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Arquitectura na (re) construção da paisagem: Natureza, Lugar, Cultura, Memória e Projecto em dois casos de estudo.

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1 Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura apresentada à

Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto Orientação:

José Alberto Abreu Lage Rui Manuel Lima Pinto

ARQUITETURA NA (RE)CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM:

natureza, lugar, cultura, memória e projeto em dois casos de estudo Cláudia Marina de Amaral Fialho

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AGRADECIMENTOS

Aos meus orientadores, os Professores Alberto Lage e Rui Pinto, pelo tempo disponibilizado e apoio.

À minha família e amigos. Aos meus pais, por tudo.

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4

RESUMO

A paisagem é o resultado de uma construção longa. O homem procurou perceber a natureza, mas como não a compreendia e receava o caos do mundo natural, organizou-o e ordenou-o. Desta transformação ao longo da história, relacionada com as circunstâncias e com as necessidades e atividades do homem, surgiram paisagens representativas da cultura e identidade humanas. Porque esta construção acompanha a evolução e ideologias do homem algumas paisagens foram alteradas e substituídas até ao presente.

Projetar para a paisagem atual requer uma análise aprofundada. A nova arquitetura deve dialogar com os vários elementos que conciliam a paisagem: a natureza, o lugar, a cultura e a memória. Um projeto arquitetónico para a paisagem procura: uma relação com o “todo” e com a proximidade; uma construção contínua com o espaço e o tempo; a integração na atmosfera; o significado da obra no contexto, ou seja, a relação com o homem daquela paisagem. Esta arquitetura é pensada em consideração com os elementos de valor histórico, mas não nega a inovação da nova arquitetura na longa história da paisagem.

A paisagem rural e a paisagem urbana, apesar de opostos, requerem os mesmos príncipios de análise. Em lugares únicos, como a paisagem rural da ilha do Pico ou o centro histórico do Porto, a construção de um projeto recuperou uma memória perdida e continuou um ciclo da paisagem.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura, paisagem, cultura, memória, urbano, rural e projeto.

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5

ABSTRACT

The landscape is the result of a long construction. The man tryed to understand nature, but as he could not understand it and was afraid of natural world’s chaos, organised it and ordered it. From this transformation throughout history, related with its circumstances and with man’s needs and activities, appeared representive landscapes of human’s culture and identity. Because this construction follows man’s evolution and ideologies some landscapes were changed and replaced until the present day.

To project for the current landscape requires a detailed analysis. The new architecture must engage with the multiple elements that conciliate the landscape: nature, place, culture and memory. An architectural project to the landscape looks for: a relationship with the "whole" and with the proximity; a continuous construction with space and time; integration in the atmosphere; the meaning of the work in context, that is, the relationship with that landscape’s man. This architecture is thought in consideration with the elements of historical value, but does not deny the inovation of new architecture in the long history of the landscape.

The rural landscape and the urban landscape, despite opposites, require the same principles of analysis. In unique places, like the rural landscape of Pico island or the historic center of Porto, the construction of a project recovered a lost memory and continued a cycle of the landscape.

KEY-WORDS:

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6

SUMÁRIO

Resumo | Abstract 4

I

NTRODUÇÃO 9

PAISAGEM

Questões iniciais sobre a paisagem 15

1.1 Origem e representação da paisagem 19

1.1.1 Intemporalidade: valor irrenunciável da paisagem 23

1.1.2 Homem e lugar. Perceção e vivência 24

1.1.3 O homem como parte integrante da natureza 27

1.2 Paisagem cultural 31

1.2.1 Chegar, entrar e ficar na paisagem 35

1.2.2 Património como instrumento de proteção da identidade da paisagem 37

1.3 Conclusão 43

ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA

NA(RE)CONSTRUÇÃO DO LUGAR

2.1 O arquiteto na aproximação à paisagem 47

2.1.1 Preservar ou inovar? 51

2.1.2 Monumentalidade, regionalismo e o problema do edifício ícone 53

2.2 Ferramentas para a organização da paisagem 57

2.2.1 Regionalismo crítico: uma arquitetura do momento, do lugar e da paisagem 62

2.2.1.1 No diálogo com a natureza 65

2.2.1.2 No diálogo com a cidade 71

2.2.1.3 No diálogo com o campo 75

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7

(RE)CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM

CASOS DE ESTUDO: PAISAGEM, ARQUITETO E OBRA

3.1 Paisagem densa: Casa dos Vinte e Quatro 83

3.1.1 Centro histórico do Porto 85

3.1.2 Fernando Távora: contemporaneidade e tradição 91

3.1.3 Casa dos Vinte e Quatro: um ponto e vírgula na paisagem 97

Levantamento fotográfico 106

3.2 Paisagem vazia: Centro de Visitantes da Gruta das Torres 109

3.2.1 Património e paisagem rural da ilha do Pico 111

3.2.2 Inês Vieira da Silva e Miguel Vieira: arquitetos do lugar 115 3.2.3 Centro de Visitantes da Gruta das Torres: proteção, mimetismo e memória 119

Levantamento fotográfico 124

3.3 Conclusão 127

C

ONSIDERAÇÕES FINAIS 128

Anexos 131

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9

INTRODUÇÃO

A presente dissertação pertende perceber a relação entre paisagem e arquitetura. Esta abordagem não considerará a paisagem natural, mas antes uma paisagem construída pelo homem; analisar esta construção humana não passará apenas por focar no conjunto espacial, como também pela análise da possível relação psíquica entre o homem e o espaço próprio.

Procurar esclarecer o conceito paisagem. Hoje quase não existem espaços naturais, de alguma forma o homem passou por lá e deixou um “rasto”. Por isso, não é coerente falar em “paisagens naturais” e arquitetura, porque se o homem geometrizou um lugar, este já não se encontra no estado “original”; apesar da presença do construído, não deixam de existir elementos que pertencem à natureza e que são impossíveis ao homem de reproduzir; a relação entre a arquitetura e a natureza é irrenunciável. Perceber se esta construção é de alguma forma a consequência de uma condição da natureza ou se existe uma ligação simbólica com o mundo natural; o significado de natureza para o homem e a necessidade em perceber o seu redor.

Perceber a partir de que momento surgiu o interesse pelo tema da paisagem e entender se a construção do espaço é apenas um movimento artificial ou “natural”; e se paisagem é apenas a área alcançável à vista ou se é definível por outros critérios. Compreender que características compõem uma paisagem, a sua transformação, que tipos de paisagem existem e que valores representam.

A análise do conceito “paisagem” e da evolução da paisagem será o ponto de partida para perceber que relação deve estabeler a arquitetura contemporânea com o meio em que se insere. O objeto de estudo é a inserção da arquitetura contemporânea numa paisagem de valor identitário e, para esse propósito, compreender a relação da arquitetura com a (re)construção de uma paisagem determinada; e porquê “(re)contruir” a paisagem? A utilização deste termo em vez de apenas “construção” implica que possivelmente existem paisagens que sofreram uma transformação desiquilibrada. Por isso, analisar a arquitetura como uma ferramenta de construção

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10

continuada e corretiva da paisagem é um dos objetivos da dissertação. Perceber: de que forma o arquiteto (quando evocado) deve abordar o lugar de intervenção e o que deve procurar para projetar uma arquitetura de integração com uma paisagem; que características devem fazer ressaltar para que o novo projeto estabeleça uma relação com a natureza, o lugar, a cultura e a memória dessa paisagem.

