O Principezinho
A. de Saint Exupéry
Personagens Narrador Principezinho-N Principezinho Rosa Rei Homem de Negócios Vaidoso Geógrafo Raposa Nota TécnicaToda a peça vai funcionar com dois tipos de acção diferente, dai existirem dois principezinhos. O principezinho-n (PN) é o principezinho que está sempre a acompanhar o narrador e que vai contando a sua história que uma vez introduzida é representada por outro principezinho. Por exemplo:
Principezinho (N) diz que vai contar uma história ao Narrador, sentam-se a um canto a sua luz apaga-se e entra o outro principezinho e uma das outras personagens e fazem a sua cena. Quando acabam, saem e a luz do principezinho-n e do narrador volta a acender-se e eles falam.
Cena I
N (olhando para o público incrédulo): Não acredito no que vejo!
Pessoas.. aqui? Deve ser por causa do calor tão forte. Vocês devem ser uma miragem. Estou neste deserto desde que o meu avião teve uma avaria, sozinho e cheio de calor, resta-me a esperança de que a água não acabe até eu conseguir reparar o motor e sair deste sitio tão.. pouco amigável. Desde que aterrei ainda não vi nada se não areia, como é que agora estou a ver pessoas? Só podem ser uma miragem!
(continua a reparar o motor, de repente vê o principezinho a aproximar-se)
N: E o que é isto? Olhem-me para este rapazinho engraçado.
Parece um princípe! Será outra miragem? Mas esta mexe-se! Olhem para ele! Está cada vez mais perto!
(o principezinho aproxima-se e conversa com o Narrador)
PN: Se faz favor, desenha-me uma ovelha! N: O quê?
PN: Desenha-me uma ovelha! N: Mas eu não sei desenhar!
PN: Não faz mal. Desenha-me uma ovelha! (o Narrador desenha uma ovelha)
PN: Não gosto desta. É muito velha. Quero uma que vá viver muito
tempo.
(o Narrador, pensa e depois desenha uma caixa)
N: Isto é só uma caixa. A ovelha que tu pediste está lá dentro. PN (satisfeito): Está exactamente como eu queria! Achas que esta
ovelha vai precisar de muita erva?
N: Porquê?
PN: Porque o meu sítio é muito pequenino...
N: De certeza que vai haver erva que chegue... Esta ovelha
também é muito pequena...
PN: Bem, também não é assim tão pequena.. Olha! Adormeceu... N: Então, o que é que tu estás aqui a fazer?
PN: E tu? Tu vives neste deserto? E o que é isto? (apontando
para o avião)
N: É um avião. Uma máquina que voa.
PN: Oh, isso é giro! Então também vieste do céu? De que planeta? N: E tu, tu vieste de outro planeta?
PN: Isso não interessa. Depois do planeta de onde eu venho
ninguém consegue ir muito longe..
(pausam, olham para o céu)
PN: Eu gosto muito de “pôres-do-sol”. Anda. Vamos ver o
pôr-do-sol!
N: Mas temos que esperar PN: Esperar? Esperar por quê?
N: Esperar que o sol se ponha. Temos que esperar até que sejam
PN: Estou sempre a esquecer-me que não estou em casa! No meu
planeta, quando queres ver um pôr-do-sol, só tens que mover a tua cadeira um bocadinho.Um dia vi o sol pôr-se 43 vezes! Sabes... quando se está muito, muito triste, é bom ver o pôr do sol...
N: E nesse dia das 43 vezes estavas assim tão triste?
(O principezinho, olhando para o desenho da ovelha, não responde)
PN: Uma ovelha também come flores?
N: Uma ovelha come tudo que estiver ao seu alcance. PN: Até flores com espinhos?
N: Claro, mesmo as flores com espinhos. PN: Então para que servem os espinhos?
(O narrador está ocupado a reparar o motor. O principezinho repete a pergunta)
PN: Os espinhos, servem para quê?
N: Os espinhos não servem para nada. As flores só têm espinhos
por maldade.
