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CAPÍTULO I - O CONCEITO DE RISCO

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Academic year: 2021

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APRESENTAÇÃO

O objetivo geral deste exercício prático foi aplicar, em um caso brasileiro, a metodologia de avaliação e gerenciamento de riscos repassada em curso ministrado pelo Centro Americano de Ecologia Humana e Saúde - ECO da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS e pela Environmental Protection Agency - EPA, em maio de 1996, Brasília. O objetivo específico foi estimar o potencial de efeitos adversos em humanos, particularmente o desenvolvimento de leucemia nos trabalhadores expostos ao benzeno, de modo a proporcionar tanto informações que subsidiem a formulação de estratégias de vigilância e prevenção pela Comissão Nacional Permanente de Acompanhamento do Acordo do Benzeno, como experiência para a formação de profissionais do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana -CESTEH e de outras instituições através do desenvolvimento de cursos de pós-graduação (Latu-Sensu e Strictu Sensu). Assim, entre seus propósitos se encontravam:

• Gerar conhecimentos para comissão que acompanha o cumprimento do Acordo Nacional do Benzeno, permitindo ações integradas de governo e tomadas de decisão.

• Capacitação de recursos humanos para a avaliação e o gerenciamento de riscos de substâncias químicas à saúde.

• Gerar material didático para aperfeiçoamento de cursos de pós-graduação em andamento e desenvolvimento de futuros cursos de formação de profissionais na área de avaliação de riscos.

• Gerar material de referência para estudos de avaliação dos riscos da exposição ao benzeno e seus efeitos à saúde humana.

O material se divide em duas grandes partes. Na primeira, é apresentada a metodologia de avaliação e gerenciamento de riscos utilizada pela EPA, com detalhamento para o caso de substâncias carcinogênicas. Na Segunda, esta metodologia é aplicada no caso de trabalhadores expostos ao benzeno, uma substância carcinogênica, em uma refinaria de petróleo.

Esperamos com este material não só subsidiar as ações e decisões para um problema existente no no Brasil, mas também fornecer material de referência que possa vir a ser utilizado em cursos de formação de recursos humanos nos setores saúde e meio ambiente.

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CAPÍTULO I - O CONCEITO DE RISCO

I.1. Origem do Conceito de Risco

De acordo com Freitas et al. (1997), o termo risco surge com o próprio processo de constituição das sociedades contemporâneas a partir do final do Renascimento e início das revoluções científicas. Nesse período ocorreram intensas transformações sociais e culturais associadas ao forte impulso nas ciências e nas técnicas, às grandes navegações e à ampliação e fortalecimento do poder político e econômico de uma nascente burguesia. Tem sua origem na palavra italiana riscare, cujo significado original era navegar entre rochedos perigosos. Esta palavra foi incorporada ao vocabulário francês pôr volta do ano de 1660 (Rosa et al., 1995).

O conceito de risco que se conhece atualmente provém da teoria das probabilidades, sistema axiomático oriundo da teoria dos jogos na França do século 17 (Douglas, 1987). Tem pôr pressuposto a possibilidade de prever determinadas situações ou eventos pôr meio do conhecimento – ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento – dos parâmetros de uma distribuição de probabilidades de acontecimentos futuros pôr meio da computação das expectativas matemáticas (FGV, 1987).

O conceito probabilístico de risco é predominante na atualidade e está associado ao potencial de perdas e danos e de magnitude das consequências. Porém, até o período anterior à Revolução Industrial o que dominava era sua compreensão como manifestação dos deuses. Da Antiguidade até meados do século 18, eventos como incêndios, inundações, furacões, maremotos, terremotos, erupções vulcânicas, avalanchas, fomes e epidemias eram compreendidos como manifestações da providência divina, de modo que para revelá-los e prevê-los tornava-se necessário interpretar os sinais "sagrados" (Theys, 1987).

Covello et al. (1985), apresentando uma perspectiva histórica da avaliação e do gerenciamento de riscos, consideram o grupo denominado Asipu, que viveu na Mesopotâmia pôr volta de 3.200 a.C., como um dos primeiros que realizavam algo similar ao que hoje entendemos como “avaliação de riscos”. Em suas análises, esse grupo identificava as importantes dimensões do problema em questão e as ações alternativas face ao mesmo, coletando dados sobre os possíveis resultados de cada alternativa. Os melhores dados disponíveis eram considerados sinais dos deuses, que os sacerdotes do

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grupo Asipu estavam especialmente qualificados para interpretar, selecionando a partir deles a melhor alternativa (Freitas, 1996).