Assim como a análise dos casos de estudo, também a dissertação será estruturada em três capítulos. O primeiro será uma abordagem teórica ao tema da paisagem; de uma forma global, através de textos de Paolo Portoghesi e Christian Norberg-Shulz e Georg Simmel, analisar a relação do homem com a natureza para compreender que analogias existiam entre o contruído e o mundo natural. Numa primeria fase, definir a origem do termo, a representação da paisagem nas artes e na afirmação de conceitos políticos e de nacionalidade. Depois, procurar a importância da perceção e das vivências humanas na estruturação de uma paisagem representativa de uma cultura e as necessárias características que a transformam numa paisagem identitária. Através da definição de património, perceber se esta ferramenta ajuda à proteção dos elementos do passado que são significaticos ou se é um meio que impede o progresso do homem.

Considerando que a paisagem é uma responsabilidade coletiva, no segundo capítulo será desenvolvido o que deverá ser o percurso do arquiteto quando tem de projetar para uma paisagem que resulta de uma transformação lenta. Confrontar preservação com inovação; a relação do novo com o antigo. Perceber se a arquitetura de exceção se integra na paisagem através de um confronto entre o edifío-ícone, a monumentalidade e o regionalismo. Analisar as características que não devem ser ignoradas pelo projetista e de que forma a paisagem pode ser um grande argumento para o conceito da obra. Para exemplificar, é essencial recorrer a projetos de arquitetura que procuram dialogar com a paisagem. Para isso, os exemplos serão divididos em três diálogos: com o natural, com a cidade e com o campo; e servirão para perceber se a arquitetura procura continuar a construção e manter a atmosfera paisagística ou se, de alguma forma, revê a circunstância da obra e procura reconstruir a paisagem.

No terceiro capítulo, os dois casos de estudo representarão uma abordagem mais aprofundada do projeto arquitetónico como uma atitude perante a paisagem: face a uma paisagem densa e a uma paisagem vazia. A paisagem humanizada pode

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dividir-11 se em duas categorias: a paisagem rural e a urbana. Por isso, para compreender a relação entre a arquitetura contemporânea e uma paisagem identitária, o estudo passará por dois casos de estudo que integram as duas categorias, no contexto português. A análise será feita numa sequência de três partes: paisagem; arquiteto; projeto. A primeira parte servirá para caracterizar a paisagem atual e para isso será necessário analisar os principais momentos da história que a conduziram ao presente estado. Perceber que características transformam essa paisagem num lugar de valores físicos e históricos identitários e únicos. Depois, perceber a metodologia dos arquitetos e como o percurso profissional os conduziu ao projeto em estudo. A última parte servirá para analisar o projeto na relação com a paisagem. A análise deverá ter em conta a relação do projeto com: a menor ou maior presença de elementos da natureza; o lugar, ou seja, com a proximidade do projeto; a cultura e as atividades do homem; a memória coletiva de um passado perdido.

A Casa dos Vinte e Quatro do arquiteto Fernando Távora é o projeto escolhido para estudar a inserção na paisagem urbana; o centro histórico do Porto é sem dúvida uma paisagem única e identitária, mas que precisava (e precisa) de uma revisão. Para a paisagem rural será analisado o projeto dos SAMI-arquitetos, o Centro de Visitantes da Gruta das Torres; a relação com o natural e a paisagem rural insular é uma condição vigorosa do enquadramento. Outro dos objetivos da dissertação será perceber se existem divergências ou paralelismos entre um projeto construído num conjunto compacto e outro numa paisagem díspar, e responder ao problema sobre o papel da arquitetura na (re)construção da paisagem.

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14

“Paisagem e Arquitetura completam-se. Fundem-se, são uma e a mesma coisa. O topus integra-se no locus.”

Aurora Carapinha,

“Paisagem – Vínculo Relacional”, Inquérito à Arquitectura do século XX em Portugal: IAPXX. ed. João Afonso, Ordem dos Arquitectos, Lisboa, 2006.

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15

QUESTÕES INICIAIS SOBRE A PAISAGEM

O que é a paisagem? É do senso comum a associação entre o termo paisagem com o estado “puro” da natureza, mas esta ligação não é correta, porque a realidade atual é o resultado de uma evolução de milhões de anos e da relação entre a natureza e o homem. O conceito paisagem pode ser utilizado com variadas conotações e em diversos campos disciplinares. A questão “o que é a paisagem?” torna-se difusa, por isso, para abordar este conceito a pergunta deve ser: “quem fala […] da paisagem, como e porquê?”.1

"Uma porção de natureza", é propriamente dita, uma contradição interna; a natureza não tem porções, ela é a unidade de um todo, e no instante em que se lhe retira qualquer coisa esta deixa pura e simplesmente de ser natureza, precisamente porque só pode ser "natureza" no seio dessa unidade sem limites, como vaga desse fluir global.2

Na natureza não existem partes. A divisão da natureza é um ato visual do homem, que surge da necessidade própria em perceber e simplificar a natureza. Desta “reorganização”, surge a paisagem.3

O desenvolvimento da inteligência deu ao homem a capacidade de transformar o meio ambiente e, a dificuldade em viver com o que “existia”, levou o homem a geometrizar a sua própria “natureza”. “La conexión de estas dos palabras (Naturaleza

y arquitectura) evoca una línea de pensiamento, una tradición en la historia de la arquitectura”.4 É possível que a arquitetura das primeiras civilizações fosse baseada

1

Álvaro Domingues, “A paisagem revisitada”, Revista Finisterra, vol. XXXVI, 72, Centro de Estudos Geográficos, 2001, p. 4.

2

Georg Simmel, “A Filosofia da Paisagem”, Filosofia da Paisagem. Uma Antologia. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011, p.42

3

Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, Tradução de Artur Morão, col. Textos Clássicos de Filosofia, Lusosofia, Covilhã, 2009, p.7, “A natureza, que no seu ser e no seu sentido profundos nada sabe da individualidade, graças ao olhar humano que a divide e das partes constitui unidades particulares, é reorganizada para ser a individualidade espectiva que apelidamos de ‘paisagem’.”

4

Juan Maria Songel González in Arquitectura y naturaleza: arquetipos y semejanzas. Ediciones Generales de la Construccion, Valencia, 2004, p.6, Tradução livre da autora: “A relação destas duas palavras (Natureza e arquitetura) evoca uma linha de pensamento, uma tradição na história da arquitetura”.

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16

nos elementos naturais. Para Georg Simmel, a arquitetura religiosa do homem primitivo transparecia a sensibilidade pela natureza, imitando-a simbolicamente.

The architecture of early civilizations may therefore be interpreted as a concretization of the understanding of nature, described above in terms of things, order, character, light and time. The processes involved in “translating” these meanings into man-made forms have already been defined as “visualization”, “complementation” and “symbolization”, whereas “gathering” serves the somewhat different purpose of making the man-made place become a microcosmos. In general we may say that man “builds” his world.5

The symbol is an excellent concept to help us understand the specific relationship between architecture and nature. […] In fact, architectural imitation is actually only partial imitation and does not involve the outward appearance of objects. However, it is an imitation that tends to assimilate the object’s transcending elements, its possible use in satisfying man’s needs and desires as well as its capacity for symbolism.6

A construção da própria “natureza” levou o homem a estabelecer uma relação entre o artifícial e o natural. Para Paolo Portoghesi, o homem não imitava a aparência da natureza, mas o valor transcendente dos elementos naturais. Deste simbolismo, retirou características que satisfizessem as próprias necessidades; através da memória e num gesto abstrato, o homem relacionou o mundo das formas com as formas da geometria. Para exemplificar, podemos analisar o exemplo da casa: “The house

origins lie in the tree, the cave and the nests of birds, but it also relates to the archetype of prenatal life in the womb”;7 o homem não copiou a forma destes elementos para construir a casa, mas aplicou o simbolismo na sua construção.