PN: Oh! Não acredito nisso! As flores são fracas. São ingénuas.
Defendem-se como podem. Elas julgam-se terríveis com os seus espinhos.
N: Meu pequeno amigo. Lamento mas estou ocupado com coisas
sérias. Tenho que reparar o motor.
PN (irritado): Coisas sérias! Tu falas como as pessoas grandes!
Tu confundes tudo.. misturas tudo! Não percebes que estou preocupado com a minha flor!
(começa a chorar)
N: A flor de que tu gostas não está em perigo. Eu vou desenhar
um açaime para a tua ovelha. Vou desenhar também um abrigo para a tua flor.
(principezinho limpa as lágrimas)
N(para o público): É um país tão misterioso, o país das
lágrimas.
Cena 4
N: Contas-me uma história principezinho?
PN: Se quiseres eu conto.. Aqui está a minha história. Venho de
um planeta distante onde vivia com vulcões, uns quantos baobás e a minha flor. Era excepcional, a minha flor, muito diferente das outras plantas do meu planeta. Primeiro pensei que fosse uma nova espécie de baobá. Até ao dia em que ela acordou, bocejou e disse:
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A História do Principezinho
Entra principezinho e rosa
Rosa: Ah.. Acabo de acordar. Peço desculpas. Estou toda
despenteada.
P: Oh! Que flor tão bonita!
Rosa: Lá isso é verdade... E nasci ao mesmo tempo que o Sol. (pausa) Creio que está na hora do pequeno-almoço. (pausa) É
capaz de ter a bondade de pensar na minha pessoa?
(o principezinho atrapalhado e apressado traz um regador com água)
Rosa: Oh obrigada. E mais uma coisa... Tenho horror a correntes
de ar. Não tens por aí um biombo?
P: Um biombo?
Rosa: Percebes, é que as correntes de ar são o meu único
problema (tossindo). Fora as correntes de ar, não tenho medo de nada, nem mesmo de tigres! Se os tigres com aquelas garras pensam que me metem medo!..
P: Mas no meu planeta não há tigres! E aliás.. os tigres não
comem erva.
Rosa: (indignada) Eu não sou uma erva! P: Desculpe..
Rosa: À noite, queria que me cubrisses com uma redoma. É que faz
tanto frio aqui... Há tão poucas comodidades.. Lá de onde eu venho... (mudando de assunto rapidamente) Então esse biombo!? P: Eu ia buscá-lo, mas na a quis interromper...
(o pequeno principe mostra como trata da Rosa, rega-a, põe-lhe uma redoma, olha para ela com admiração e afecto e depois diz) P: Vou deixar este planeta, e não sei se volto, é possível, mas
(a rosa não responde) P: Adeus!
Rosa: Fui muito parva. Desculpa. Vê se consegues ser feliz. (o principezinho fica surpreendido)
Rosa: Porque é que estás tão admirado? É evidente que eu gosto
de ti. Nunca o soubeste, por minha culpa. Mas isso, agora já não tem importância nenhuma. Olha, tu também foste tão parvo como eu. Agora, vê lá se consegues ser feliz.. E deixa essa redoma em paz, já não a quero.
P: E as correntes de ar?
Rosa: Não estou tão constipada como isso... O fresco da noite
há-de fazer-me bem. Sou uma flor!
P: E os bichos?
Rosa: Duas ou três lagartas terei mesmo de suportar se quiser
saber como são as borboletas. Dizem que são bonitas! E, se não forem elas, quem é que se lembra de me vir cá visitar? Tu, tu hás-de estar bem longe. E dos bichos maiores, não tenho nada a recear. Afinal, para que quero eu os meus espinhos? (mostra os
espinhos) Não fiques aqui a empatar que me irritas! Não
resolveste ir embora? Pois então vai!... Não quero que me vejas chorar..
sai Principezinho e Rosa
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PN (para o Narrador): Não devia ter fugido da minha Rosa. Ela só
tem alguns espinhos para se proteger. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para a saber amar..
