Quando acreditas... é possível! - Três meses de viagem
Universidade de Évora
Relatório de Estágio Curricular Inserido no Mestrado de Teatro -
Arte
doActor
Orientador:Dr.
Carlos Nicolau AntunesOrientando: Catarina Caetano
Aluno
n":19866Trigo
Limpo
TeatroACERT
ACRBDITAI\DO...
É
possÍvEl!
Três
meses
de
Viagem
UE
Quando acreditas. . . é possível ! - TÉs meses de viagem
Universidade de Évora
Relatório de Estágio Curricular Inserido no Mestrado de Teatro -
Arte
doActor
Orientador:Dr.
Carlos Nicolau AntunesOrientando: Catarina Caetano
Aluno
n":19866Trigo
Limpo
TeatroACERT
ACREDITANDO...
É
possÍvEl!
Três
meses de
Viagem
/\-r\/1\
(,09
3q
,*l
1Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
"
...
os sonhos são mapas que nos ajudam aortefiar
na vida... Aqueles quenilo
sabemler os sonhos, esses sim, estõo
perdidos,"t
Para a Ana Margarida Pereira,
Actriz, Encenadora, Amiga, Força da Natureza,
Saudades!
' Deixa da personagem Ermelinda Feitinha, a mãe, personagem do texto Chovem Amores na Rru do Matador,levado a cena pelo Trigo Limpo Teatro ACERT
Quando acreditas.. . é possível! - Três meses de viagem
RESUMO
Acreditando...
É
Possível!-Três
meses de ViagemFiz
o
meu estágiocurricular
na companhiaTrigo Limpo
TeatroACERT,
em Tondela. Umacompaúia
com uma essência e um carisma singulares e especiais. Estivelá
três
meses
(de
Março
a
Maio).
Tive
oportunidade
de
acompaúar
inúmerasactividades e participar em vários projectos,
emvez
de (como na maioria dos esuágiosdesta natureza) integrar exclusivamente um processo de criação artística.
Procurando
facilitar
a organização e compreensão do meu percurso naACERT,
defini
três fases do meu estágio: a fase decoúecimento
e entrosamento na compantria;a
Queimae
Rebentarnentodo
Judas;
a
FantásticaAventura
duma Criança chamadaPinóquio.
Foi desta estrutura que parti paÍa passar para palavras o que experienciei e cresci
na
ACERT,
não sócomo
actriz mas como pessoa.Num
registo pessoal, descrevo no relatório de estágio os momentos mais relevantes de todo o processo, o que aprendi comos mesmos e o que mudou em
mim.
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
ABSTRACT
If
you believeit...
It's possible!-
A
three monthsiourney
I
did
my
curricular raineeship
at
the
Theatre CompanyTrigo Limpo
TeatroACERT,
in
Tondela.It's
a theatre troupewith
an essence and a charismavery
specialand unique.
I
was therefor
three months(from
March
to May).
I
had the
chanceto
accompanymany
activities asto
participatein
several projects, insteadof
being parteonly on one creative process.
Trying to
make the understanding and organizationof my
pathin
theACERT
easier,I
defined three phases onmy
traineeship: presentation and integrationwiü
thewhole team; the street show Queima e Rebentarnento do Judas; The fantastic adventure
of
achild
called Pinóquio.This was
my
startingpoint to write
aboutall
I
experienced and developed atACERT, not
only
as an actressbut
also asa
human being.In
aninformal
register,I
describe on
my
reportüe
process' most relevant moments, whatI've
learnedwith
themQuando acreditas.. . é possível! - Três meses de viagem
ÍNorcn
Primeira Fase
-
Conhecendo os cantos àCasa...
...91.1) Criação da Associação Cultural e Recreativa de Tondela e Trigo Limpo Teatro 4CERT...9
1.2) A equipa que faz a "máquina"
funcionar...
...'.l2 1.3) A miúa chegada àACERT....
... 141.4) As Botas do
Sargento
... 151.5) Projecto
Interi.ores...
... 161.6) Na Xina
kn
-
Grupo de teaho juvenil...
... 181.7) Outras actividades na
ACERT
... 19Segunda Fase
-
Noves Fora, Nada!-
Queima e Rebentamento do Judas ...212.|)Oteatroeatadição
...212.2) A Queima do Judas
-Um
ritual comHistória
...'...222.3) Renovando a
Tradição.
...232.4) Planificação da Edição de 2009
-
Noves Fora, Nada!.
...242.5) O meu Eabalho ao longo do
processo
...272.6) Uma reflexão
fina1...
...'.32Terceira Fase
-
A
Fantástica Aventura de uma Criança chamada Pinóquio...343.1) O Teatro de
Marionetas...
...343.2) Actor VS
Manipu1ador...
...343.3) A descoberta do Pinóquio, a esfutura da marioneta e seu
funcionamento
...'.'.363.4) Procura inicial de universos
imaginfuios..
...383.5) Chegada da
equipa
...413.6) O processo de Eeino e de
ensaios.
...413.7) Um desvio no
percurso..
...4
3.8) Reinserção no processo e desenvolvimento do
tabalho
...4'6 3.9) Santa Maria da Feira-
Festival Imaginarius, uma novaetapa...
... 493.10) As apresentâções e o trabalho durante o
festival...
...'....523.11) No regresso a
cas4...
...54Conclusão
-
Uma últimapalavra...
...57Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
Anexos...
...63Anexo 1
-
Folhas de Sala dos espectáculos Ás Eolas do Sargento, Chovem Amores na Rus doMatador e Circonferêncics
...
'...63Anexo 2
-
Fotos do Espectiáculo Chovem Amores no Rru do Matador...
"...68Anexo 3
-
Fotografias de ensaio de Circonferências,nalousada, a I de Maio de 2009 ...70 Anexo 4-
Folha de Sala e Fotografias de ensaios do espectáculo Refuga, do grupo Na XinaLw
....72Anexo 5
-
Fotografias do espectáculo Noyes Fora Nada, Queima e Rebentamento do Judas 20íJl9....75Anexo 6
-
Plano diário de ensaios e Guião dos Ratos no espectáculo Noves Fora Nada ...77 Anexo 7-
Imagens e fotografias de pesquisa e estudo da marioneta do Pinóquio 80Anexo 8
-
Imagens dos Gigantes Royal Deluxe...
...'...'....85Anexo 9
-
Roteiro e Mapa do Festival Imaginarius, em Santa Maria da Feira ..'...'...'... 87Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
INTRODUÇÃO
-
Antes
de
Tudo
"Rara1
vezesme recordo dos
sonhos.Esta
manhã,porém,
etnborame
tenha esquecido de iruímeros porrnenores, lembro-me perfeitamente d.o da noitepassada"2
Não
vou
dizer que
foi
uma
decisão
fácil,
que
foi
algo muito
esperado e pensado...Foi
antes uma surpresa! Agradável, surpreendente, enriquecedora...Procurar
e
correr atrás deum
cantinho que nos acolha, para podermos crescermais
um
pouco,
dar
o
passo seguinte,não
foi
tarefa pacífica.
