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A ESCOLA COMO ESPAÇO SÓCIO-CULTURAL E A IDENTIDADE NEGRA

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A ESCOLA COMO ESPAÇO SÓCIO-CULTURAL E A IDENTIDADE NEGRA

Everton Carvalho ILKIU

everton.ilkiu@ufv.br1

Janete Regina OLIVEIRA

janete.oliveira@ufv.br2

RESUMO: O presente artigo tem o propósito de compartilhar nossas experiências obtidas com o desenvolvimento de um projeto de extensão em curso no município de Teixeiras-MG, que gira em torno da valorização da cultura negra no universo escolar. A escola constitui-se como um espaço sócio-cultural para onde convergem vários sujeitos portadores de diferentes culturas. Entretanto, historicamente, a escola tem negligenciado essa diversidade cultural, principalmente étnica, seja do ponto de vista do currículo, seja do ponto de vista da organização de seus tempos e espaços. Dessa forma, acaba por

privilegiar um determinado grupo social, contribuindo para a manutenção de um status

quo que impede o reconhecimento e a valorização de outras identidades. Assim sendo, o

projeto busca contribuir para ampliar a visibilidade sobre os referenciais negros presentes no município de Teixeiras, através do olhar dos estudantes de uma escola da rede básica e, por conseguinte, identificar como esses elementos aparecem no universo escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura, escola, identidade negra, Teixeiras.

1

Graduando em Geografia pela Universidade Federal de Viçosa-MG e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX). Alojamento Pós, apto. 2321, CEP. 36570-000, Campus Universitário – UFV, Viçosa-MG.

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

THE SCHOOL AS SOCIO-CULTURAL SPACE AND A BLACK IDENTITY

ABSTRACT: This article is meant to share our experiences gained in the development of an extension project under way in Teixeiras-MG, which revolves around the question of the construction of black identity within the public school education. The school was established as a socio-cultural space into which various subjects with different cultures. However, historically, the school has overlooked this diversity is the point of view of the curriculum, either in terms of organizing their time and space. Thus, ultimately favor a particular social group, contributing to maintaining a status quo that prevents recognition and appreciation of other identities. Therefore, the project seeks to contribute to expanding the visibility about the reference black present in Teixeiras through the eyes of students at a school for core network and therefore to identify how these elements appear in the school universe.

KEYWORDS: Culture, school, black identity, Teixeiras.

Introdução

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Assim, o presente artigo pretende discutir as questões referentes à construção da identidade negra nas escolas, e como tem se dado atualmente este processo tão complexo, ao compartilhar nossas experiências adquiridas no desenvolvimento de um projeto de extensão que vem sendo idealizado pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa-MG, na Escola Estadual Dr. Mariano da Rocha, no

município de Teixeiras-MG. Este projeto, intitulado “Reconhecer Grafias e Tecer

Leituras Sobre o Mundo: africanidades no universo escolar de Teixeiras-MG”, tem por

objetivo desenvolver atividades junto aos estudantes da referida escola, a partir do conhecimento cotidiano, que possibilitem a compreensão da organização espacial, formas e processos, a partir da diversidade étnica nele presentes, com o intuito de contribuir para ampliar a visibilidade dos elementos que definem a contribuição desse grupo para a caracterização sócio-espacial do município. Espaço esse, que recebeu grandes contingentes de negros para atuarem junto na produção cafeeira.

Cultura e Sociedade

Pensar a cultura envolve uma gama complexa de elementos e fatores. Pois esta se configura através de diversas formas e concepções em diferentes contextos. Mas sem dúvida, podemos afirmar que as questões culturais caracterizam-se como importantes fenômenos sociais que influenciam diretamente na organização do espaço. Segundo Roberto Lobato Corrêa (2003), a partir da década de 1970 a cultura deixou de ser encarada sob uma perspectiva inerente aos indivíduos, libertando-se do conceito que a entendia como uma variável independente que detinha suas próprias leis, explicando o todo social. Ou seja, a cultura não só faz parte dos indivíduos como é constantemente produzida e reproduzida por estes, manifestando-se nos mais diferentes setores da sociedade, atravessando os tempos e os espaços da história e geografia humanas:

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

A construção da cultura se faz em nossas vidas cotidianas, é produzida no dia-dia corrente das sociedades. As relações sociais desenvolvidas no interior da família, no bairro, no trabalho, na escola, no parque, no clube etc., ou seja, as experiências diárias de indivíduos e grupos configuram as culturas humanas. São propagadas e reproduzidas ao longo dos tempos, impulsionadas pela circulação de informações e produzidas em grande medida pelos meios de comunicação e pelo Estado, constituem então, produto da interação entre as redes sociais.

