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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA MARCELLE VALÉRIA MARQUES MOURA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA

MARCELLE VALÉRIA MARQUES MOURA

RAIVA HUMANA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

Boa Vista, RR 2016

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MARCELLE VALÉRIA MARQUES MOURA

RAIVA HUMANA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

Monografia apresentada ao Curso de Medicina da Universidade Federal de Roraima como pré-requisito para a conclusão do curso.

Orientador: Prof. Dr. Allex Jardim da Fonseca

Co-orientador: Prof. Roberto Carlos Carbonell.

Boa Vista, RR 2016

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MARCELLE VALÉRIA MARQUES MOURA

RAIVA HUMANA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

Monografia apresentada ao Curso de Medicina da Universidade Federal de Roraima como pré-requisito para a conclusão do curso.

______________________________________________ Prof. Dr. Allex Jardim, da Fonseca

Orientador / Curso de Medicina – UFRR

______________________________________________ Examinador 1

_________________________________________________ Examinador 2

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A Deus, que me deu fôlego de vida e me presenteou com uma família amorosa. À memória de meu pai, Raimundo M. Fontenele, homem de poucas palavras, porém com os mais ricos ensinamentos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que traçou o meu caminho até aqui e me fortaleceu em todos os momentos difíceis.

A minha mãe, uma grande heroína, seus cuidados e amor foram essenciais para a concretização do meu trabalho. A meu pai, sua memória e seus ensinamentos nunca foram esquecidos e têm me guiado até aqui. Aos meus irmãos queridos, fontes de inspiração para mim. A vocês expresso o meu maior agradecimento.

Ao Dr Roberto Carlos Carbonell e ao Dr Mauro Asato, grandes nomes da infectologia em Roraima, que me concederam este caso e compartilharam seus conhecimentos comigo, pessoas essenciais para a elaboração deste trabalho. Ao meu orientador, Dr Allex Jardim, obrigada por sua paciência e por seus ensinamentos, foram de extremamente importante. Além disso, esses três médicos são exemplos de cuidado e responsabilidade, meu pai esteve em suas mãos e foi sempre bem tratado e conduzido, serei eternamente grata.

Ao Dr Rodney E. Willoughby Jr, um dos maiores pesquisadores sobre Raiva Humana no mundo, que se dispôs a nos orientar sobre muitas condutas relativas ao paciente deste caso. Não poderia deixar de agradecer a minha amiga e colega de curso, Lígia Miranda, companheira de estudos que me apoiou muito durante a elaboração deste trabalho. Aos meus colegas de curso Farley Cantidio e Dkaion Vilela, alunos brilhantes, que me ajudaram nos momentos de dúvida. Ao meu namorado, que me encorajou bastante durante essa reta final de formação.

Aos meus colegas de internato (5º e 6º ano), cada um com o seu modo de ser, contribuiu com este objetivo, obrigada pelo companheirismo durante esse último ano.

Aos funcionários da UTI 1, que foram solícitos e sempre me trataram bem, suas anotações e cuidados com o paciente foram muito importantes para a elaboração de dados sobre o caso.

A todos, muito obrigada por tudo, pela paciência, pela amizade e pelos ensinamentos que levarei para sempre.

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RESUMO

A raiva é uma zoonose transmitida ao homem pela inoculação do vírus presente na saliva e secreções dos mamíferos infectados, principalmente pela mordedura. Apresenta letalidade de aproximadamente 100% e alto custo na assistência preventiva às pessoas expostas ao risco de adoecer e morrer. Apesar de ser conhecida desde a antiguidade, continua sendo um problema de saúde pública, pois não há tratamento comprovadamente eficaz e poucos pacientes sobrevivem à doença, a maioria com sequelas graves. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso da doença e revisar a literatura. Relatamos o caso de um adolescente de 14 anos, que procurou o pronto atendimento com uma história clínica e epidemiológica sugestiva de raiva humana e, não havia recebido profilaxia pós-exposição. Encaminhado a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), foi submetido a exames diagnósticos, antemorten, que demonstraram a presença de anticorpos neutralizantes no líquor (LCR) e soro e, isolamento do vírus no folículo piloso. Durante internação em UTI foi mantido em coma induzido, recebeu terapia antiviral e profilaxia de vasoespasmo cerebral, além da monitorização e suporte intensivo. No entanto, no décimo primeiro dia de internação, paciente evoluiu com edema cerebral e no décimo segundo dia, já apresentava sinais de morte encefálica, quando foi a óbito. Em relação à raiva humana, até o momento, 15 sobreviventes humanos foram registrados. Na maioria dos casos, o paciente havia recebido a profilaxia completa ou parcial antes do aparecimento dos sintomas clínicos. Portanto, mais estudos são necessários a fim de reconhecer a real ação do vírus no SNC, para assim buscar formas para combatê-lo. Enquanto isso, cabe aos profissionais de saúde lançar mão de uma profilaxia adequada ao paciente vítima de agressão por animais. Apesar de ser uma doença rapidamente progressiva e com uma das mais altas taxas de letalidade, chegando perto de 100%, é facilmente evitável se a profilaxia for precoce e adequada. E esta por ter um alto custo, deve ser corretamente empregada.

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ABSTRACT

Rabies is an zoonosis transmitted to humans by inoculation of virus present in the saliva and secretions from infected mammals primarily by biting. It presents lethality of approximately 100% and high cost on preventive care for people at risk of illness and death. Despite being known since antiquity, remains a public health problem because there is no proven treatment and few patients survive the disease, most with severe sequelae. The objective of this study is to report a case of the disease and review the literature. We report the case of a 14 year old who sought emergency treatment with a suggestive clinical and epidemiological history of human rabies and had not received post-exposure prophylaxis. Forwarded to the Intensive Care Unit, underwent antemortem diagnostic tests that demonstrated the presence of neutralizing antibodies in the CSF and serum and virus isolation in the hair follicle. During ICU admission was kept in an induced coma, he received antiviral therapy and prophylaxis of cerebral vasospasm, as well as was being monitored and under intensive support. However, on the eleventh day of hospitalization, patient developed cerebral edema and on the twelfth day, already showing signs of brain death, when he died. About human rabies, to date, 15 human survivors were recorded. In most cases, the patient had received a complete or partial prophylaxis before the onset of clinical symptoms. Therefore, further studies are needed in order to recognize the actual virus action in the CNS, thus to find ways to fight it. Meanwhile, it is for health professionals to make use of appropriate prophylaxis to patients victim of aggression by animals. Despite being a rapidly progressive disease and one of the highest mortality rates, reaching close to 100%, it is easily avoidable if prophylaxis is early and appropriate. And this, has a high cost, and should be properly used.

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SUMÁRIO 1. APRESENTAÇÃO ... 8 2. OBJETIVO ... 10 3. JUSTIFICATIVA ... 11 4. REVISÃO DA LITERATURA ... 12 4.1. DEFINIÇÃO ... 12 4.2. HISTÓRICO ... 12 4.3. EPIDEMIOLOGIA ... 14 4.4. ETIOLOGIA ... 16

4.5. CADEIA EPIDEMIOLÓGICA DE TRANSMISSÃO ... 18

4.5.1. Ciclo urbano ... 18

4.5.2. Ciclo rural ... 19

4.5.3. Ciclo silvestre aéreo ... 19

4.5.4. Ciclo silvestre terrestre ... 20

4.6. TRANSMISSÃO ... 20

4.7. PATOGENIA ... 22

4.8. QUADRO CLÍNICO DA RAIVA HUMANA ... 25

4.9. QUADRO CLÍNICO DA RAIVA EM ANIMAIS ... 26

4.9.1. Raiva canina ... 26

4.9.2 Raiva Felina... 26

4.9.3. Raiva em bovinos ... 27

4.9.4. Raiva em animais silvestres ... 27

4.10. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ... 27 4.11. DIAGNÓSTICO ... 28 4.12. TRATAMENTO ... 29 4.13. COMPLICAÇÕES ... 31 4.14. PROFILAXIA ... 31 4.14.1 Profilaxia pré-exposição ... 32 4.14.2 Profilaxia pós-exposição ... 33 5. RELATO DE CASO ... 37 6. DISCUSSÃO ... 43 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 50 REFERÊNCIAS ... 51 APÊNDICE 1 ... 65

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1. APRESENTAÇÃO

A raiva é uma zoonose transmitida ao homem pela inoculação do vírus presente na saliva e secreções do animal infectado, principalmente pela mordedura. Apresenta letalidade de aproximadamente 100% e alto custo na assistência preventiva às pessoas expostas ao risco de adoecer e morrer. Apesar de ser conhecida desde a antiguidade, continua sendo um problema de saúde pública.