(pausa) Então fui-me embora e fui visitar o Planeta do Rei.
Entra principezinho e Rei
(principezinho chega ao planeta do Rei, cansado. O rei encontrava-se sentado num trono e mal vê o principezinho diz) Rei: Ah! Cá temos um súbdito! Aproxima-te para eu te ver melhor! (principezinho surpreendido, aproxima-se cansado e boceja)
Rei: É contra a etiqueta bocejar à frente de um rei! Proíbo-te
que bocejes!
P: Não consigo. (atrapalhado) Fiz uma grande viagem sem
Rei: Então ordeno-te que bocejes! Há anos que não vejo ninguém
bocejar. Para mim os bocejos são autênticas raridades. Anda! Boceja outra vez! É uma ordem!
P: Assim fico intimidado.. Já não consigo.. (corando) Rei: Então ordeno-te que bocejes às vezes.
P: Posso-me sentar?
Rei: Ordeno-te que te sentes! (principezinho senta-se)
P: Perdoe-me, Majestade, mas gostava de vos perguntar... Rei: Ordeno-te que perguntes!
P: Majestade, sobre quem reinais vós? Rei: Sobre tudo!
P: Sobre tudo?
Rei: Sobre tudo isto... Sobre todos os planetas e estrelas! P: E as estrelas obedecem a Vossa Majestade?
Rei: Claro! Obedecem imeadiatamente! Eu não tolero indisciplinas.
(principezinho pensativo, tem uma ideia)
P: Gostava tanto de ver um pôr do Sol... Fazei-me esse gosto..
Ordenai ao Sol que se ponha..
Rei: Se eu ordenasse a um dos meus generais que se pusesse a
voar de flor em flor como as borboletas, ou que escrevesse uma tragédia, ou que se transformasse em gaivota e se o meu general não executasse a ordem recebida, de quem era a culpa: minha ou dele?
P: Era vossa..
Rei: Pois era. Só se pode exigir a uma pessoa o que essa pessoa
pode dar. A autoridade baseia-se, antes de mais, no bom senso. Se um rei ordenar ao seu povo que se deite ao mar, ele revolta-se. Eu, eu tenho o direito de exigir obediência porque as minhas ordens são sensatas.
P: Então e o meu pôr-do-sol?
Rei: Calma que o hás-de ter. Eu assim o exijo. Mas a minha
ciência de governação recomenda-me que espere pelas condições mais favoráveis,
Rei: Ora bem... Ora bem.. (consulta um calendário) Deve ser lá
para... lá para as sete e quarenta! E vais ver que sou cegamente obedecido.
(princepezinho um bocado entediado)
P: Não tenho mais nada a fazer aqui. Vou-me embora..
Rei: Não te vás embora! Não te vás embora, que eu faço-te um
ministro.
P: Ministro de quê? Rei: De... da Justiça!
P: Mas não ninguém para julgar!
Rei: Então julgas-te a ti próprio. É o mais dificil de tudo. É
bem mais dificil julgarmo-nos a nós próprios do que aos outros. Se te conseguires julgar-te bem a ti próprio, és um sábio dos autênticos.
P: Mas eu posso julgar-me a mim próprio em qualquer sitio... não
preciso de viver aqui.
Rei: Bem.. Bem.. Tenho a impressão que há algures por aí uma
velha ratazana, Podes julgar essa ratazana. De tempos a tempos, condena-la à morte. Assim, a vida dela fica a depender da tua justiça. Mas depois vem uma amnistia e tu perdoa-la. Para a poupar.. como só há uma..
P: Mas eu não gosto de condenar ninguém à morte. Nem mesmo uma
ratazana... Acho que me vou embora.
Rei: Não vás.
P: Vossa Majestade: se desejais ser pontualmente obedecido,
tendes agora uma boa oportunidade de dar uma ordem sensata. Ordenai, que daqui a um minuto eu já aqui não esteja. Parece-me que as condições são as mais favoráveis...