5 Christian Norberg-Shulz, Genius Loci: towards a phenomenology of architecture, Rizzoli, New York, 1980. pp.50-51, Tradução livre da autora: “A arquitetura de antigas civilizações pode ser interpretada como uma concretização do entendimento da natureza, descrito acima em termos de coisas, ordem, carácter, luz e tempo. Os processos envolvidos em ‘traduzir’ esses significados em formas artificiais já foram definidos como ‘visualização’, ‘complementação’ e ‘simbolização’, enquanto ‘reunião’ serve uma diferente finalidade de tornar o lugar criado pelo homem se tornar um microcosmos. Em geral, podemos dizer que o homem ‘constrói’ o seu mundo.”

6

Paolo Portoghesi, Nature and Architecture, Tradução de Erika G. Young, Skira, Milano, 2000.p.11, Tradução livre da autora: “O símbolo é um excelente conceito para nos ajudar a entender a relação específica entre arquitetura e natureza. [...] De facto, a imitação arquitetónica é na realidade apenas imitação parcial e não envolve a aparência dos objetos. No entanto, é uma imitação que tende a assimilar elementos transcendentes do objeto, o seu possível uso em satisfazer as necessidades e desejos do homem, bem como a sua capacidade de simbolismo.”

7 Idem, p.14, Tradução livre da autora: “As origens da casa encontram-se na árvore, na caverna e nos ninhos dos pássaros, mas também se relaciona com o arquétipo da vida pré-natal no útero”.

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17

The man-made environment where he lives is not a mere practical tool or the result of arbitrary happenings; it has structure and embodies meanings. These meanings and structures are reflections of man’s understanding of the natural environment and his existential situation in general.8

A imperativa relação do homem com a natureza fê-lo reconhecer que era necessário perceber a sua estrutura, mas como não a compreendeu, teve de estruturar uma nova realidade. Com a agricultura transformou os terrenos e com o jardim tentou trazer o Paraíso (a natureza “ideal”) à terra. “On the urban level the Romans visualized

the cosmic order by means of two main streets crossing each other at a right angle;”9

de norte para sul o cardo e de nascente para poente o decumanus. Tal como os Romanos, os egípcios tentaram estabelecer uma ligação entre a ordem cósmica e o

espaço natural: o desenho ortogonal do espaço era organizado segundo a direção solar

este-oeste e no sentido norte-sul do rio Nilo. A relação entre a natureza e o cosmos surge na procura humana pela ordem.10 Na arquitetura grega, existe a atribuição de identidades diferentes aos diversos espaços, dedicados a deuses específicos; por exemplo, os lugares comunitários (polis) eram dedicados a Atenas e os lugares onde o homem utilizou a inteligência para controlar as “forças da terra” foram dedicados a Apolo. “Al estar concebidos en términos antropomórficos, los dioses también

representaban caracteres humanos y por ello constituían un puente entre el hombre ya la naturaleza.”11

O medo do desconhecido do mundo natural fez com que o homem construísse uma “natureza” artificial, para ganhar algum controlo sobre o espaço próprio.

8

Christian Norberg-Shulz, op.cit., p.50. Tradução livre da autora: “O ambiente feito pela mão do homem e onde ele vive, não é um mero instrumento prático ou o resultado de acontecimentos arbitrários; estes significados e estruturas são reflexo da compreensão do ambiente natural do homem e da sua situação existencial em geral.”

9

Id., ibid, p.52, Tradução livre da autora: “Ao nível urbano, os Romanos visualizaram a ordem cósmica através de duas ruas principais que se cruzam em ângulo reto”.

10 Idem, “The quest for order, however, above all becomes manifest through the ‘building’ of one of the

cosmic orders mentioned in connection with natural place.”

11

Christian Norberg-Shulz, Los Principios de la Arquitectura Moderna: Sobre la Nueva Tradición del

Siglo XX, Reverté, Barcelona, 2005p.213, Tradução livre da autora: “Ao estar concebido em termos

antropomórficos, os deuses também representavam personagens humanas e, portanto, constituíam uma ponte entre o homem e a natureza.”

(18)
(19)

19

1.1

ORIGEM DO CONCEITO E REPRESENTAÇÃO DA PAISAGEM

“A passagem da Natureza (primordial) à produção de Paisagem é um processo de humanização que incorpora um movimento de intemporalidade à temporalidade, do sagrado ao humano, do natural ao cultural.”12

Paisagem tem origem no latim pagus (campo ou território cultivado) e foi utilizada pela primeira vez por Jean Molinet em 1493, quando se referia a “quadro representando região” (ROGER, 1997: 65).13 O termo era utilizado para falar sobre a pintura de um enquadramento geográfico e só mais tarde, no século XVIII é que o termo serve para identificar “a fisionomia de uma determinada área geográfica”14. Em 1690, o dicionário de Furetière definia paisagem como o território alcançável pela vista humana, composto por características próprias da região.15 Mas o conceito paisagem só ganha significado muito mais tarde, depois da Antiguidade e da Idade Média, épocas em que “o próprio objecto ainda não existia nessa decisão psíquica e nessa transformação autónoma, cujo provento final confirmou e, por assim dizer, capitalizou em seguida o aparecimento da paisagem em pintura”16.

O desenvolvimento do conceito paisagem compõe-se em três grandes blocos: o primeiro, tendo como base a representação de uma região nas artes, com destaque para a pintura, onde o essencial era o alcance do olhar sobre o território; o segundo, os elementos geográficos concretos de uma região; e por último, “a criação do homem urbanizado do norte da Europa”17

, segundo Alexander Humboldt,18 ou seja, a paisagem humanizada.

A representação da paisagem através da pintura surge a partir do Renascimento, época em que a arte tentava aproximar-se à realidade. [fig. 1] Mas o realismo de uma obra de arte “congela” o lugar e é visto de um ponto de vista particular: o do artista.

12Rosário Salema, “Quanto (de) tempo tem uma paisagem?”, Jornal dos arquitetos, 229, Ordem dos Arquitectos, Portugal, 2007, p.18.

13

Ap. Teresa Alves, “Paisagem – em Busca do Lugar Perdido”, Revista Finisterra, vol. XXXVI, 72, Centro de Estudos Geográficos, 2001, p.67

14

Fernando Pau-Preto, O Património Cultural no Planeamento e no Desenvolvimento do Território: os

Planos de Ordenamento de Parques Arqueológicos, Lugar do Plano, Aveiro, 2008, p.55.

15

Teresa Alves, passim “Paisagem - Em Busca do Lugar Perdido”. 16

Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, p.7. 17

Ap. Teresa Alves, “Paisagem – em Busca do Lugar Perdido”, Finisterra, XXXVI, p.67

18 Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769-1859), geógrafo, naturalista e explorador alemão, que iniciou a teoria científica da biogeografia.

(20)

20 FIG.1

“A Tempestade” (1508) do pintor renascentista Giorgione FIG.2

“A Liberdade Guiando o Povo” de Eugène Delacroix

(21)

21 Segundo Julian Thomas19, ao analisar o ponto de vista de Denis Cosgrove20 numa das suas obras, a representação da paisagem em arte é algo ilusório e ideológico, o ponto de vista de uma obra é redutor do significado e identidade de um lugar.