O vírus da raiva pertence ao gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae. É neurotrópico, causando uma encefalite aguda, decorrente da replicação viral nos neurônios do Sistema Nervoso Central. Possui a forma de um projétil e seu genoma é constituído por ácido ribonucleico (RNA).

Apenas os mamíferos transmitem e adoecem pelo vírus da raiva. No Brasil, o morcego é o principal responsável pela manutenção da cadeia silvestre, enquanto o cão, em alguns municípios, continua sendo fonte de infecção importante. Outros reservatórios silvestres são: macaco, cachorro-do-mato, raposa, gato-do-mato, mão-pelada, guaxinim, entre outros.

A transmissão ocorre quando o vírus contido na saliva e secreções do animal infectado penetra na pele ou mucosa, principalmente através de mordedura e, mais raramente, pela arranhadura e lambedura de mucosas e/ou pele lesionada. Em seguida, multiplica-se no ponto de inoculação, atinge o sistema nervoso periférico e migra para o SNC protegido pela camada de mielina. A partir do SNC, dissemina-se para vários órgãos e glândulas salivares, onde também se replica e é eliminado na saliva das pessoas ou animais infectados. Outras vias de transmissão (respiratória, sexual, vertical) também são relatadas, mas têm probabilidades muito remotas de ocorrência em seres humanos.

Não há tratamento comprovadamente eficaz para a raiva. Poucos pacientes sobrevivem à doença, a maioria com sequelas graves. Em 2004, há o relato de uma paciente que foi exposta a um morcego nos Estados Unidos. A paciente foi submetida a um tratamento à base de antivirais e indução ao coma, denominado Protocolo de Milwaukee, e sobreviveu sem receber vacina ou soro. Esse protocolo foi utilizado no Brasil, em 2008, obtendo sucesso no tratamento no caso de um paciente, o qual originou o Protocolo de tratamento de raiva humana – Protocolo de Recife. No entanto, as tentativas de repetir este primeiro sucesso têm falhado em casos subsequentes, sugerindo que o protocolo não é efetivo.

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Sendo assim, esta pesquisa de caráter exploratório, delineada pelo estudo de caso de raiva humana e fundamentada pela revisão bibliográfica, visa a relatar um caso de Raiva Humana diagnosticado em 2016, no Hospital Geral de Roraima (HGR), situado em Boa Vista. E fazer uma revisão literária sobre a patologia em questão. A fim de levantar questionamentos, de preferência, fundamentados nas recomendações científicas contemporâneas, sobre como deve ser a abordagem ao paciente, além de estimular trabalhos futuros que promovam uma maior discussão sobre o tema.

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2. OBJETIVO

Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de Raiva Humana diagnosticado em 2016, no Hospital Geral de Roraima (HGR), situado em Boa Vista. E fazer uma revisão literária sobre a patologia em questão.

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3. JUSTIFICATIVA

Apesar da redução na sua ocorrência observada nos últimos anos, a Raiva Humana continua sendo um grande desafio à prática médica, com alta taxa de mortalidade, ausência de drogas que demonstraram real eficácia e escassez de evidências acerca do seu tratamento. Além disso, mantém-se como um problema de saúde pública pela altíssima gravidade do seu acometimento, alto custo na assistência, profilaxia e controle da doença. Entretanto a realização de ações conjuntas de vacinação animal, profilaxia pré e pós exposição em humanos, além de uma política de controle de população animal e de um processo de educação em saúde podem ser determinantes para a redução e até eliminação da doença em nosso meio.

As últimas publicações científicas na área têm demonstrado raros casos de sobrevida através de protocolos de manejo baseados na experiência clínica e em alguns estudos sobre o tema. Dessa forma, é necessário o maior entendimento do médico acerca da prevenção e abordagem dessa doença tão fatal, a fim de evitar a ocorrência da mesma ou na tentativa de aumentar a sobrevida e qualidade de vida dos acometidos por essa patologia.

Nesse sentido, a realização desse estudo faz-se necessária para levantar questionamentos, de preferência, fundamentados nas recomendações científicas contemporâneas, sobre o tema, além de estimular trabalhos futuros que promovam uma maior discussão.

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4. REVISÃO DA LITERATURA

4.1. DEFINIÇÃO

A raiva humana é uma doença infecciosa aguda, que compromete o Sistema Nervoso Central (SNC), sendo rapidamente progressiva, com uma das mais altas taxas de letalidade, perto de 100% (TAKAYAMA, 2008; WILLOUGHBY et al., 2005), porém, facilmente evitável se a profilaxia pós-exposição for precoce e adequada (BAER, 2007; HATTWICK et al., 1972; HEMACHUDA, WILDE, 2005; JACKSON, 2007; NEVILLE, 2004; THEODORIDES, 1986). Causada por lyssavirus, mais notavelmente vírus da raiva. A infecção por este é caracterizada por ser minimamente citolítica e pobremente inflamatória (FABER et al., 2002).

A sintomatologia, atualmente, é bastante diversa, podendo o paciente apresentar fobias consideradas clássicas da raiva, a tríade parestesia, paresia e paralisia, a síndrome de Guillain-Barré e outros sinais e sintomas (BRASIL, 2011a). Não existem drogas antivirais clinicamente efetivas para a moléstia.

É uma zoonose que tem como hospedeiro, reservatório e transmissor, o animal que, dependendo da situação, transmite a doença aos humanos através da mordedura, arranhadura e lambedura. Cerca de 95% das mortes humanas são devido a transmissão do vírus através das mordidas de cães infectados (WHO, 2016).

4.2. HISTÓRICO

É bastante provável que a raiva seja a mais antiga infecção registrada da humanidade. A palavra "raiva" tem origem em “rabere”, do latim que significa “fúria” ou “delírio” e da palavra sânscrita "rabhas", que é "tornar-se violento". Na Grécia, foi dado o nome de “Lyssa” ou “Lytta” que quer dizer “loucura ou demência” (DIETZSCHOLD et al., 1996). Sempre foi uma doença temida em virtude da transmissão, quadro clínico e evolução.

A associação de cães com a doença já era conhecida no Egito antigo, onde acreditava-se que a Estrela cão de Sirius, na forma de um cão raivoso, exercia influência maligna sobre os cães, alterando seu comportamento (DIETZSCHOLD et al., 1996).

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Encontra-se citada em uma legislação da Mesopotâmia, Código de Eshnunna, do século XXVIII antes de Cristo. Havia uma penalidade aos donos de um cão raivoso que causasse a morte de um humano (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

Os gregos estavam familiarizados com a doença desde os tempos de Homero; o autor cita a existência de cães raivosos e, na mitologia, deuses como Aristeu e Artemis eram cultuados para proteção e cura da raiva (DIETZSCHOLD et al., 1996). Vários filósofos gregos e romanos estudaram a doença, entre os séculos IV a.C e I a.C, como Demócritus (500 a.C.), Aristóteles (322 a.C.), Cornelius Celsius e Galeno (200 a.C.). Eles a descreveram em animais e homens, a transmissão entre os animais e destes para os homens. (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

No primeiro século dC, Cornelius Celsus inventou o termo "hidrofobia", que se refere à fobia à água, e descreveu um caso de raiva humana. Girolamo Fracastoro era um sábio italiano, que realmente sabia sobre a raiva como sabemos hoje e registra a verdadeira natureza dela em seus tratados - "A ferida incurável", datado de 1584. Ele descreveu como os seres humanos não são apenas susceptíveis à raiva, mas também que eles morrem assim que os sintomas clínicos ocorrem. Depois de Fracastoro, a pesquisa da raiva manteve-se relativamente quiescente (DIETZSCHOLD et al., 1996).

Em dezembro de 1880, o cientista francês Louis Pasteur iniciou seus estudos sobre a raiva e no ano seguinte, conseguiu isolar o vírus. Contava com vários colaboradores, entre os quais se destacavam – Émile Roux, Charles Chamberland e Louis Thuillier. Estes cientistas fizeram sucessivas passagens do vírus da raiva no SNC de coelhos e submeteram a medula espinhal ao dessecamento e à ação da potassa, conseguindo obter um vírus mais “estável” que podia ser reproduzido em laboratório, e foi utilizado para a produção da vacina contra a raiva (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

Utilizaram a vacina, experimentalmente, em animais em 1884, sendo finalmente usada em humanos em 1885, em um menino de 9 anos, que apresentou mordidas múltiplas e profundas por um cão raivoso. Já que o seu destino era a morte, optaram por aplicar-lhe a vacina. O sucesso obtido foi determinante para que Pasteur alertasse sobre a necessidade de criação de uma instituição de pesquisa que produzisse e aplica-se essa vacina. No Brasil, o Instituto Pasteur de São Paulo foi fundado em 1903 (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

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Desde 1885, alguns avanços têm ocorrido na pesquisa da raiva. O mais importante foi o desenvolvimento de vacinas de células diplóides, pioneiramente pelo Dr. Hilary Koprowski e seus colegas no Instituto Wistar, Filadélfia. Esta vacina, além de ser mais segura em comparação às antigas, é, também, mais eficaz (FANG, 1997).