A cultura assim incorpora alguns valores que tem por finalidade estabelecer um direcionamento para a vida dos indivíduos, ditando muitas vezes a maneira de agir e de ser das pessoas, ela “(...) serve para dar um sentido à existência dos indivíduos e dos grupos nos quais eles estão inseridos” (CLAVAL apud CASTRO et al, 1997, p. 96). Entretanto, os sujeitos não se mostram passivos diante da cultura, eles assumem a postura de criadores e modeladores desta, por intermédio de seus conhecimentos, valores, desejos, sonhos, convicções, aspirações, em fim, todos os elementos que norteiam a vida dos seres humanos. As pessoas modelam a estrutura social tendo como instrumento este conjunto de fatores exteriorizados pela criação de símbolos e identidades próprias, socialmente construídas, que dão forma a sociedade humana. “A abordagem cultural torna-se, assim, indispensável para compreender a arquitetura das relações que dominam a vida dos grupos” (CLAVAL apud CASTRO et al, 1997, p. 98).

Diante deste jogo complexo de formas culturais que se estabelece no interior das sociedades, as classes sociais assumem importante papel na criação das expressões culturais. Uma vez que os grupos apresentam forças diferentes na composição social, levando assim a conflitos culturais resultantes de imposições e sobreposições de idéias e valores. Dessa maneira é desconstruída a idéia de homogeneidade cultural em âmbito nacional instaurada em muitas sociedades, tornando os espaços sociais ricos em diversidade cultural, mas ao mesmo tempo representando certo perigo social, ao serem “sufocadas” várias representações étnicas em privilégio da cultura dos grupos e classes sociais dominantes. Sendo necessário despender grande atenção quanto a essa problemática que apresenta-se de vital importância na organização espacial.

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Todas as culturas resultam de um trabalho de construção e dispõem de know how e de saberes relativos ao espaço, á natureza, á sociedade, aos meios e ás maneiras de explorá-lo. É interessante comparar estes saberes, analisar suas bases e seus modos de elaboração e inventariar as categorias sobre as quais eles repousam. É necessário também deter-se sobre a maneira como esses conhecimentos são utilizados, reinterpretados, respeitados (ou transgredidos), em seus conteúdos normativos, por aqueles que os colocam em prática. (...) e modelam o espaço à sua imagem e em função de seus valores e de suas aspirações.

Portanto, como explicitado pelo autor acima citado, é de extrema importância no âmbito cultural atentar-se para como está sendo construída e trabalhada essa questão, para evitar que ocorram imposições, sobreposições e “castrações” culturais, uma vez que há espaço o suficiente para todas as formas sociais na ampla e multifacetada sociedade brasileira. Entendendo que a escola é um dos principais espaços de discussões e manifestações culturais, bem como dotada de grande influência na organização espacial, nos preocupamos para a maneira como esta temática tem sido encarada no ambiente escolar. Pois sendo este um espaço marcado por grande diversidade cultural, é preciso que sejam respeitados os valores dos diferentes grupos étnicos que o compõe, para que identidades não sejam “sufocadas” e nem negadas durante o processo educativo.

Desta forma, discutiremos a escola sob a visão de um espaço marcado acima de tudo por sua grande diversidade cultural, como um local não só de transmissão de informações, mas de construção social.

As Múltiplas Faces da Escola

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

que nela chegam provenientes de diferentes localidades, portando hábitos, culturas, conhecimentos e características peculiares a sua formação social. Assim, a unidade escolar caracteriza-se por um ambiente complexo e multifacetado, dadas as inúmeras vivências que a conformam. Portanto, o reconhecimento dessas singularidades na constituição do coletivo escolar e o recrudescimento da importância desses sujeitos na configuração de cada unidade de ensino, mostram-se como instrumentos preponderantes na forma de se pensar o ambiente escolar. Dessa forma:

Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, em fim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história. Falar da escola como espaço sócio cultural implica, assim, resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição (DAYRELL, p. 136, 1996).

