, Carlos. op. cit., p.100.

(26)

acerca das potencialidades nacionais catalisadas com o advento do milagre econômico. Realimenta-se a retórica do “Brasil grande”, amparada em uma compreensão do “destino manifesto” da nação, em que os próprios militares se apresentam como o meio de acesso, os viabilizadores do sonho de o Brasil tornar-se uma potência mundial.

Para Octávio Costa, em termos de objetivos, essas campanhas representavam o esforço de melhorar a imagem pública do regime por meio de uma estratégia retórica em que se produziam uma propaganda com tons sutis, com uma coloração menos oficial, visando “motivar a vontade coletiva para o esforço nacional de desenvolvimento”.20

Trata-se da tentativa de desanuviar o ambiente de radicalização e de acirramento das críticas ao regime que se expressava, sobretudo a partir de 1968, em eventos como a passeata dos cem mil, no Rio, na realização do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, no seqüestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, por grupos da esquerda armada, em 1969, para citar alguns mais conhecidos. Com efeito, nesse esforço apaziguador, as propagandas recorriam a certos “valores nacionais” já consagrados em nossa cultura histórica a exemplo do emblemático “homem cordial”, como discutido na clássica tese de Sergio Buarque de Holanda. Entretanto, são valores que dissimulam a especificidade daquela realidade social conflituosa, representando o apelo à participação da sociedade na tentativa de produção de um ambiente mais favorável e de aprovação, longe de poder ser considerado, contudo, uma proposição democrática com vistas à atuação da sociedade na gerência das coisas públicas.21

Matizadas as diferentes linhas políticas constituintes do regime, consagradas em definições como linha dura e moderados ou castelistas, não seria abusivo dizer que, embora pequeno, o grupo ligado à comunicação pública do regime constituiu-se como linha de articulação pela qual militares orientavam sua ação e barganhavam a sua intervenção nos rumos da política nacional. A estratégia de atuação explicitada por Octávio Costa, refletindo sobre sua função como comunicador, e representativa nesse sentido: “A minha esperança era de que, vencida essa fase crítica, serenada a turbulência, um bom trabalho de comunicação, dirigido para a motivação nacional, pudesse ajudar a normalização da vida do país”.22 Prossegue:

20 FICO, Carlos. op. cit., p.94. 21 Idem. p. 128-130.

(27)

Não achava que a repressão fosse o único caminho. Estava convencido de que uma campanha de comunicação que substitui-se os valores da violência pelos valores da compreensão, do amor ao país, de desarmamento dos espíritos, poderia contribuir, ainda que em pequena escala, para que a situação se normalizasse e, nesse sentido, dava minha contribuição, realizando meu trabalho, usando o instrumento que estava em minhas mãos. Com simples coronel no Palácio do Planalto, dispus de um poder aparentemente inofensivo, mas que poderia representar realmente um grande poder. Usei esse poder para reverter a situação psicológica, e foi uma experiência fascinante. Se não consegui grande coisa, tanto que não perdurou, pelo menos formei a convicção do que podem realizar os verdadeiros homens de comunicação se quiserem colocar seu trabalho a serviço da construção de um grande país.23

A rigor, percebe-se no depoimento de Octávio Costa a convicção da importância do papel da comunicação no campo das disputas políticas, o que reflete a preocupação com a produção, controle e determinação da imagem do regime, propriamente no que diz respeito à capacidade dessa em, por exemplo, tranqüilizar ou excitar a população, melhorando o que ele chamou de situação psicológica. Essa compreensão de uma arena política que se constitui pela disputa de uma imagem favorável e, por conseguinte, uma visibilidade positiva, norteou a atuação da assessoria de relações públicas do regime militar brasileiro, que a seu modo produziu propaganda política oficial, como visto.

“Contribuir para que o espírito nacional melhorasse”.24 Assim Octávio Costa definira sua missão como homem de comunicação do governo Médici. Dessa forma, para além de uma via institucional repressiva, da qual são representativos órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI), o Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), o sistema DOI/CODI (Departamento de Operações de Informação – Centro de Operação de Defesa Interna) e os DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) estaduais, a ditadura militar brasileira lançou mão daquilo que podemos chamar de uma via institucional cooptativa, a exemplo do seu sistema de relações públicas, no esforço de garantir a “paz social”, almejando legitimidade para o regime. É preciso considerar que a propaganda tem por princípio elementar a promoção. Assim, passar-se por despolitizada, desinteressada e educativa era uma estratégia retórica que escamoteava o que no fundo se objetivava. Dessa forma, o poder

23 Idem. p. 271.

(28)

que se materializou outrora no emprego da força vislumbrou, no campo do simbólico, uma outra possibilidade de se tornar efetivo.