Desde o advento da terapia intensiva na década de 1970, cinco sobreviventes foram relatados entre as pessoas que desenvolveram a doença; todos tinham recebido algum tipo de profilaxia contra a raiva antes do aparecimento dos sintomas (ALVAREZ et al., 1994; HATTWICK et al., 1972; MADHUSUDANA et al., 2002; PORRA et al., 1976; TILLOTSON, AXELROD, LYMAN, 1977).

Em 2004, nos Estados Unidos, registrou-se o primeiro relato, na literatura internacional, de cura da raiva em paciente que não recebeu vacina. Nesse caso, foi realizado um tratamento com base na utilização de antivirais e sedação profunda, denominado de Protocolo de Milwaukee (MP) (WILLOUGHBY et al., 2005). Em 2008, ocorreu a primeira cura de raiva humana no Brasil, em Recife-PE após um tratamento semelhante ao utilizado no MP. Esse ocorrido, bem como o sucesso terapêutico da paciente dos Estados Unidos, abriu novas perspectivas para o tratamento dessa doença, considerada até então letal. Com base nisso, o Ministério da Saúde reuniu especialistas no assunto e elaborou o primeiro protocolo brasileiro de tratamento para raiva humana, publicado em 2011, baseado no protocolo americano de Milwaukee (BRASIL, 2011a).

4.3. EPIDEMIOLOGIA

Como uma zoonose negligenciada, a raiva está presente em grande parte do mundo (Fig. 1), com muitas mortes de seres humanos ocorrendo na África e na Ásia, na sua maioria, menores de 15 anos. É considerada como sub-relatada em muitas regiões, em parte devido à falta de infraestrutura laboratorial e de vigilância, confundidos por tabus culturais ou sociais (BANYARD et al., 2013; DODET, KOREJWO, BRIGGS, 2013; HORTON et al., 2013). A ausência de dados precisos sobre a incidência da doença, por sua vez, tende a reduzir a raiva como uma prioridade para os políticos e profissionais (LEMBO, HAMPSON, KAARE, 2010). Dados preliminares de estimativas da taxa global, com base em modelos de incidência de mordidas de cães sugerem que, aproximadamente, 60.000 mortes humanas por ano, em todo o

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mundo, ocorrem devido à raiva. Isto é mais do que o atribuído a qualquer outra zoonose (DODET et al., 2008; HAMPSON, CLEAVELAND, BRIGGS, 2011).

FIGURA 1 – Risco da Raiva, mapa da OMS.

Fonte: FOOKS et al., 2014. The lancet. Vol 384, October 11.

Nos Estados Unidos, entre o número de casos de raiva humana ocorridos a partir de 1990, cujo animal transmissor foi o morcego insetívoro, em 90% deles não foram verificados histórico de agressão ou qualquer contato com morcego. (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009). Os casos nos quais foi identificada variante canina, a infecção ocorreu em outros países. Na Europa, esporadicamente, ocorrem casos de raiva canina de animais transportados do continente africano e, em raras oportunidades, casos de raiva transmitida por morcegos dos gêneros Myotis spp. e Eptesicus spp. (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

A maioria dos países das Américas foram declarados livres de casos humanos de raiva transmitida pelo cão, existe agora somente notificações de raiva humana transmitida por cães na Bolívia, Peru, Honduras, Haiti, República Dominicana, Guatemala e alguns estados no norte e nordeste do Brasil (VIGILATO et al., 2013).

A raiva humana urbana, transmitida por cães e gatos, diminuiu de 73 casos em 1990 para 17 casos em 2003 no Brasil (BRASIL, 2004). No entanto, em termos de casos de raiva transmitida por todas as espécies no período de 2001-2012, 129 casos de raiva humana foram notificados (BRASIL, 2013). Particularmente, casos em que os seres humanos foram mordidos por morcegos têm aumentado no Brasil (DA ROSA et al., 2006) (Fig. 2). Atualmente, a doença transmitida por morcegos hematófagos é um importante problema de saúde pública nas áreas subtropicais e tropicais nas Américas, do México à Argentina (SCHNEIDER et al., 2009).

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Surtos em gado transmitidos por morcegos hematófagos foram observados pela primeira vez entre 1906 e 1908 no Estado de Santa Catarina, no Brasil, quando aproximadamente 4000 bovinos e 1000 cavalos e mulas morreram devido a raiva paralítica (MAYEN, 2003). Um total de 9277 casos de raiva foram relatados no Brasil 2002-2009 (88,0% em bovinos, 10,0% em cavalos e 2,0% em outras espécies) (WADA, ROCHA, MAIA-ELKHOURY, 2011).

FIGURA 2 – Raiva humana, segundo o ciclo epidemiológico de transmissão, Brasil, 1990 – 2009

Fonte: Sinan/SVS/MS

4.4. ETIOLOGIA

A raiva é causada por um vírus pertencente à família Rhabdoviridae, gênero Lyssavirus e espécie Rabies vírus (RABV) (PRINGLE, 1991). RABV é o primeiro dos quatorze espécies lyssavirus identificados até a presente data (DIETZGEN et al., 2011) De acordo com suas distâncias genéticas virais, dois filogrupos principais foram definidos: filogrupo I inclui a RABV espécie, tipo europeu bat lyssavirus 1 (EBLV-1) e tipo 2 (EBLV-2), vírus Duvenhage (DUVV), lyssavirus bat australiano (ABLV), o vírus Aravan (ARAV), o vírus Khujand (KHUV), Bokeloh bat lyssavirus (Bblv) e vírus da Irkut (IRKV); o filogrupo II inclui o vírus Lagos bat (LBV), vírus Mokola (MOKV) e vírus da bat Shimoni (SHIBV). Os vírus restantes, West vírus bat Caucasiano (WCBV) e Ikoma lyssavirus, (IKOV) não podem ser incluídos em qualquer um destes filogrupos e foram temporariamente atribuídos a filogrupos III e IV, respectivamente (BOURHY et al., 1992; BOURHY, H.; KISSI, B.; TORDO, N., 1993;

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AMENGUAL et al., 1997; HOOPER et al., 1997; BADRANE et al., 2001; KUZMIN et al., 2010; MARSTON et al., 2012).

Atualmente pensa-se que a infecção por todas as espécies de lyssavírus culmina em encefalite viral clinicamente indistinguível daquela causada por RABV e, finalmente, resulta na morte de seres humanos e animais (DE BENEDICTIS et al., 2016).

O vírus da raiva é inativado a 60°C em 35 segundos; a 4°C, se mantém infectivo por dias; a -70°C ou liofilizado (4°C), se mantém durante anos. Apresenta como propriedades relevantes: a resistência à dessecação, assim como a congelamentos e a descongelamentos sucessivos; (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009) relativa estabilidade a um pH entre 5 e 10 e a sensibilidade às temperaturas de pasteurização e à luz ultravioleta. Além disso, é sensível aos solventes de lipídeos (sabão, éter, clorofórmio e acetona), etanol a 45-70%, preparados iodados e compostos de amônia quaternária.

Quanto a sua morfologia, o vírus da raiva tem a forma de um projétil, com uma das extremidades planas e a outra arredondada (fig. 3). Seu comprimento médio é 180nm e o diâmetro médio é 75 nm. Na sua constituição química, a partícula viral completa possui 2 a 3% RNA, 67% de proteínas, 26% de lipídeos e 3% de carboidratos.

Os Lyssavírus são envolvidos com uma membrana derivada do hospedeiro. O genoma viral consiste em um RNA não-segmentado, simples e de cadeia negativa, com aproximadamente 11.932 nucleotídeos que codifica cinco proteínas: nucleoproteína (N), proteína da matriz (H), fosfoproteína (P), glicoproteína (L), e o RNA – polimerase – RNA dependente (ALBERTINI, RUIGROK, BLONDEL, 2011; ALBERTINI et al., 2008).

