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General Osorio: o soldado-cidadão

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Academic year: 2021

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General Osorio: o soldado-cidadão

Ethiene Cristina Moura Costa Soares*

O golpe militar de 1889 que derrubou a Monarquia brasileira, ou fez a Proclamação da República, como o golpe ficou conhecido, cria um problema de legitimidade1 para o novo regime. Não sendo resultado da participação popular, como em princípio a instituição de uma República deveria ser, e sim fruto de um golpe militar, o episódio engendrou também um quadro de instabilidade política. Diante disso, perguntamos como militares e civis inseridos na política puderam estabelecer uma justificativa simbólica para a intervenção de 1889, através da ideologia do soldado-cidadão2, que representou um investimento na memória do general Osorio.3

Acreditamos que a memória do general Osorio foi recuperada pela República e que sua imagem foi usada por esse novo regime com três grandes finalidades. A primeira delas pretendia legitimar uma República que nascera de um movimento “militar”.4 A segunda objetivava solucionar as cisões entre os grupos que participavam da disputa5, e a terceira buscava imprimir uma feição popular a esse regime, através da

* Mestranda do Programa de Pós-graduação em História, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Bolsista Capes. criss_moura@yahoo.com.br

1 Para a falta de legitimidade desta república, ver: CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas:

o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

2 “Soldado-cidadão: modelo de militar que teria sido responsável pela primeira intervenção do Exército

na política nacional: a Proclamação da República”. Ver SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: O homem por trás do monumento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.p.30. Na análise de Celso Castro, Soldado-cidadão seria: o soldado – do golpe – que intervêm na política para defender os interesses do cidadão. Ver: CASTRO, Celso. A Invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

3 Embora de acordo com as regras do português a palavra “Osorio” deva ser acentuada, a ortografia

utilizada pela família Osorio não possui acento. O acento agudo não era usado nem pelo general, nem por seu filho e biógrafo, Fernando Luis. Assim, este texto optou pela grafia original do sobrenome do general.

4 A palavra encontra-se entre aspas, pois seguimos a linha de argumentação de Celso Castro que, em seu

livro Os militares e a República, aponta que “não foram genericamente os ‘militares’ que conspiraram pela República no Brasil” como, até a publicação de sua tese, a historiografia apontava. Mas o Exército também estava seccionado internamente, uma situação que se acentuará nos primeiros anos republicanos. Desse modo, os praças, por exemplo, estiveram em sua maioria ausentes da conspiração e do golpe. A Marinha, por sua vez, também deve ser retirada dessa categoria ampla, “os militares”, pois sua participação foi mínima. Sobre isso ver CASTRO, CELSO. Os Militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. p. 9.

5 Os grupos a que fazemos referência são: os oficiais chamados de “científicos”, com estudos superiores e

representados no episódio por Benjamin Constant; os oficiais denominados de “tarimbeiros”, sem estudos superiores e representados por Deodoro da Fonseca; e Floriano Peixoto que no momento do golpe ocupava o cargo de ajudante general – função estratégica para a defesa do governo – mas quando solicitado para deter os revoltosos se manteve omisso.

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criação de um panteão cívico e da instituição de Osorio como símbolo do soldado-cidadão. Finalidades estas que, a nosso ver, se entrelaçam e possuem o mesmo grau de importância para a política das primeiras décadas republicanas.6

Nosso objetivo é analisar como durante a Primeira República ocorreu uma associação e difusão da memória do general Osorio à essa ideologia, o instituindo como símbolo do soldado-cidadão com o objetivo de inserir no imaginário popular a ideia de que o Exercito era “o povo em armas” e, portanto, não era uma desonra para o povo a República ter sido feita pelas mãos dos militares, justificando, com isso, 1889.

Para o conceito de símbolo adotado neste trabalho, e para dar conta do que chamamos de “justificativa simbólica” para 1889, seguimos as definições de Pierre Bourdieu sobre o que ele denomina de poder simbólico – o poder invisível e que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força, seja ela física ou econômica. Para o conceito de memória utilizado aqui, seguimos as definições de Michael Pollak. Para Pollak memória é uma operação coletiva dos fatos do passado que se quer salvaguardar, que tem como funções essenciais: manter a coesão interna e defender os pontos que um grupo tem em comum.