O processo de laicização das situações e eventos considerados perigosos e sua transformação em riscos, implicando na previsibilidade a partir da probabilidade, ocorreu de modo mais sistemático somente a partir da Revolução Industrial. Esteve relacionado a filosofia iluminista, ao fim das epidemias de pestes e a conversão da ciência e da tecnologia enquanto eixos de poderosas transformações na sociedade e na natureza. Nesse processo, através do desenvolvimento científico e tecnológico e das conseqüentes transformações na sociedade, na natureza e na própria característica e dinâmica das situações e eventos perigosos, o homem passa a ser responsável pela geração e remediação de seus próprios males. O conceito de risco tal como é predominantemente compreendido na atualidade resulta desse processo, cabendo ao próprio homem a atribuição de desenvolver, através de metodologias baseadas na ciência e tecnologia, a capacidade de os interpretar e analisar para melhor os controlar e remediar (Freitas et al., 1997).

I.2. O Conceito de Risco no Mundo Contemporâneo

A compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar as situações e os eventos perigosos e sua transformação em riscos inevitavelmente nos remete à compreendermos as mudanças em sua própria natureza e dinâmica. Se, pôr um lado os avanços científicos e tecnológicos contribuíram para a redução da prevalência de determinadas doenças associadas a fome e as pestilenças, pôr outro fez surgir e aumentar novos riscos, como os radioativos, químicos e biológicos. Estes riscos gerados pelo próprio homem são fundamentalmente diferentes em termos de características e magnitude dos encontrados no passado. Fazem parte do quotidiano de milhões de pessoas e podem ser encontrados nos seus locais habitação ou trabalho, na cadeia alimentar, no solo que pisam, no ar que respiram, nas águas que consomem (Freitas et al., 1997).

O caso dos riscos químicos industriais é paradigmático nesse processo. Conforme demonstra Freitas (1996), a partir da II Guerra Mundial, o crescimento e a ampliação da economia em escala mundial contribuíram imensamente para o desenvolvimento e a expansão da indústria química. Essa indústria teve o papel de criar e suprir a demanda pôr novos materiais e produtos, como medicamentos, polímeros sintéticos, corantes, aditivos, solventes, combustíveis, explosivos e agrotóxicos, entre outros. A natureza

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altamente competitiva dessa indústria e o crescimento da economia mundial, aliados à mudança na base do carvão para o petróleo e ao rápido avanço na tecnologia de sínteses químicas e de processos industriais, possibilitaram o aumento das dimensões das plantas industriais e da complexidade dos processos, bem como da capacidade de produção, armazenamento e transporte de produtos químicos (Haguenauer, 1986; UNEP, 1992).

Segundo Freitas et al. (1995), a comercialização mundial de produtos químicos orgânicos nesse período, pôr exemplo, possibilita dimensionar o crescimento e a expansão da indústria química, que passou de 7 milhões de toneladas, em 1950, para 63 milhões em 1970, 250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990 (Korte et al., 1994). Uma planta para craquear nafta e produzir 50.000 toneladas/ano de etileno era considerada de grande porte até os anos 60. Nos anos 80, essa dimensão seria considerada antieconômica, e plantas industriais 10 vezes maiores para a produção de etileno e propileno ultrapassariam a escala de produção de 1 milhão de toneladas (Weyne, 1988; Theys, 1987). Ainda nesse período, a capacidade de transporte dos navios petroleiros passou de 40.000 para 500.000 toneladas, e o armazenamento de gás, de 10.000m3 para 120.000/150.000m3 (Theys, 1987).

De acordo com Porto et al. (1997), dados do Programa Internacional de Segurança Química, demonstram que existem mais de 750.000 substâncias conhecidas no meio ambiente, sendo de origem natural ou resultado da atividade humana (IPCS, 1992a). Cerca de 70.000 são cotidianamente utilizadas pelo homem, sendo que aproximadamente 40.000 em significantes quantidades comerciais (IPCS and IRPTC, 1992). Desse total, calcula-se que apenas cerca de 6.000 substâncias possuam uma avaliação considerada como minimamente adequada sobre os riscos ao homem e ao meio ambiente. Para os autores, acrescente-se à este quadro a capacidade de inovação tecnológica no ramo químico, que não só vem complexificando os sistemas tecnológicos de produção, como colocando disponível no mercado a cada ano entre 1.000 e 2.000 novas substâncias (Porto et al., 1997).