Distance and position construct a particular impression of the world, but are at the same time denied and the view is taken as universal, taking everything. Because landscape art presents the world from the point of view of the outsider, that which is inside the frame takes on the passive role of object, represented, manipulated and alienated, denied any agency of its own.21

Na pintura, o desenvolvimento da perspetiva linear desponta a arte da paisagem, era o fascínio da representação tridimensional numa arte bidimensional, que tentava transmitir a verdade de um lugar. A perspetiva trouxe à arte uma nova forma de representar o relacionamento entre as partes, o concreto e o subjetivo de uma paisagem, mas continuando a priveligiar a visão aos outros sentidos. Na pintura apenas temos acesso ao ponto de vista de alguém exterior à paisagem e não o de alguém que a vive. A pintura transforma o indivíduo que vive o lugar, num objeto do quadro. Mas a pintura de paisagem sofre uma evolução e deixa de ser apenas representação do real, para também ser uma expressão por vezes abstrata de uma reflexão ou inquietação do artista perante a realidade. Mesmo assim, esta forma de arte peca em conseguir representar em plenitude uma paisagem, porque “a partir de determinado momento a dinâmica da evolução é tal que a pintura, através das técnicas tradicionais, revela dificuldade em expressar as paisagens de um mundo em contínua mudança”.22

A representação da paisagem pelas artes servia também para marcar movimentos políticos de identificação nacionalista. O Nacionalismo assinalava a união de características identitárias como a língua, as tradições ou a religião; uma consciência das diferenças e identificação de valores distintos levou ao redesenho territorial para afirmar a independência de uma comunidade e para assumir uma cidadania. A pintura “A Liberdade Guiando o Povo” [fig.2] de Eugène Delacroix de

19

Passim Barbara Bender, Landscape – Politics and Perspectives, BERG, Oxford, 1995, p. 21 20

Denis Cosgrove: geógrafo, que fucou os seus estudos na paisagem cultural, em definir conceitos como representação e paisagem.

21 Barbara Bender, Landscape – Politics and Perspectives, p.22 Tradução livre da autora: “Distância e posição constroem uma impressão particular do mundo, mas são ao mesmo tempo negadas e a visão é tida como universal, e tira tudo. Porque a arte paisagística apresenta o mundo de um ponto de vista exterior, onde o que está no quadro representa um objeto de papel passivo, representado, manipulado e alienado, negando-lhe qualquer ação própria”.

22

Teresa Alves, “Paisagem – em busca do lugar perdido”, Finisterra: XXXVI, p.68

|SIGNIFICADO E IDENTIDADE

(22)

22

1830 é um exemplo representativo do movimento político francês, que marca o início de uma era de novos valores.

Do aparecimento da fotografia e do cinema resultou a capacidade de captar características particulares de uma paisagem e de fixar uma imagem parada ou em movimento, porque conseguem acompanhar a rápida transformação da sociedade.23 Quer a informação em fotografia como em vídeo, são meios da sociedade atual que permitem, através das novas tecnologias, uma transmissão em tempo real do que se passa no mundo, o que permite a instantânea partilha entre diferentes culturas sem que haja um contacto real. Apesar das tentativas de representação da paisagem, o homem ainda não o conseguiu na totalidade, porque ainda não representou o ambiente social, a “paisagem odorífera”, a “paisagem sonora” ou a “paisagem tátil”; e da dificuldade em representar a paisagem de um modo absoluto revela que ela é irrepresentável.

À representação da paisagem nas artes, surge inevitávelmente a ideia do belo, associada ao prazer estético. Alain Roger fala num processo da tradicional abordagem da paisagem, onde um território deveria ter uma apreciação estética positiva, nem que para isso fosse transformado apenas para “embelezar” o ambiente visível. A este processo, Roger chamou-o de artialização, que é um processo alimentado, de uma forma menos abusiva, pelas artes, porque representam um “ponto de vista” da paisagem. Os valores de uma região paisagística estão relacionados com um tempo e uma circuntância e não devem ser adulterados apenas por motivos estéticos. 24

23 Teresa Alves passim “Paisagem – em busca do lugar perdido”, Finisterra: XXXVI, p.68 24

Teresa Alves passim “Paisagem – em busca do lugar perdido”, Finisterra: XXXVI, p.69 MANIPULAÇÃO DO BELO |

(23)

23 1.1.1

INTEMPORALIDADE: VALOR IRRENUNCIÁVEL DA PAISAGEM

“The lack of character of modern-day environments makes a difficult or even

impossible to identify, and this therefore becomes one of the decisive factors in the loss of place.”25 Será que podemos estar hoje a assistir a uma perda do lugar? Ou até mesmo, à “morte” da paisagem? Alguns territórios estão em constante transformação e com o rápido desenvolvimento dos dias de hoje, este fenómeno acentua-se. Mas a construção de uma paisagem não é temporal, o que nós assistimos não é à “morte” da paisagem, mas à “morte” da produção de um certo tipo de paisagem.

Em contraste com os tempos humanos da vida citadina e dos espaços industrializados, ou dos ritmos temporais da história, todos eles marcados pela sucessividade de acontecimentos que se vão substituindo e anulando – pela temporaneidade (temporaneità) exclusiva –, a paisagem não deve porém ser vista como um lugar desprovido de tempo, porque desprovido de acontecimentos. O tempo extra-humano e extra-urbano da natureza-paisagem possui pelo contrário, ritmos bem específicos do seu existir. Exibe uma temporalidade inclusiva, qualitativa e integradora; uma temporalidade circular, sem começo e sem fim, que move em uníssono o conjunto dos seus elementos.26

A construção da natureza-paisagem é um ciclo contínuo e intemporal; a construção do homem é temporal, gradual, não é um movimento abrupto. O tempo da paisagem é “eterno” e connosco (sociedade) a paisagem desenvolve-se, cresce e evolui; a paisagem continuará a existir sem o homem. A paisagem não se extingue, é moldada pelo homem consoante a própria transformação social.

A constante transformação de uma paisagem não leva à sua “morte”, mas pode haver perda da identidade do lugar. Uma paisagem tem uma história, tem uma transformação continuada, e não deve perder as características próprias. Uma paisagem não deve ser modificada apenas por motivos estéticos, mas uma alteração justificada da paisagem deve sempre ter em conta valores estéticos.

25

Christian Norberg-Shulz, Presence, Language, Place, Skira, Milano, 2000, p.43, Tradução livre da autora: “A falta de carácter do ambiente contemporâneo torna dif´cil ou até impossível identificá-los, torna-se este um dos fatores decisivos na perda do lugar”

26 Adriana Veríssimo Serrão, Filosofia e Paisagem Aproximações a uma Categoria Estética. Philosophica, 23, Lisboa, 2004, pp.92-93

(24)

24 1.1.2

HOMEM E LUGAR.PERCEÇÃO E VIVÊNCIA.

Prendemos o olhar àquilo que vemos quando visitamos uma paisagem construída pelo homem, mas o “conteúdo particular do campo visual não há-de acorrentar o nosso espírito”.27

Não devemos olhar apenas para os elementos isolados, mas sim para o todo de que fazem parte, pois é a relação entre eles que forma paisagem. Uma paisagem determinada caracteriza-se por “uma configuração particular de relevo, coberto vegetal, uso do solo e povoamento, a que corresponde uma certa coerência nos processos e actividades naturais, históricos e culturais”.28

Contudo, é falso pensar que tudo o que vemos é paisagem, porque é necessário que corresponda a uma continuidade temporal e espacial; a relação coerente dos fatores e elementos que compõem a paisagem, formam o carácter da paisagem e a identidade local.29

Naquilo a que atribuimos ao significado de Paisagem, podemos ir por duas vertentes a ‘in situ’ e a ‘in visu’, de Alain Roger. A primeira é o que a Paisagem realmente é, os elementos físicos que a compõem, ou seja, uma vertente objetiva; a segunda, a sua interpretação, quer seja pela pintura, cinema, fotografia, etc., que retratam a Paisagem como pano de fundo e que a assume mais como uma identidade visual, interpretativa e subjetiva. A avaliação de uma análise subjetiva é sempre difícil, a forma de olhar a paisagem varia de pessoa para pessoa, infuênciada pelos conhecimentos, interesses e cultura do observador. Por isso, deve existir a “superação da tradicional visão pictórica da paisagem como vista subjectiva, panorama ou prespectiva esfumada”.30

A paisagem são os elementos que a compõem: “suporte físico, meio biológico e acção humana”.31

“Como referente identitário, paisagem é tão forte como a língua, e

27

Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, p. 5 28

AA. VV. Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental, Universidade de Évora, Departamento de Planeamento Biofísico e Paisagístico, coord. Alexandre Cancela d'Abreu, Teresa Pinto Correia, Rosário Oliveira. Direcção-Geral do Ordenamento do Território, Lisboa, 2004, p.28

29 AA. VV. Passim Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal

Continental

30

Adriana Veríssimo Serrão, Filosofia e Paisagem, p.93 31

AA. VV. Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental, p.27, “Torna-se ainda claro que a paisagem tem uma componente objectiva, composta por uma combinação de factores abióticos e bióticos (suporte físico, meio biológico e acção humana)”.