As proteínas N, P, L associadas ao RNA viral, formam o complexo de ribonucleoproteína (RNP), que está rodeado pelo invólucro lipídico associado com as proteínas M e G. A proteína G forma trímeros e é o antígeno de superfície primário com o qual os anticorpos neutralizantes se ligam. A nucleoproteína protege o RNA viral a partir do reconhecimento imune inato, mas também contém vários locais antigênicos que atuam como um alvo principal para a resposta imune adaptativa (ALBERTINI et al., 2006; DRINGS et al., 1999).

A ligação do vírus à célula hospedeira é dependente da glicoproteína, que se liga a um dos vários receptores na membrana celular (LAFON, 2005). A proteína M tem papel importante

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na regulação da expressão gênica por inibição da transcrição e aumento na replicação (FINKE, CONZELMANN, 2003; FINKE, MUELLER-WALDECK, CONZELMANN, 2003).

FIGURA 3 – Esquema do vírus da raiva.

Fonte: www.cdc.gov/rabies

4.5. CADEIA EPIDEMIOLÓGICA DE TRANSMISSÃO

Os principais reservatórios do vírus da raiva são mamíferos das ordens Carnivora e Chiroptera. O vírus possui uma alta capacidade de adaptação às diferentes espécies de mamíferos e, devido a isso, a doença apresenta ampla distribuição mundial. Considera-se que a cadeia epidemiológica da raiva está dividida em 4 ciclos – urbano, rural, silvestre terrestre e aéreo (Fig. 4) (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

4.5.1. Ciclo urbano

É o mais estudado, com a transmissão envolvendo, principalmente, os cães e também os gatos. O hospedeiro natural neste ciclo é o cão doméstico. Usualmente este tipo de infecção é causado pelas variantes caninas do vírus da raiva. Este ciclo também se faz presente em regiões onde a raiva canina foi controlada, com a ocorrência de raiva em cães e gatos com variantes de morcego, por meio de contatos com morcegos de espécies hematófagas ou não hematófagas. Estes animais, uma vez infectados, podem transmitir a doença para humanos - ciclo secundário.

O primeiro caso, no mundo, deste ciclo secundário ocorreu em um município do interior do Estado de São Paulo, em 2001. Uma mulher foi a óbito por raiva após ser agredida por sua

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gata raivosa, que havia anteriormente capturado um morcego infectado, presumivelmente, um morcego frugívoro, frequente na área (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009). Meses depois, este tipo de transmissão se repetiu na Costa Rica e, em 2008, na Colômbia.

FIGURA 4 – Casos de raiva animal por ciclo de transmissão no Brasil, 2002 a 2009.

Fonte: UV/CGDT/DEVEP/SVS/MS

4.5.2. Ciclo rural

Tem como reservatório o morcego hematófago (Desmodus rotundus) e caracteriza-se pela transmissão da raiva aos animais domésticos de interesse econômico, que são os do meio rural, os herbívoros domésticos – bovídeos (bois e búfalos), equídeos (cavalos, mulas e asnos), caprinos, ovinos e suínos, sendo esses últimos, onívoros. Este ciclo representa um risco à saúde pública, devido à possibilidade de transmissão aos humanos por manipulação de animais raivosos sem vacinação. Em 2006 ocorreu em Minas Gerais um caso de raiva em um veterinário, infectado por manipulação de herbívoros raivosos, sem tratamento profilático pré e pós-exposição (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009). Um herbívoro não transmite a doença a outro, porém cães raivosos também podem agredir herbívoros domésticos.

4.5.3. Ciclo silvestre aéreo

Tem como sinonímia ciclo aéreo e, neste, os morcegos ou quirópteros podem manter o vírus rábico, transmitindo a doença de um a outro, hematófagos ou não, sendo todas as espécies susceptíveis à raiva (BARSOSA et al., 2008; DA ROSA, et al., 2006).

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Há, na América Latina, com frequência, casos de raiva humana pela agressão dos morcegos hematófagos aos seres humanos (RUPPRECHT, HANLON, HEMACHUDHA, 2002). A região Amazônica, compreendendo o Brasil, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela, é de alto risco. Apresentando, em cinco anos, registros de 105 casos de raiva humana transmitida por morcegos hematófagos, na sua maioria crianças. No Brasil, há cerca de 170 espécies de morcegos identificadas e em 36 delas já foram isolados vírus da raiva (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

4.5.4. Ciclo silvestre terrestre

Neste ciclo, a transmissão da raiva pode ocorrer entre diferentes espécies de animais e

por distintas variantes antigênicas e genéticas. Particularmente, entre os carnívoros silvestres região. Na África os chacais têm um papel importante como reservatórios do vírus da raiva; já

na Ásia, as mangostas e raposas vermelhas são reservatórios. Na Europa são as cinzentas, além dos coiotes (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

Na América do Sul, os estudos epidemiológicos e laboratoriais relativos ao ciclo silvestre são escassos. Entre os poucos carnívoros silvestres identificados, podemos destacar: a raposa cinzenta no norte da Colômbia (Urocyon cinereoargentus) e o cachorro do mato (Cerdocyon thous) e guaxinim (Procyon spp.) no nordeste do Brasil. Há, ainda, no nordeste do Brasil, um ciclo particular de raiva que tem como reservatório o sagui-do-tufo-branco, da espécie Callithrix jacchus, este animal mantém uma variante antigênica genética bastante distinta das anteriormente isoladas no país e, juntamente com o cachorro do mato, por serem considerados animais de estimação, trazem maior risco de transmissão ao homem. Entre 1989-2008 foram registrados pelo Ministério da Saúde 18 casos de raiva humana transmitidos pelo Callithrix jacchus (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

4.6. TRANSMISSÃO

O vírus da raiva é comumente transmitido pela mordida do animal raivoso. Este mecanismo permite que o vírus atravesse a pele e se deposite em tecidos, nos quais ele pode

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iniciar a infecção (SINGH, RUZEK, 2013). Outras formas são: a arranhadura do animal, assim como a lambedura de alguma solução de continuidade já existente na pele ou da mucosa íntegra. Casos de transmissão através da via respiratória, pela inalação de aerossóis contendo o vírus, já foram descritos na literatura. A penetração do vírus, provavelmente, ocorre pela mucosa da orofaringe ou das vias aéreas superiores. Os casos descritos foram em dois indivíduos que entraram em cavernas, densamente povoadas por morcegos infectados e duas pessoas que manipularam o vírus da raiva em laboratório, sem que os mesmos tenham recebido esquema de profilaxia pré-exposição e não adotaram medidas de biossegurança adequadas (IRONS et al., 1957; JOHNSON, PHILLPOTTS, FOOKS, 2006; KENT, FINEGOLD, 1960; WINKLER et al., 1996).

A zoofilia também pode ser considerada como forma de transmissão pela penetração do vírus através da pele e mucosa genital. No Brasil há relato de dois casos de raiva humana por essa forma de transmissão (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

Na literatura científica, há descrição de dois casos, ocorridos na Etiópia, de raiva transmitida entre humanos. Sendo um desses, o caso de uma mãe que teve o dedo da mão mordido pelo filho com a doença. (FEKADU et al., 1996).

A transmissão através de transplante de córnea também pode ocorrer, assim como por transplante de órgãos. Oito casos foram relatados, na literatura científica, em pessoas que receberam córneas de doadores que morreram de raiva, sem que houvesse a suspeição de que o óbito ocorreu devido à mesma. Já a transmissão por transplante de órgãos ocorreu pela primeira vez em 2004, nos Estados Unidos da América. Um mesmo doador transmitiu a doença para quatro pessoas, que receberam o fígado, o rim direito, o rim esquerdo e um segmento da artéria ilíaca. Da mesma forma, na Alemanha, em 2005, ocorreram três casos de raiva humana em pessoas que receberam órgãos de um mesmo doador (MAIER et al., 2010).

A via transplacentária como forma de transmissão é cientificamente comprovada em animais, mas não em humanos. No Brasil, há dois casos em que gestantes com a doença tiveram seus filhos retirados antes do óbito da mãe e submetidos à profilaxia da raiva humana, sobrevivendo ambas as crianças. No Paraguai, uma criança amamentada com leite materno de mãe que morreu de raiva, também recebeu esquema de vacina e soro antirrábicos e não desenvolveu a doença (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

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O período de transmissão do vírus da raiva varia de espécie para espécie, mas, em todos os animais, inclusive em humanos, precede o aparecimento da sintomatologia e perdura durante o quadro clínico, até a morte. A presença do vírus rábico na saliva, embora seja intermitente, é importante na transmissão, e isto pode ocorrer antes de o animal apresentar sintomas da raiva ou quando os mesmos estiverem se iniciando. Este período foi bastante estudado em cães e gatos, sendo, na grande maioria das vezes, de cerca de 2 a 4 dias antes do surgimento dos sintomas no animal até sua morte, que ocorre geralmente após 5 dias.