Depreende-se com esse pequeno percurso – em que nos debruçamos sobre a criação e atuação da AERP – a importância atribuída à propaganda política. Auto promover-se, dize-se bem, foi uma estratégia operacionalizada pelo regime na medida em que se reconheceu a importância de se ter uma visibilidade pública favorável no interior do campo das disputas políticas, daí produzir propaganda oficial. Entretanto, a promoção e a produção de uma visibilidade pública favorável não se esgotam na atuação da agência de propaganda do regime. É preciso considerar que para além dos empreendimentos puramente governamentais, os meios de comunicação de massa constituem-se, dada a sua ampliada capacidade de penetração, em importantes veículos produtores de visibilidades desejadas. Desta forma, interessa-nos para os fins deste trabalho discutir essa outra dimensão da promoção política então realizada pelos meios de comunicação de massa 25.

1.2 Mídia e política – para além da propaganda oficial, os meios

de comunicação e a produção de visibilidades desejadas

Ocupar-se cada vez mais, na atividade política, com a produção e competição por uma percepção pública ótima é um traço marcante e crescente nas sociedades contemporâneas. Esse fenômeno é caracterizado por Wilson Gomes como “política de imagem”,26 cujos traços ajudam a compreender uma esfera de atuação da ditadura militar brasileira no que diz respeito propriamente a estratégias de atuação do regime, que passam fundamentalmente pelo uso do poder simbólico no exercício do poder político com vias ao

25 Como alerta John Tompson, comunicação de massa é uma expressão infeliz. Entretanto, se utilizada com

circunspecção tem importante valor explicativo. Dessa forma, comunicação de massa é entendida para os fins desse trabalho como “uma série de fenômenos que emergiram historicamente através do desenvolvimento de instituições que procuravam explorar novas oportunidades para reunir e registrar informações, para produzir e reproduzir formas simbólicas, e para transmitir informações e conteúdo simbólico para uma pluralidade de destinatários em troca de algum tipo de remuneração financeira”. THOMPSON, Jonh. A Mídia e a modernidade. p. 32. Meios de comunicação de massa, portanto, são entendidos como veículos que, a exemplo da televisão, do jornal, das revistas e do rádio, possuem ampliada capacidade de difusão e circulação, dirigindo-se e atingindo a grandes públicos.

(29)

cultivo e sustentação de legitimidade,27 de tal modo que em quadros em que se configuram experiências políticas não-democráticas, a exemplo do regime militar brasileiro, Gomes argumenta que “o cuidado com a imagem se explicava pelo fato de que apoio popular podia significar um suplemento de força, não raramente física, para a manutenção do exercício do poder por parte de um agente político”.28

Como definida por Gomes, essa política de imagem “indica a prática política naquilo que nela está voltada para a competição pela produção e controle de imagens públicas de personagens e instituições políticas”.29 Entretanto, reconhece o autor, a

preocupação com a imagem na arena das disputas políticas não é um fenômeno recente. Trata-se de uma prática que possui uma historicidade de longa duração. Desde a antiguidade são reconhecidos pela historiografia os usos e manejos políticos da imagem pública de diversos personagens históricos. Logo, esse não se constitui como um modo novo de se fazer política. Entretanto, o que garante contornos particulares a essa prática nas sociedades contemporâneas é a existência dos meios de comunicação de massa, que por sua vez redefinem a compreensão do acesso à informação e à própria formação de opinião acerca da atividade política e de seus atores, das instituições e dos mais diversos temas assumidos diante da população, então mediados e criados pelos mais diversos veículos, a exemplo da televisão, do jornal e da revista.