Assim, ao entendermos a escola como um espaço socialmente produzido por cada sujeito que a compõe nos contrapomos à postura integradora assumida por esta ao tratar estes sujeitos como um grupo homogêneo de alunos, desprezando suas características individuais, vivências, culturas próprias e conhecimento prévio com o qual cada indivíduo chega à instituição escolar. Então, torna-se necessário compreender que os sujeitos encontram-se munidos de desejos, convicções, anseios, trazendo consigo sua historicidade e conhecimento adquirido, pois os alunos não são formados apenas na escola, mas também nos mais diferentes espaços de vivência na sociedade. Seja em casa, no bairro, na igreja, no trabalho, no lazer, através dos meios de comunicação, etc., esses sujeitos estão em constante formação e desenvolvimento, recebendo e trocando informações a todo o momento com uma gama diversa de pessoas nesses diferentes espaços. Assim, torna-se necessário respeitar essa bagagem pessoal de cada estudante, a fim de valorizar suas individualidades na busca por uma formação consistente desses alunos.

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reprodução de conteúdos programáticos socialmente herdados, transferidos geração após geração em prol da manutenção do sistema vigente. Ocorre dessa forma uma sobreposição dos fins em detrimento dos meios, que nesse caso são o que realmente importam, a construção do conhecimento e não a mera reprodução de conteúdos. Uma vez assumindo que todos os sujeitos chegam à escola com os mesmos objetivos, esta tende a tratá-los de maneira uniforme, consagrando a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos. Essas idéias tomam assim a direção das salas de aulas, onde são levadas adiante, dessa maneira:

Para uma grande parte dos professores (...), independente do sexo, da idade, da origem social, das experiências vivenciadas, todos são considerados igualmente alunos, procuram a escola com as mesmas expectativas e necessidades. Para esses professores, a instituição escolar deveria buscar atender a todos da mesma forma, com a mesma organização do trabalho escolar, mesma grade e currículo. A homogeneização dos sujeitos como alunos corresponde à homogeneização da instituição escolar, compreendida como universal (DAYRELL, p. 139, 1996).

Sendo assim, essa demasiada homogeneização dos sujeitos empregada pelas unidades escolares, tende a “sufocar” a singularidade e a auto-identificação das crianças e adolescentes em fase de formação enquanto cidadãos. Identidades essas que podem ser comprometidas por esta abordagem simplista e integradora de formação, principalmente aquelas identidades que não estejam em acordo com os grupos étnicos dominantes, tornando-se assim uma questão delicada para as instituições de ensino. É exatamente este o motivo de nossa insistência em um reconhecimento da escola como um espaço sócio-cultural, pois assim como afirma Juarez Dayrell (p. 160, 1996):

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e A Construção da Identidade Negra

Diante da preocupação exposta no último tópico, indagamos como seria possível criar identidades numa escola que se limita a transmissão de conteúdos, sob uma filosofia integradora e controladora dos indivíduos em formação? Como esses sujeitos se reconhecerão dentro da sociedade? Como resgatar a historicidade e individualidade dos estudantes para que possam reconhecer a importância de cada grupo dentro da coletividade que constitui nosso país? São questões de extrema importância com as quais nos deparamos em busca de respostas, questões que nos desafiam a trabalhar de forma positiva a diversidade na escola, bem como a construção e a discussão sobre as identidades dos indivíduos e grupos étnicos que conformam este espaço, e que parecem invisíveis. Preocupação essa que está presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), quando afirmam que:

Este tema propõe uma concepção da sociedade brasileira que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que a compõe, compreender suas relações, marcadas por desigualdades socioeconômicas, e apontar transformações necessárias. Considerar a diversidade não significa negar a existência de características comuns, nem a possibilidade de constituirmos uma nação, ou mesmo a existência de uma dimensão universal do ser humano. Pluralidade Cultural quer dizer a afirmação da diversidade como traço fundamental na construção de uma identidade nacional que se põe e repõe permanentemente, e o fato de que a humanidade de todos se manifesta em formas concretas e diversas de ser humano (BRASIL, p. 19, 1997).

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funções dentro da sociedade, atentamos para a forma como é encarada a questão da identidade negra no interior dessas instituições.

De modo geral, o que se observa é que a identidade do povo negro como colocado anteriormente, tem sido negligenciada nos currículos e nas práticas pedagógicas escolares. Muitas vezes seu tratamento fica restrito a datas específicas sem uma articulação com o espaço de vivência dos estudantes. Identidade essa, construída a partir de estereótipos negativos, presentes, inclusive em materiais didáticos.