O poder simbólico: a instituição de Osorio como símbolo do soldado-cidadão

O poder simbólico, segundo Pierre Bourdieu, permite obter o equivalente daquilo

que é obtido pela força, seja ela física ou econômica, graças ao efeito de mobilização e só se exerce se for reconhecido, ou seja, ignorado como arbitrário. Isso significa que esse poder não reside no uso da força, mas numa relação determinada entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeito – na estrutura do campo em que se produz e reproduz uma crença – no campo de produção simbólica. Este é, nas palavras de Bourdieu, “um microcosmo da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produção”.7

6 Essa proposta é um desdobramento da pesquisa realizada pela professora Adriana Barreto de Souza. .

Ver: SOUZA, Adriana Barreto de. Osório e Caxias: os heróis militares que a república manda guardar. Varia História. Belo Horizonte, nº 25, jul/01, p.231-251.

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A partir do conceito de poder simbólico objetivamos pensar como o Estado se utiliza de aparatos simbólicos para se legitimar. Desse modo, como a lógica simbólica inscreve-se na dinâmica do poder, no período que abordamos – a Primeira República. O campo político é o lugar em que se organiza a competição em torno do controle do aparelho estatal, é, pois, o lugar de uma concorrência pelo poder. Nas palavras de Pierre Bourdieu é:

O lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devem escolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção.8

Após a Proclamação da República, os grupos que disputavam o cenário político empreenderam batalhas simbólicas pelo estabelecimento da versão oficial dos fatos. Para além disso, buscaram superar o principal entrave: como legitimar e organizar uma República que nascera de um golpe?

Como dito, o poder simbólico é aquele obtido sem o uso da força, com o efeito de mobilização e se mantém quando ele é reconhecido. Esse poder, quando assume funções políticas, tem na ideologia uma via de representação. É através da ideologia do soldado-cidadão, formulada na Primeira República, que os militares que num primeiro momento assumem o poder político do novo regime buscam legitimar e justificar ideologicamente a intervenção militar de 1889, instituindo o general Osorio como símbolo do soldado-cidadão: O soldado – do golpe – que intervêm na política para defender os interesses do cidadão.

Segundo Oliveira Viana, a ideologia do soldado-cidadão “tendia a justificar o direito dos oficiais do Exército de fazerem a sua política, (...) como qualquer civil”.9 O soldado, pelo fato de ser soldado, não deixava de ser cidadão. “Era um cidadão como outro qualquer, apenas um ‘cidadão fardado’ e tinha, portanto, o direito que assistia a qualquer outro cidadão, vestido de casaca ou blusa, de meter o nariz em política (...) de estar ou não contra a política do partido do Governo”.10

8 Idem, ibidem, p. 164.

9 VIANA, Oliveira. O Ocaso do Império. Edições do Senado Federal. Vol. 26. p.119. 10 Idem, ibidem.

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Para José Murilo de Carvalho, esta ideologia do soldado-cidadão implicava justamente na suposição de que o soldado, “por ser militar, era um cidadão de segunda classe e que devia assumir a cidadania plena sem deixar de ser militar ou, nas formulações mais radicais, exatamente por ser um militar”.11

A idéia oposta, a de cidadão – soldado, já estava presente na cena política desde 1831, com a criação da Guarda Nacional. Esta colocava nas mãos dos cidadãos de posses a tarefa de manter a ordem. O cidadão tornava-se um soldado na medida em que era armado para defender o país. No final do Império, o problema do Exército era o oposto: “tratava-se de criar não o cidadão – soldado mas o soldado – cidadão”,12 uma ideologia segundo a qual o Exército se identificava com o povo. O soldado como cidadão possuiria o direito de intervir na política, o que legitimava o nascimento do novo regime a partir de um golpe militar.

O modelo de soldado-cidadão exaltado pela República será representado através da figura do general Osorio. Esta definição que justifica ideologicamente a intervenção militar na política reúne também em si os dois lados, o civil e o militar, que deveriam coexistir para a consolidação do novo regime, estabelecido através de um golpe militar. Segundo Michel Pollak, memória é uma operação coletiva dos fatos do passado que se quer salvaguardar. Ela tem como funções essenciais: manter a coesão interna e defender os pontos que um grupo tem em comum. Dessa forma, a referência ao passado “serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis”.13

A memória do general Osorio é associada ao conceito de soldado-cidadão durante os primeiros anos republicanos com o objetivo de inserir no imaginário popular a idéia de que o Exército era o “povo em armas” e, portanto, não era uma desonra para o povo a República ter sido feita pelos “militares”. Recuperar e difundir essa memória funciona, a nosso ver, como um elemento de coesão interna.