Dessa forma, nos últimos 50 anos, consolidou-se uma moderna indústria de comunicação de massa no Brasil, de modo que o desenvolvimento da mídia, aqui entendida como o conjunto de meios de comunicação, incluindo, indistintamente, diversos veículos e recursos técnicos, segundo John Thompson “é, em sentido fundamental, uma reelaboração do caráter simbólico da vida social, uma reorganização dos meios pelos quais a informação e o conteúdo simbólico são produzidos e intercambiados no mundo social em uma reestruturação dos meios pelos quais os indivíduos se relacionam entre si”.30 Esses mais variados veículos impõem-se como instrumento de mediação entre o mundo, por assim dizer, e os seus consumidores. Para Venício Lima, nas sociedades urbanas contemporâneas, “a construção do conhecimento público que possibilita, a cada um de seus membros, a tomada cotidiana de decisões nas diferentes esferas da atividade humana não

27 THOMPSON, J. B. O escândalo político: Poder e visibilidade na era da mídia. 28 GOMES, Wilson. op. cit., p.263.

29 Idem. p. 242.

(30)

seria possível sem ela”.31 De maneira mais ampla, trata-se de considerar que a mídia constitui-se como uma significativa instância produtora de narrativas articuladoras de sentido aos mais variados fenômenos da vida social. Para Luís Felipe Miguel, “ela revolucionou nossa percepção do mundo, em especial do mundo social e, dentro dele, da atividade política”.32 De tal maneira, opera-se uma nova configuração da atividade política baseada nessa tensa interconexão entre mídia e política.

É ponto comum entre os estudiosos do tema a compreensão de que mídia assume uma posição de centralidade no jogo político contemporâneo. Por centralidade entende-se a sua ampliada capacidade de intervenção na esfera política. Dessa forma, os meios de comunicação, baseados em “repertórios interpretativos culturalmente disponíveis”,33 embrenha-se na política e desenvolvem um papel importante no que diz respeito à produção de sentidos e visibilidades aos seus atores: governantes, instituições, regimes políticos. Para Miguel, essa posição de centralidade implica pensá-la como a “principal difusora do prestígio e do reconhecimento nas sociedades contemporâneas”.34 Assim, a formação de uma imagem pública,35 entendida como o conjunto de características que, reconhecidas publicamente, compõem um personagem, realiza-se observando elaborações mediatizadas nessa estreita vinculação entre a esfera da visibilidade pública com os meios de comunicação de massa.36 A esse respeito, Gomes compreende que “a imagem pública nos chega como nos chega o mundo: mediatizado pelo sistema institucional e expressivo da comunicação, instrumento predominante onde e por onde se realiza a visibilidade social”.37

Pierre Bourdieu, em um livro polêmico, dedicou-se a discutir o impacto produzido pela mídia no campo político. Fê-lo com o propósito de questionar o peso excessivo que os meios de comunicação de massa fazem sentir na formação de reputações políticas. Ele avalia que:

31 LIMA, Venício A. de. Mídia: Crise política e poder no Brasil. p. 55.

32 MIGUEL, Luis Felipe. Os meios de comunicação e a prática política. p. 155.

33 SPINK, M.P; MEDRADO, B; MELLO, R.P. Perigo, probabilidade e oportunidade: a linguagem dos riscos

na mídia.

34 MIGUEL, Luis Felipe. op. cit., p.162.

35 Wilson Gomes sugere o termo imagem pública pelo seu valor técnico, uma vez que se trata de um termo

que a rigor, não apresenta diferença significativa de expressões como “reputação”, “fama”, “nome” e outros termos correlacionados. Afirma ele que “pessoas e instituições, corporações e produtos dependem de uma boa reputação, de um bom nome, de uma boa fama, isto é, de uma imagem positiva. A vantagem do termo ‘imagem pública’ é simplesmente o seu técnico em nossa época: trata-se simplesmente da terminologia vencedora”. GOMES, Wilson. op. cit., p.256.

(31)

Os jornalistas – seria preciso dizer o campo jornalístico – devem sua importância no mundo social ao fato de que detêm um monopólio real sobre os instrumentos de produção e de difusão em grande escala da informação, e, através desses instrumentos, sobre o acesso dos simples cidadãos, mas também dos outros produtores culturais, cientistas, artistas, escritores, ao que se chama por vezes de “espaço público”, isto é, à grande difusão. [...] Embora ocupem uma posição inferior, dominada, nos campos de produção cultural, eles exercem uma forma raríssima de dominação: têm o poder sobre os meios de se exprimir publicamente, de ser reconhecido, de ter acesso à notoriedade pública (o que, para os políticos e para certos intelectuais, é um prêmio capital).38