Além das mudanças nas dimensões das plantas industriais e na capacidade de produção, transporte e armazenamento de produtos perigosos, do aumento do número de pessoas expostas a riscos e da transformação na natureza dos riscos, acrescentam-se outros fatores que contribuíram para uma mudança radical no status social dos riscos. Nos países centrais da economia mundial, Theys (1987) observa que mais de 80% do público e 60% dos dirigentes consideraram que, globalmente, os riscos nos anos 80 eram mais importantes do que 20 ou 40 anos ou até um século antes, evidenciando a mudança.

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Covello e Mumpower (1985), em abordagem histórica de análise e gerenciamento de riscos, principalmente nos E.U.A., apontam nove fatores que consideram importantes para a compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar os riscos nos países centrais da economia mundial.

O primeiro seria a mudança na própria natureza do risco. As principais causas de óbito foram deixando de ser atribuídas às doenças infecciosas para privilegiar as crônicas degenerativas. O mesmo aconteceu com os acidentes. Até meados do século 19 os acidentes de trabalho, como os que ocorriam nas minas de carvão, apresentavam taxas altas. Em anos recentes, essas taxas, se comparadas àquelas do passado, caíram bastante. Fenômeno semelhante envolve os desastres naturais. Entretanto, enquanto esses tipos de acidentes vieram diminuindo, outros cresceram. No início do século, era insignificante o número de acidentes com veículos automotores, que, entretanto, nos anos 80, responsabilizavam-se pôr elevados números de óbitos.

O segundo fator seria o aumento na média de expectativa de vida. Na Idade Média a expectativa de vida era de 20 a 30 anos. No início deste século era de 51 anos para mulheres e 48 anos para homens. Já em 1975 alcançava os 75 anos para mulheres e 66 para homens.

O terceiro foi o crescimento de novos riscos, fundamentalmente diferentes em termos de características e magnitude, dos encontrados no passado e atribuídos à natureza ou a Deus. Riscos radioativos, químicos e biológicos, todos gerados pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, passaram a fazer parte do quotidiano de milhões de pessoas, na forma de acidentes ou não. Além desses, acrescentam-se outros, de caráter global, como o buraco na camada de ozônio, o aquecimento do planeta e as chuvas ácidas.

O quarto foi o desenvolvimento de testes de laboratório, métodos epidemiológicos, modelagens ambientais, simulações em computadores e avaliação de riscos na engenharia, os quais possibilitaram avanços na habilidade dos cientistas em identificar e medir os riscos. Esses avanços passaram a permitir aos cientistas detectar falhas em projetos de sistemas de engenharia extremamente complexos e estabelecer nexos causais – embora algumas vezes frágeis – entre determinados perigos e resultados adversos, mesmo os potencialmente causados pôr quantidades de substâncias carcinogênicas ou mutagênicas muitíssimo pequenas, tal como partes pôr trilhão (ppt).

O quinto fator foi o aumento no número de cientistas e analistas que passaram a ter como foco de seu trabalho os riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente. A análise

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de risco emerge, nos anos recentes, como uma disciplina e profissão, com sociedades próprias, reuniões anuais, livros, periódicos científicos e newsletters.

O sexto foi o crescimento no número de análises quantitativas formais produzidas e utilizadas para os processos decisórios sobre gerenciamento de riscos. O aumento no volume de processos decisórios apoiados em análises de riscos quantitativas altamente técnicas, refletiu uma tendência para prever, planejar e alertar em vez de dar respostas ad hoc às crises geradas pelos riscos.

O sétimo fator foi a ampliação do papel do governo federal na avaliação e no gerenciamento de riscos. Esse crescimento deu-se mediante: a) desenvolvimento da legislação no campo da saúde, segurança e do meio ambiente; b) crescimento das agências públicas encarregadas do gerenciamento desses riscos; c) aumento dos casos relacionados ao assunto que alcançaram a esfera judicial.