11 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.

2005. p.39.

12 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:

Companhia das Letras, 1987. p.49.

13 POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2,

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Para Pierre Nora, em seu texto “Entre memória e história”,14 a memória “emerge

de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem”.15 Dessa forma, os grupos que disputavam o cenário político travando batalhas simbólicas pelo estabelecimento da versão oficial dos fatos recuperam a figura de um militar do império, através da ideologia do soldado-cidadão que é uma justificativa simbólica para a intervenção militar de 1889, e reuni também em si os dois lados – civil e militar – que deveriam coexistir para a consolidação do novo regime.

Como observou Pollak, um dos pontos de referencia que estruturam a nossa memória são os monumentos, “esses lugares da memória analisados por Pierre Nora, o patrimônio arquitetônico e seu estilo, que nos acompanham por toda a vida, as paisagens, as datas e personagens históricas de cuja importância somos incessantemente relembrados”.16

Nora nos apresenta os monumentos como lugares de memórias que “nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas”.17

Deste modo, analisaremos aqui dois episódios que evidenciam o investimento na

memória do general – através do qual foi sendo inserida no imaginário popular a referida ideologia e instituição de Osorio como símbolo do soldado-cidadão. O primeiro episódio escolhido ocorreu no ano de 1894 e refere-se à inauguração de um monumento eqüestre em homenagem ao general e à publicação da sua biografia, escrita por seu filho Fernando Luis Osorio. O outro refere-se às comemorações promovidas no Rio de Janeiro acerca do centenário natalício do general Osorio, em 1908. Entre esses anos, outras formas de perpetuação, dentre as mencionadas, foram elaboradas e difundidas. Entretanto, escolhemos esses dois momentos por consideramos momentos cruciais da difusão da memória do general e da associação de Osorio a ideologia do soldado-cidadão.

14 NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. Projeto História. São Paulo,

n°10, 1993.

15 Idem, ibidem. p. 9.

16 POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2,

n.3, 1989.p.3.

17 NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. Projeto História. São Paulo,

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A inauguração do monumento eqüestre em homenagem ao general, cinco anos após a instauração da República, é uma das primeiras tentativas de rememorar e difundir a memória de Manoel Luis Osorio. O jornal O paiz de 12 de novembro de 1894, dia da inauguração, noticiava: “O povo brasileiro paga hoje um novo tributo de gratidão à memória do ínclito soldado que tanto glorificou por feitos de admirável bravura as paginas da historia nacional”.18

O periódico estava repleto de notas acerca do evento:

A Praça Quinze de Novembro acha-se singelamente preparada para a inauguração da estátua. Em frente ao hotel de França esta disposta a arquibancada, quase que a céu aberto, pois cobre-a somente um toldo de faixas soltas – brancas, verdes e amarelas (...)a estátua acha-se velada com colchas das cores nacionais, que cairão a 1 hora da tarde, ao troar da artilharia, deixando patente à multidão o vulto do mais arrojado, do mais valente general dos que tem visto o fumo das batalhas na America do sul.19

Podemos encontrar também na edição de 12 de novembro uma poesia acerca da inauguração do monumento:

Esta tão contente o Zé Povo, Que até não cabe na pele: Osorio vive de novo No bronze de Bernardelli.20

( Gavroche)

Rodolfo Bernardelli foi o escultor responsável na mesma época pelos projetos das estátuas de dois grandes generais do Império, Osorio e Caxias. A preferência da nascente República fica evidente quando analisamos as estátuas dos dois generais. O

entusiasmo pelo general Osorio fica evidente também no local escolhido para a estátua e na forma como ele foi representado. Como analisa Adriana Barreto de Souza:

18 O Paiz, 12 de novembro de 1894. 19 Idem, ibidem.

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A estátua foi colocada em uma das principais praças da cidade, rebatizada, após 1889, com o nome de Praça XV de Novembro. Uma ampla reforma foi realizada em seus jardins para que o monumento não fosse encoberto e, ao contrário do que se vê na estátua de Caxias, a que Bernardelli esculpiu em homenagem a Osório retrata uma situação de guerra: com as mãos o general controla um cavalo em movimento, enquanto com a outra empunha a espada no ar. O uniforme que porta é o de campanha, bastante simples (...). Há ainda um detalhe: apesar de os serviços prestados à monarquia também lhe terem rendido um título de nobreza – marquês de Herval –, esse dado da biografia de Osório não é lembrado pelo bronze de Bernardelli.21

O escultor representou Osorio de maneira popular para justamente, a nosso ver, promover a vinculação da imagem do general ao povo. No bronze de Bernardelli, o título de marquês de Herval que Osorio recebeu é suprimido por uma República que necessita vinculá-lo a imagem de soldado-cidadão. Osorio aparece apenas como o general, cuja estátua encontra-se não coincidentemente na Praça XV de Novembro. Ao pesquisar sobre o general Osorio na seção de iconografia da Biblioteca Nacional, encontramos um documento intitulado “A estátua do general Osorio”.22 O

documento, na verdade, é um texto no qual um contemporâneo descreve a inauguração da estátua do general. De modo mais especifico, um cronista da época, cujo nome é Manoel Duarte Moreira de Azevedo

Moreira de Azevedo, cronista da época, nos relata sobre o monumento que:

A estátua eqüestre do general Osorio acha-se levantada na Praça Quinze de Novembro, antigo largo do Paço. Sobre um belo pedestal de granito ergue-se o guerreiro a cavalo vestido de calça, blusa e boné militar, tendo na mão direita a espada desembanhada e segurando com a esquerda as rédeas do cavalo. O destemido soldado tem o rosto voltado para um lado, como observando o inimigo. O distinto escultor Rodolfo Bernardelli soube gravar no bronze as feições do valente militar. O ginete que monta o guerreiro é elegante, mas julgamos assaz volumosa a cauda. O monumento olha para o mar e tem na face anterior do pedestal, em um circulo formado por uma grinalda de bronze dourado, o dístico:

21 SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: O homem por trás do monumento. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008. p.29.

22 Manuscrito entregue pelo cronista Manoel Duarte Moreira de Azevedo ao diretor do arquivo público

Machado Portela, em 1895, mas nunca publicado. Encontrado em 1958 foi publicado no mesmo ano pelo Arquivo Nacional.

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A OSORIO O POVO

1894

E na face oposta, em outro círculo fechado também por uma grinalda de bronze, a inscrição:

Nasceu A 10 de maio de 1808

Na ex- província do rio grande do sul.23

No espaço fechado pelo gradil vê-se sobre uma laje de mármore a coroa de bronze oferecida pela república argentina e duas placas também de bronze com as seguintes inscrições:

Associacion guerreros Del paraguay De La republica argentina

A La memória Del Intrépido Mariscal Osorio

1894

La republica O. Del Uruguai AL Mariscal Manuel Luiz Osório Campion de La libertad Sud americana

Montevideo, novembre 1894

Sobre o momento da inauguração o cronista apontava que:

A estátua eqüestre estava oculta por longas cortinas verdes e amarelas. Soaram nas bandas marciais os hinos brasileiro, oriental e argentino [referência a Uruguai e Argentina que atuaram junto com o Brasil na Guerra do Paraguai, episódio que consagrou Osorio como o grande nome], o logo que terminaram o general Costallat, ministro da guerra em nome do vice-presidente Floriano Peixoto, pronunciou um discurso. Terminada a leitura deu o sinal para ser desvendada a estátua a filha do general Osório D. Manuela Luiza Osório Mascarenhas e imediatamente caíram as cortinas, que encobriam o vulto do valente soldado. Então houve verdadeira ovação popular e de todos os lados da praça ouviam-se aplausos e prolongadas salvas de palmas. Entoaram as músicas militares o hino nacional, e salvou a artilharia de terra e mar. Apesar da chuva,

23 AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. A estátua do general Osorio. Rio de Janeiro: Arquivo

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que começou a cair as 3h da tarde, não arrefeceu o entusiasmo

popular.24

Através de seu relato, podemos perceber a adesão do povo a homenagem atribuída ao general Osorio:

As três horas da tarde, começou a desfilar pela rua do ouvidor a marcha cívica composta dos colégios municipais, das sociedades, de comissões de diversos estabelecimentos, de alunos da Escola Militar, diversos batalhões da guarda nacional, regimentos de cavalaria de lanceiros e carabineiros, batalhões do exercito, da brigada policial e diversos generais e oficiais do exercito e da guarda nacional.25

A crônica nos revela também o envolvimento de vários atores sociais no acontecimento. Assistiram à inauguração, segundo nos relata Moreira de Azevedo, os ministros e cônsules do Uruguai e da República da Argentina; o cônsul do Chile; Fernando Luis Osório, filho do general; os ministros da marinha, da guerra e do exterior; o chefe de polícia, senadores, deputados, prefeito municipal e membros da intendência; comissões do Estado de São Paulo; generais e oficiais do Exército e comissões de diversas corporações. Vale destacar a presença do Dr. Prudente de Moraes presidente eleito da República – que viria a tomar posse no dia 15 de novembro do mesmo ano, substituindo o então vice-presidente em exercício, Floriano Peixoto, que também estava presente.

O culto à Osorio conseguia reunir os diversos atores sociais que participavam da cena política nos primeiros anos republicanos, sobretudo o povo cuja participação foi, nas palavras do cronista, entusiástica e delirante.

Acreditamos que a presença de autoridades estrangeiras no ato da inauguração deve-se ao fato de que Argentina e Uruguai formaram ao lado do Brasil a Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai, episódio no qual o nome de destaque foi Manoel Luis Osorio, sobretudo na Batalha de Tuiuti em 24 de maio de 1866. O resultado desta guerra foi favorável para os três países como também para Osorio. Após a Guerra do Paraguai o general Osorio foi promovido a Marechal do Exército – a mais alta patente do Exército – e recebeu o título de Marquês do Herval.

24 Idem, ibidem, p. 13. Grifos nossos.

25 AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. A estátua do general Osorio. Rio de Janeiro: Arquivo

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Além disso, Osorio também recebeu o título de cidadão argentino e uruguaio em 1868 e ao retornar do conflito foi recebido com grandes festividades na corte. Já nessa época a popularidade de Osorio era patente: “a cidade do Rio de Janeiro recebeu festiva e triunfantemente o grande guerreiro e patriota; manifestações populares e oficiais em dias e dias sucessivos o distinguiram e exaltaram”.26 A admiração pelo general transpunha fronteiras e as homenagens que lhes foram prestadas sobretudo na Primeira República demonstram que tal admiração não ruiu com a queda do regime monárquico. A memória que se erguia de Osorio era a de um general extremamente popular entre os soldados, assim como entre o povo, ponto este sempre destacado nos textos escritos sobre Osorio. Essa imagem é reproduzida ainda em textos historiográficos. Francisco Doratioto, em sua obra General Osorio, afirma que27:

Osorio era acessível, permitindo algumas liberdades por parte dos subordinados. Assim, por exemplo, em 1865, o Exército brasileiro marchava em direção ao Paraguai sob seu comando quando Paulo Alves, conhecedor do gosto do general em escrever poesias, arriscou solicitar-lhe uma promoção em versos. O despacho de Osorio, em resposta, veio em igual forma:

Quem faz versos tão formosos, Há de ter grande talento e ser valente. Por isso, defiro o requerimento. Mas não se repita

Que sai-se mal Falando em verso Ao general.28

Doratioto afirma ainda que nenhum soldado ousaria escrever em versos a Caxias. Seu livro é rico em exemplos que procuram demonstrar a popularidade de Osorio. Outro exemplo citado pelo autor refere-se ao fato de Osorio ter levado a D. Pedro II o nome de um coronel para ser promovido a general. Tendo demorado o imperador a assinar a promoção, e questionado por Osorio sobre a demora, D. Pedro II teria dito que este

26 FREITAS, Leopoldo de. “Centenário de Osório”. Casa Cardona. São Paulo, 1908. p.13.

27 DORATIOTO, Francisco. General Osorio: a espada liberal do Império. São Paulo: Companhia das

Letras, 2008.