(o rei não responde, amuado; o principezinho vai-se embora; quando já está a sair o rei grita)
Rei: Faço-te meu embaixador!...
sai principezinho, sai Rei
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PN: As pessoas grandes, são mesmo esquisitas.. (pausa) dali fui
para outro planeta, um planeta onde só vivia um homem, com um espelho.
Planeta do Homem Vaidoso
Entra principezinho, e Vaidoso
V: Ah! Ah! Cá temos um admirador!
P: Olá, bom dia. Mas que rico chapéu que o senhor tem!
V: É para agradecer quando sou aclamado. Infelizmente nunca
passa ninguém por aqui.
P: Ah não? (sem perceber)
V: Bate com as mãos uma na outra.
(principezinho bate palmas e vaidoso agradece tirando o chapéu, repetem, principezinho divertido)
P: E para o chapéu cair? Como se faz? (Vaidoso não ouve)
V: Admiras-me mesmo muito?
P: O que é que significa “admirar”?
V: Admirar quer dizer que reconheces que eu sou o homem mais
bonito, mais bem vestido, mais rico e mais inteligente de todo o planeta.
P: Mas tu estás sozinho no teu planeta! V: Não faz mal. Faz-me a vontade: admira-me!
P: Admiro-te pois. (encolhendo os ombros) Mas para que é que
isso te interessa?
(vaidoso não ouviu e fica a ver-se ao espelho, nem se apercebe que o principezinho se vai embora)
P: As pessoas crescidas são mesmo muito esquisitas.
sai principezinho, sai vaidoso
Planeta do Homem de Negócios
Entra principezinho, entra homem de negócios atarefado
quase não repara no principezinho P: Olá bom dia! Tem o cigarro apagado!...
HN: 3 e 2, 5. 5 e 7, 12. 12 e 3, 15. Bom dia! 15 e 7, 22. 22 e
6, 28. Não tenho tempo de o voltar a acender. 26 e 5, 31. Uf! Portanto, tudo isto soma 501 milhões, 622 mil, 731!
P: 500 milhões de quê?
HN: Ah. Ainda ai estás? 500 milhões de... Olha que já nem sei...
Tenho tanto que fazer! Eu, eu sou um homem sério, não perco o meu tempo com ninharias! 2 e 5, 7...
P (interrompendo): 500 milhões de quê?
HN (levantando a cabeça): Vivo neste planeta há 54 anos e ainda
só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há 22 anos: era um besouro caído sabe Deus de onde. Fazia tanto barulho que me enganei quatro vezes numa soma. A segunda vez foi há 11 anos: era um ataque de reumatismo. Tenho falta de exercício. Não me sobra tempo para andar por aí a vadiar. É que eu, eu sou um homem sério. A terceira vez... é esta! Mas, ia eu dizendo.. 500 milhões..
P (interrompendo): Milhões de quê?
HN: Milhões daquelas coisitas que às vezes se vêem a brilhar no
céu.
P: Moscas?
HN: Não, nada disso. Coisitas douradas que dão a volta à cabeça
dos párias e dos vagabundos.
P: Ah! Estrelas!
HN: Isso mesmo! Estrelas!
P: E o que é que fazes com 500 milhões de estrelas?
HN: 501 milhões, 622 mil, 731. Eu, eu sou um homem sério e gosto
que as coisas sejam ditas com rigor!
P: E o que é que fazes com essas estrelas todas? HN: O que é que eu faço com elas?
P: Sim
HN: Nada. Tenho-as. P: Tu tens as estrelas? HN: Tenho.
P: Mas eu conheço um rei que...
HN: Os Reis não têm nada, reinam sobre as coisas. É muito
diferente.
P: E para que é que te serve teres estrelas? HN: Serve-me para ser rico.
P: E para que é que te serve seres rico?
HN: Para comprar outras estrelas, se alguém as descobrir. P: E como é que se pode ter as estrelas?
