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OS MARCADORES DE DIFERENÇA GÊNERO E RAÇA INTERSECCIONALIZADOS NA AFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA

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Academic year: 2021

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OS MARCADORES DE DIFERENÇA “GÊNERO” E “RAÇA”

INTERSECCIONALIZADOS NA AFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA

D’OLIVEIRA, Mariane Camargo1

; CAMARGO, Maria Aparecida Santana2

Palavras-chave: Desigualdade. Feminismo. Inclusão. Hierarquização.

1 INTRODUÇÃO

A concepção de raça como uma construção social implica a denúncia da existência e atuação de um sistema complexo de hierarquização social que utiliza características biológicas específicas como marcadores de diferenças e desigualdades entre grupos. No Brasil, sob a égide do seu significado social e legitimada pela ideologia do racismo, estabeleceu-se a inferioridade da etnia negra, a partir da qual descendentes dos diferentes povos africanos, trazidos como escravos, passaram a ser agrupados no estrato inferior da hierarquia sociorracial, em consonância com o referido por Lopes e Werneck (2000). Logo, entende-se primordial repensar os caminhos para desfragmentar as concepções étnicas fortemente arraigadas e obsoletas, especialmente através da luta antirracista, das ações de reversão dos impactos do sexismo e das desigualdades, bem como da implementação de políticas públicas.

É possível analisar, desse modo, que a interseccionalidade “traduz as várias formas como raça e gênero interagem para moldar as múltiplas dimensões das experiências” das mulheres negras, de acordo com o esclarecimento de Crenshaw (2002, p. 177). A utilização do termo, como ferramenta de análise, possibilita vislumbrar a complexidade da vivência cotidiana, onde diferentes grupos existem, se articulam e empreendem suas lutas. Nesse sentido, busca-se, em um espectro essencialmente teórico, visualizar a inter-relação entre gênero e etnia, a qual perpassa a multiplicidade de questões concernentes à edificação identitária das mulheres negras. Isto porque os estudos sobre mulheres têm demonstrado que houve uma centralidade no debate, embora os feminismos “não brancos” venham,

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade

FEEVALE. Integrante do GPEHP da UNICRUZ. Bolsista PROSUP/CAPES. E-mail: maricamargod@gmail.com

2 Doutora em Educação. Professora da UNICRUZ. Integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em

Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social – Mestrado – da UNICRUZ. Coordenadora do Núcleo de Conexões Artístico-Culturais (NUCART) e Líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e Pedagógicos, ambos da UNICRUZ. Artista Plástica. E-mail: cidascamargo@gmail.com

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paulatinamente, questionando a unidade do “nós”, ao argumentar que a tendência principal foi e tem sido a branca, não contestadora ao racismo.

2 RACIALIDADE E GÊNERO ENTRECRUZADAS

No contexto brasileiro, a ausência de uma reflexão que articule as relações raciais e de gênero em diversos espaços de sociabilidade tem impedido a promoção de interações igualitárias entre os sujeitos. O silêncio sobre os impactos destas questões contribui para que as diferenças sejam entendidas como desigualdades naturais. Está claro, pois, que o debate entre ênfase no multiculturalismo e na afirmação identitária vai se transformando em virtude das amplas linhas étnico-raciais que vão se formando e sustentando a complexa dinâmica cultural, visto que o impacto da identidade parece ser a chave para entender a multiplicidade de processos que engendram, cada vez mais, culturas híbridas. A afirmação étnico-identitária das mulheres tem papel essencial neste âmbito multicultural que se constrói atualmente.

Precisamente por dependerem de um processo histórico e discursivo de construção da diferença, raça e etnia estão sujeitas a um constante processo de mudança e transformação. Na teoria social contemporânea, a diferença, assim como a identidade, é um processo relacional, só existindo em uma relação de mútua dependência. É por isso que a teoria social contemporânea sobre identidade cultural e social recusa-se a simplesmente descrever ou celebrar a diversidade cultural. Ela é o resultado de um processo relacional – histórico e discursivo – de construção da diferença, na compreensão de Silva (2013).

A etnicidade, segundo Juteau-Lee (1983), pode ser concebida como fluida e construída socialmente no interior de relações desiguais. A partir da reflexão acerca destas complexas problemáticas, bem como buscando desconstruir a homogeneidade da categoria “mulheres”, ao considerar a profusão de situações, interesses e identidades, as feministas introduzem em seus exames outras dimensões sociais, como aduz Juteau-Lee (2009). A análise proposta sugere que a exploração de grupos claramente demarcados é parte integrante do capitalismo, sendo que os grupos étnicos se unem e agem em conjunto por terem sido submetidos a tipos de exploração distintos e diferenciados. Os conflitos raciais são necessariamente estruturados por fatores econômicos e políticos de caráter mais geral, na visão de Bottomore (2012).

À medida que é autoconscientemente reivindicada, a etnicidade é parte da identidade. Percebe-se, assim, que a interseccionalidade entre gênero e raça é embaraçosa. Isto porque, a partir dos anos 1980, houve uma centralidade dos debates em torno da oposição entre

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mulheres brancas e “mulheres de cor”, porquanto as feministas negras e dos países colonizados tachavam de essencialismo o feminismo dominante, praticado por mulheres brancas. Nascimento (2003), ao discutir tais dimensões, relembra o contexto histórico de justificação das subalternidades como um movimento que vai além de tornar naturais as desigualdades sociais. Atinente a este processo de edificação da identidade negra, Dayrell e Gomes (2002) afirmam que esta é construída historicamente em uma sociedade que padece de um racismo ambíguo e do mito da democracia racial. Como qualquer processo identitário, ela se constrói no contato com o outro, na negociação, na troca, no conflito e no diálogo.