28 Apud, DORATIOTO, Francisco. General Osorio: a espada liberal do Império. São Paulo: Companhia

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coronel era muito mulherengo e escutado como contra-argumento as seguintes palavras: “Mas isso é até uma virtude! Se isso impedisse promoção....eu ainda hoje seria soldado raso!”29 Para Doratioto, se este dialogo é verdadeiro, revela um traço da personalidade de Osorio. Se não o é, de qualquer forma confirma sua popularidade, a ponto de se inventar piadas que reforçavam sua imagem de bonachão.

Investir na memória de Manoel Luis Osorio, segundo essa memória popularmente admirado, foi a maneira que a República nascida de um golpe militar encontrou de promover uma vinculação entre o Exército e o povo, justificando simbolicamente 1889. E uma maneira também do novo regime se afirmar perante as demais repúblicas.

A inauguração, em 1894, do monumento eqüestre em homenagem ao general era o primeiro grande investimento da República na memória do general Osorio. Outro investimento foi a biografia escrita por ser filho, membro do IHGB, Fernando Luis Osorio que – nas palavras do cronista Moreira de Azevedo – “compôs e fez aparecer no dia da inauguração da estátua de seu pai um importante livro sob o título Historia do General Osório”.30

Nesta obra, o autor narra a vida do general relatando sua trajetória militar e política no Brasil e seu desvelo incondicional à Pátria, para quem é dedicada a obra:

É a ti que eu consagro esta pálida e simples narração da vida de meu pai e dos sucessos em que ele teve alguma parte. Tu foste o seu maior afeto, a preocupação constante do seu pensamento, na paz e na guerra. Ele viveu servindo-te, desde a juventude à

velhice, dedicadamente. Por ti derramou seu sangue no campo de batalha. Amou-te mais que a própria vida. Sacrificando

todas as suas comodidades pessoais, lutou sem cessar por teu engrandecimento e glória; amargurado muitas vezes; vencedor sempre. Quando descansou, foi para morrer. Mas, durante a sua

longa existência, como depois da sua morte, não lhe faltaste, jamais, com o teu aplauso; não lhe regateaste provas de estima

e gratidão. Em ovações continuas, ergueste o seu nome; em bronze a estatua lhe perpetuaste a fama. Pátria adorada, e justa,

29 Idem, ibidem, p. 18.

30 AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. A estátua do general Osorio. Rio de Janeiro: Arquivo

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e boa! – berço e túmulo – de seu saudoso Pai! Tu que assim proteges contra o olvido a memória dos teus leais servidores,

recebe este modesto tributo de veneração, de um filho agradecido.31 (grifos nossos).

Como membro de uma instituição do saber como o IHGB – de relevância nacional desde a sua fundação em 1838 –, como político e como filho do general, Fernando Luis Osorio elabora a biografia de seu pai objetivando a perpetuação da memória do general. E mais que isso, a difusão de tal memória nos primeiros anos republicanos.

A divulgação desta biografia não poderia ter ocorrido em momento mais oportuno. Assim como do mesmo modo a inauguração da estátua. O monumento em homenagem ao general Osorio foi inaugurado em 12 de novembro de 1894, três dias antes da posse do primeiro presidente civil do Brasil.

Como noticiava o jornal O Paiz, a semana foi de grandes festividades. A primeira comemoração foi a inauguração da estátua, cujo acontecimento rendeu notas no jornal até o dia 15 de novembro, juntamente com matérias que noticiavam os cinco anos de existência da República e a posse do presidente Prudente de Morais. O Paiz do dia 15 de novembro destaca:

A República surgiu de súbito sobre as ruínas do trono, aluída pelos alicerces, com a serenidade majestosa, com a generosidade humana e grande de quem entre irmãos e habitantes do mesmo só não sabe distinguir os vencedores dos vencidos. E houve realmente vencidos no dia 15 de novembro de 1889? Os fatos respondem por nós.32

O dia de hoje, de festa nacional da República, tem nova solenidade no ato da posse do primeiro presidente civil, que inaugura o segundo período constitucional da transformação

31 OSORIO, Fernando Luis. História do General Osorio. Rio de Janeiro: Tip. de G. Leuzinger & Filhos,

1894. 714. p.7.