O oitavo foi o crescimento de grupos de interesses que procuravam participar cada vez mais no gerenciamento social do risco, o que tornou cada vez mais politizadas as atividades de análise e gerenciamento de riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente, com intensa participação daqueles grupos representando a indústria, os trabalhadores, os ambientalistas, as organizações científicas, entre outros. O crescimento desses grupos equivale ao da sofisticação científica de seus modos de operação.

O nono e último fator diz respeito ao aumento do interesse e da preocupação do público geral com os riscos, demandando cada vez mais proteção, e foi apontado pôr Covello e Mumpower (1985).

I.3. Os Debates Sobre os Riscos Químicos

Particularmente a partir dos anos 70, alguns fatores – como a publicização na imprensa de crianças com deformações congênitas, como no caso da talidomida, e de livros como "Primavera Silenciosa" (sobre a revolução verde e os altos riscos para a saúde e o meio ambiente gerados pelo uso intensivo de agrotóxicos), de Rachel Carson, da "descoberta"da dioxina, substância química altamente perigosa, como contaminante presente no herbicida "Agente Laranja", largamente utilizado em plantações e na Guerra do Vietnã, eventos como os acidentes químicos de Seveso (1976) e de Bhopal (1984), e das discordâncias entre os especialistas sobre as causas dos acidentes e de seus riscos à saúde e ao meio ambiente, tornada possível mediante a cobertura da imprensa e massificação dos meios de comunicação – contribuíram também para essa mudança no status social dos riscos (Freitas, 1996). Esta mudança significou o aumento e o

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fortalecimento da oposição pública aos riscos químicos, que vinha desde os anos 60. Possibilitaram o fortalecimento de argumentos e intervenção de novos atores, como organizações ambientalistas, associações de moradores, grupos de interesse, organizações não-governamentais e partidos políticos nos debates e processos decisórios acerca de riscos químicos, além dos próprios sindicatos de trabalhadores que já vinham desde a II Guerra Mundial se organizando de maneira mais intensa para manifestar sua insatisfação e questionamentos aos riscos químicos que se encontravam expostos no seu processo de trabalho (Freitas, 1996).

Com a emergência de novos atores no cenário dos processos decisórios sobre riscos industriais, a tradicional relação entre instituições de segurança (governo e associações de profissionais de segurança industrial), sindicatos e industriais passou a sofrer transformações. Iniciou-se o processo de constituição e fortalecimento de um modelo baseado na participação de outros atores, incluindo, além dos industriais e governo, aqueles que vinham desenvolvendo a consciência tanto dos perigos associados aos riscos químicos, como de seu peso nos processos decisórios sobre riscos químicos. Isso significou alteração na relação de poder e processo de formação de consenso para o estabelecimento de padrões de segurança e aceitabilidade de riscos (Freitas, 1996).

Nos E.U.A., pôr exemplo, aqueles que acreditavam ter sido prejudicados ou colocados sob riscos pelas indústrias químicas passaram a entrar com ações na justiça para assegurar tratamentos privados a danos causados à saúde, exigir indenizações pôr danos e ampliar o acesso às informações sobre os perigos industriais. Esse processo significou mudança de atitudes dos diversos atores envolvidos nos debates sobre riscos industriais – comente denominados na literatura como o público –, passando de atitudes passivas e de confiança na proteção de riscos conduzida pelas indústrias e pelo governo para atitudes ativas de mobilização e enfrentamento contra os denominados “criadores de riscos” (Freitas, 1996). Passaram a exigir que os processos decisórios e de controle fossem coletivos, incluindo todos os que tivessem algum interesse na questão. Essa mudança de atitude provocou não só maior desgaste da imagem das indústrias químicas como também aumento nos custos de investimentos em segurança, proteção ambiental e à saúde, dados a regulamentação governamental mais abrangente que passava a ser exigida e o colapso do mercado de seguros de indústrias químicas com a grande elevação do valor financeiro dos contratos (Freitas, 1996).

O conceito de riscos que atualmente prevalece em diversos campos do conhecimento técnico e científico, tais como na toxicologia, na epidemiologia, na

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engenharia e, posteriormente, nas ciências sociais não pode ser dissociado dessa história. Traduz tanto os conflitos sociais e de interesses de uma sociedade onde a tecnologia de produção de substâncias químicas ocupa um papel central na vida do homem contemporâneo, como também e simultaneamente a busca de respostas para um problema que, em maior ou menor grau, atinge a vida dos seres vivos e do meio ambiente em nosso planeta.