As normas internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) continuam recomendando a observação de 10 dias em cães e gatos, pois o período é para detecção de alterações de hábitos e comportamento do animal. Já a Oficina Internacional de Epizootias (OIE) refere o período de observação, em cães e gatos, como de 15 dias.

4.7. PATOGENIA

A patogenia da raiva é semelhante em todas as espécies de mamíferos. O vírus permanece latente e se replica em baixos níveis, no local da inoculação, inicialmente nas células musculares ou nas células do tecido subepitelial – no caso da variante isolada de morcegos insetívoros, até que atinja concentração suficiente para alcançar terminações nervosas (SMITH et al., 1991). O período de incubação da raiva é extremamente variável e depende, fundamentalmente, da concentração do inóculo viral, da distância entre o local do ferimento e o cérebro e está relacionado com a extensão, a gravidade e o tamanho da ferida causada pelo animal agressor (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

No homem, o período de incubação tem sido bastante variável, de poucos dias até seis anos ocasionalmente (MAHADEVAN, SUJA, MANI, SHANKAR, 2016), mas em geral costuma ser de 2 a 8 semanas (SMITH et al., 1991). Sendo assim, a profilaxia da raiva humana pós-exposição, quando indicada, deve ser iniciada de imediato, mesmo se a procura for tardia (até um ano).

São relacionadas, atualmente, três proteínas celulares distintas para a ligação dos lissavírus à célula do hospedeiro: o receptor nicotínico da acetilcolina (nAChR), a molécula de adesão da célula neuronal (NCAM) e o neurorreceptor p75 (p75NTR). Em geral, o vírus rábico,

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através da glicoproteína, se liga ao receptor nicotínico da acetilcolina na junção neuromuscular (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

Após sua entrada no nervo periférico, o vírus segue um trajeto centrípeto, em direção ao Sistema Nervoso Central (SNC) (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009). Torna-se protegido pela bainha neural de Schwann da ação dos anticorpos, das células do sistema imune e da ação dos interferons, responsáveis pela resposta imune. Por isso não há produção de anticorpos antirrábicos que possam bloquear o caminhar do vírus ao SNC.

Uma vez que a infecção é estabelecida dentro das células neuronais, o vírus usurpa a maquinaria da célula hospedeira a fim de alcançar os corpos celulares da medula espinal, tronco cerebral ou gânglios sensoriais onde ocorre a replicação. É transportado por transporte axonal rápido através da medula até o cérebro (GINGER et al., 2013; UGOLINI, 2011). Durante esta fase, o paciente não apresenta sinais clínicos. A detecção do vírus ocorre intracelularmente através da via gene induzível ácido retinóico (HORNUNG et al., 2006) após a detecção de estruturas tampão no mRNAs do vírus e através de receptores Toll-like (RIEDER, CONZELMANN, 2006). Esta detecção estimula uma resposta inicial via interferon que é antagonizado pela fosfoproteína do vírus (BRZÓZKA, FINKE, CONZELMANN, 2006; CHELBI-ALIX et al., 2006). O mecanismo de antagonismo do interferon parece estar conservado entre muitos dos lyssavírus (OKSAYAN et al., 2012; WILTZER et al., 2012).

Após alcançar o sistema nervoso central, o vírus replica extensivamente e desenvolve doença clínica. Notavelmente, as encefalites fatais causadas pelo vírus da raiva podem não necessariamente serem acompanhadas por inflamação substancial. Esta variabilidade na resposta inflamatória é também vista em casos de raiva canina. Além disso, neuronofagia pode variar substancialmente e apoptose neuronal não parece ter um papel importante na encefalite da raiva em seres humanos (JACKSON et al., 2008). A distribuição do vírus, no SNC, não é homogênea. Eis as regiões mais habitualmente atingidas: hipocampo, tronco cerebral, medula espinal e células de Purkinje no cerebelo (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

A partir da intensa replicação no SNC, o vírus segue em direção centrífuga disseminando-se através do sistema nervoso periférico e autônomo para diferentes órgãos – pulmões, coração, rins, bexiga, útero, testículos, folículo piloso, entre outros – e glândulas salivares, sendo eliminado pela saliva. O vírus rábico pode localizar-se, também, na retina e no epitélio da córnea (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009). De particular importância no reservatório das espécies é a propagação do vírus para locais periféricos que libertam o vírus

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para a cavidade oral através das glândulas salivares. O antígeno do vírus da raiva também foi observado através de coloração das papilas gustativas (FREULING et al., 2009; JACKSON et al., 1999; MURPHY et al., 1973).

As lesões histopatológicas são as inclusões intracitoplasmáticas de Negri (Fig. 5), patognomônicas para a raiva. A sua ausência, porém, não invalida o diagnóstico da raiva, pois nos casos com período de incubação curto e óbito precoce, pode não haver tempo suficiente para estas inclusões. Outra lesão observada é a formação de vacúolos, dando ao sistema nervoso o aspecto espongiforme (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

FIGURA 5 – Corpúsculo de Negri no dendrito de uma célula de Purkinje. (Técnica de Schlafenstein, x 1.500.)

A causa da morte como resultado de uma infecção pelo vírus da raiva não foi estabelecida irrefutavelmente. A esmagadora replicação do vírus no sistema nervoso leva a muitas complicações sistêmicas, incluindo a falência de múltiplos órgãos. Estudos experimentais mostraram forte evidência para a regulação positiva de citocinas, interferon, e quimiocinas no SNC, em resposta a infecção pelo vírus da raiva (HICKS et al., 2009; JOHNSON, CUNNINGHAM, FOOKS, 2010).

Alguns estudos têm demonstrado a supra regulação de vários genes interferon-induzíveis (JOHSON et al., 2008; WANG et al., 2011) e esta regulação positiva foi suportado pela demonstração da produção de quimiocina imune em neurônios. Essa produção aciona um influxo de células imunes para o SNC, em particular as células T. No entanto, no caso de infecção pelo vírus da raiva, este influxo não controla a infecção e o hospedeiro invariavelmente morre. Na ausência de opções terapêuticas, não existem mecanismos para diminuir a replicação do vírus da raiva, uma vez que o vírus chega ao cérebro. A evidência de uma resposta imunitária não é detectada até que o vírus tenha entrado no SNC (JOHNSON, CUNNINGHAM, FOOKS,

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2010; HUNTER et al., 2010). Como o vírus evita vigilância imunológica na periferia, é desconhecido, mas pode ser atribuível ao baixo nível de replicação no início da infecção ou ativação de imunossupressão na periferia (LAFON, 2011; WILTZER et al., 2012).

4.8. QUADRO CLÍNICO DA RAIVA HUMANA

A raiva ocorre em 32 a 61% das pessoas expostas ao vírus, que não receberam o tratamento profilático, pois depende da espécie agressora, da gravidade da exposição, do local da lesão, da carga viral, além da presença de roupa, da espessura do tecido, da lavagem dos ferimentos com água e sabão.

O quadro clínico da doença é composto por quatro fases – prodrômica, neurológica aguda, coma e morte – com diversas manifestações clínicas, porém, nem todas essas manifestações podem estar presentes.

A fase prodrômica, geralmente, tem duração de 2 a 4 dias e é caracterizada por sinais e sintomas inespecíficos: mal-estar geral, pequeno aumento de temperatura, anorexia, cefaleia, náuseas, dor de garganta, entorpecimento, irritabilidade, inquietude e sensação de angústia. Podem ocorrer hiperestesia e parestesia no trajeto de nervos periféricos, próximos ao local da mordedura, e alterações de comportamento (BRASIL, 2011a).

A fase neurológica pode se apresentar através de duas formas clássicas da doença: furiosa (relacionada principalmente a vírus transmitidos por canídeos) e paralítica (associada, na maioria das vezes, a vírus transmitidos por morcegos) (BRASIL, 2011a). Os primeiros sintomas neurológicos em seres humanos é, geralmente, dor, parestesia, ou prurido no local da agressão devido à replicação viral em gânglios da raiz dorsal (HEMACHUDA et al., 2013).

Na forma furiosa a infecção progride com manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido (hidrofobia), apresentando concomitantemente sialorreia intensa, disfagia, aerofobia, hiperacusia, fotofobia (BRASIL, 2011a). Além disso, apresenta-se com períodos de agitação alternando com lucidez o que é característica chave da raiva furiosa. Ácido nucleico do RABV pode ser detectado em amostras de saliva examinadas neste estádio (FOOKS et al., 2014).