CONTINUIDADE TEMPORAL E ESPACIAL |

(25)

25 tal como a língua é social e culturalmente construída e partilhada.”32 Paisagem pode não ser apenas este ato de capturar visualmente uma unidade, que é formada por partes. Ela é, também, a união entre algo objetivo (os elementos físicos e reais que a compõem) e possível de ser relacionado com a “disposição anímica da paisagem”33, ou seja, o valor psicológico dado pelas pessoas àquela paisagem.

Natural experience is directed toward the “qualitative”, since the term quality tends to indicate that which exists as an immediate presence of identity. The world of life, therefore, is qualitative, and in that sense it is perceptible and significant.34

As várias vivências em que participamos ao visitar um lugar são “experências”, como uma experiência natural da qual fazemos parte e por isso fazemos uma

abordagem analítica.35 Esta experiência natural das coisas não separa o corpo da mente, ou seja, quando o homem vive um lugar ele não separa o que é concreto do subjetivo, as emoções influênciam o contacto físico e vice-versa; a estimulação psicológica resultante da vivência do homem pode alterar a perceção do lugar.

A dificuldade do homem em perceber o “todo” da paisagem, fez com que ele a “dividisse” para simplificar a perceção do conjunto; categoriza-a por matérias: elementos geográficos, espaços e formas naturais, artifícios do homem. A participação humana é o que torna possivel esta “estruturação” da natureza, através da “apreensão visual do espaço [que] pressupõe um observador que a realize e a consideração da existência de tal observador vem enriquecer […] o dimensionamento do espaço”36

. Um lugar é singular porque tem elementos marcantes que fazem parar o observador; a paisagem precisa destas referências contemplativas. Todos os elementos de uma paisagem contribuem para uma imagem coesa, mas são os elementos marcantes, que marcam “posição” no “todo” e se prendem à memória.

32

Álvaro Domingues, “Paisagem e Identidade: à Beira de um Ataque de Nervos”, Duas Linhas, Edição de Autores, 2009 p.28

33

Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, p. 14, “Não deveriam, efectivamente, a disposição anímica da paisagem e a unidade nela perceptível ser uma só e mesma coisa, só que considerada sob duas vertentes? Não são ambas o mesmo meio, apenas duplamente expressável, graças ao qual a alma contemplativa, a partir da dispersão dos fragmentos, instaura a paisagem, justamente esta paisagem determinada?” 34

Christian Norberg-Shulz, Presence, Language, Place, p.19, Tradução livre da autora: “A experiência natural é dirigida ao encontro do ‘qualitativo’; uma vez que o termo qualidade tende a indicar que existe como uma presença imediata de identidade. O mundo das vivências é então qualitativo, e nesse sentido, é perceptível e significante”.

35

Id., ibid.

36 Fernando Távora, Da Organização do Espaço, 3ª ed., Pref. Nuno Portas, Faup Publicações, Porto, 1996 p.12

(26)

26 FIG.3

Villa Farnesina FIG.4

Sant’Agata dei Goti, Campania. A cidade toma partido das características do território e parece ‘nascer’ da pedra entre dois vales.

(27)

27

1.1.3

O

HOMEM COMO PARTE INTEGRANTE DA NATUREZA

A memória é um elemento fundamental no reconhecimento de uma paisagem, a sua imagem está relacionada com o homem física e emocionalmente. Mas a memória não é apenas individual, como também coletiva, porque a identidade de um lugar integra a cultura e história da sua sociedade.

A memória tem impacto naquilo que o homem constrói, ele não começa do nada, até porque o lugar onde intervém já existe. Paolo Portoghesi (2000) defende que falar na arquitetura do homem é também ter em conta a continuação de uma construção “natural” das coisas, o homem faz parte dela e não é um mero observador da Natureza; “a paisagem apresenta-se assim segundo uma dupla referência: ao ser mesmo da natureza e ao nosso modo de a experenciar.”37

Paisagem reúne o valor intrínseco da natureza e as vivências humanas. Paisagem torna-se num “todo” independente que é parte de um outro “todo”.

Na obra humana existem inúmeros casos em que ela parece continuar os elementos naturais e, então, “confundem-se” as duas diferentes partes. Giorgio Vasari, ao referir-se à Villa Farnesina, afirma que o edifício parecia nascer do solo38, provavelmente pelo efeito visual provocado pelas linhas verticais do palácio, intensificado do interior pelos frescos. [fig.3] Também Sant’Agata dei Goti [fig.4], cidade italiana da região de Campania, nasce de um afloramento rochoso entre dois vales, onde as paredes se prolongam na vertical a partir da pedra (tufo) para dar origem ao abrigo e espaço humanos. A forma como os edifícios foram construídos transmitem a sensação de serem esculpidos diretamente na pedra.

“A mirrored city in which the human figure and the environment established

[...] a sort of mysterious dialogue [...], the city projects itself into an environment which it absorbs into its image.”39 Desde as primeiras composições urbanas que o homem, estrategicamente, tentou em algumas situações que as suas construções se

37

Adriana Veríssimo Serrão, Filosofia e Paisagem, p.93 38

Paolo Portoghesi, passim Nature and Architecture 39

Paolo Portoghesi, Nature and architecture, p.490, Tradução livre da autora: “Uma cidade espelhada onde a figura humana e o ambiente estabeleceram […] uma espécie de diálogo misterioso […], a cidade projeta-se no ambiente e absorve-se na sua imagem”.

|MEMÓRIA COLETIVA

|MIMETISMO COM A NATUREZA

(28)

28 FIG.5

Túmulos de Aqueménida FIG.6

Necrópole de Mira, Turquia FIG.7

Mesa Verde, Colorado FIG.8

(29)

29 suprimissem na imagem do ambiente circundante com o objetivo de se integrarem na natureza. Os túmulos de Aqueménida [fig.5] eram escavados na rocha; as necrópoles de Mira [fig.6], na Turquia, eram esculpidas no acentuado declive rochoso; em Mesa Verde [fig.7], no Colorado, as construções foram feitas sob falésias e em caves, para que estes elementos naturais servissem de protecção; e na zona vulcânica da Capadócia [fig.8], Turquia, os cones de tufo transformaram-se em espaços habitáveis e foram reinterpretados pelos habitantes para também servirem de defesa. O Homem ajustou estes lugares à sua sobrevivência. Para Louis Kahn, a paisagem humana no seu papel fundamental, é o oposto da natureza, ou seja, o que a natureza não consegue fazer.40

A paisagem deve ser analisada como algo concreto, que tem um tempo geológico, um tempo geofísico, um tempo biológico e um tempo humano. Mas em relação à arquitetura, apesar de serem importantes todos os tempos da paisagem, o “tempo” do homem é o central. Deve-se ter em conta que a “flecha do tempo é unidirecional, não há regresso ao passado”41

e, por isso, a ação do homem deve evitar o desiquilíbrio, a rutura de um lugar. O homem é incapaz de “criar” Natureza.