I.4. A Avaliação de Riscos na Toxicologia e Epidemiologia

Para Freitas (1996), o fato de o discurso dos novos atores que procuravam intervir nos debates e processos decisórios sobre riscos focalizar, entre outras coisas, os riscos químicos fez com que a comunidade científica, principalmente especialistas das indústrias e do governo, procurasse desenvolver e aplicar métodos científicos para estimar os riscos de maneira quantitativa e probabilística (Renn, 1985). Pôr um lado, desenvolveram-se os testes de laboratórios, métodos epidemiológicos, modelagens ambientais, simulações em computadores e avaliações de riscos na engenharia, de tal modo, que possibilitaram o incremento na identificação e mensuração dos riscos (Covello et al., 1985). Pôr outro, cresceu o número de especialistas que passaram a ter como foco principal de seu trabalho os riscos à saúde, à segurança industrial e ao meio ambiente, contribuindo, assim, para a profissionalização e institucionalização da avaliação de riscos. É nesse processo que se desenvolve uma abordagem de cunho mais multidisciplinar e centrada na intervenção sobre o ambiente, ao contrário da abordagem médico-biologicista e centrada no indivíduo, o qual predominou até a II Guerra Mundial.

A idéia principal que norteou o desenvolvimento dos métodos científicos de avaliações de riscos e do trabalho dos especialistas era a de que as decisões regulamentadoras de riscos seriam menos controversas se pudessem ser tecnicamente mais rigorosas e baseadas em firme base "fatual". Essa base deveria ser construída a partir dos dados disponíveis, suplementados pôr cálculos, extrapolações teóricas e julgamentos "objetivos” oriundos de análises estatísticas e sistêmicas, de modo a se chegar a um valor esperado, que é a unidade básica das avaliações de riscos, correspondendo à freqüência relativa de um evento ou de uma doença calculada sobre o tempo (Starr et al., 1976; Otway, 1985; Renn, 1985 e 1992) e expresso na seguinte fórmula básica (Freitas, 1996):

Risco = Probabilidade de Danos x Magnitude das Conseqüências Tempo

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Nessa perspectiva, o conceito de risco pode, de acordo com Canter (1989), envolver as seguintes definições: 1) função da probabilidade de um evento ocorrer e de que a magnitude ou a severidade do evento deva ocorrer; 2) medida da probabilidade e da severidade de efeitos adversos; 3) possibilidade de dano, perda ou lesões; 4) chance coletiva ou probabilidade de acidentes e doenças, resultando em lesões ou óbitos. A avaliação de riscos se constitui como uma etapa intermediária entre a pesquisa e o gerenciamento de riscos (ver Quadro I.1). Suas etapas são:

1)

identificação de perigo: determina qualitativamente e quantitativamente as substâncias químicas ambientais presentes que podem significar perigos para a saúde;

2)

avaliação da relação dose-resposta: avalia as relações entre a exposição à uma dada concentração de uma substância química e a incidência de efeitos adversos em seres humanos. Se realiza primariamente e principalmente em animais;

3)

avaliação de exposição: determina as condições sob as quais os indivíduos podem ser expostos as substâncias químicas e as doses que podem ocorrer como resultado da exposição;

4)

caracterização de riscos: descreve a natureza dos efeitos adversos que podem ser atribuídos as substâncias químicas, estima sua probabilidade nas populações expostas, avalia o grau de confiabilidade das evidências e as incertezas associadas às mesmas.

É somente a partir desta última etapa, a caracterização de riscos, que são tomadas as decisões para o desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de riscos, havendo aí uma maior e mais explicita interferência dos fatores culturais, os sociais, os políticos e os econômicos (Freitas, 1993).