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Quando a raiva se apresenta na forma paralítica, ocorre parestesia, dor e prurido no local da mordedura, evoluindo com paralisia muscular flácida precoce. Em geral, a sensibilidade é preservada. A febre também é marcante, geralmente elevada e intermitente. O quadro de paralisia leva a alterações cardiorrespiratórias, retenção urinária, obstipação intestinal; embora se observem espasmos musculares (especialmente laringe e faringe), não se percebe claramente a hidrofobia, e a consciência é preservada na maioria dos casos (BRASIL, 2011a). A progressão para o coma e morte, muitas vezes leva mais tempo que a forma furiosa (HEMACHUDA et al., 2013).

A disautonomia (bradicardia, bradiarritmia, taquicardia, taquiarritmia, hipo ou hipertensão arterial) e a insuficiência respiratória são as principais causas de morte, podendo ocorrer nas duas formas. Sem suporte cardiorrespiratório, o paciente evolui a óbito entre cinco e sete dias na forma furiosa e até 14 dias na forma paralítica (HEMACHUDHA et al., 2002).

4.9. QUADRO CLÍNICO DA RAIVA EM ANIMAIS

4.9.1. Raiva canina

Apresenta-se, na maioria das vezes, na forma furiosa. O período de incubação é, em geral, de 15 dias a 2 meses. Na fase prodrômica, os animais apresentam mudança de comportamento, escondendo-se em locais escuros ou mostram uma agitação inusitada. Após 1 a 3 dias, o cão se torna agressivo, a salivação torna-se abundante devido a paralisia dos músculos responsáveis pela deglutição e há alteração do seu latido. Os cães infectados têm propensão de abandonar suas casas e percorrer grandes distâncias durante a qual podem atacar outros animais. Na fase final da doença, é comum a presença de convulsões generalizadas que são seguidas de incoordenação motora e paralisia do tronco e dos membros (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

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Na maioria das vezes a doença é do tipo furiosa, com sintomatologia semelhante à raiva canina. Entretanto, outras sintomatologias podem ocorrer nos casos em que a raiva em cão e gatos for transmitida por morcegos (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

4.9.3. Raiva em bovinos

Na raiva transmitida por morcegos hematófagos – Desmodus rotundus - o período de incubação é geralmente mais longo, variando de 30 a 90 dias, ou até mais. Sendo os sintomas da forma paralítica, predominantes (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

4.9.4. Raiva em animais silvestres

Entre os animais silvestres, considera-se que os lobos, as raposas, os coiotes e os chacais são os mais susceptíveis. A sintomatologia dos canídeos silvestres é, na maioria das vezes, do tipo furiosa. Os morcegos, guaxinins e as mangostas, apresentam um grau menor de susceptibilidade. Nos morcegos, pode ocorrer uma fase de excitabilidade seguida de paralisia, principalmente das asas, o que faz com que os animais deixem de voar. Portanto, deve-se suspeitar de morcegos, encontrados em local e hora não habitual. Ressalta-se que, durante a fase de paralisia dos morcegos, não há paralisia do maxilar, permitindo que ele possa morder quando for manipulado (KOTAIT, CARRIERI, TAKAOKA, 2009).

4.10. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

As patologias que, por algum aspecto, podem ser confundidas com a raiva, são infecciosas e não infecciosas. Dentre as doenças infecciosas, podemos destacar o tétano, a poliomielite, a encefalite pelo vírus Herpes simplex, encefalite por HIV, encefalite por arbovírus, encefalite por enterovírus, encefalite bacteriana, encefalite por parasitas, malária cerebral, febre tifoide, botulismo, bócio tireotóxico por vírus e infecção pelo Campilobacter jejuni – principal causador da síndrome de Guillain-Barré (BRASIL, 2011a).

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Dentre as patologias não infecciosas, podemos ressaltar: a intoxicação por atropina e por estrictnina, síndrome de Guillain-Barré, reação à vacina contra raiva, AVC isquêmico e hemorrágico, aneurisma cerebral, traumatismo craniano, delirium tremens, uso de drogas ou abstinência, quadros psiquiátricos, intoxicação por piperazina ou prometazina e síndrome neuroléptica maligna (BRASIL, 2011a).

4.11. DIAGNÓSTICO

A infecção com o vírus da raiva pode ser difícil de diagnosticar antemorten (HEMACHUDHA et al., 2013). Embora a hidrofobia seja altamente sugestiva, não existem sinais clínicos patognomônicos da doença e o diagnóstico diferencial pode envolver muitos agentes, síndromes e co-infecções, podendo levar a erros de diagnóstico (MALLEWA et al., 2007).

A detecção de corpúsculos de Negri não é considerada como apropriada para a avaliação de diagnóstico, devido à sua baixa sensibilidade. Por isso testes alternativos, baseados em laboratório, foram desenvolvidos para confirmar a infecção de forma conclusiva (FOOKS et al., 2014).

A maioria dos testes de diagnóstico para o vírus da raiva em animais precisam de material do cérebro para o diagnóstico e, muitas vezes, só é possível post-mortem. Esfregaços do cérebro ou “touch” impressões são usados para a detecção de antígeno do vírus com o teste de anticorpos fluorescentes (FAT) para amostras tanto humanas como de animais. O FAT é recomendado pela OMS e pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e, em 95-99% dos casos, dá resultados dentro de algumas horas (FOOKS et al., 2014). Juntamente com o FAT, a OIE recomenda o uso de um teste de isolamento do vírus, particularmente quando resultados do FAT são ambíguos e para os casos de exposição humana.

Técnicas baseadas em teste Molecular também estão se tornando mais amplamente aceitas e acessíveis para o diagnóstico da raiva (FOOKS et al., 2012). Técnicas de reação em cadeia de polimerase (PCR) foram utilizados para confirmar a origem do isolado de vírus. Tais técnicas são úteis quando ocorrem casos enigmáticos, em que uma história clara de exposição ao vírus da raiva não pode ser estabelecida apesar de extensa investigação. Entretanto, a

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confirmação do diagnóstico com testes prescritos pela OIE só pode ocorrer post-mortem (FOOKS et al., 2014).

Testes diagnósticos antemortem são dependentes de ampla disseminação do vírus através do sistema nervoso. Estes não são rotineiramente aplicados a casos de infecção animal. A detecção do antígeno em biópsias de pele pode ser utilizada como um meio de detecção de infecção quando o vírus está presente nas fibras nervosas que rodeiam os folículos pilosos (DACHEUX et al., 2008).

O RNA do vírus da raiva, também pode ser detectado na saliva, fluido cerebrospinal e biópsias do folículo piloso por reação de transcrição reversa de reação em cadeia de polimerase (RT-PCR) (SMITH et al., 2003). A sensibilidade com o RT-PCR em amostras de saliva individuais foi avaliada tão baixa quanto 70%, mas os testes semelhantes em várias amostras de saliva, sucessivas ou em biópsias de pele da nuca tiveram uma sensibilidade superior a 98% (DACHEUX et al., 2008).

No Brasil o diagnóstico específico da raiva antemortem pode ser realizado por meio da identificação do antígeno rábico pela técnica de Imunofluorescência Direta – IFD em células de córnea, do folículo piloso ou da saliva (BRASIL, 2011a).

As técnicas de biologia molecular, como o RT-PCR e a semi-nested RT-PCR representam, na atualidade, importantes instrumentos para o diagnóstico antemortem a partir da saliva, do folículo piloso e do LCR. Nenhuma das técnicas, isoladamente, apresenta 100% de sensibilidade, mas o conjunto delas aumenta consideravelmente a probabilidade da confirmação laboratorial de uma suspeita clínico-epidemiológica de raiva humana (BRASIL, 2011a). Ressalta-se que o diagnóstico positivo é conclusivo, porém o diagnóstico negativo não exclui a possibilidade de raiva.

Em casos nos quais não há histórico de vacinação do paciente, a pesquisa de anticorpos no soro, por meio da soroneutralização (RIFFT), oferece uma importante contribuição para o diagnóstico. A presença de anticorpos no LCR, mesmo após vacinação, também sinaliza infecção pelo vírus da raiva (KAMMOOUNI, 2015).

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O tratamento dos pacientes com raiva humana é um desafio para todos os médicos, especialmente em regiões onde há pouca experiência sobre doença (DACHEUX et al., 2008). Cuidados intensivos devem ser usados conforme necessário dependendo de um diagnóstico laboratorial de raiva, embora a chance de recuperação ser muito baixa. A abordagem paliativa deve incluir o uso liberal de sedativos e analgésicos, conforme necessário para alcançar conforto. Infelizmente, não existe nenhuma terapia efetiva após o desenvolvimento da doença clínica.