40

Paolo Portoghesi, Nature and architecture, p.490, “In its specific role as a human landscape, the city seems to be the opposite of nature, ‘what nature cannot do,’ according to Louis Kahn.”

(30)

30 FIG.9

Plano de extensão de Ildefons Cerdà para Barcelona. O novo desenho reticular forma o padrão espacial da cidade. FIG.10

Vista sobre a “rede” geométrica de Barcelona.

(31)

31

1.2

PAISAGEM CULTURAL

O espaço natural hoje é reduzido; o homem tornou-se dominador, criou espaço próprio, “geometrizou” os lugares por onde passou. Por isso, a ideia de que Paisagem é composta apenas pelo que é natural, é redutora. Em Portugal podemos dizer que não existem áreas naturais, tudo “foi remexido, cultivado, pastoreado, florestado, ardido. Até o mar foi ‘lavrado’.”42

A civilização criou espaço e lá permaneceu, e esta permanência no lugar estimulou vivências e atividades próprias, gerou Cultura.

“Formas naturais – isto é, aquelas em cuja definição ou criação o homem não participa – e formas artificiais ou aquelas em cuja existência o homem toma parte criativa”.43

Podemos, então, distinguir dois grandes blocos desta matéria: a Paisagem Natural e a Paisagem Cultural. Mesmo que na Paisagem Cultural, a grande presença seja do trabalho do Homem, a Natureza não deixa de fazer parte dela, porque foi sobre ela que se construiu, ou seja, “a paisagem é um sistema dinâmico, onde os diferentes factores naturais e culturais interagem e evoluem em conjunto”.44

O foco cai sobre a Paisagem Cultural, que é composta de “elementos ou componentes da paisagem [...] que, em conjunto, definem a sua estrutura e cuja identificação permite a análise pormenorizada da paisagem.”45 Estes elementos formam o Padrão da Paisagem46 e são estas características que, por serem próprias do lugar, contribuem para a identidade local. O padrão é normalmente formado por uma matriz, uma mancha e um corredor. A relação entre mancha (que forma um mosaico) e corredor (que forma uma rede) formam o padrão da paisagem.47 Uma das cidades europeias, onde é clara a aplicação destes conceitos é Barcelona, [figs.9/10] a sua matriz é formada por uma rede de ruas ortogonais, que separam os quarteirões de planta quadrangular, que formam um controlado mosaico geométrico.

42

Álvaro Domingues, “Paisagem e Identidade: à Beira de um Ataque de Nervos”, Duas Linhas, p.29 43 Fernando Távora, Da Organização do Espaço, p.13

44

AA. VV., Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental, p.32

45

Idem, p.30 46 Id. ibid, p.30 47

Id. ibid, p.30, passim

(32)

32 FIG.11

Paisagem rural: Val’Dorcia FIG.12

(33)

33

“The man-made places […] are the farm, the agricultural village, the urban dwelling, and the town or city. All these places are essentially man-made or “artificial”, but they fall into two distinctive categories.”48 Os lugares construídos pelo homem fazem parte de duas categorias, que são: a rural, [fig.11] que está relacionada com a transformação da terra; e a urbana, [fig.12] onde a presença do espaço natural é escassa. Na última, a natureza é extremamente modificada, deixa de ser selvagem e passa a ser controlada pelo homem, exceto quando o rio inunda as margens, o mar avança sobre a terra, o vento entorta a árvore; e então a natureza torna-se presente, quebrando a ilusão de um domínio absoluto das coisas.

“O animal não se esquece que é humano: mede, quantifica, procura a verdade.

O humano não se esquece que é animal: pressente, entusiasma-se, exalta-se: procura o belo.”49

A verdade da paisagem está na sua estrutura, mas será possível definir como estruturar um lugar? Nos espaços construídos pelo homem nota-se a constante procura em controlar os espaços, quer seja pela construção em massa ou apenas na estruturação dos solos. A estrutura de uma paisagem define-se pela relação entre espaço e carácter do lugar, ou seja, na conjugação da verdade com o belo. Manuela Raposo de Magalhães define espaço como a “organização tridimensional dos elementos” que constroem a paisagem, e carácter como a “atmosfera geral do lugar”.50

48

Christian Norberg-Shulz, Genius Loci: Towards a Phenomenology of Architecture, p.56, Tradução livre da autora: “Os lugares feitos pelo homem […] são a quinta, a vila agrícola, o conjunto urbano, e a vila ou cidade. Todos estes lugares são essencialmente feitos pelo homem ou artificiais, mas dividem-se em duas categorias distintas”

49

Gonçalo M Tavares, Arquitectura, Natureza e Amor, Faup, Porto, 2008, p.5 50

Manuela Raposo de Magalhães, passim Arquitetura Paisagista: Morfologia e Complexidade. Editorial Estampa, Lisboa, 2001.

|PAISAGEM RURAL E URBANA

(34)

34 FIG.13

Limites: o perímetro amuralhado de Monteriggioni, uma comuna italiana, separa o conjunto urbano da paisagem rural.

FIG.14

Lugares de encontro: Piazza del

(35)

35

1.2.1

C

HEGAR

,

ENTRAR E FICAR NA PAISAGEM

“Arriving has a meaning only if the place has an identity of its own.”51 Na cidade antiga, a porta da cidade não era apenas um elemento de segurança, de separação física entre a cidade e o seu exterior. A porta expressava um valor de tempo e espaço; com ela existia a possibilidade de atravessar e ela determinava um “antes” e um “depois”.52 A cidade de hoje perdeu os seus limites, ultrapassou os seus “muros”. Na modernidade sentiu-se a acelerada transformação, mas apesar da grande velocidade de comunição física e virtual, através da experiência do viajar é percetível que o ambiente, as sensações e a imagem dos vários lugares são diferentes. A diversidade entre paisagens deve ser um aspeto preservado e acentuado; a tecnologia deve ser usada como meio de partilha de saberes, mas evitando a cópia, porque cada lugar é único e exige coisas diferentes.53

Na opinião de Norberg-Schulz, devia haver uma tentativa de criação de limites para os lugares, sem recorrer, obviamente, à construção de um muro ou de portas de entrada na cidade, mas para que houvesse de novo a experiência de descoberta ao “chegar à paisagem”.

“The character of man-made place is to high extent determined by its degree of

‘openness’.”54

As fronteiras de um lugar podem ser demarcadas ou então indefenidas, o que pode sugerir que ou a paisagem está isolada ou inserida noutro enquadramento paisagístico; [fig.13] é nos limites que se pode fazer a transição entre diferentes paisagens ou entre o construído e o natural; a natureza de um lugar pode ser um limite físico à construção da paisagem.

Depois de chegar à paisagem, é essencial que existam lugares de referência onde as pessoas se podem encontrar, lugares de partilha e encontro, imprescindíveis à vivência. [fig.14] Os espaços públicos são importantes para a vivência em comunidade e para que os habitantes vivam e se identifiquem com o lugar. “The use of place, in

51 Christian Norberg-Shulz, Presence, Language, Place, p.35, Tradução livre da autora: “Chegar tem significado apenas se o lugar tiver identidade própria”.

52

Paolo Portoghesi, passim Nature and Architecture 53

Christian Norberg-Shulz, passim Presence, Language, Place

54 Christian Norberg-Shulz, Genius Loci: Towards a Phenomenology of Architecture, p.63 Tradução: “O carácter do espaço feito pelo homem é em parte determinado pelo seu grau de ‘abertura’.”

|LIMITES

(36)

36

any case, is not limited to arrival, encounter, meeting, and clarification; it also includes retreat and isolation”;55 uma paisagem possui carácter coletivo, mas dentro dela também devem existir espaços de afastamento. A casa guarda os valores individuais de uma sociedade, representa o espaço no interior. Mas a casa, naquilo que ela tem de comum com a outra que lhe sucede, no rosto que aparenta para a cidade é, como no homem, uma construção no tempo da “igualdade” e diferença.