Entretanto, o que se busca reiterar não é desconsiderar as datas comemorativas, mas a necessidade de se refletir sobre as práticas pedagógicas que geralmente restringem as manifestações da cultura negra com tais estereótipos em datas específicas do calendário escolar. O que se enfatiza é a necessidade de trabalhar esses referenciais ao longo de todo o processo educativo, como pressuposto para possibilitar aos estudantes da escola básica a compreensão da organização espacial brasileira desde a escala local até a nacional (OLIVEIRA, 2010). Assim sendo, ao ignorar as marcas deixadas pelos negros na sociedade, a escola estará contribuindo para a reprodução da desigualdade e discriminação deste grupo de sujeitos que buscam fortalecer sua identidade e valorizar seu povo.

O Mito da Democracia Racial e as Ações Afirmativas

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

as quais são vítimas diversas minorias no nosso país, em especial os negros. Sendo este, um instrumento de manutenção e perpetuação da cultura dominante como forma de submissão de tantas outras de igual importância, como é o caso da cultura afro-descendente.

Portanto, diante da responsabilidade pertencente às instituições escolares por conta de seu caráter formador, nos preocupamos com a disseminação dessa ideologia contraditória pela escola, que só vem a agravar a situação de discriminações e preconceitos que existem sim, e muito, em nosso país. E também com o conseqüente desprezo pela formação da identidade das inúmeras crianças e adolescentes negros e negras que acabam por ser comprometidas em sua formação por conta desses mitos que assolam as escolas brasileiras. Quanto a essa questão, identificamos preocupação também por parte dos PCN’s, quando tratam do pluralismo cultural como um tema transversal e debruçam-se sobre esta problemática em seus documentos, ao colocarem que:

Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica. O País evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por “mitos” que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças, ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta “democracia racial”. Na escola, muitas vezes, há manifestações de racismo, discriminação social e étnica, por parte de professores, de alunos, da equipe escolar, ainda que de maneira involuntária ou inconsciente. Essas atitudes representam violação dos direitos dos alunos, professores e funcionários discriminados, trazendo consigo obstáculos ao processo educacional, pelo sofrimento e constrangimento a que essas pessoas se vêem expostas (BRASIL, p. 20, 1997).

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indicadores são incorporados a nossa realidade de forma sutil sem que muitas vezes nem percebamos a reprodução dessa ideologia racista e discriminatória para com os negros. Cultura essa que acaba sendo naturalizada também pela escola e interferindo diretamente na formação dos sujeitos afro-descendentes. Pois:

Essas mensagens ideológicas tomam uma dimensão mais agravante ao pensarmos em quem são seus receptores. São crianças em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social, que podem incorporar mais facilmente as mensagens com conteúdos discriminatórios que permeiam as relações sociais, aos quais passam a atender os interesses da ideologia dominante, que objetiva consolidar a suposta inferioridade de determinados grupos. Dessa forma, compreendemos que a escola tanto pode ser um espaço de disseminação quanto um meio eficaz de prevenção e diminuição do preconceito (MENEZES, 2002).

A grande questão a qual estamos procurando trabalhar neste artigo é exatamente esta acima exposta, encarar que a formação de identidades não é feita isoladamente, como também a função positiva que a escola pode assumir nesse processo. Cada sujeito se auto-identifica no grupo onde está socialmente inserido, na família, no bairro, na escola, nos lugares que freqüenta e com as pessoas que tem contato, em fim, nas relações sociais cotidianas. Assim, diante de uma questão tão delicada quanto é a negação de uma identidade positiva do negro, a criança ou o adolescente afro-descendente necessita de uma valorização e reconhecimento das inúmeras particularidades positivas de seu povo, para reconhecer-se como membro integrante deste e assim formar sua identidade individual, e não assumir a identidade dominante, do outro, que lhe é imposta por todas as esferas da sociedade em detrimento daquilo que lhe é próprio. Contudo, a demanda por uma nova postura diante da condição da identidade negra dentro da escola existe, e é urgente, portanto cabem ao Estado, educadores, funcionários e a comunidade escolar em geral trabalhar pela mudança ideológica dentro dessas instituições, para fomentar um equilíbrio entre os diferentes grupos étnicos como forma de combate ao preconceito e a discriminação.