HN: De quem são elas? P: Não sei. De ninguém.
P: E isso basta?
HN: Claro que basta! Se tu achares um diamante e ele não for de
ninguém passa a ser teu. Se tu achares uma ilha e ela não for de ninguém, passa a ser tua. Se tu fores o primeiro a ter uma ideia, tiras-lhe a patente: é tua. Pois eu tenho as estrelas porque, antes de mim, nunca ninguém se tinha lembrado de as ter.
P: Lá isso é verdade. E o que é que fazes com elas?
HN: Administro-as. Conto-as e trono a contá-las. É difícil, mas
eu sou um homem sério.
P: Mas tu não consegues apanhar as tuas estrelas e levá-las
contigo..
HN: Pois não, mas posso pô-las no banco. P: O que é que isso quer dizer?
HN: Quer dizer que pego num papelinho e escreve o número das
minhas estrelas. E depois guardo o papelinho numa gaveta e fecho-a à chave.
P: E mais nada? HN: Mais nada.
P: Eu cá por mim, tenho uma flor. Rego-a todos os dias. Tenho
três vulcões. Limpo-os todas as semanas. É útil para a minha flor e para os meus vulcões que eu os tenha. Mas tu não és útil para as estrelas!
(o homem ia responder, abre a boca mas fica sem resposta)
P (afastando-se): As pessoas crescidas são de facto extraordinárias.
principezinho sai, Homem de Negócios sai
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PN: Sabes o que é um geógrafo? N: O quê?
PN: Um ge-ó-gra-fo.
N: Sei pois. Os geógrafos são os que fazem os mapas. E ainda bem
porque ser aviador era difícil sem mapas. Mas porque perguntas?
PN: Porque encontrei um, uma vez. N: Onde? Também na tua viagem? PN: Sim. Eu conto!
G: Ora vejam! Aqui temos um explorador!
(princepezinho tem dificuldade em ver o geógrafo por detrás de um grande livro)
P: Que livro tão grande. O que é está a fazer? G: Eu sou um géografo.
P: O que é um geógrafo?
G: Um géografo é um cientista que sabe onde ficam os mares, os
rios, as cidades, as montanhas e os desertos.
P: Mas que interessante! (entusiasmado) Isto sim, é uma
profissão! O seu planeta é muito bonito! Tem mares?
G: Não faço ideia.
P: E cidades e rios e desertos? G: Também não faço ideia.
P: Mas o senhor é geógrafo!
G: Pois sou, mas não sou explorador. Não é o geógrafo que vai
contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos e os desertos. O geógrafo é demasiado importante para andar por ai a vadiar. Nunca sai da sua secretária, e é aqui que recebe os exploradores. Faz-lhes perguntas e toma nota do que eles dizem. Se houver informação interessante o geógrafo manda fazer um inquérito à moralidade do explorador.
P: Porquê?
G: Porque um explorador mentirosos podia provocar autênticas
catástrofes nos livros de geografia. E um explorador bêbado também.
P: Porquê?
G: Porque os bêbedos vêem a dobrar e assim, por exemplo, o geógrafo assinalava a existência de duas montanhas quando na realidade só haveria uma.
P: Estou a perceber.
G:Mas tu vieste de muito longe! És um explorador! Anda,
descreve-me o teu planeta!
P: No meu planeta tenho uma flor.
G: Nós não assinalamos flores, são efémeras. P: E o que é que “efémero” quer dizer?
G: Quer dizer que “se encontra ameaçado de desaparição a curto
P: Então a minha flor está “ameaçada de desaparição a curto
prazo”.
G: Evidentemente!
(princepezinho mostra-se preocupado)
P(à parte): A minha flor é efémera, e só tem quatro espinhos
para se defender do mundo inteiro. E eu deixei-a lá sozinha! P: E agora o que me aconselha a visitar?
G: O planeta Terra tem boa reputação. sai geógrafo, sai principezinho
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PN: Depois deste planeta visitei um planeta chamado Terra. E
sabes o que encontrei lá?