Incertezas,faltas
decomunicação, ausência
de
respostas,
angústias... até
ouvir as
palawas
certas: "esperamos porti
dia2
de Março,bem-vinda!"
Assim entrei
na
"casinha
dos
sonhos":
a
ACERT
(Associação
Cultural
eRecreativa
de Tondela). Objectivo:
estágiocurricular
como
actriz.Acabaria
por
sermuito mais,
muito
diferente, transformou-me, ensinou-me, conquistOu-me.Procurando perceber como estruturar o processo, posso dizer que passei por três momentos, três fases: entrosar-me na casa, na estrutura,
coúecer
o
quefoi
eo
que é aACERT,
como funciona, quem a faz funcionare
quetipo
de actividade desenvolve;Á
Queima
e
Rebentarnentodo
Judos,um
espectáculode rua que
a ACERT
apresenta anualmente,com
a
participaçãoda
comunidade, baseadonuma
antiga tradição; Á
Fantástica Aventura de uma criança channda Pínóquio, o grande projecto que integrouo
meu
estágioe
que consistiu
na
criação
de um
espectáculode rua
envolvendo
amanipulação de uma marioneta de madeira de sete metÍos de altura. Procuro, ao longo
7
'
Trtgo Limpo Teatro ACERT - 25 Anos a Fabicar Sonhos, p.7Quando acreditas... é possível! - TÉs meses de viagem
deste
relatório,
descrevere reflectir
cobre cada uma dessas etapas, com todas as suasespecificidades e detalhes.
A
importância que este estágioteve
paramim e
o
quantome
ensinou, comoindivíduo
e como
actrize
admiradorado
teatro,é
legível em toda
a
estrutura de§terelatório que,
por
essa mesmarazáo, mantém desdeo início um curüo
particularmenteQuando acreditas... é possível! - Três meses de viagem
PRIMEIRA
FASE
-
Conhecendo
os
cantos à
casa
1.1)
Criação da
AssociaçãoCultural
e
Recreativa de
Tondela
e
Trigo
Limpo
Teatro
ACERT
Com a
abolição da censura em Portugal, consequência da Revolução de25
deAbril
de 1975, e a procura de novos caminhos de experimentação e intervenção, o teatroabriu-se
a um território
mais amplo
com
uma
vertentede
análisesocial
e
política
evidentes. Observou-se
um
movimento
de
descentralizaçáoque
proporcionou
osurgimento
de
grupos
e
compaúias
teatrais
com
p§ectos
sólidos
e
perspectivasinovadoras
e
muito
exigentes
a
nível
cultural.
Foi
neste contexto histórica
epoliticamente agitado que
o Trigo Limpo
surgiu como companhia de Teatro Amador,em
1976. NoLivro
TrigoLimpo
Teatro ACERT-
25 Anos aFabricar
Sonhos, JoséRui
Martins,
um
dos
fundadoresda
companhia,afirma "Era
aforrna
mais operativa
decontacto com as pessoas. Tínhamos unw vontade imensa de
viver,
deintervir,
de estaractivos
e
comunicar com outros
da
comunidade" Hoje,
volvidos
muitos
anos, essavontade mantém-se, na
miúa
opinião, presente na essência da companhia.Em
Tondela,um
pouco à margemdo
que se passavano
centro da Capital, umgrupo
de
pessoasse
unia
pela vontade
de dizer
mais,
de fazer
mais,
de
chegar àcomunidade
que os
rodeavae
criar com
ela,
por ela e
paraela...
"Entre
o
grupofundador, jovens
sobretudo, apostad.osna
criação
deprodutos
culturais
numa zonaonde
não existia
nado, chegoua
haver
quernfosse
confrontadocom
o
dilema de
semanter
no
teatro
ou...
conservar
o
emprego".
3
Foi
essapaixão
pelo
teatro,
essaconvicção em comunicar, em
intervir
e ser presente naquela comunidade, em participar9 3ln Prblico, Álvaro Faria 24-ll-2}üJ
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
activamente na evolução e melhoramento da cultura
populff
portuguesa, Que fez oTrigo
Limpo
crescer. Experimentandoe
cruzando diferentes formasde
trabalharo
teatro evárias
correntes artísticas
e
de
espectáculo, potenciandouma
veÍente
criativa
eexperimental,
o
Trigo Limpo
pÍocurou
desdeo
seuinício
essa intervençãosocial
ecomunitária, acompanhando de perto a sua "gente" e integrando-a na sua História.
Em
1979, é formada aACERT
-
Associação Cultural e Recreativa de Tondela-e o Trigo Limpo
passaa
constituir
a
sua secção de teatro. Trabalhando sempre em condições provisórias, sóem
1984 aACERT
viria
a encontrara
suaprimeira
"Casa",num antigo
Hospital
de Tondela adaptado e transformado, com novas condições (uma sala de espectáculos e toda uma estrutura que suportava o funcionamento da companhiae
da
associação). Instalandooutra
estabilidadee
dinâmica,
o
Trigo Limpo
TeatroACERT
construiu uma forte rede de circulação de espectáculos e de formação e criação artística, tornando-se num dos pólos dinamizadores culturais mais importantes do centrodo país.
Entre
1989e
1990, os espectáculos ^Si//ca (a partir deum
texto deIlse
[,osa) eOs Cavaleiros (Aristófanes) espelham a consolidação do trabalho artístico desenvolvido
pelo grupo.
Com uma
actividaderegular
a
nível de
criação artística
e
apresentação de espectáculosao longo do
seu crescimento(a
nível
nacionale
internacional),o
Trigo
Limpo
TeatroACERT,
recebeo
seuprimeiro
apoiooficial em
1992,Apoio
Pontual daSecretaria
da Cultura. Mais
um
passoem frente
que
permitiu
desenvolvero
seuuniverso.
Em
1993
esseapoio
passa
a
Regular, conferindo mais
estabilidade
econsistência à companhia.
Em
1995
a ACERT
passaa
funcionar
num
novo
espaço,o
Novo Ciclo,
noCentro
de
Recursos Culturais
e
de
Desenvolvimento Regional
de
Tondela.
ComQuando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
funcionamento
de toda
a
Associação-
"...
o
novo
espaçoseni
dimensionado
e organizadopara
corresponder à actividad,e sociocultural que a ACERT desenvolve(...)
o
estudode
ordenamentoe
organização
do
espaçofoi
feito
de modo
a
permitir
func ionalidade,criatividade
e conforto... "4 .O Trigo Limpo
Teatro
ACERT
explora
diferentes possibilidadesde
trabalhoteatral recorrendo a diversos tipos de textos, trabalhando muito as adaptações de autores
não
teatrais contemporâneoscomo
IsabelAllende,
Mia
Couto entre outros.