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

devem ser buscadas alternativas desde já, para caminharmos passo a passo em direção a uma sociedade mais justa. E nada melhor para resolver um problema estrutural do que trabalhá-lo no local de formação da sociedade, a escola. Que curiosamente é onde entendemos estar o principal foco dessa questão. Para uma mudança de postura, acreditamos que inicialmente deva haver uma melhor formação dos sujeitos responsáveis pela educação de nossas crianças e adolescentes, os professores. Geralmente, apelamos à base para resolvermos problemas de nível superior, mas neste caso, entendemos que para trabalhar esse novo cenário de maneira satisfatória no ensino básico, uma formação mais adequada desses professores, ao serem trabalhadas e discutidas essas questões raciais visando um maior preparo desses profissionais, seja o primeiro passo para a mudança de mentalidade nas escolas.

Outro ponto de extrema relevância que gostaríamos de ressaltar, diz respeito à grade curricular escolar. Que como já apontamos anteriormente continua a reproduzir uma imagem estereotipada e inferior do negro em nossa sociedade, portanto uma reformulação curricular que atenda as demandas da cultura dos negros e de suas grandes contribuições para a construção de nosso país é de vital importância para caminharmos nesse novo sentido. Quanto a isso, já obtivemos um grande avanço com a implementação da Lei Federal n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que dispõe sobre a inclusão da temática História e Cultura Afro-brasileira no Ensino Fundamental e Médio, visando à implementação do currículo escolar no sentido de reconhecer e valorizar a cultura e identidade negras. Sendo necessária também uma revisão dos livros didáticos de História que contribuem para essa visão estereotipada do negro africano escravizado e sempre submisso pregada por muitos desses manuais didáticos. Portanto, um maior aprofundamento nos estudos dos africanos no Brasil e de seus reflexos positivos na sociedade brasileira atual, acreditamos que seja uma das principais ações de afirmação da cultura negra a ser efetuada no ensino básico.

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sócio-culturais na escola e na sua vivência no mundo do trabalho (GOMES apud DAYRELL, p. 91, 1996).

Contudo que foi apresentado gostaríamos de refletir mais uma vez com o aporte de Nilma Lino Gomes, que sintetiza bem o que discutimos, ao concluir que:

Articular educação e identidade negra é um processo de reeducação do olhar pedagógico sobre o negro. A escola, como instituição responsável pela socialização do saber e do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, possui um papel importante na construção de representações positivas sobre o negro e demais grupos que vivem uma história de exclusão. Mais do que simplesmente apresentar aos alunos e às alunas dados sobre a situação de discriminação racial e sobre a realidade social, política e econômica da população negra, a escola deverá problematizar a questão racial. Essa problematização implica descobrir, conhecer e socializar referências africanas recriadas no Brasil e expressas na linguagem, nos costumes, na religião, na arte, na história e nos saberes da nossa sociedade. Essa é mais uma estratégia pedagógica que, na minha opinião, toca de maneira contundente nos processos identitários dos negros e possibilita a construção de representações positivas tanto para estes quanto para os brancos e demais grupos étnico/raciais (GOMES, 2002).

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e Reconhecendo Grafias e Tecendo Leituras

Neste tópico, vamos compartilhar nossas experiências adquiridas com o desenvolvimento do projeto de extensão que vem sendo idealizado pelo Departamento

de Geografia da Universidade Federal de Viçosa-MG intitulado “Reconhecer Grafias e

Tecer Leituras sobre o Mundo: africanidades no universo escolar de Teixeiras-MG”,

cujo objetivo é exatamente trabalhar a questão da identidade negra de forma positiva, em um reconhecimento das marcas deixadas por esse grupo étnico na paisagem do espaço geográfico do município de Teixeiras-MG.

O município de Teixeiras está situado na Zona da Mata mineira, a cerca de 220 km de Belo Horizonte, ocupa uma área de aproximadamente 170 km² com uma população superior a 11.000 habitantes, sendo que mais de 60% residem na zona urbana da cidade, apesar da economia do município ser baseada nas atividades rurais, tendo a agricultura e a pecuária como principais fontes de recursos. O espaço municipal de Teixeiras apresenta características bem peculiares em sua paisagem, contemplando resquícios dos tempos áureos do café, bem como alguns fixos notadamente modernos. Caracterizando-se como uma localidade dotada de uma aparente tranqüilidade percebida em suas ruas apertadas e pouco movimentadas, com um aspecto marcante de cidade do interior. Entretanto, esta tranqüilidade hoje claramente perceptível no município, em tempos anteriores deu lugar a fenômenos e elementos de suma importância na conformação do espaço municipal e também nacional. A cidade teve grande destaque durante o auge da produção cafeeira no país, caracterizando-se assim como um espaço de escravidão do século XIX e que mantém muitas marcas deste tempo presentes até hoje em sua paisagem.