N: O quê?
PN: Um jardim cheio de flores iguais à minha flor. A minha flor
disse-me que era única. Que não havia mais nenhuma como ela no universo. E lá estavam 5 mil flores todas como a minha flor num só jardim! Parece que a minha flor era só uma rosa comum.. e isso não faz de mim lá grande princípe...
(narrador mostra-se compreensivo mas não diz nada) O Planeta Terra
Entra raposa, entra principezinho
(principezinho encontra uma raposa escondida) Raposa: Olá bom dia!
P: Olá.. quem és tu? És bem bonita.. (raposa envergonhada)
Raposa: Sou uma raposa.
P: Anda brincar comigo.. Estou tão triste..
Raposa: Não posso ir brincar contigo.. Não me cativaste..
P: Ah! Então, desculpa! (pausa) O que é que quer dizer cativar? Raposa: Vê-se logo que não és de cá.. De que andas à procura? P: Ando à procura dos homens. O que quer dizer cativar?
Raposa: Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar. É
uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas. Aliás, na minha opinião, isso é única coisa que interessa neles. Andas à procura de galinhas?
Raposa: É uma coisa que toda a gente se esqueceu. Quer dizer
criar laços... P: Criar laços?
Raposa: Sim, laços. Ora vê: por enquanto, para mim tu não és
senão um rapazinho perfeitamente igual a 100 mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou , para ti, senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti...
P: Acho que estou a perceber.. Sabes, há uma certa flor, tenho a
impressão que ela me cativou...
Raposa: É bem possível. Vê-se cada coisa cá na Terra. P: Oh! Mas não é da Terra!
Raposa: Então é noutro planeta? P: Sim.
Raposa: E nesse planeta há caçadores? P: Não.
Raposa: Hum... Que interessante... E galinhas? P: Não.
Raposa: Não bela sem senão.. (pausa) Tenho uma vida
terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me muito. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão, e o por isso o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando tu me tiveres cativado, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo... (pausa a olhar para o principezinho) Por favor, cativa-me.
P: Eu bem gostava, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para
descobrir e uma data de coisas para conhecer..
Raposa: Só conhecemos o que cativamos. Os homens deixaram de ter
tempo para conhecer o que quer que seja. Compram as coisas já feitas aos vendedore. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
P: E tenho de fazer o quê?
Raposa: Tens de ter muita paciência. Primeiro sentas-te um
bocadinho afastado de mim, aí na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
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PN: E foi assim que ficámos amigos. Visitei a raposa muitos
dias, e cativei-a. Até que um dia tive que partir... ____________________________________________________
Raposa: Ai.. Ai que me vou pôr a chorar!
P: A culpa é tua! Eu não queria que te acontecesse mal nenhum,
mas tu pediste-me para eu te cativar...
Raposa: Pois pedi.
P: Mas agora vais-te pôr a chorar! Raposa: Pois vou.
P: Então não ganhaste nada com isso..
Raposa: Ai isso é que ganhei! Por causa da cor do trigo... P: Adeus..
Raposa: Adeus. Vou-te contar um segredo. É muito simples: só se
vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos..
P: O essencial é invisível para os olhos...
Raposa: Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que a tornou
importante, e fez dela única no universo, para ti. Os homens já se esqueceram desta verdade, mas tu não te esqueças! Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa.
P: Eu sou responsável pela minha rosa... sai principezinho, sai raposa
N: A tua história é uma história bonita. E agora já não estás
triste por teres encontrado o jardim cheio de flores como a tua?
PN: Não, aquelas flores não eram como a minha, ninguém as
cativou, são como a raposa antes de eu a ter conhecido. São bonitas mas são vazias. A minha flor é diferente. A minha rosa foi regada por mim, fui que a pus numa redoma. Foi a ela que ouvi refilar, protestar, amuar... É a minha rosa. O essencial é invisível aos olhos.