Apostadesde sempre na itinerância, permitindo a criação de novos públicos, criando contactos
e
amizades com outras realidades.No
liwo
Trtgo Limpo
Teatro ACERT-
25Anos
aFabricar
Sonhos,Carlos Clara
Gomes, integranteda compaúia
durante
16
anos,escreve
algo
que,
apesarda
carga metafórica, remetemuito
para
esse"espírito
deestrada" que
o Trigo Limpo
fomenta:
"8,
ainda que hoje não trilhemos as
rnesmas estrodas, ainda que alguns de nós possam ter desviado do itinenírtoprincipal
(hd quem goste defumar
na
viagem e outros não, outros preferem vias rdpidos e auto-estradas enquanto hó os que preferem deter-se a desfrutar a paisagem)para mimftcarão
sernpre registados namemóia
os dias em que convoscopartilhei
os rnesmos veículos.. , " .Para além dos seus próprios espectáculos,
o Trigo Limpo
promove a circulaçãode
trabalhosde
outrosgrupos
e compaúias, cria
várias formasde
colaboração comcompanhias "amigas" e acolhe regularmente no
Novo Ciclo
companhias em regime deResidência
Artística.
É
frequente
o
intercâmbio
com
companhias
internacionais,permitindo
a
sua
acção
em
locais como
Moçambique,
Galiza
e
Brasil, onde
acompanhia tem desenvolvido projectos com vários
gupos
de todo o mundo.a
Excerto do hotocolo celebrado entre Câmara Municipal de Tondela e ACERT em 1994.
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
Outra
apostaforte
do
Trigo Limpo
é a
formação teatral: desenvolvem acçõestanto no
Novo Ciclo
como noutros espaços onde sejam requisitados. Esta formação não sedirige
unicamenteà
áreada
interpretação:com a
exploraçãoe
investimento que acompanhia
fazno
teatro de Rua(A
Anual
Queima do Jud.as, O Golpe d'Asa,Memoriar,
entre outros) têm-se
criado
condiçõespaÍa
a
formação
especializadanas
áreas de produção, som, luz, pirotecnia, cenografia (montagem de máquinas de cena e estruturas teatrais).A
Promoção e organização de festivais como oFINTA
(Festival Internacional de Teatro daACERT)
desde 1995, oFINTINHA
(versão teatroinfantil),
o
Jazzin Tondela, o Tom de Vídeo e o Tom de Festa (de vídeo e de músicas do mundo, respectivamente),permitem
uma
diversidadecultural
intensa
e
uma
circulação
constantede
artistasnacionais
e
internacionaisque,
para além de nos
trazerema
sua
própria
cultura, dinamizamo
espaço doNovo
Ciclo e
a região.A
programaçãocultural
regular que aACERT
prepara, para além destes festivais, abrange muitas áreas artísticas e faz destacasa
um
ponto
importante
na
rede
de
circulação
de
espectáculosnacionais
einternacionais.
A
associação procura,por um
lado,
mantero
carácteritinerante
quedefine
op§ecto
e,por
outro, continuara
dinamizaro
espaçoNovo
Ciclo,
mantendo activa eforte a
sua acçãojunto
da
comunidadee a
sua relaçãocom
a
mesma,a
sua facetainterventiva; a ligação entre a prática
aÍística
e essa mesma comunidade.1.2)
A
equipa
que faz a"Máquina" funcionar
Para que
o Trigo Limpo
TeatroACERT
levea
cabotodo
o
trabalhoa
que seQuando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
Em
todos
os
trabalhosem
que
participei,
foi
semprefomentado
o
contactodirecto entre todos os membros. De diferentes formas, todos tiveram um papel activo e
relevante no meu percurso na
ACERT,
comotal,
serão muitas vezes referidos ao longo destetrabalho.
Por
essa razão,creio
ser
lógico
e
coerente apresentá-los desdejá
eexplicar, sumariamente, as funções que desempenham.
A
direcção artística é assegurada por Pompeu José, também actor e encenador da companhia, epor
JoséRui
Martins
que, apesar de oficialmente seter
retirado, teve econtinua a
ter um
papelmuito
presentee crucial na ACERT
(foi
também encenador, actor,um
dos elementos responsáveispelo
nascimento da associação e da companhia, um dos"pais"
do projecto).A
equipade
actores peÍmanentesé
constituídapor Ilda
Teixeira,
José Rosa, Pompeu José, Raquel Costa e Sandra Santos. Paralelamente ao trabalho como actores,todos
têm
papéis
intervenientesnoutras
vertentes:A
Ilda
desenvolvetrabalho
de formação e contacto directo com a comunidade, para além de apoio à produção; O JoséRosa
é
o
principal figurinista da
companhia,a
par
com
Ruy
Malheiro,
um
ex-actor residenteque continua
a
colaborarcom
a
ACERT em
diversos
acontecimentos; aRaquel Costa é a responsável pelo Serviço Educativo da ACERT; a Sandra Santos actua
também nas áreas da formação, execução de
figurinos
e produção.Refiro
ainda JoséTavares,
que
será
referenciadoadiante,
o
director
cenográfico
e
responsável pela imagem"gÍáíircd'da
ACERT. Para além destas especificidades, todos fazem um poucode tudo,
é um
dos
lemas destegrupo de
trabalho,um
dosprimeiros princípios
que aprendi. Não há funções fixas, postos. Sempre que há trabalho, háum
compromisso eempenho por parte de toda a gente parafazet acontecer...
Para além
da
equipacriativa,
uma estrutuÍa como
estasrequer
uma
equipatécnica
e
de produçãofixas,
que possam assegurar a sua funcionalidade:Luís
ViegasQuando acreditas. . . é possível ! - TÉs meses de viagem
(director técnico), Paulo Neto (iluminação), Cajó Viegas (som),
ZitoTavares
(imagem evídeo),
Rui
Ribeiro
(serralharia),Marta
Costa (produção), Rosa Marquese
Irene Pais(gestão
e
tesouraria), Paula Pereira
e Rui
Vale
(secretariado),Efigénia
Andrade(limpeza), entre outras pessoas que colaboram com a associação em todas as ocasiões,
igualmente importantes.
Toda
a
equipa trabalhacom
o
mesmoobjectivo
e,no
geral, sente-seo
carinho
e
dedicaçãoque criam
com a
essênciada ACERT,
pessoas que acreditam no projecto.O
facto de cada uma destas pessoas assumir o projecto tambémcomo seu é uma grande
lição,
assumem uma forma devida
eum
compromissomuito
especial para com o trabalho que têm.1.3)
A minha
chegada àACBRT
Quando escolhi a
ACERT,
devoadmitir
que não conhecia grande parte da suahistória
e
identidade.Na
verdade,pouco
sabia sobre eles.Tinha
uma
noçãoda
suavertente de contacto com a comunidade, ouvia falar muito do trabalho que desenvolvem e da sua criatividade. Mais não sabia...
A
forma como as pessoas que conheciam bem aassociação falavam,
o
entusiasmo eo
"brilhoziúo
nosolhos",
acabarampor
me levaraté
lâ.