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organizada e estruturada. Entramos em contato direto com a direção da escola e alguns membros do corpo docente, sendo todos muito atenciosos e bem dispostos para com as atividades do projeto.

Especificamente quanto aos sujeitos envolvidos no projeto, são 79 adolescentes entre 15 e 18 anos divididos em três turmas do ensino médio (um 1º ano e dois 2º anos). Sendo que a maioria destes, a exemplo dos demais estudantes da escola, são negros ou mestiços. Sendo que 44,3% se auto-identificam como mestiços e 15,1% como negros, ao passo que 34,4% deles se reconhecem como brancos, e apenas 5% e 1,2% como amarelos ou índios respectivamente. Metade desses alunos reside na zona rural da cidade, dependendo do transporte público municipal para chegarem até a escola todos os dias, sendo que boa parte deles moram em localidades bem afastadas. Visitamos os bairros no qual a maioria destes sujeitos mora, tivemos assim a oportunidade de observarmos de forma mais próxima um pouco da realidade dos adolescentes com os quais estamos trabalhando.

O projeto encontra-se em sua primeira parte de desenvolvimento, onde realizamos leituras e discussões de textos e livros referentes à questão dos negros africanos e dos afro-descendentes no Brasil, como forma de preparação do grupo para o desenvolvimento das atividades do projeto. Foram realizadas também pesquisas sobre Teixeiras, em seus aspectos históricos, geográficos, sociais, culturais e econômicos, bem como dois trabalhos de campo pelo município a fim de conhecermos bem a cidade e entrarmos em contato direto com sua vida cotidiana.

Posteriormente, foi oferecida uma oficina aos alunos das turmas, intitulada de

“O (Re)conhecimento do Espaço Geográfico de Teixeiras”, onde buscamos trabalhar a

percepção que os sujeitos têm da cidade onde vivem e como reconhecem as marcas deixadas em sua paisagem. A oficina foi baseada em uma apresentação em power point com exibição de fotos antigas (tiradas a cerca de 50 anos atrás) e atuais (tiradas poucas semanas antes da apresentação) da cidade, buscando contrastar as mudanças ocorridas na paisagem do município ao longo dos anos. As fotos eram sempre acompanhadas por explicações a respeito de diversos elementos importantes que configuram a paisagem municipal, a respeito de sua história e importância na organização espacial. Nossa pretensão não foi a de apresentar para os sujeitos a cidade onde a grande maioria deles

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

de Teixeiras. Ao trazer uma visão de fora da cidade, voltada para a geohistória do município e para a questão referente aos afro-descendentes, numa tentativa de levá-los a reconhecer a importância deste grupo étnico na conformação do espaço municipal, e a importância do município na organização regional e mesmo nacional. Pois como afirma Claval (2007, p. 310):

Os homens vivem, freqüentemente, em lugares que não desenharam; as sociedades inscrevem-se em espaços cujos traços são herdados de ancestrais fundadores longínquos (...). O papel da cultura é, então, mais voltado a reinterpretar o espaço do que desenhá-lo.

A apresentação desta oficina buscou trabalhar os aspectos positivos das heranças negras, numa tentativa de desmistificação dos estereótipos caricatos atribuídos socialmente aos negros. Quem sabe assim mais sujeitos nessas turmas se auto-reconheçam como negros, uma vez que os 15,1% que se identificam como tal é um baixo número tendo em vista que em nossas visitas a escola observamos que esse número aparenta ser bem maior. Não seria isso reflexo da atual ideologia escolar? É uma indagação na qual não esperamos uma resposta imediata, mas sim, com o desenvolvimento deste projeto, trabalhar para que os problemas dessa ordem sejam resolvidos, independente de quais sejam suas causas exatas.