Na toxicologia o conceito de risco está associado a estimativa da probabilidade de desenvolvimento de uma doença como resultado de um certo nível de exposição. Para as substâncias cancerígenas nenhum nível de exposição (limite de tolerância) é assumido como sendo sem risco, ao contrário das substâncias não cancerígenas em que são estabelecidos limites de tolerância, ou seja: limites de exposição considerados "seguros". Na toxicologia, as estimativas de probabilidades são baseadas nos resultados de testes em que animais de laboratório que são submetidos à doses maiores do que as esperadas para seres humanos. Nessas estimativas modelos probabilísticos são utilizados para extrapolar as curvas de dose-respostas resultantes dos altos níveis de exposição para níveis mais baixos até o ponto zero de exposição. O resultado é usualmente expresso

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como uma unidade de valor-dose, tal como o risco pôr parte pôr milhão (ppm) de uma dada substância no ar ou na água, pôr exemplo. Esta unidade de valor-dose, multiplicada pelos níveis de exposição para calcular o risco individual e pelo número de pessoas expostas gera as estimativas de incidência de uma dada doença causada pela substâncias específica (Porto et al., 1997).

Na epidemiologia, o conceito de risco corresponde a probabilidade de um membro de uma população definida desenvolver uma dada doença em um período de tempo. Nessa perspectiva, a epidemiologia tem seu modelo explicativo nos fatores de risco. De acordo com Almeida-Filho (1989), embora a epidemiologia se ocupe das populações, é interessante observar que ela conserva a “qualidade biologicista do enfoque individual da clínica”, e reduz o social ao coletivo, isto é, um somatório de indivíduos, ignorando o contexto e suas interrelações nos ambientes em que vivem ou trabalham. De acordo com Guilan (1996), em epidemiologia os riscos se expressam, de modo geral em risco absoluto, risco relativo e risco atribuível.

O risco absoluto de uma doença corresponde a incidência da doença (Gordis, 1988), traduzindo a idéia de intensidade com que acontece a morbidade em uma população (Rouquayrol, 1987), sendo esta intensidade relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia, semana, mês ou ano). Em termos operacionais, utiliza-se o coeficiente de incidência, o qual pode ser matematicamente expresso da seguinte maneira:

nº de casos novos de uma doença ocorrentes em

Coeficiente de = determinada comunidade em certo período de tempo x 10n incidência nº de pessoas sob risco de adquirir a doença

no referido período

Quando se diz, pôr exemplo, que a incidência de casos de leucemia pode ser de 3,6 pôr 100.000 pessoas em determinado ano, o que se quer dizer é que o risco absoluto de uma pessoa adquirir leucemia neste período é de 3,6/100.000. Gordis (1988) ressalta a importância deste indicador, alegando que uma pessoa exposta à determinado tipo de agente causador de doenças não está interessada no risco relativo, mas no risco absoluto de adoecer.

O risco relativo (RR) é expresso pela seguinte razão: Risco = Risco da doença em indivíduos expostos Relativo Risco da doença em indivíduos não expostos

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1) o risco relativo é igual a 1, isto é, o risco de doença na população exposta é o mesmo que na população não exposta, o que parece indicar não haver associação da exposição à doença em questão;

2) o risco relativo é maior que 1, isto é, o risco da doença é maior em indivíduos expostos do que nos não expostos, podendo indicar uma associação da exposição à doença. Um exemplo clássico desta situação é a associação entre fumo e câncer de pulmão: num estudo hipotético, podemos comparar a incidência de câncer de pulmão em fumantes e em não fumantes, e obter o seguinte resultado: RR = 4.6 (Hennekens et al., 1987). Este resultado quer dizer que o risco de fumantes adquirirem câncer de pulmão é 4.6 vezes maior do que os não fumantes.

3) o risco relativo é menor que 1, isto é, o risco da doença é menor em indivíduos expostos do que nos não expostos, o que sugere que a exposição possa ter um papel protetor em relação à doença estudada. Este resultado pode ser encontrado quando estudamos, pôr exemplo, a eficácia de uma vacina. O risco relativo é uma medida de associação. Este índice se refere à intensidade com que uma determinada exposição se relaciona com a doença em estudo.