Existem quinze casos de pessoas que sobreviveram à raiva, incluindo um que recebeu a imunização pré-exposição e oito que receberam uma ou mais doses de profilaxia pós-exposição antes do início das manifestações clínicas; todos menos um destes indivíduos tinham déficits neurológicos e dois morreram dentro de poucos anos (JACKSON, 2013a, 2013b).

Após a realização de uma combinação de tratamentos médicos agressivos, incluindo a indução ao coma terapêutico, em combinação com a ribavirina, a cetamina, e tratamento com amantadina, um indivíduo sobreviveu sem profilaxia pós-exposição (WILLOUGHBY et al., 2005). Esta abordagem, chamada de protocolo de Milwaukee, veio como promessa inicial de um novo tratamento para combater a raiva clínica (JACKSON, 2005). No entanto, as tentativas de repetir este primeiro sucesso falharam em pelo menos 26 casos subsequentes, sugerindo que o protocolo não é efetivo (JACKSON, 2013c).

Há vários fatores que devem ser considerados como favorável na decisão de iniciar uma abordagem terapêutica agressiva: a terapia com doses de vacina contra a raiva antes do início da doença, idade jovem, indivíduo anteriormente saudável e imunocompetentes, doença neurológica leve no momento de início de terapia, raiva devido a uma variante de morcego e qualquer profilaxia antes do início das manifestações clínicas. (HEMACHUDA, SUNSANEEWITAYAKUL, DESUDCHIT, 2006; HUNTER et al., 2010; JACKSON, 2009, 2013c).

Para desenvolver uma terapia para a raiva, é necessária uma compreensão muito melhor dos mecanismos básicos envolvidos na patogênese da doença (JACKSON, 2013c). Tal conhecimento pode ajudar no desenvolvimento de uma intervenção terapêutica efetiva.

No Brasil existe o protocolo do Ministério da Saúde que traz o tratamento da raiva humana, baseado no protocolo de Milwaukee e em um caso de sobrevivência à doença no Recife. Este protocolo apresenta critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão são: a suspeita clínica de raiva humana, presença de vínculo epidemiológico – antecedentes de

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exposição de até um ano a uma provável fonte de infecção, ou procedência de regiões com comprovada circulação do vírus rábico – profilaxia de raiva humana inadequada. Já os critérios de exclusão, são os seguintes: ausência de história de febre e/ ou vínculo epidemiológico com a raiva, período de perpetuação da doença superior a 14 dias, presença de profilaxia de raiva humana pós-exposição completa e em tempo oportuno, confirmação de outra doença (BRASIL, 2011a).

A condução clínica inicial, no protocolo, antes de haver o diagnóstico confirmado laboratorialmente, abrange internação em UTI; isolamento de contato; dieta hipercalórica e hiperproteica; manter paciente normovolêmico; intubação orotraqueal com suporte ventilatório; sedação com uso de Midazolan associado a Fentanil, caso disponível, trocar este último por cetamina; uso de nimodipina e vitamina C; profilaxia para trombose venosa profunda, hemorragia digestiva alta e úlcera de pressão; reduzir riscos de lesão neurológica secundária.

Após a confirmação laboratorial da doença, indica-se a manutenção das condutas descritas anteriormente, associadas às seguintes: uso de Amantadina e Biopterina; sedação profunda com Midazolan associado à quetamina e suspensão de Fentanil. Além disso, deve haver a monitorização dos sinais vitais do paciente através de medidas contínuas e intermitentes. Basicamente, este protocolo visa a prevenir as complicações ocasionadas pela doença, através destas medidas, pois não há um tratamento específico eficaz (BRASIL, 2011a).

4.13. COMPLICAÇÕES

A Raiva humana traz consigo complicações graves, na maioria das vezes, de difícil manejo, com posterior evolução para óbito. A hipernatremia pode ter como causa a desidratação ou o Diabetes insipidus. Já a hiponatremia pode ocorrer devido à Sindrome de Secreção Inapropriada de Hormônio Antidiurético (SSIHAD), à Sindrome Cerebral Perdedora de Sal (SCPS). A disautonomia e a Hipertenção Intracraniana (HIC), além do Vasoespasmo Cerebral, estão, também, inclusas entre as complicações mais prevalentes. A raiva pode tanto evoluir para morte encefálica (ME), quanto mimetizar a mesma. Dessa forma, deve-se suspender a sedação e realizar nova avaliação clínica e laboratorial. (BRASIL, 2011a)

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Apesar de sua alta taxa de letalidade após o aparecimento dos seus sinais e sintomas, a raiva pode ser controlada nos reservatórios animais, através da vacinação em massa e impedida através do tratamento profilático apropriado em humanos expostos ao vírus. Aproximadamente 17 milhões de pessoas por ano são tratados após a exposição ao vírus da raiva. Nos seres humanos, a prevenção é conseguida quer por profilaxia pré ou pós-exposição (PEP) (DE BENEDICTIS et al., 2016).

No Brasil, no período de 2000 a 2009, anualmente uma média de 425.400 pessoas procuraram atendimento médico, por terem sido expostas ou por se julgarem expostas ao vírus da raiva. Destas, mais de 64% receberam esquema de profilaxia de pós-exposição (BRASIL, 2011b).

A vacinas anti-rábicas iniciais eram baseadas em preparações cruas de tecidos neuronais de animais as mesmas eram pouco imunogênicas, necessitando de várias doses para induzir imunidade. Na década de 1940, estas vacinas de tecidos nervosos foram substituídas por vacinas mais imunogênicas e mais seguras produzidas em cultura de células (WARREL, 2012). A vacina utilizada no Brasil até 2001 era produzida em tecido nervoso de camundongos lactentes (Fuenzalida & Palácios modificada). A partir de 2002, houve a substituição gradativa pelas vacinas produzidas em cultura de células, consideradas mais seguras e potentes, que passaram a ser disponibilizadas em toda a rede pública desde 2003 (BRASIL, 2011b).

É importante ressaltar que todas as vacinas anti-rábicas licenciadas têm um bom histórico de segurança com eventos adversos raros, que não diferem de acordo com a faixa etária (PRASAD et al., 2012).

4.14.1 Profilaxia pré-exposição

A OMS e o Comitê Consultivo em Práticas de Imunização recomendam um regime único de profilaxia pré-exposição. Esta também é altamente recomendável para quem viaja para países endêmicos, (FOOKS, 2003) e, por causa do declínio dos títulos de anticorpos após a profilaxia pré-exposição, doses de vacinas de reforço são também recomendadas. Vacinações de reforço precisam ser administradas de acordo com as recomendações do fabricante da vacina (GAUTRET, PAROLA, 2012).

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A profilaxia pré-exposição é dada como um esquema de três doses de injeções intramusculares ou intradérmicas, nos dias 0, 7 e 21 ou 28, onde o dia 0 é o dia da primeira dose (OMS, 2010). Para os indivíduos em risco de exposição, dose de reforço pode ser administrada depende de manutenção individual de títulos de anticorpos neutralizantes, e o risco relativo (WARREL, 2012). Após a vacinação, a confirmação da presença de imunidade é a constatação do desenvolvimento de anticorpos neutralizantes (HICKS, FOOKS, JOHNSON, 2012).

Embora os adultos e as crianças sejam igualmente suscetíveis à raiva e a prevenção não variar com a idade, em regiões endêmicas cerca de 40-50% do número anual de mortos são crianças menores de 15 anos (KNOBEL et al., 2005; SURAWEERA et al., 2012). Para evitar a dooença, a profilaxia pré-exposição poderia ser dada a crianças nessas regiões, na primeira infância, mas esta estratégia é rara em países de baixa renda. A análise da relação custo-benefício de adoção da vacinação anti-rábica em regimes pediátricos concluiu que, para a viabilidade econômica, seria necessária uma nova formulação que induzisse a imunidade após uma única inoculação (LIU, ERTL, 2012).

No Brasil, o esquema de pré-exposição deve ser indicado para pessoas com risco de exposição permanente ao vírus da raiva, durante atividades ocupacionais exercidas. Realizado em 3 doses, nos dias 0, 7 e 28, sendo as vias de administração tanto intramuscular – 0,5ml a 1ml, dependendo do fabricante – quanto intradérmica – 0,1ml. Deve-se realizar o controle sorológico a partir do 14º dia após a última dose do esquema. São considerados satisfatórios os títulos de anticorpos maiores ou iguais a 0,5UI/ml. Em caso de títulos inferiores a 0,5, é indicado aplicar uma dose completa de reforço, pela via intramuscular, e reavaliar novamente a partir do 14º dia após a aplicação do reforço. Os profissionais que realizam esta profilaxia devem repetir a titulação de anticorpos com periodicidade de acordo com o risco a que estão expostos (BRASIL, 2011b).