Esse foi um trabalho polêmico por se tratar de um texto produzido com propósitos políticos muito claros, no que diz respeito ao esforço do seu autor de contribuir com a restauração da autonomia do campo político, representando, assim, uma obra de combate.39 Controvérsias à parte, lançando mão da categoria de campo que lhe é distintiva, Bourdieu corrobora com o entendimento anteriormente exposto – em termos de centralidade da mídia na arena das disputas políticas – na medida em que diagnostica a capacidade de intervenção dos meios de comunicação no campo político, sobretudo no que diz respeito à produção, por meio desses, de notoriedade pública para os políticos, uma vez que os jornalistas possuem condições de terem acesso permanente aos meios de produção de visibilidade pública. Nesse sentido, dissertando especificamente sobre o jornalista, Bourdieu, em seu livro O poder simbólico, refere-se a este como “detentor de um poder sobre os instrumentos de comunicação de massa que lhe dá um poder sobre toda a espécie de capital simbólico – o poder de ‘fazer ou desfazer reputações’, de que o caso Watergate deu uma medida”.40

No Brasil, o conjunto de condições que tornou possível a configuração de um sistema de comunicação que respondesse a consolidação desse processo de centralidade da mídia possui seus marcos temporais bem delimitados, sendo eles balizados inicialmente no começo dos anos de 1970. Venício Lima é preciso ao definir essa historicidade. Segundo ele,

38 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. A influência do jornalismo e os jogos olímpicos. p. 65-66. 39 MIGUEL, Luis Felipe. op. cit., p.157.

(32)

do ponto de vista político, o papel central da mídia, sobretudo da mídia eletrônica, em particular a televisão, foi inicialmente reconhecido pelo Estado militar durante o regime autoritário. Foram os militares e seus aliados civis que – por razões, em primeiro lugar, de segurança nacional, e de mercado, em segundo – criaram as condições de infra-estrutura física indispensáveis à consolidação de uma mídia nacional. E foram também eles que primeiro fizeram uso político dela, não só com o recurso à censura, mas sobretudo com o apoio ‘conquistado’ – explícito em muitos casos – das principais redes impressas e eletrônicas, algumas consolidadas durante o próprio regime militar.41

Octávio Costa relembra que, “quanto mais crescia a reação contra a Revolução, nas ruas e nos meios de comunicação, o ministro Lyra Tavares encontrou-se comigo e disse: ‘Octávio, você precisa escrever nos jornais. Alguém precisa expor nosso ponto de vista’”.42 “Expor nosso ponto de vista” não implica tanto nesse caso declarar o que se pensa, mas sim justificar o que se faz, de modo a creditar-se, imbuir-se de legitimidade. Trata-se de dizer-se de maneira positiva. Defendendo-se, contrapondo-se aos críticos, objetiva-se produzir uma imagem favorável. A produção de uma propaganda política oficial, como vimos a propósito da constituição e atuação da AERP, dirigida por Octávio Costa, representou a preocupação por parte do regime com a produção de sua imagem pública, e constituiu-se em um importante dispositivo nesse sentido. 43

Para além disso, entretanto, não podemos negligenciar o papel de alguns veículos de comunicação que, em consonância com o Estado militar, representaram um importante tablado por meio do qual o regime autoritário pode “expor ‘o seu’ ponto de vista”, sobretudo se compreendermos a emergência de uma cultura de consumo de massa no Brasil dos anos de 1970, associado a esse processo incipiente de centralidade da mídia imbricada ao jogo político. O deslocamento do foco da propaganda oficial para a mídia como meio de observação da prática política, no que diz respeito à produção de visibilidade desejada na busca por legitimidade, através da produção de imagens públicas

41 LIMA, Venício A. de. op. cit., p. 54-55.

42 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon & CASTRO; Celso (orgs). op. cit., p.264. 43 É importante destacar que o regime militar brasileiro serviu-se de diversos expedientes produtores de

(33)

favoráveis, representa o esforço aqui empreendido por percebermos o quão fértil é esse terreno para semearmos nossas indagações sobre mídia e política durante a ditadura militar no Brasil.

Trata-se assim de discutir, para além da propaganda oficial, uma outra dimensão da propaganda política, aquela produzida na e pela mídia. Entendendo que os meios de comunicação ocupam papel de destaque na percepção pública da política e da sociedade, concatenado à perspectiva anteriormente apresentada (da mídia ocupando uma posição de centralidade na arena política contemporânea), interessa-nos, então, discutir como durante a ditadura militar brasileira alguns veículos de comunicação constituíram-se como importantes meios, embora não-oficiais, de promoção do regime, sobretudo se considerarmos que o Estado autoritário apresentou uma relação muito conflituosa com a produção e manutenção da propaganda política produzida institucionalmente, como observamos acerca da AERP.