O risco atribuível é uma diferença entre riscos. Suponha-se duas populações, uma exposta e outra não exposta, e que o risco de uma doença é maior entre os expostos. O nível de risco nos não expostos pode ser visto como risco de fundo (background risk), um risco que é compartilhado pôr ambos os grupos. Se o que se procura é saber quanto do risco total nos expostos pode ser realmente atribuível à exposição propriamente dita (e não ao risco de fundo, o qual os dois grupos apresentam), deve-se tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco nos não expostos (risco de fundo). De forma similar, pode ser avaliado o impacto que uma exposição específica pode ter na população, com respeito a um evento particular. Pôr exemplo, “a taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão para não fumantes (0.07) pode ser subtraída da taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão na população total (0.65); o resultado obtido pode ser chamado de risco atribuível ao câncer de pulmão relacionado ao hábito de fumar. Se esta estimativa for aplicada a outra população, sua frequência de exposição deve ser semelhante à primeira. O conceito de risco atribuível populacional é útil na medida em que ele estima o quanto a incidência de uma doença particular pode ser reduzida se uma exposição específica for removida (MacMahon et al., 1970) (ver Quadro I.2).

Em outras palavras, o risco atribuível pretende responder a seguinte pergunta: “o quanto de risco da doença, em indivíduos expostos, pode ser atribuído à uma exposição

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específica? O quanto de risco da doença em indivíduos expostos podemos esperar de eliminar se pudermos diminuir ou eliminar a exposição?” (Gordis, 1988). O risco atribuível é assim uma medida do benefício potencial de uma medida preventiva.

A avaliação de riscos à saúde realizada pela toxicologia (experimentos em animais de laboratório) e pela epidemiologia (populações expostas aos agentes tóxicos comparadas com populações não expostas), procura identificar e quantificar as relações entre os potenciais agentes de risco e os danos biológicos observados nos seres vivos, humanos e não humanos. Mediante modelagens, o agente causal é isolado das variáveis intervenientes ou confounders. O que há de comum entre essas perspectivas é tanto procurar avaliar e prever potenciais danos biológicos aos seres vivos e/ou ecossistemas – pôr meio de cálculos sobre o tempo e o espaço, utilizando freqüências relativas para poder especificar as probabilidades, como reduzir o risco a uma única dimensão, representando uma média sobre espaços, tempos e contextos sociais, ambientais e tecnológicos estáveis (Freitas, 1996).

I.5. A Contribuição das Ciências Sociais à Avaliação de Riscos

Para as ciências sociais, ao contrário da toxicologia e da epidemioligia, não há nenhum consenso sobre o que pode constituir um conceito de risco. Os estudos na sua perspectiva são marcados pôr uma multiplicidade de abordagens teórico-metodológicas e de temas de investigação. Grande parte da produção científica nesse campo do conhecimento tem sido no sentido de, em maior ou menor grau e de diferentes modo, criticar o conceito tradicional de riscos predominante nas avaliações técnicas de riscos, e seus supostos fundamentais, ou sejam: de um lado a perspectiva utilitarista e o paradigma do ator racional, do outro a concepção elitista de democracia (Freitas, 1996; Freitas et al, 1997; Porto et al., 1997).

Na perspectiva utilitarista e paradigma do ator racional os indivíduos são abstraídos de seus contextos sociais e considerados como não influenciados pôr família, círculo de amigos, grupos sociais e instituições a que pertencem, pôr seus valores socioculturais e emoções. São tratados como frios e calculistas, agindo ou devendo agir com o objetivo de ordenar o caos e maximizar os ganhos de cada ação, distinguindo estratégias e projetando as conseqüências de cada uma delas de modo a determinar a capacidade de escolhas de alternativas, avaliando permanentemente os riscos e os benefícios das possíveis ações (Freitas, 1996; Freitas et al., 1997).

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De acordo com Freitas et al. (1997), para a concepção elitista de democracia a objetividade é alcançada pôr meio da ênfase em determinados resultados das análises quantitativas (óbitos, custos, benefícios, probabilidade de eventos, magnitude das conseqüências, entre outros). Ignora o processo social de escolhas, de poder, de relações, de interesses. Para esta concepção, os resultados quantitativos servem para, numa abordagem unidimensional, estabelecer critérios e padrões de aceitabilidade de riscos, definindo, pôr exemplo, que 10-6 para o caso de acidentes industriais (particularmente em indústrias químicas e usinas nucleares) e que a exposição à X partes pôr milhão da substância Y numa jornada de trabalho ou durante o período médio de vida são valores aceitáveis. Nessa concepção, os interesses dos cidadãos são atendidos quando os processos decisórios de escolhas de tecnologias e de justiças distributivas dessas tecnologias estão de acordo com os modelos técnicos de avaliação de riscos e o consenso das elites dominantes (Menkes, 1985; Fiorino, 1989; Rosa et al., 1995)