A existência de estrutura e elementos de referência é essencial para a paisagem; a carência destas circunstâncias leva à perda do “espírito do lugar”. Cabe à sociedade encontrar os meios que protejam a identidade das paisagens, através de um olhar orientado a partir de uma disciplina – a arquitetura.

55

Christian Norberg-Shulz, Presence, Language, Place, p.39. Tradução livre da autora: “O uso do lugar, em qualquer caso, não se limita à chegada, encontro, reunião e clarificação; ele também inclui retiro e isolamento”

(37)

37

1.2.2

P

ATRIMÓNIO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DA IDENTIDADE DA PAISAGEM

Nos últimos anos notou-se o crescente interesse pela “protecção e valorização do património cultural, como realidade de maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura.”56 Em defesa destes valores, a UNESCO em 1972 organizou a Convenção do Património Mundial, Cultural e Natural e tendo como “objetivo proteger os bens patrimoniais dotados de um valor universal excecional.”57

A organização distingue como património: paisagem natural; elementos edificados (como o Convento de Santa Maria da Vitória da Batalha ou o Convento de Cristo em Tomar); e paisagem humanizada, quer rural ou urbana. Em Portugal, existem algumas paisagens que são consideradas patrimório: os centros urbanos e históricos de Angra de Heroísmo, de Évora e do Porto; a Paisagem da Vinha da Ilha do Pico e o Alto Douro Vinhateiro são património mundial pelas suas excecionais características rurais.

Os espaços rurais são ocupados pela prática da agricultura ou da silvicultura. A proteção da paisagem rural e de quem dela depende é extremamente importante. “O modelo de desenvolvimento industrial, objectivado exclusivamente no crescimento do P.I.B., tende a simplicar a paisagem e a desprezar os recursos locais e regionais provocando o despovoamento dos campos e a concentração de gentes nas grandes cidades”;58

a agricultura deve atender à produção aliada com a protecção dos solos (para que continuem férteis) e às pessoas. Proteger o ecossistema é importante, mas a questão principal relativamente à paisagem está relacionada com a sua estrutura. Num território, quais são as características singulares e identitárias que o transformam numa paisagem cultural?

Hoje, um dos grandes problemas das paisagens rurais é a tentativa de “congelação” de uma área para proteger uma imagem do passado. “Se o turismo pagar isso [património], não se poderá chamar rural ou agrícola a essa paisagem:

56

Extrato Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro 57

unescoportugal.mne.pt

58 Gonçalo Ribeiro Telles, Um Novo Conveito de Paisagem: a Paisagem Global, Contemporânea, Matosinhos, 1996, p. 43

(38)

38 FIG.15

Alto Douro Vinhateiro: socalcos FIG.16

Cidade centralizada: Palombara Sabina

FIG.17

(39)

39 chamar-se-á cenário.”59 Definir uma área paisagística como património por vezes impede o natural desenvolvimento das paisagens. A paisagem de hoje não deve ser só um produto do passado, mas também uma obra do presente que não “congela” a paisagem. As populações devem ser os “co-actores principais da construção de um território cujo valor identitário também terá que incluir o presente e um projecto de futuro.”60

No norte de Portugal, o Alto Douro Vinhateiro é um território marcado pela presença de um elemento natural, o rio Douro, um território transformado pelo homem, para facilitar o cultivo da terra. A imagem dos socalcos [fig.15], que redesenham à exaustão as vertentes da encosta, são uma marca cultural desta paisagem rural: uma “rede geométrica” que artificializa a natureza e segue o movimento orgânico do acentuado vale. Uma cultura originária do século XVIII e que se mantem ativa na região até hoje é o que define este território agrícola como paisagem e não cenário.

O campo antes estava ligado à cidade, hoje o campo e a cidade são realidades que se querem ver separadas. Em contraste com os primeiros aglomerados urbanos, a cidade está separada da prática agrícola, a relação cidade-campo foi quebrada, em consequência da rápida evolução das cidades: “a paisagem rural em constante regressão e degradação e, […] a paisagem urbana, em acelerado e monstruoso crescimento”.61

O crescimento abrupto das cidades levou à precaridade do ambiente urbano e, para responder a este problema, surgiram no século XX discussões sobre modelos urbanos e políticas de desenvolvimento urbano.

A cidade é (dimensionalmente) a grande construção do homem e demonstração da força em controlar as características adversas do território. Na organização urbana existiam normalmente três tipos de organização: a centralizada, [fig.16] a longitudinal [fig.17] ou a agrupada. As cidades assumiam certas formas porque eram geralmente condicionadas por um fator:

“A ideia de paisagem não pode ignorar a necessidade da sua territorialização, a qual não é uma contigência acessória mas um imperativo ingrato, fragilizante e, daí a sua

59

Álvaro Domingues, “Paisagem e Identidade: à Beira de um Ataque de Nervos”, Duas linhas, p. 39 60 Álvaro Domingues, “A Paisagem Revisitada”, Revista Finisterra, vol. XXXVI, p. 65

61

Gonçalo Ribeiro Telles, Um Novo Conveito de Paisagem: a Paisagem Global, p. 31

|PATRIMÓNIO URBANO |PROJETOS DE FUTURO NO PATRIMÓNIO

(40)

40 FIG.18

Metro no Porto FIG.19

Maqueta do projeto do arquiteto Álvaro Siza Vieira para a zona adjacente à Avenida D. Afonso Henriques

(41)

41

importância do poder de sobrevivência da obra como um predicado da sua concepção.”62

A paisagem urbana está inevitávelmente relacionada com a topografia do lugar, ou condicionada por elementos naturais que limitam o Homem (o rio, o mar, a montanha, etc.). Nem todos os aglomerados urbanos são paisagem ou património. Uma paisagem urbana deve possuir uma estrutura e carácter, características que estão presentes em alguns centros históricos urbanos que são património.

O abandono de centros históricos gerou o problema “reabitar a cidade histórica”;63

para o arquiteto Manuel Mendes, é preciso corrigir os problemas considerando que “Reconstruir mais que construir significa, então, penetrar a cidade existente, aceitando-a como um sistema de certo modo fechado”.64 Esta afirmação aceita o património urbano como um lugar “congelado” no tempo, mas que, tal como deve acontecer no património rural, para os centros históricos também devem existir

projetos de futuro.

O Centro Histórico do Porto, património desde 1996, é uma área da cidade que não parou no tempo. Desde esse ano que a cidade histórica é pensada em “consciencialização da importância do existente como material estruturador no próprio processo da projectação”65

e também como lugar recetivo à inovação: a cidade foi tranformada para que em 2001 fosse capital europeia da cultura e para que fosse possível a introdução do metropolitano; [fig.18] além destes projetos que interviram a uma maior escala, existem também projetos contemporâneos de transformação localizada [fig.19] que procuram reconstruir e “unir” a paisagem antiga.66 O facto desta cidade ser património, ajuda à proteção dos elementos históricos, mas não impede a “natural” construção da paisagem; a salvaguarda patrimonial não a transformou num cenário de deambulação.

62

Sidónio Pardal, “Estética da paisagem”, comunicação integrada no Seminário Sustentabilidade e Usos Sociais dos Parques Urbanos – Etratégias e Trajetórias, p.3

63

Manuel Mendes, Porto 2001: regresso à Baixa, Faup Publicações, Porto, 2000,p.19. 64 Id., ibid.