Foi
nessa perspectivaidflica e
ingénua quelá
cheguei, às escuras masmuito
curiosa.Entrar
na
dinâmica
da ACERT, implica
força de
vontade.Fui
bem
recebida sempre, no entanto, paÍa me sentir parte de engrenagem,tive
de aprender a estar atenta,alerta, acompanhar tudo,
e
"coÍ:rer atrás".Fui
percebendo que não podia procurar quetudo me
fossefacilitado.
No início
demoreia
entender, senti-me desacompanhada emeio perdida,
foi
algo frustrante. Mas descobrir o meu lugar, encaixar-me no contexto,ser parte
integrante,foi
uma
conquistaimportante! Procurar,
despertaros
sentidos,Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
"arregaçar as mangas", de contribuir sempre com empenho e disposição e
tirar
de tudo omelhor proveito,
foi
a primeira lição que aACERT
me ensinou... a primeira de muitas.No
momentoda minha
chegadahavia dois
projectosna
mesa:A
Queima do Judas(um trabalho
anual, parte datradição da
Associação) eÁ
Fantástica Aventuraduma Criança chamada Pinóquio (adiante tratarei detalhadamente de cada um). Os dois trabalhos em que
iria
ter uma participação mais activa.O
Judas aconteceuem
Abril,
eu
comecei
o
estágio
dia
2
de Março.
Nesteprimeiro mês dediquei-me, afincadamente, a "descobrir os cantos à ca§a"...
1.4)
As Botas do SargentoNa
alturado início
do estágio, a companhia estava em processo de criação dasBotas do Sargento (ver folha de sala em anexo), uma leitura encenada, com direcção de Raquel Costa, e com interpretação da mesma, de José Rosa e Sandra Santos. Tratava-se
da
adaptaçãode um
conto de Vasco Graça
Moura
(inserido
no
Plano Nacional
deLeitura), por
suavez
inspirado na obra de Paula Rego.Um
pequeno espectáculo comforte
vertentemusical, num registo
dedicadoà
infância
(criançasde
pré-primátia
eprimária), que terminava com uma explicação detalhada de cada uma das cinco pinturas presentes
na
peça. Classificadocomo
"espectáculoponátil"S,
As
Botasdo
Sargento apresentaram-se noAuditório
daACERT,
mas circularam tambémpor
escolas e outros espaços. Acompantrar este processo,como "outsider",
foi
interessantena
medida emque
observei
o
crescimento,
a
evolução
e
instalaçãode
ritmos, as
rela@es,
as contradições,conflitos,
mudanças, que todos os processos de criação envolveme
queestava,
até então, mais
habituadaa
"senti-los na pele".
Quanto
ao
resultado final,
5
Vernafolhade sala, em anexo, pag. 63
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
acredito
que poderia
ter
tomado
outro rumo,
talvezmais
adequadoao público-alvo
(havia uma certa
incoerênciaentre
as diferentes partesdo
todo),
no
entanto, foramseguidas as direcções de encenação e os espectadores foram receptivos e participativos.
1.5)
Projecto Interiores
Tive
oportunidade deacompaúar
aovivo
outros espectáculos doTrigo Limpo:
ChovemAmores
na
Rua
do Matador
e
Circonferências(folhas
de
sala também em anexo, pâg. 6a-67). Tanto um como o outro, juntamente com DuasHistóias
de Solidão(que
já
não se
encontra
em
cena),
são
espectáculos integrantesde
um
projecto desenvolvidopela
companhia,intitulado
Interiores. Este projecto
visou
trabalhar
adramaturgia portuguesa
com
a
criação
de novos
textos,
e
explorar
personagens esituações
ligadas
à
identidade
portuguesa.Seis
escritoresforam
convidados
para escrever textos que se "entrelaçassem" dois a dois, para a criação de três espectáculosdistintos. "este
ciclo
de produçõesprocurará prolongar
a expertmentação e a pesquisade
linguagens cénicas
que
tenham
o
texto
e
o
trabalho de actor
corno
vectores preponderantes,permitindo
que a criação cenogrdfica e a música de cena acompanhemas etapas de construção do texto, ao invés de o servirem rwfase de conclusão."6
O
primeiro
a ser trabalhadofoi
Duashistóias
de solidão, em 2006, pelas mãos de EduardaDionísio,
com o texto OMal
de Ortov, e Jaime Rocha, com Do Avesso e doDireito.
F;m2Cf7 estreou, com encenação de Pompeu José e interpretação de José Rosa e Sandra Santos, Chovem Amores na Rua do
Matador. Um
textomuito
imagético, comum humor
sensível,escrito
por
José Eduardo Agualusae Mia
Couto.
As
palawas6
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
relacionadas, jogadas com sabedoria própria, com
o
"gostiúo
especial" de uma paixãopela
escrita que uneos dois
autores, deuorigem à história de
Baltazar Fortuna.Um
homem apaixonado, amargurado e com uma sensibilidademuito
curiosa, que regressa à sua cidade natal,Xigovia,
como objectivo
de matar a fonte do seu sofrimento: os seustrês amores
-
Maria Cubichuba, JuditeMalimali
e Ermelinda Feitinha.Um
espectáculoforte,
onde (namirüa
opinião)texto,
cenografia, sonoplastia, iluminação, encenação etrabalho
de
actor se fundeme
se complementamcom todo
o
detalhe.Um
reflexo
dacriatividade
e
necessidadede
explorar
diferentes
caminhos
caracteísticas
dacompanhia.
O último
destes três espectáculos estreou em 2008, Circonferêncías. Encenadopor
pompeu
Josée
interpretadopelo
mesmoe por Ilda
Teixeira.
Nasceu dos textosDicotomias de Hélia
Correia eAs
Conferênciasdo
Sr.Eliotde
GonçaloM.
Tavares.Uma
adaptação desses textos,uma visão
queos
interligassee os
unissena
mesmanarrativa deu origem a um casal de conferencistas que, de uma forma algo grotesca, fala
do
ser humano habitante
destemundo. "(Jm casal
que
utiliza
meios
audiovisuaisrudimentares
para
expor oralmentea
explicação de quatro versos, no caso dele, e uma mensagern deperigo
eminente, no casodela
Ela
é assistente na conferência dele- Ele éo
martd.o nananativa
dela'7
lJm
registo absurdo e bastanteirónico, um
espectáculo que requer atenção ao espectador, e que o faz pensar e repensaÍ' questionar' Uma formacrua de
ver
a realidade, "temperada" com frieza e loucura.Mais
uma vez'um
diálogoprefeito com
a
cenografia,luz
e
som.Uma
exploração cenográficamuito
criativa
esurpreendente
(ver
fotografiasem
anexo,pâg.70
e7l).
Uma
abordagem de contactodirecto com o público e um humor requintado.