I.6. Considerações Finais

Conforme verificou-se neste capítulo, o conceito de risco resulta de um processo histórico que remonta desde a Antiguidade, passando pelo Renascimento, pela Revolução Industrial e pela II Guerra Mundial. Porém, o conceito de risco que se conhece na atualidade resulta de um processo histórico mais recente e dos conflitos que lhe fizeram parte, podendo os anos 60 e 70 deste século se constituírem como marcos. É neste contexto mais recente que se desenvolvem muitos dos atuais métodos de avaliação de riscos.

A avaliação de riscos é um procedimento utilizado para sintetizar as informações disponíveis e os julgamentos sobre as mesmas com o objetivo de estimar os riscos associados à exposição a substâncias químicas. Essa estimativa é expressa em termos probabilísticos, variando entre 0 (zero) e 1 (um), sendo um valor igual ao primeiro (0) um indicador da certeza de que não ocorrerá dano e um valor igual ao segundo (1) um indicador da certeza de que ocorrerá dano (Quadro I.3) (OPAS/EPA, 1996). Tem como objetivo: (Quadro I.4)

• determinar a possibilidade de efeitos adversos em humanos, outras espécies e ecossistemas expostos aos agentes químicos;

• proporcionar a mais completa informação possível aos responsáveis pôr controlar os riscos, especificamente àqueles que estabelecem políticas e normas.

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Através da avaliação de riscos os potenciais efeitos adversos derivados da exposição humana às substâncias químicas são caracterizados através dos seguintes elementos (OPAS/EPA, 1996): (Quadro I.5)

• descoberta dos possíveis efeitos adversos através de resultados epidemiológicos, toxicológicos e ambientais;

• extrapaloção de resultados anteriores (estudos toxicológicos e epidemiológicos) para predizer tipo e magnitude dos efeitos em saúde humana sob dadas condições de exposição;

• avaliação da quantidade e características das pessoas expostas a diferentes intensidades e duração;

• detecção da presença e magnitude global do problema para a saúde pública; • caracterização das incertezas inerentes ao processo de inferência dos riscos.

É importante observar que o desenvolvimento da avaliação de riscos e dos debates em torno dos seus resultados vem contribuindo para que inclua um amplo espectro de disciplinas científicas (toxicologia, epidemiologia, engenharia, economia, sociologia, antropologia, psicologia)

Jasanoff (1993) na busca de integrar as diversas disciplinas e perspectivas que atuam na relação entre avaliação de riscos e gerenciamento de riscos considera que não podemos separar "o que se deseja conhecer acerca de um determinado problema" - o que é realizado pelas avaliações técnicas de riscos na toxicologia e epidemiologia, pôr exemplo - do que se deseja fazer acerca desse mesmo problema - o que é proposto e realizado no desenvolvimento das estratégias de gerenciamento de riscos. Para Jasanoff (1993), o modo de se perceber a realidade e de organização os fatos a ela pertinentes tem implicações, embora nem sempre visíveis, tanto nas avaliações de riscos, como nos aspectos das políticas públicas e da justiça social: quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de lado que alternativas.

Muito da crítica ao reducionismo científico presente nas avaliações técnicas de riscos e no desenvolvimento de estratégias de gerenciamento, ao qual corresponde também uma redução da possibilidade de incorporação e participação de inúmeros e diferentes outros atores, valores e perspectivas. Essas críticas baseiam-se no fato de que as questões relacionadas aos riscos não podem ser restringidas somente aos processos físicos, químicos e biológicos, já que o mundo em que se situam, o mundo dos seres humanos em suas relações sociais, é constituído pôr outros aspectos, tais como os estilos de vida e as relações interpessoais, as interações simbólicas e os movimentos sociais, as

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questões de poder e de distribuição de riscos, controle social e instituições sociais (Freitas, 1996). Diante desse quadro, torna-se necessário e cada vez mais integrar as diversas perspectivas e disciplinas que atuam nas avaliações de riscos e no estabelecimento de estratégias de gerenciamento, pois verifica-se que nenhuma sozinha será capaz de dar conta de um problema tão complexo, sejam a toxicologia, a epidemiologia ou as ciências sociais.

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Referências

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