A conduta no caso de possível exposição ao vírus da raiva em pacientes que receberam esquema de pré-exposição, segundo o Ministério da Saúde, é realizar duas doses da vacina, nos dias 0 e 3, caso haja comprovação sorológica com titulação maior ou igual a 0,5 UI/ml (BRASIL, 2011b).

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Todos os anos, a aplicação de profilaxia pós-exposição fornece mais de 20 milhões de tratamentos e tem sido uma efetiva medida ativa contra a infecção do vírus da raiva por mais de 100 anos (OMS, 2013). A raiva é evitável através de várias recomendações profiláticas pós-exposição, que consistem em profunda limpeza da ferida administração imediata de imunoglobulina anti-rábica (RIG), em conjunto com um curso completo de vacinação contra a raiva. As feridas devem ser limpas com sabão ou um anti-séptico (por exemplo, polvidine de iodo) com irrigação abundante e não devem ser suturadas, a menos que seja absolutamente necessário (BINGHEM, VAN DER MERWE, 2002; BRASIL, 2011b).

A profilaxia pós-exposição deve ser iniciada o mais cedo possível após o reconhecimento da exposição ao vírus (MANNING et al., 2008). A RIG também é um componente importante da profilaxia pós-exposição para inibir a propagação viral no intervalo antes do desenvolvimento da imunidade em resposta à vacinação. Deve ser injetado dentro e em torno do local da ferida, de preferência no dia de exposição, ou até 7 dias após a dose inicial da vacina (BRASIL, 2011b).

Dois tipos de RIG estão atualmente disponíveis para PEP: imunoglobulina anti-rábica humana ou equina (HRIG e ERIG, respectivamente). A dose de HRIG recomendado pela OMS é de 20 UI / kg de peso corporal (correspondendo a 20 mg / kg); para ERIG, a dose recomendada é de 40 UI / kg de peso corporal (DE BENEDICTIS et al., 2016). A HRIG é amplamente utilizada em países desenvolvidos e considerada mais segura que a ERIG.

De acordo com o Ministério da saúde, em caso de possível exposição ao vírus da raiva, é imprescindível a limpeza do ferimento com água corrente abundante e sabão ou outro detergente. Deve ser realizada o mais rápido possível após a agressão e repetida na unidade de saúde, independentemente do tempo transcorrido.

As exposições devem ser avaliadas de acordo com as características do ferimento – local acometido, profundidade, extensão e número de lesões – e características do animal envolvido no acidente. De acordo com as características do ferimento, as exposições podem ser assim classificadas:

 Acidentes leves – ferimentos superficiais, pouco extensos, geralmente únicos, em tronco e membros (exceto extremidades); lambedura de pele com lesões superficiais.

 Acidentes graves – ferimentos da cabeça, face, pescoço, mão, polpa digital e/ou planta do pé; ferimentos profundos, múltiplos ou extensos, em qualquer região do corpo;

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lambedura de mucosas; lambedura de pele onde existe lesão grave; ferimento profundo causado por unha de animais; qualquer ferimento por morcego.

Nos casos de contato indireto, com cão ou gato apresentando suspeita ou não de raiva no momento da agressão, a conduta deve ser lavagem do local com água e sabão, sem a necessidade da aplicação de vacina ou imunoglobulina (BRASIL, 2011b).

Nos acidentes leves causados por cão ou gato sem suspeita de raiva no momento da agressão, a conduta deve ser a lavagem do local com água e sabão; observação do animal durante 10 dias após a exposição, se o animal permanecer sadio no período de observação, encerar o caso; mas se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, administrar cinco doses de vacina (dias 0, 3, 7, 14 e 28) – 0,5 a 1ml. Se o cão ou gato for clinicamente suspeito, além da lavagem do local, deve-se iniciar o esquema com duas doses de vacina, dias 0 e 3, e observar o animal durante 10 dias após a exposição; com a suspeita descartada após o 10º dia de observação, suspender o esquema e encerrar o caso; mas no caso de ocorrer a morte, desaparecimento ou a manifestação da doença no animal, é indicado completar o esquema até 5 doses. No caso de agressão leve por cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; animais silvestres ou domésticos de interesse econômico ou de produção, deve-se iniciar imediatamente o esquema com cinco doses de vacina após a lavagem do local (BRASIL, 2011b).

Acidentes graves causados por cão ou gato sem suspeita de raiva devem ser manejados com lavagem do local; observação do animal durante dez dias após exposição e início de esquema com duas doses. Se o animal se manter sadio, encerrar o caso, porém se ele morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, deve-se dar continuidade ao esquema, administrando soro e completando as 5 doses do esquema. Quando a agressão for causada por cão ou gato clinicamente suspeito, deve-se lavar o local, iniciar o esquema com soro e cinco doses de vacina, observar o animal durante 10 dias após a exposição, se a suspeita de raiva for descartada, pode-se suspender o esquema e encerrar o caso. Nos casos de agressão por cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; animais silvestres ou domésticos de interesse econômico ou de produção, a conduta é, além da lavagem do local, o esquema com soro e cinco doses de vacina (BRASIL,2011b).

Entretanto, a vacina e a RIG não conferem proteção contra a infecção causadas por todas as espécies de Lyssavirus não RABV e supõe-se que a proteção é inversamente proporcional à distância genética entre o vírus e a estirpe da vacina para o RABV (BROOKES et al., 2005; HANLON et al., 2005; AMBOS et al., 2012). Por isso, uma busca por um substituto para a

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HRIG tem sido fortemente encorajada pela OMS (OMS, 2013). A combinação de dois anticorpos que se ligam a diferentes sítios antigênicos na proteína G do RABV e que são capazes de neutralizar amplamente ambos os isolados de Lyssavirus RAVB e os não-RAVB irá, provavelmente, reduzir significativamente o risco de falha de PEP (CORTI, LANZAVECCHIA, 2013).

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5. RELATO DE CASO

Adolescente pardo, 14 anos, procurou o pronto atendimento com queixa de paresia e parestesia em membro superior esquerdo associada a dor e limitação de movimento em região cervical, vômitos e hiporexia. Esses sintomas iniciaram há aproximadamente duas semanas após quadro gripal – faringite, tosse, coriza e febre.

O mesmo criava uma gata há 6 meses, de origem desconhecida, sem esquema de vacinação anti-rábica e que, há mais ou menos um mês, começou a apresentar hiporexia, agressividade, vômitos, sialorréia e, por fim, plegia em membros. Após uma semana, o jovem tentou ofertar soro ao animal, e nessa ocasião foi mordido nas mãos, sendo uma das mordidas profunda, perfurando as unhas dos segundo e terceiro quirodáctilos da mão esquerda. Foi levado ao pronto atendimento, mas, segundo informações da mãe, não recebeu vacina e nem soro anti-rábicos, apenas vacina anti-tetânica. Uma semana após a mordida, a gata morreu.

Com a suspeita de raiva humana pelo médico do pronto atendimento, foi notificada a suspeita da doença, realizada tomografia de crânio (normal) e encaminhamento à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Nesta, deu entrada em bom estado geral, lúcido, orientado em tempo e espaço, deambulando, eupneico. Sem adenomegalias cervicais. Ausculta cardíaca com bulhas normofonéticas, em dois tempos, sem sopro. À ausculta respiratória, murmúrio vesicular audível bilateralmente, sem ruídos adventícios. Abdome plano, ruídos hidroaéreos presentes, flácido, depressível, sem massas ou visceromegalias palpáveis. Força grau 4 em dimídio esquerdo, sem sinais de irritação meníngea.

Na UTI, inicialmente, foram solicitados os seguintes exames: hemograma, radiografia de tórax, testes rápidos para hepatites C e B e para HIV (tabela 1). Após aproximadamente 3 horas de internação em UTI evoluiu com crise de ansiedade, havendo queda da saturação, foi colocada uma máscara de ventilação não invasiva (VNI), porém ele não coordenava a respiração com o ventilador e fazia episódios de apnéia prolongados o que acarretou em maior queda da saturação de oxigênio e cianose. Então, foi decidido acoplá-lo à ventilação mecânica invasiva (VMI) em modo volume controlado através de intubação orotraqueal (IOT) e após, realizar a punção lombar e biópsia do folículo piloso. Foi iniciada a administração de ceftriaxone, aciclovir, nimodipino, vitamina C e profilaxia para trombose venosa profunda (TVP). Paciente ficou em uso de sonda vesical de demora (SVD) e de sonda nasogástrica, sob

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