7
Descrição retirada da folha de sala do espectáculo
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
O
contacto com
estes
espectáculos,o
acompanhamentode
montagens'
o conhecimentodos textos,
a
descobertados
cenários,
a
observaçãodas
diferentes reacçõesde vários
públicos,
o
feedback
da
equipa
(actorese
técnicos) quanto
às representações,tudo
istofoi
mais umavia
de integração na essência doTrigo
Limpo
ena
suaforma
de
trabalhar.Ajudou-me
a
entendero
funcionamento,os objectivos
aalcançar,
as
vontades
e,
além de tudo,
a
desenvolveras
minhas
capacidades de observação, reflexão e crítica.1.6)
NaXina l;ua
-
Grupo
deTeatro
Juvenil
Na
procura
de
acompanharas
actividades
que
decorriam diariamente
naACERT,
cruzei-me com
Na Xina Lua
-
Grupo de Teatro da Escola
Secundária de Tondela.Um
núcleo de estudantes e professores que têm em comum o gosto pelo fazer teatro. Ensaiam desdeo
seuinício
(2000) noNovo Ciclo
e há uma ligaçãomuito
fortecom
a
associação.Dirigidos
por
Gil
Rodrigues (professora de Expressão Dramática,actiz
e encenadora), os alunos estavam, emMarço,
a trabalharo
texto ReÍu?a deAbi
Morgan. Foi um trabalho inserido no projecto PANOS (Palcos Novos, Palavras Novas),
da
Culturgest,
direccionadopaÍa
$upos
de
teatro escolar/juvenil.
A
peça
trata
ashistórias de
um
grupo
dejovens
refugiadosem
Londres-
sozinhos,com
passados esegfedos,
com
dialectos
diferentes-
Roza, Chang,
Kodjo,
Ara...
Denunciam
umarealidade onde crianças têm de crescer cedo demais.
Um
espectáculotipo
flash,
com uma certa influência cinematogfáfica, sem sequência cronológica contínua'Apesar
de ser um grupo muito jovem (com tudo
o
que isso implica
num processocriativo)
e dos percalços que surgiram, conseguiram criar umaforte
energia egrupo e alcançaram um bom resultado.
A
força de vontade e a determinaçãocom
que aGil
mergulhou neste projecto e soubelidar
com este grupo tão heterogéneo é de louvar.Quando acreditas... é possível! - TIês meses de viagem
O
meu contacto contínuocom
o
gfupo e com todoo
proce§socriativo
transportou-mepara "outros tempos": relembrei aS ansiedades que Se transformaram em
mim,
visões e perspectivas que perdi ao longo do meu crescimento.(Ver
imagens dos ensaios efolha
de sala em anexo, Pág.72-74)
1.7)
Outras Actividades
daACBRT
Também nesta
fase,
acompanheiuma iniciativa
do
"serviço educativo"
daACERT, dirigido
por
Raquel Costa: as Visitas
guiadas
ao
espaço
Novo
Ciclo'
Adaptadas de acordo
com
as idadesdo público
presente, comum
guião previamente estruturado, estas visitas procuram dar acoúecer
um
pouco dahistória
daACERT,
ofuncionamento
da
associaçãoe
da estrutura teatral.É
uma
ideia recente,pelo
menosneste
formato,
e
ainda
não
foi
muito
desenvolvida.As
experiênciasa
que
assistidirigiram-se
a
infantáriose
demonstraram-me queé
essencial, nestetipo
de trabalho, saberlidar
com as pessoas, desde as educadoras às crianças.Há
queter
sensibilidadepara
entendera
dinâmica
e
postura que se podem assumir para
faz-etcom que
a comunicação resulte e as visitas se tornem aliciantes.A
informação está presente e bemestruturada,
no
entanto, se nãofor
transmitidada forma
certa, poderá não chegar ao destino e não ser assimilada.A
ACERT
tem,
como
já
referi, uma
"Íotina"
de
acolhimento
de
outrascompanhias, grupos musicais, exposições...
uma
programação diversar Çu€ procureiacompanhar sempÍe que possível. O papel de observador/espectador é sempre
útil
para nos ..habituar" areflectir e
desenvolverum
sentidocrítico. O
facto de poder assistir a espectáculosdiversos
e
estar
constantemente rodeadae
embrerüada
no
ambiente, estimulou-me e aguçou-me os sentidos e a mente'Quando acreditas... é possível! - Três meses de viagem
Este
acompanhamentode
actividades,este envolvimento
e
participação em processos criativos e outros eventos, a minha observação constante, atenta e absorvente,aliados
à
pesquisa de registos escritos, fotogriáficos,videográficos
(longasvisitas
aoarquivo...)
que me dessem a conhecer mais sobre esta instituição,foram
decisivos naminha "estadia"
no Trigo Limpo.
Aprendi
formas diferentesde
ver e viver o
teatro.Senti-me
em
casa numanova
casa ondetodos
os
dias
aprendia coisas novas, onde conheci formas diferentes de estar perante o teatro,o
quotidiano, o passado, o presente, o futuro. Mais do que evoluir como actrtz, cresci como pessoa.Quando acreditas... é possível!-TÉs meses de viagem
SEGUI\DA
FASE
-
NovesFora Noda!
-
Queima e Rebentamento doludas
2.1)
Oteatro
e atradição
O
teatro
tem,
desde sempre,uma ligação
forte
com
o
ritual,
o
religioso,
apolítica, a
tradição.Muitos
exemplos podem ser referenciados para fundamentar estaafirmação. Nas celebrações dionisíacas
(em
tomo
do
deusdo vinho), na
AntiguidadeClássica,
surgiam
manifestaçõesde
carácter dramático.
Antes ainda,
nos
rituais sagradosde
comunidadespré-históricas,
se recoúecia as
representações públicasligadas às
necessidadesde culto
-
"em alguns rituais [primitivos] os mitos
erarntransmitidos através de narrativas com estrutura dramótica, isto é, corn um começo, um
meio
e
um
clímax
final",8
Durante
o
Renascimentoas
celebrações dramáticas relacionadascom
as máscaras e vincadas, na época, pelo seu carácterpopular,
de rua,"surgem
associadasàs festas
profanas
decorrentesde
tradições religiosas"e.
NaHistória da Arte
Japonesa também encontramos essaforte
vertenteritualista,
comopodemos
confirmar
nas palavrasde
Ana
Maria
Amaral,
no
(abaixo referido)
Livro
Teatro
de Formas Anirnadas-
"...a
arte no
Japão, corno emtodo
o
Oriente, é
umaatitude ritualística
(...)
o religioso
é geralmente associadoao Teatro
Nô, um teatro deactor
e
mtíscaras".
Ainda
como
exemplo, PeterBurke,
no
seutexto
The World
of
Camival,
específica
algumas práticas cerimoniais onde facilmente
encontramosreferências da arte dramática:
"certo tipo
de perforrnance acontecia apenas em épocasfestivas, como
os
logos de Maio
na
Inglatena,
os
autos pastoris
espanhóis,representados no
Natal,
ou os autos sacramentais representados no CorpusCrtsti
-
jtí
para
nõo mencionar as muitas representações camavalescas"8
Teatro de Formas Aninadas, de Ana Maria Amaral, p.30 e
ldem, p.49
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
2.2)
A
Queima do Judas-
Um
ritual
comHistória
Seguindo essa
ligação entre
o
teatro,
o
ritual
e
a
tradição,
a
ACERT
temdesenvolvido,
há, alguns anos
(creio que
a
primeira edição,
em
moldes
maisrudimentares, se deu
em
198510),um
trabalho anualem torno
do rito
tradicional
da Queima do Judas.Trata-se
de
uma
"cerimónia", inspirada
em
antigos
rituais
pagãos,
que costumava ser realizada nas praças das Igrejas ou nos cemitérios, na época Pascal. Estascelebrações
populares
de
carácterritual, onde se
inseremtambém
as
festividades carnavalescas, costumam sempre realizar-seem locais
centraise
estratégicos-
"
O Carnaval realizava-se aoar
livre
no centro da cidade: em Montpellier,praça
deNotre
Dame,Nuremberga.(...)