Esse alinhamento entre o regime e alguns meios de comunicação de massa, que aqui nos interessa particularmente em sua manifestação enquanto imprensa, em sua função de comunicação informativa a exemplo do jornalismo, realiza-se observando questões de ordem econômica e/ ou ideológica, podendo ser explicitado diretamente nos veículos, por exemplo, através de seus editoriais, como também (e uma não exclui a outra) manifesta-se de maneira a selecionar, salientar e omitir em suas formas de apresentação (reportagens, entrevistas, charges) as ações do regime. De maneira geral, ao produzir discursos sobre questões que envolvem processos políticos, a mídia age de maneira enviesada, orientada por diversos interesses concorrentes e pressões presentes na sociedade. De tal modo que esses discursos por eles veiculados, discurso aqui entendido como qualquer mecanismo de transmissão de conteúdo simbólico, no caso discurso midiático, não esgotam a pluralidade das perspectivas e interesses concorrentes na sociedade.44 Essa característica da produção midiática está presente nas democracias, e é catalisada em regimes autoritários, sobretudo, como é o caso do regime brasileiro, em função do advento da prática da censura como meio institucional de controle dos conteúdos variados a serem veiculados nos meios de comunicação, como também outras formas de intervenção direta nesses meios que implicam até na da proibição de sua circulação ou divulgação.

Há ainda que se considerar, já em meados do século XVIII, a existência de assessorias de imprensa governamentais que se prestavam a divulgar informações aos

(34)

jornais45. A esse respeito, durante o governo Médici, registra Rampazzo que: “em todos os ministérios – e na própria presidência – foram colocados homens de relações públicas, aos quais estavam subordinado o trabalho de informações à imprensa”.46 Sugere-se, dessa forma, que muitas das fontes com as quais os jornalistas trabalhavam eram fontes oficiais, ou seja, é o próprio governo municiando a imprensa de informações sobre a política, idéia essa que reforça a compreensão de que “as fontes oficiais do governo, em especial, tendem a predominar no processo de produção das notícias”.47

Esse enviesamento a que nos referimos caracteriza a produção midiática no momento da transmissão da sua perspectiva do cenário político, e da-se de modo a enfatizar certas clivagens sociais em detrimento de outras. Realiza-se observando: seleção, saliência e silêncio dos temas abordados pelos veículos produtores de notícias. Entretanto, isso não implica necessariamente qualificar essas noções em termos de uma intenção deliberada do jornalista com o propósito de maquinar, deturpar ou manipular a produção da notícia. Do ponto de vista operacional, a noção de “enquadramento” nos ajuda a pensarmos essas questões, percebendo inclusive de que forma os meios de comunicação, cumprindo sua função articuladora de sentido, atuaram em deferência ao regime militar, produzindo discursos a esse favorável.

Para discutirmos o conceito de “enquadramento”, faremos uso das reflexões de Mauro Porto, valendo-nos mais especificamente do seu trabalho intitulado “Enquadramentos da mídia e política”.48 Segundo o autor, pesquisas em que é problematizado o papel dos meios de comunicação em processos políticos (um enfoque relativamente recente, fundamentado nesse conceito de “enquadramento”), tem alcançado importantes níveis de proeminência e popularidade. Trata-se de um conceito ainda em configuração, constantemente rediscutido no esforço de uma definição mais adequada às demandas crescentes das pesquisas. Entretanto, o autor justifica que a sua operacionalização tem feito notar sua constituição como um instrumental teórico que oferece uma nova perspectiva sobre a relação entre mídia e política, oferecendo uma sólida alternativa às lacunas conceituais existentes.

45 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da

sociedade burguesa. p. 36.