Entretanto durante esta atividade, os sujeitos mostraram pouca identificação ou talvez timidez em se manifestarem sobre as questões referentes às marcas negras do município. Os estudantes demonstraram grande interesse quanto às intensas modificações ocorridas na Praça Arthur Bernardes, a principal da cidade, durante a apresentação das fotos. Uma vez que essa trata-se de um local extremamente familiar para todos, onde costumam freqüentar e portanto identificam-se com esta. Tal identificação dos sujeitos, pretendemos atribuir também quanto às marcas negras na paisagem do município, diante de um maior aprofundamento nesta temática nos próximos trabalhos, já que esta oficina teve um caráter introdutório ao projeto, ao abordarmos os aspectos geográficos e históricos da cidade de forma mais geral.

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provavelmente pela imagem da cultura negra transmitida para estes. Nesse sentido, é que será realizado um resgate positivo dessa imagem e uma (re)construção dessas identidades, ainda pouco percebidas neste primeiro trabalho, mas que justamente trabalharemos com mais ênfase nas próximas atividades.

Atualmente, está sendo preparado um trabalho de campo pela cidade de Teixeiras para desenvolvermos com os estudantes da escola, com o intuito de trabalhar de forma mais prática a apresentação que fizemos, uma vez que como bem coloca Corrêa (2003, p. 167) “o urbano pode ser analisado segundo diversas dimensões que se interpenetram. A dimensão cultural é uma delas e por seu intermédio amplia-se a compreensão da sociedade em termos econômicos, sociais e políticos”.

Diante do contexto histórico e geográfico que envolve Teixeiras, sendo no século XIX espaço de escravidão com a produção cafeeira na região como já citado anteriormente, trabalharemos as marcas deixadas pelos negros, que muito contribuíram para a construção da paisagem municipal. Já que foram seus braços que modelaram a região com seu trabalho nesta época, além do desenvolvimento econômico propiciado a esta cidade, que já chegou a ter a maior economia da micro-região de Viçosa, graças à produção do café que era sustentada exatamente pelos negros africanos e seus descendentes. Ou seja, desejamos enfatizar o grande trabalho desenvolvido por este grupo étnico, incitando os sujeitos a identificarem essas marcas deixadas na paisagem, como coloca Corrêa (2003, p. 168) “A cidade, (...) passa a ser vista, (...) como marca e, simultaneamente, como matriz cultural ou, (...) como um texto no qual se lêem a sociedade e suas múltiplas interpretações da paisagem urbana”.

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I Congresso Brasileiro de Organização do Espaço e

A paisagem urbana permite múltiplas leituras a partir de diversos contextos histórico-culturais, envolvendo diferenças sociais, poder, crenças e valores. (...) A paisagem urbana, por outro lado, ao ser um meio de comunicação da identidade social e étnica, torna-se um relevante elemento do processo de reprodução social, em virtude de ser um importante repositório de símbolos de classe social e de herança étnica (CORRÊA, 2003, p. 179-180).

Sempre buscaremos, neste projeto, exaltar a pluralidade cultural que existe e merece ser reconhecida nas escolas, onde se deve atentar para as inúmeras identidades que a conformam. Dessa forma, seguindo as próximas etapas já citadas, pretendemos trabalhar de maneira satisfatória a questão das africanidades com os sujeitos, de modo a se fazer reconhecer as marcas deixadas pelo povo negro no universo de vivência destes jovens, e despertá-los para a formação de sua auto-identidade e valorização deste grupo étnico tão importante na construção de nosso país.

Considerações Finais

Ao compartilhar nossa experiência adquirida com o desenvolvimento do projeto de extensão descrito anteriormente, pretendemos contribuir para a discussão a cerca do pluralismo cultural tão presente nas escolas brasileiras e mais especificamente a cerca da construção, valorização e resgate da identidade negra no interior das unidades escolares e na sociedade como um todo. Pois este grupo étnico-cultural tão discriminado e injustiçado ao longo da história de nosso país, contribuiu e ainda contribui muito para a construção da sociedade brasileira, merecendo e sendo absolutamente necessária esta valorização de sua cultura. Portanto, a escola tem o dever e a responsabilidade de trabalhar por uma valorização positiva dos negros, como de todas as outras culturas existentes no espaço escolar.

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de transmitir conteúdos programáticos, e sim contribuir para a construção de um conhecimento que leve em conta toda a diversidade presente na sociedade brasileira, um conhecimento pautado, antes de mais nada, por valores democráticos.

Referências Bibliográficas

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Referências

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