Veneza(...)
um espectdculo enoflne noqual
as ruas epraças
prtncipais
se tontavampalcos"ll.
Na cerimónia da Queima do Judas reuniam-se multidões em torno de um boneco responsável
por
todos os
males sucedidos nesseano
volvido.
Durante
o
ritual,
esseboneco
viria a
ser espancadoe
queimado comoforma
de purificação, expurgação detodo
o mal,
de todos os erros, para que se pudesse começar de novo, com a esperança renovada-
"(...)
todo
o ritual
serealiza na
crença de que, através dele,o
curso dascoisas pode ser alterado
(...)
é a magia".12Baseando-se
na
traição de
Judasperante
JesusCristo, as
pessoas criavam simbolicamenteo
Julgamento, Condenaçãoe
Execução de Judas.Muitos
associavam esteritual
a
práticas agrícolas também, queimandoo
deus da vegetaçãocom
o
fogo,r0
Segundo a cronologia apresentada no livro Trigo Lintpo Teatm ACERT
-
25 Anos afabricar Sonhos rr TheWorld of Camival, de Peter Burke, p.261
Quando acreditas. . . é possível ! - TÉs meses de viagem
símbolo
do
sol,
banhando-ocom
a
suaforça. Esta tradição
teve
a
suaorigem
emPortugal
e foi,
posteriormente, levada parao
Brasil,
onde aindahoje
é
cumprida em alguns locais do interior. No nosso país, tem vindo a ser retomada em várias localidades (Ponte deLima, Vila
do Conde, Trancoso, Águeda, entre outras).2.3)
Renovando aTradição
Tendo
esta tradiçãocomo mote
e
renovando-a,a
ACERT,
todosos
anos, na quadra pascal,mobiliza
mais de uma centena dos habitantes de Tondela e arredores (onúmero
de
participantestem
vindo
a
aumentar)na
preparaçãode
um
acontecimentoteatral singular que
convergemuitas
vertentes-
interpretação,música,
cenografia, adereços,figurinos,
coreografia, pirotecnia, artes visuais e circenses... em suma, numa semana cria-se, de raiz, um espectáculo de rua de grandes dimensões com a participação de toda uma comunidadee
a colaboração de associações e instituições, comoo
Grupode Bombos, Sociedade Filarmónica Tondelense, Coro da Casa do Povo.
Como
espectáculode Íuâ,
apresentauma
forte
vertente
de
interacção
eaproximação
com
o
público
fora do
espaço convencional,de
provocação,de
crítica,voltando às
suas origens(na Antiguidade
clássica, as grandes manifestações teatraisaconteciam
em
praçapública,
e
mais
tarde,na
IdadeMédia, os
chamados mistériosaconteciam nos adros das igrejas e nas praças das cidades
-
esta tendência de trazer aprática
teatral
parafora
das quatro paredes esteve sempre presenteao longo da
suahistória).
Neste projecto
específico, constrói-se
uma
produção
muito
marcada
pelocarácter comunitário
próprio
da
ACERT, onde se critica
e
satiriza em torno
deproblemas que
nos
afectama
todos
enquanto sociedade, semprecom muito
humor,Quando acreditas... é possível! -Três meses de viagem
energia,
música,
"onde
ofogo
lava
todosos
males,nutn
ritual
pagAo
que promete reunir gentes eculturas"'3.
Abrem-se inscrições (a partir dos 14 anos), reúne-se o grupo e começa a aventura!2.4)
Planificação
da Edição de2ü)9
-
NovesFora, Nada!
Este ano, a tradição
voltou
a renovaÍ-see a
Queima e Rebentamentodo
Judaslevou "uma
lúada
de ar fresco".Em
vez
de
se
seguiro
modelo
"tradicional" do
espectáculo-
partir de
umacrítica local
para
uma
nacional, terminando
num
tema
internacional-
e§teano
o espectáculo focou-seno fogo
como
temacentral,
comofonte de
riqueza, moeda detroca.
A
crítica
foi
desenvolvida
e
trabalhada
a
partir daqui,
dessa importânciaexacerbada que
o
dinheiro tem, das ambições, guerras de poder, gigantes que devoramos mais pequenos.
A
palavra central-
CRISIS!
Ao
longodo
espectiáculoo
grupo
deintervenientes
foi
crescendo,a tribo
universal
que,na
pré-históriaera reduzida, vai
aumentando ao longo dos tempos, dos quadros. Também a dimensão do fogoutilizado
é em crescendo. Poroutro
lado, explorando a componente musical do especuáculo, que é sempre muito forte (a sonoplastia, composição e direcção musical são dirigidas por Fran Perez,um
músicoda
Galiza que colaboracom
aACERT
hámuito
tempo,em
váriasprodu@es), este ano optou-se
por
não usar linguagem falada,texto
propriamentedito
(ao
contrário
do
que vinha
a
acontecernas últimas
representações), procurandotransmitir
a
mensagempelas letras das músicas
e
pelos
quadrosde movimento
e representação constnrídos.O título do
espectáculo: "NovesFora Nada!"
-
devido
à crise, por mais contas que se faça, chega-se à conclusão de que não há dinheiro, é essa a13
Quando acreditas... é possível! -Três meses de viagem
mensagem a
transmitir
com estetítulo,
como se pode compreender pela letra do refÍãoda música
final
do espectáculo: "Deitdmos as mãos à bolsa, vimos que estavafurada,
ftzemos contas à vida, Noves
fora nada!"
A
criação de uma história, um guião, para um espectáculo como estes é algo que requer muita criatividade, imaginação mas, ao mesmo tempo, uma grande consciência enoção
da
realidade:muita
gente, apenasuma
semanade trabalho,
há
que
procurarsempre a simplicidade
e
clarcza na transmissão das mensagens.Após
reuniões, ideiasperdidas, outras recuperadas, reencontros
com
amigosda
casa que retornampara
oJudas, a história surgiu e ficou
definida.
"Judas, vai-te preparando!"14A
estrutura do espectáculofoi
dividida
em três quadros:I
-
O dosPRIMITIVOS,
onde se dá a descoberta do fogo e a sua celebração e adoração,num
ambiente ritualizado. Presença de pinturas rupestres, como componente doritual,
registo
da
descoberta. Enquantoos primitivos
festejam,entra
o
grupo dos
RATOS(espécie de
polícias
que controlam as pessoase
o
dinheiro,
detentoresdo
podere
dabolsa
-
simbolizada
pela
movimentaçãono
fundo
da
cena
ao
longo
de todo
o espectáculo) com um "presente envenenado" para osprimitivos,
um elefante de madeira(ideia
do
cavalode
Tróia).