46 RAMPAZZO, Gilnei. op. cit., p.8.

(35)

Na confluência entre os estudos de comunicação política e da ciência política, enquadramento foi um conceito apresentado como alternativa ao que Porto chama de “paradigma da objetividade”. Esse paradigma caracteriza-se, de modo geral, por localizar suas críticas à falta de objetividade ou a imparcialidade da mídia na produção de suas mensagens sobre a política. É uma tradição que perde em potencial explicativo, pois parte de um pressuposto frágil, que admite a possibilidade da comunicação objetiva, imparcial, de modo que o contraponto, ou seja, a comunicação que não é realizada observando critério de objetividade, é entendida como distorcida, sendo com isso considerada parcial. Entendem que isso implica incorrer em manipulação, maquinação, deturpação da notícia. Porto, ao discutir a insuficiência deste enfoque tradicional para o estudo das relações entre mídia e política, destaca as contribuições significativas que foram dadas por Robert Hackett no início dos anos de 1980. Apontando na direção da apresentação do enquadramento como alternativa, Hackett propõe a noção mais ampliada de “orientação estruturada” em substituição à de “parcialidade”. Trata-se de uma noção que não exclui questões como favorecimento e/ ou distorção, mas procura entender que a determinação que estrutura o relato noticioso responde a um conjunto variado de orientações, em um jogo complexo de interesses e relações sistemáticas. Somado a isso, Hackett argumenta ser preciso considerar que a produção da notícia pela mídia muitas vezes se dá no interior de uma matriz ideológica limitada, de modo a ser realizada a partir de um conjunto de regras e conceitos, uma “estrutura profunda” que, como explica Porto, “são ativados pelos jornalistas, nem sempre de forma consciente e sem necessariamente existir uma intenção deliberada de iludir ou manipular”.49

Dessa forma, embora não exista consenso sobre uma definição mais rigorosa do conceito de enquadramento, Porto argumenta que alguns aspectos principais podem ser destacados a partir da experiência do uso sistemático do conceito em pesquisas abordando os mais diversos temas, no esforço mesmo de uma definição mais rigorosa e consistente. Nesse sentido, destaca duas das mais relevantes definições que, não excludentes, resumem os principais aspectos do conceito e que orientarão nossa apropriação do mesmo.

A primeira definição, amplamente citada, foi elaborada por Todd Gitlin, no início dos anos de 1980, para quem

(36)

Os enquadramentos da mídia [...] organizam o mundo tanto para os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também, em um grau importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramento da mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira.50

Na definição acima, gostaríamos de ressaltar a compreensão dos enquadramentos da mídia como instâncias articuladoras de sentido que, de maneira a circunscrever eventos empíricos específicos, cumprem a função de dotar de inteligibilidade os mesmos. São marcos interpretativos que permitem às pessoas e aos próprios jornalistas darem sentido aos eventos sociais focados, de modo a ser produzida uma determinada interpretação. Trata-se mesmo de definir sob que ângulo o evento será observado, dentre as inúmeras perspectivas possíveis.

A segunda definição, apresentada em 1994 por Robert Entman, é produto de uma revisão sistemática dos usos do conceito em diversas pesquisas. Segundo ele,

O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito.51

A propósito da definição de Entman, a atribuição de sentido realizada pelo enquadramento da mídia, anteriormente mencionada, se realiza observando práticas específicas de seleção, ênfase e exclusão. Dessa forma, os enquadramentos são definidos por aquilo que omitem e por aquilo que incluem quando compõem um esquema narrativo que possibilita interpretar os eventos. Nessa direção, Luiz Gonzaga Motta argumenta que a imprensa “seleciona, tipifica, descontextualiza e recontextualiza, estrutura e referencia o

(37)

real”.52 Por sua capacidade de definir e construir realidade, os enquadramentos constituem-se como importantes instrumentos de poder. 53

Sendo que parte considerável de nossa política contemporânea se dá pela disputa da produção de uma visibilidade favorável, por meio da produção e imposição de uma imagem pública positiva, cabe sobretudo aos meios de comunicação de massa, como vimos a propósito do processo de centralidade da mídia, um papel privilegiado na produção, veiculação e repercussão dessas imagens. Concatenado a isso, o regime militar brasileiro foi amplamente amparado por esse importante dispositivo de promoção, cuja capacidade de repercussão, de abrangência e de difusão de informações jamais existiu com tamanha intensidade. No interior desse debate, o conceito de enquadramento da mídia surge-nos como um instrumento conceitual muito oportuno por nos permitir perceber como imagens públicas do regime são produzidas pelos meios de comunicação, o que se dá observando certos enquadramentos, explorando certos aspectos em detrimento de outros. De maneira geral, entendemos a produção de uma visibilidade favorável como uma preocupação do regime militar, tendo na mídia, para além da propaganda institucional, um importante veículo de produção e veiculação dessa visibilidade, de modo que o conceito de enquadramento representa para nós, pesquisadores, um mecanismo importante para se discutir como as repercussões do regime na mídia podem indicar a congregação entre eles.