65Id., ibid. “Mas na distância para o plano disciplinar, esse “reabitar”, moviemento de retorno, alarga a consciencialização da importância do existente como material estruturador no próprio processo da projectação: um progressivo interesse por parte da cultura arquitectónica pela noção de modificação e pela noção de pertença que a acompanha – pertença a uma tradição, a uma cultura, a um lugar.”

66

(42)
(43)

43

1.3

C

ONCLUSÃO

O medo fez com que o homem estruturasse a natureza; o medo do desconhecido e da “desordem” natural do mundo. Através da artificialização do espaço próprio para encontrar uma ordem, o homem construiu a paisagem. Paisagem só existe através do homem.

A perceção é um importante instrumento para “repartir” a paisagem. O homem tentou representá-la através das artes, mas a representação da paisagem é insuficiente; ela é irrepresentável. A arte representa apenas um momento e um “ponto de vista” e não toda a sua essência, considerando que a paisagem é resultado de um processo lento, relativo a um tempo e a uma circunstância.

A relação do homem com a natureza é imperativa, porque é sobre ela que ele constrói. As características territoriais são o primeiro condicionador da paisagem humana e a memória permitiu ao homem construir numa estratégia de semelhança ou de significância com a proximidade. Desta ação (um processo contínuo no espaço e no tempo, e em relação com a envolvente), os espaços transformaram-se em paisagens identitárias e representativas de uma determinada cultura.

Os limites “controlam” a área do homem e a organização dos espaços segundo uma função estrutura a própria paisagem e simplifica a vida do homem. Hoje, a paisagem rural e a paisagem urbana são duas realidades separadas, mas as duas são significativas para o homem e é importante proteger a imagem (padrão) e as características identitárias destas paisagens. Definir uma paisagem como património pode evitar a perda destes valores identitários, mas devemos utilizar esta ferramenta considerando que uma paisagem é resultado da experienciação humana e que ela não deve ser “manipulada”; a artialização da paisagem rompe com o seu desenvolvimento “natural”. Uma paisagem não é um cenário, é um lugar que “conta” uma história passada e que tem lugar para responder às necessárias transformações futuras do homem.

(44)
(45)

45

2.

A

RQUITETURA CONTEMPORÂNEA

(46)

46

Qual é o papel da arquitetura na transformação ou reconstrução de um lugar determinado? Uma paisagem é testemunho da história e cultura do homem, que são obra de uma construção gradual ao longo do tempo. Na paisagem construída “a arquitectura, entre outras coisas, é também um saber fazer que deixa marcas no território. Daí a grande responsabilidade social de quem a faz.”67 Por isso, como a arquitetura é um dos intervenientes na evolução de um lugar e, porque as cidades (principalmente) são alvo de uma transformação prolongada e constante, é importante que hoje a arquitetura não se concentre apenas em criar o novo como também se deve preocupar em completar, coser, articular e sarar as “feridas” que existem na paisagem. No passado, para responder às exigências e ideologias da época, a transformação de algumas paisagens revelou mais tarde que as cidades se tornaram em lugares fragmentados e sem coerência e que as áreas rurais se transformaram em extensões territoriais descontínuas. Em consequência, algumas paisagens tornam-se frágeis e “inseguras”, por isso, quando a arquitetura contemporânea é evocada, deve tomar uma posição que responda a estes problemas. A reconstrução da paisagem é essencial, porque devolve a segurança a quem a usufrui. Sendo assim, para além de continuar uma natural construção da paisagem, a arquitetura deve também ser capaz de minorar atitudes arquitetónicas anteriores que hoje parecem erradas, tendo em consideração que a formação de “uma nova cultura”68 não é algo repentino (como a produção da máquina), mas o resultado de um desenvolvimento lento da paisagem. Daí a importância em respeitar o passado de um lugar.

Qual a atitude do arquiteto perante a cidade e o campo? Quando intervém nestas duas paisagens, o método arquitetónico é semelhante ou distinto? Caberá às instituições responsáveis apontar os problemas da paisagem e com o arquiteto, analisar a paisagem para conseguirem responder às suas exigências e necessidades, porque, como diz Rafael Moneo, “la consciencia de la realidad comienza con el ‘conocimento del lugar’.”69

67

Helena Roseta, “Em Busca da Arquitetura Portuguesa do Século XX, Inquérito à arquitectura do

século XX em Portugal, p.14

68

Fernando Távora, Da Organização do Espaço, p. 30, “Deste choque entre uma cultura que parece satisfazer melhor as necessidades dos homens e ‘a originalidade das culturas’ locais nascerá uma nova cultura com modalidades várias, mas o processo da sua formação será, necessariamente, muito demorado pois que, apesar de todos os meios de difusão que o homem hoje possui, a evolução cultural de amplo sentido é de processo lento e custoso.”

69

Rafael Moneo, Inquietud Teórica y Estrategia Proyectual: en la Obra de Ocho Arquitectos

Contemporâneos, Actar, Barcelona, 2004, p.200. Tradução livre da autora: “a consciência da realidade

começa com o conhecimento do lugar” COMPLETAR E COLMATAR |

(47)

47

2.1

O ARQUITETO NA APROXIMAÇÃO À PAISAGEM

Antes de arquitecto, o arquitecto é homem, o homem que utiliza a sua profissão como um instrumento em benefício dos outros homens, da sociedade a que pertence. (…) Para ele, porém, projectar, planear, desenhar, devem significar apenas encontrar a forma justa, a forma correcta, a forma que realiza com eficiência e beleza a síntese entre o necessário e o possível, tendo em atenção que essa forma vai ter uma vida, vai constituir circunstância.70

O desenho é um instrumento e uma forma de pensar do arquiteto para encontrar a abordagem arquitetónica adequada ao lugar, e através do desenho o arquiteto tenta resolver a própria inquietação em descobrir a forma e a conceção corretas para uma paisagem. Para Alexandre Alves Costa, “o desenho é instrumento de pesquisa indespensável, prova permanente da sua viabilidade, do seu contorno e da sua escala identificável na relação com a envolvente. O sítio é prévio, assim como o programa. O ‘quê’ e o ‘como’ não se separam, a cosa mentale está à partida no papel.”71

A “forma é o ‘quê’. A concepção é o ‘como’. A forma é impessoal. [...] A concepção é um acto ligado às circunstâncias.”72

A forma está relacionada com o programa a que se destina o objeto arquitetónico. No entanto a forma não deve corresponder apenas ao programa, esta é condicionada à conceção e, como diz Alves Costa, condicionada às circunstâncias do contexto onde se insere. A paisagem não é um lugar desprovido de acontecimentos.

“O local é a base da composição arquitectónica”73

. Le Corbusier (2003) defende que o homem ganha controlo sobre o espaço e numa das suas viagens descobriu “a

arquitetura, instalada no seu local. Mais do que isso: a arquitectura exprimia o local –

discurso e eloquência do homem que tomou posse do espaço: o Parténon, a Acrópole, o estuário do Pireu e as ilhas; mas também o mais pequeno cercado de ovelhas”.74 O

70 Fernando Távora, Da Organização do Espaço, p.74 71

Alexandre Alves Costa, “A Construção da Geometria”, Architécti 18, Editora Trifório, Lisboa, 1993, p.66

72

Idem, p.67

73 Le Corbusier, Conversa com Estudantes de Arquitectura, Cotovia, Lisboa, 2003, p.47 74

Id., ibid.

(48)

48 FIG.20

The Bridge (Most) de Jan Soucek.

A ilustração representa de uma lado do rio uma cidade com uma estrutura, e do outro um lugar desiquilibrado.

Imagem

Ilustração da cidade do Porto por  Teodoro Maldonaldo - 1789

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