Os
primitivos
ficam
fascinadoscom
a figura, e
os
ratos aproveitam esse momento paÍa roubar o fogo aosprimitivos
e tomá-los como escravos-primeira cena de
corúlito.
Como
símbolo de poder nas suas mãos, os ratos obrigam osprimitivos
a trabalhar para eles, para o crescimento da sua riqueza (simbolizado porum
saco grande de dinheiro que é içado pelos novos escravos, na bolsa). Os ratos celebram esse poder(primeiro
momentode
desta-
fogo
de
artificio e
pirotecnia)
e
os
novos trabalhadores "conformam-se" com a sua posição, entram no sistema.ro Início de uma das músicas integrantes do espectáculo "Noves Fora Nada
-
Qrcima e Rebentamento do JudasQuando acrcditas... é possível! - Três meses de viagem
2
-
Chegaa
época dos Descobrimentos.Os
NATIVOS
deuma
aldeia constituem ooutro grupo integrante do espectáculo. Entram as caravelas, numa cena de viagem pelos
maÍes, enquanto
os
habitantes
se
instalam
no
seu
"quotidiano". Chegam
oscolonizadores
-
os
Ratos,
com
pequenas peçaspara
ofereceraos nativos, para
osdeslumbrarem. São
bem
recebidos.Quando
uma
das
caravelasincendeia, surge
oconflito
entre osdois
grupos.Os
Ratos usamo fogo
como arma contra osNativos
epegarn
fogo
à
aldeia (simbolizada
por
uma
cabanaem
cena), acabandopor
tomartambém os nativos como escravos.
O
grupo de trabalho aumenta, assim como a riquezae o poder. É içado um saco maior e os ratos voltam à festa.
3
-
No terceiro quadro procura representar-se a globalizaçáo, a sociedade vai abrir-se aomundo. Entram os três grupos, obrigados a
cumprir
ordens do poder-
dos Ratos-
aentregar-lhes as suas riquezas, mas
não
serevoltam com
isso.(Imagem
dasfilas
de espera, lembrança dos campos de concentração, desemprego, submissão e conformismo perante os abusos do poder). Com a recolha da riqueza de todos, a Bolsa dos Ratosfica
mais recheada ainda, no auge da festa.No
entanto, um "poder estranho intervém"-
má gestão económica, abusos depoder,
ambições desmedidas-
e
a bolsa cai,
chegou aCRISIS! Todos
se encontram agora
no
mesmobarco,
afectadospelo
mesmo
mal(imagem uniformizada
por uma
máscara),e
na
procura
de
um
culpado,
um
bodeexpiatório, viram-se para o JLJDAS! Todos se unem para tentar fazer alguma coisa, para
a mudança.
"Agoravais
rebentar!"15 Pegatrrfogo ao boneco, expurgando os males.No
fim,
um
grupo reduzidovai
recolhero
que resta do fogo, guardaum
pouco da riqueza, mantendo a esperança. Podemos reiniciar, nem tudo vai correr mal.(Ver fotos em anexo, páry.75
e76)
15
Início de uma das músicas integrantes do espectáculo "Noves Fora Nada
-
Queinu e Rebentattanto do ,ludas 2009"Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
Baseados neste
"guião",
criadas as músicas, definidos os figurinos, trabalhada acenografial6, iniciámos as oficinas dia 6 de
Abril.
Os inscritos dividiram-se em grupos: os músicos, os manchas negras (técnicos responsáveis pela manipulaçãodo fogo
e dacenografia),
os primitivos (grupo
de
interpretaçãodirigido
por
Ilda
Teixeira),
osnativos/africanos
(dirigidos
por Raquel Costa) e os ratos (dirigidospor
Sandra Santos).Os
estagiários distribuíram-se
pelos
grupos,
numa
"espécie"
de
assistência
de encenação.A
mim
coube-me o grupo dos Ratos.Definimos horários
de
ensaios
dos
quadros;
ensaios
do
quadro final
coreografia gerallT; construção de cenografia. Demos
início
a
uma semana esgotante, alucinante, rica, divertida!Pessoas dedicavam-se, paÍtilhando o mesmo objectivo, fazer o Judas acontecer!
De
manhãà
noite, ao longo dos cinco
dias,o
trabalho cresciapor
todosos
cantos. Apesar da chuva (que insiste em estar presente ao longo de todo o processo), dofrio
e de algumas dificuldades que iam surgindo, o grupo avançou, a umritmo
vertiginoso!2.5)
O meutrabalho
ao longo do ProcessoNas horas de construção da cenografia (nomeadamente do Judas, que
viria
a ter5
metros de altura-
ver
imagem em anexo) trabalhava-se(muito),
estragava-se rouPa(também), cantava-se, ria-se, conhecia-se pessoas novas.
Nos
ensaiosde
coreografiageral,
o Ruy Malheiro
procurava organizar"a tropa", definir
movimentose
sequenciar as ideiasdo
último
quadro. Nos ensaios gerais, todas as noites, discutíamos estado dotrabalho e mostrávamos o que cada grupo
já
tinha desenvolvido, encaixando as peças.ró A criação de figurinos ficou a cargo de José Rosa; a coordenação da criação cenogúfica ficou nas mãmc do 7-É
Tavares e a coordenação geral foi destinada a Pompeu José
r7
A cargo de Ruy Malheiro.
Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
Nas "horas
liwes"
eu e a Sandra trabalhávamos juntas e com os nossosratiúos.
O
facto
de
acompanhare
ajudar
na
criação
do
quadro
dos RATOS permitiu
queestimulasse
também
a
minha propria
capacidadecriativa.
A
Sandra
ajudou-me,insistindo para que eu tivesse sempre uma participação activa na planificação das nossas
sessões e na própria criação
do
esqueleto da cena (planodiário
de trabalho e guião doquadro dos Ratos
em
anexo, pág 77-79). Diariamente reuníamospaÍa
definir
o
queiríamos trabalhar com o nosso grupo.
No meu
"Diário
deBordo",
fui
registando a evolução do trabalho:1'Dia
-
6 deAbril
-
Iniciámos a sessão com alguns exercícios de criação de dinâmica de grupo, apresentação dos elementos e umaprimeira
abordagem ao tema e ao nosso papel no espectáculo. Para além de terem faltado alguns elementos do grupo, notei em alguns dos presentes falta de motivação, vergonha ou desconforto perante as propostas que fazíamos. Apesar de estarem a participar no processo porlivre
vontade, parecia quesentiam
uma
certa "obrigação"
em
estar
ali.
Primeira
questãoa
resolver: captaÍ
a atenção e vontade deles.Definimos que todas as sessões começariam com uma roda em que nos olharíamos entre todos, olhos nos olhos, e terminariam com o nosso grito de guelTa, criado em conjunto.