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política que há cinco anos completos realizou-se nesta mesma data.33

O mesmo periódico noticiava, agora em 1908, as comemorações acerca do centenário natalício do general Osorio, que nascera em 10 de maio de 1808. Tal como no ato da inauguração do monumento em sua homenagem, as celebrações rendidas na semana de seu centenário não foram menos pomposas e de grande entusiasmo popular. O jornal anunciou entre os dias 8 e 10 de maio de 1908 o programa das comemorações que ocorreriam nos dias 10, 11, 23 e 24 de maio, encerrando na data de comemoração da batalha de Tuiuti – a maior batalha da Guerra do Paraguai e que consagrou Osorio como o grande nome.

Fazia parte do programa no dia do centenário:

Uma alvorada pelas bandas de música, bandas de clarins do exercito junto a estátua do general na Praça Quinze. Comissões militares depositarão coroas de louros e flores naturais no pedestal da estatua. O Sr presidente da República e demais autoridades civis e militares assistirão da Repartição Geral dos Telégrafos o desfilar das tropas. Colégio militar dará uma guarda de honra para a estátua.34

Nesta ocasião também foi composto um Hino a Osorio, cantado junto a estátua pelo Instituto profissional feminino com a banda do instituto profissional masculino, e publicado no O Paiz, de 10 de maio:

(...) Os teus feitos, recolhe-os a história, Com carinho amor maternal,

Filho augusto e querido da glória, Na saudade, da Pátria, imortal! As crianças, no teu centenário, Dão-te os hinos do amor juvenil, Tipo austero de heroi legendário, Honra, orgulho do amado Brasil!35

33 Idem, ibidem.

34 O Paiz, 10 de maio de 1908. 35 Idem, ibidem.

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(Música de Francisco Braga e letra de Leôncio Correia) As comemorações do aniversário natalício de Osorio, bem como a elaboração do monumento eqüestre em sua homenagem e a biografia escrita por seu filho são algumas das diversas formas de perpetuação da memória do general elaboradas nas primeiras décadas republicanas. Nelas podemos verificar a difusão de uma determinada ideologia e a associação de Osorio a esta, ou seja, o poder ideológico exercido.

Diante disso, acreditamos que a instituição de Osorio como símbolo foi possível porque ocorreu um investimento efetivo em sua memória e por que o poder simbólico por ele exercido sobre o povo era reconhecido, ou seja, ignorado como arbitrário. Isso foi possível devido ao investimento através das relações de comunicação – e não do uso da força – que agentes (militares e civis inseridos na política) e instituições (como o IHGB) promoveram. Investimentos esses, como relatado, na elaboração de narrativas biográficas sobre o general Osorio; elaboração de monumentos, como também as festas, a liturgias cívicas promovidas para recuperação e perpetuação da memória do general.

Referências

Livros e artigos:

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. BARROS, José D’Assunção. O campo da história. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

CASTRO, Celso. Entre Caxias e Osório: a criação do culto ao patrono do Exército Brasileiro. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, nº25, 2000/1

(15)

CASTRO, CELSO. Os Militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.

CASTRO, Celso, LEIRNER, Piero. Antropologia dos Militares. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2009.

COELHO, Edmundo Campos. A Instituição Militar no Brasil: um ensaio bibliográfico. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sócias. V.19, 1985.

DORATIOTO, Francisco. General Osorio: a espada liberal do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

FAUSTO Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. Projeto História. São Paulo, n°10, 1993.

POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n.3, 1989.

SCHULZ, John. O Exército na política. São Paulo: USP, 1994.

SOUZA, Adriana Barreto de. Osório e Caxias: os heróis militares que a república manda guardar. Varia História. Belo Horizonte, nº 25, jul/01, p.231-251.

SOUZA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: O homem por trás do monumento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

VIANA, Oliveira. O Ocaso do Império. Edições do Senado Federal. Vol. 26.

Fontes

I. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. “Parecer da comissão de estatutos e redação da revista acerca da inclusão do marquês do Herval, depois de falecido, entre os sócios do IHGB”. RIHGB, Rio de Janeiro, T. 42, 1879.

OSORIO, Fernando Luis. História do General Osorio. Rio de Janeiro: Tip. de G. Leuzinger & Filhos, 1894.

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II. Biblioteca Nacional

• Divisão de Obras gerais:

FREITAS, Leopoldo de. “Centenário de Osório”. Casa Cardona. São Paulo, 1908, 16p.

• Divisão de Periódicos: O Paiz

• Divisão de Iconografia:

AZEVEDO, Manoel Duarte Moreira de. A estátua do general Osorio. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.

Referências

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