1.3 As revistas – classificação formal, caracterização, mercado

editorial

Com o propósito de elucidar como essa relação se deu durante o regime militar brasileiro, decidimos abordar um acontecimento específico e sua repercussão em um meio de comunicação de massa específico. Trata-se, para os fins deste trabalho, de problematizarmos as construções discursivas a propósito da construção da rodovia Transamazônica, que anunciada sua construção em junho de 1970, pelo então presidente Médici, teve divulgação em forma de crônicas, discursos oficiais, publicidade e reportagens, amplamente realizada nas páginas de duas das principais revistas de circulação nacional do período: O Cruzeiro e Manchete. Essa cobertura jornalística

(38)

produziu regularmente notícias sobre a construção da estrada desde o seu anúncio, como projeto, à sua conclusão, em 1974, com a liberação para o tráfego do último trecho licitado. Com o problema de estudo assim circunscrito, o conceito de enquadramento da mídia vai nos permitir ressaltar a clara ressonância entre uma expectativa do governo e o cenário construído pela mídia, como discutiremos no terceiro capítulo deste trabalho. Entretanto, balizados por essa discussão a respeito dos meios de comunicação que fornece o fio condutor deste capítulo, interessa-nos agora verticalizar o nosso debate propriamente no que diz respeito a essa mídia específica, que são as revistas O Cruzeiro e Manchete. Entendidas como importantes meios de comunicação de massa, essas revistas fazem parte da grande imprensa do período. Maria Aparecida Aquino, ao discutir a questão da censura aos jornais ocorrida durante a ditadura, qualifica essa grande imprensa, como

Os órgãos de divulgação cuja veiculação pode ser diária, semanal ou mesmo que atuem em outra periodicidade, mas cuja dimensão, em termos empresariais, atinja uma estrutura que implique na dependência de um alto financiamento publicitário para a sua sobrevivência. A grande imprensa [...] não se permite viver somente com a venda em bancas ou com as assinaturas, dado que costuma atingir um grande estado da federação ou, na maior parte das vezes, a quase totalidade do país. A diferença, portanto, entre uma imprensa convencional de pequeno porte, de médio e de grande porte está no tamanho do empreendimento e na divulgação que possui. A grande imprensa conta com esquemas de distribuição nacional e mesmo, às vezes, com uma veiculação que abrange algumas praças internacionalmente.54

Feita essa definição, apresentaremos alguns atributos gerais dessas publicações nos anos 1970, de modo que iniciaremos propriamente pelo que diz respeito à sua caracterização no interior do mercado editorial brasileiro. Na apresentação de um panorama geral, valer-nos-emos das reflexões de Muniz Sodré. De sua autoria, foi publicado em 1972, A comunicação do grotesco, um livro em que o autor discute a formação de uma cultura de massa no Brasil avaliando o papel das revistas na composição desse quadro nos anos de 1970. 55 Para o Sodré, as características econômicas que formam o mercado da indústria de revistas no Brasil respondem, de modo geral, a quatro

54 AQUINO, Maria Aparecida. Censura,Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978), o exercício cotidiano da

dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. p. 37.

Referências

Documentos relacionados

Dessa forma, diante das questões apontadas no segundo capítulo, com os entraves enfrentados pela Gerência de Pós-compra da UFJF, como a falta de aplicação de

Os gerentes precisam decidir se atribuirão apenas os custos privados, ou se todos os custos sejam atribuídos (custo total). Depois, precisam decidir usar uma abordagem por função

patula inibe a multiplicação do DENV-3 nas células, (Figura 4), além disso, nas análises microscópicas não foi observado efeito citotóxico do extrato sobre as

A relação com os movimentos sociais camponeses demonstra, entre outros aspectos, as seguintes características do Curso: a relação direta estabelecida com a

Janaína Oliveira, que esteve presente em Ouagadougou nas últimas três edições do FESPACO (2011, 2013, 2015) e participou de todos os fóruns de debate promovidos

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de espécies de Myrtaceae, com dados de anatomia e desenvolvimento floral, para fins taxonômicos, filogenéticos e

Além disso, esse indicador pode ser desdobrado com a apuração dos custos comprometidos de cada empreendimento (CTE – FTE), tendo assim o gestor a informação de

5.1) O Auto de Arrematação será expedido em 3 (três) vias originais e será assinado pelo leiloeiro oficial, pelo arrematante e pelo Juiz Federal que presidir o certame. A primeira