Nascimento (1974, p. 76) demonstra que “ser negro é enfrentar uma história de séculos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não existir, à prática de ainda não pertencer a uma sociedade na qual consagrou tudo o que possuía, oferecendo, ainda hoje, o resto de si mesmo”. Pode-se pensar, então, na correlação ideológica existente entre as interações raciais, as relação de poder e o processo cultural de embranquecimento. De cunho positivista, essa fase, segundo Santos (2011), foi marcada por teorias científicas, as quais pregavam que o negro, inferior intelectualmente, seria um atraso para o progresso do país.

Sob este enfoque, as mulheres negras foram sendo, paulatinamente, categorizadas como “negra, mãe, pobre e empregada doméstica”. Ao contrário da mulher branca – oprimida, no entanto protegida pelo sistema patriarcal –, sobre a qual pairava o mito da fragilidade, condizente com o desprezo generalizado pelo trabalho, a mulher negra foi considerada “pau pra toda obra”. E carregava nas costas não apenas o fardo dos serviços domésticos, mas também de trabalhos extenuantes realizados nas minas, nas lavouras, nas manufaturas ou no comércio. Além disso, era explorada sexualmente pelos patrões, como revela Carneiro (2004). Nesse ambiente de opressão e abandono, que perdurou mesmo depois de encerrado o período escravista, a mulher negra, sem poder contar com o auxílio do homem, teve que se desdobrar para defender a si mesma e aos seus filhos, deixando atrás de si uma trajetória admirável de coragem, resistência e criatividade. Foi principalmente na recriação dos valores culturais das tradições africanas, que esta reencontrou a autoafirmação de sua identidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Almejando mais igualdade e mais cidadania, as organizações de mulheres negras vêm participando de diversas redes e articulações do movimento de mulheres brasileiras, tendo uma atuação cada vez mais destacada na conquista de espaço junto ao Estado. Dessa forma,

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entre a vitimização e a produção simbólica, há experiências complexas de luta, opressão, humilhação, superação, amor, dor, desejos, escolhas, alegrias e desafios. Constatar isso pode ser simplista, mais relevante será conhecer e tornar visíveis - em alguns espaços do conhecimento e da decisão sobre as políticas públicas - o universo das mulheres negras e o seu protagonismo de ontem e de hoje, segundo reflexionam Paixão e Gomes (2008).

Enegrecer o movimento feminista brasileiro tem significado, concretamente, demarcar e instituir na agenda do movimento de mulheres o peso que a questão racial tem na configuração, por exemplo, das políticas demográficas, na caracterização da violência contra a mulher pela introdução do conceito de violência racial como aspecto determinante das formas de violência sofridas por inúmeras mulheres negras. Introduzir a discussão sobre questões fundamentais na formulação de políticas públicas é essencial, como assevera Carneiro (2001).

Nesse entendimento, a análise dos sujeitos em uma perspectiva que considere a diferença faz presumir o rompimento com rígidos critérios binários, como negros e brancos, nós e outros, mulheres e homens. No entanto, para resistir às armadilhas das essencializações, faz-se primordial considerar que as culturas, assim como as experiências vivenciadas pelos indivíduos em diferentes contextos, se produzem no embate e se constituem como estratégias de lutas para a reivindicação de uma identidade que constrói poder, a qual é, consequentemente, transversalizada tanto pela raça/etnia quanto pelo gênero.

REFERÊNCIAS

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. CARNEIRO, Sueli. A mulher negra na sociedade brasileira. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). História do Negro no Brasil. Brasília: FCP/MinC, v. 1, 2004. p. 286-336.

CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. Seminário Internacional sobre Racismo, Xenofobia e Gênero, Durban/África do Sul, ago. 2001.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, 2002. p.171-188.

DAYRELL, Juarez Tarcísio; GOMES, Nilma Lino. Juventude, práticas culturais e identidade negra. Revista Palmares em Ação. Brasília, FCP/MinC, n. 2, out.-dez., 2002. p. 18-23. JUTEAU-LEE, Danielle. Etnicidade e nação. In: HIRATA,H.;LABORIE,F.;DOARÉ, H.L.; SENOTIER,D.(Org.). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: UNESP, 2009. p. 90-96. JUTEAU-LEE, Danielle. La production de l’ethnicité ou la part réelle de l’idéel. Revista Sociologie et Sociétés, Les presses del’Université de Montréal, v.15, n.2, octo 1983. p. 39-54. LOPES, Fernanda; WERNECK, Jurema. Da conceituação às políticas públicas de direito. In: WERNECK, Jurema (Org.). Mulheres Negras. Rio de Janeiro: Criola, 2000. p. 05-22.

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NASCIMENTO, Maria Beatriz. Negro e Racismo. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, RJ, Vozes, v. 68, n. 7, 1974. p. 65-68.

PAIXÃO, Marcelo; GOMES, Flávio. Histórias das diferenças e das desigualdades revisitadas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, v. 16, n. 3, set.-dez., 2008. p. 237-260. SANTOS, Juliana Silva. A legitimação do silêncio no cotidiano da mulher negra brasileira a partir do filme Bendito Fruto. Revista ReVeLe, UFMG, n. 2, jan. 2011. p. 01-16.

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