À
noite, no ensaio geral, notei como as músicas nos podem ajudar aclarificar
ideias e a fazer surgir imagens. As dúvidas vão-se esclarecendo.2'Dia
-
7
deAbril
-
Nas instalações daACERT, decorem
as formações das Novas Oportunidades promovidas pelo IEFP de Tondela, na área de Animação Socio-cultural.Neste dia de ensaios, e a pedido de um dos formadores, esta
twma
assistiu à sessão detrabalho,
o
quedificultou um
pouco a tarefa dedesinibir
o
grupo.No
entanto,com
oQuando acreditas.. . é possível! - Três meses de viagem
aumentou. Fizemos alguns exercício§ de aquecimento e de grupo' De seguida passámos para a fase de criação da corporalidade das personagens'
para além de estar a trabalhar com a sandra na coordenação do grupo' tanto uma como outra integÍamos o quadro, portanto, participamos nos exercícios.
Procurámos
ritmos formas
de
andar,
tiques
e
movimentos
associadosaos
rato§, mantendo sempreo
grupo.
No
final
destetrabalho
sobrea
animalidade das nossaspersonagens,
dividimos
o
grupo: os
ratosmilitares
(controladores, raptores' senhoresdos escravos, invasores),
os ratos
"yuppies"
(os ratos
dabolsa que
se movimentamsempre
no
espaço da bolsae lá
desenvolvema
sua actividadede
gestãoda
riqueza,alguns deles colaboram
com os militares em
situações específicas,tendo
de
sair
dabolsa). Todos os ratos vão ter uma cauda e alguns adereços que os caracterizam e com os quais trabalharemos na definição das sequências de movimento'
Depois da sessão,
voltei
às consfu@es. Entram em acção os vimes, canas' papel e colabranca (materiais base de construção do Judas e da cenografia a ser queimada)" '
3"
Dia
-
g deAbril
-
Iniciámos a sessão com a instalação doritmo
acelerado e nervosodo
nossogrupo, dos
ratirúros.Depois
de
relembrarmoso
nossopapel ao
longo
do espectáculo, chegou a parte dedefinirmos
as coreografias. Já tÍnhamos uma estruturamais
ou
menosdefinida,
simples (dadoo
pouco tempo pala trabalhar) mas coeÍente' Depois de estarmos todos"no
mesmofilme",
começámos a ensaiarpor
grupos'Até
dia1.1, dia do espectáculo, vamos dedicar-nos a
fixar
e desfrutar do quejá
está criado'Tudo
começaa
ganharforma,
as
coreografiasfinais
tanrbémjá
estãodefinidas,
osdiferentes quadros encaixam-se
e a
música continuaa
crescer.O
nosso Judas ganha cores.Quando acreditas. . . é possível ! - Três meses de viagem
4" Dia
-
9 deAbril
-
Vamos pelaprimebavez
para o campo de futebol da Escola, ondevai
ser
apresentadoo
espectáculo.Chove, está
muito
frio.
Pela
primeira
vez
está praticamente toda a gente presente, um caos. Como as dimensões sãomuito
maiores doque
estamos habituados,
tem
de
haver
por
parte
de
todos
uma
adaptação demovimentos,
um
"exagero"
detudo
para que, nOmeio
de luzes,fumos
e
fOgos, Sejalegível paÍa o público o que se passa em cena.
Apesar de termos ficado, no geral, com uma noção do todo,
foi
tudomuito
disperso! Oque
me
assustouum
pouco,uma
vez
que só
lá
poderíamosvoltar
a
ensaiarno
dia seguinte.Começo
a
sentir
a
quebra,os
sinais
de
cansaço.No
entanto, estetipo
de
ritmo
detrabalho
torna-seviciante
e
não
me
apeteceparar. Sigo
caminhopela
noite
dentro, agarro no pincel e dedico-me aos "degradês".Daqui
a dois dias estamos lá!5'Dia
-
10 deAbril
-
Véspera do "Rebentamento doMaldito"!
Ultimamos detalhes nosquadros
dos
grupos,
no
Judas,nos
adereços,na
cenografia. Juntamo-nostodos,
a ansiedade é cada vez maior, o cansaço só surge quando, por alguma Íazáo, desligamospor instantes do alvoroço instalado à nossa volta.
Voltamos à escola... Impossível manter "tudo em sentido", mas conseguimos delinear o espectáculo!
No
trabalho
com
o
grupo,
há
"questõesdelicadas" que se
mantêm desdeo
início. Alguns dos elementos dispersam constantemente, faltam aos ensaios, não participam em constnrções, estão completamentefora
de contexto.O
que nãofacilita
nada o trabalho!Entender
como
lidar
com
isto
não
é
tarefa
simplese,
com
o
cansaço acumulado, onervosismo intensificou-se
e
tivemos
de
"pôr
as
cartasna
mesa":
querem
fazer,Quando acreditas. .. é possível! - Três meses de viagem
trabalhem como os outros, esforcem-Se
por isso... Eu
sei queo
"abanão" pode não tervalido de muito, mas ajudou a descomprimir o ambiente' Vai correr
bem"
'6" Dia
-
11 de
Abril
-
chegou, rápido
demais. Durantetodo
o
dia,
atéao último
momento,
há
pormenores
para
resolver.
Carregamoso
material para
a
escola
e montamosos
camarinsno
Pavilhão Gimnodesportivo.Até
à hora dejantar
fica
tudopreparado! Roupas
por todo
o
lado, acessórios, maquilhagem,correria'
Luzesa
serem montadas, som testado, ensaios de última hora. Porvolta
das 19h, o nervosismoinstala-se,
mas
a
energia está"em alta".
coordenar
um
grupo
tão
grande (nomeadamerÚejovens) exige
muito
de
todos,
foi
preciso
uma
equipa grande
de
pessoasjá
..familiarizadas" com o processo paÍa que tudo resultasse.O
espectáculo deveria começar ৠ23h, no entanto, devido a alguns atrasos' arrancámos às 00h.Todo
o
nervosismoe
ansiedade naturaisnum
especúculo estavam presentes'claro. Milhares de pessoas para assistir. No backstage tudo
muito
atento, para que nada falhasse.A
energia que secria
com tanta genteem
cena'com
o
mesmoobjectivo'
éindescritível... Quando chegou
ao
fim e
o
boneco
para
a
qual
trabalhámos tão afincadamente arde, percebemos que conseguimos.Num
ápicetudo
acabou"'
correu
tudo sem percalços, todos se dedicaram ao máximo, desfrutaram
'
"Mudança que exigeuma imersão
cíclica no
caos(...)
condição puriftcadora
indispensóvelpara
ufn novo cofneço(...)
gerado(...)
apartir
do nada absoluto!A
anulaçãoritual,
cíclica eradical
gera
assim urn novo mundo e unw novaexistência,""
'8-
"
uQueima e Rebentamento do Judas aconteceu.rt
A Face do Caos