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UM DEBATE ENTRE PONTES DE MIRANDA E EMÍLIO BETTI

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DEPARTAMENTO DE DIREITO – VDI

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CAROLINE GARCIA ERMANO

DA ESTRUTURA E DA FORMAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

UM DEBATE ENTRE PONTES DE MIRANDA E EMÍLIO BETTI

VOLTA REDONDA 2017

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DA ESTRUTURA E DA FORMAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

UM DEBATE ENTRE PONTES DE MIRANDA E EMÍLIO BETTI

Monografia apresentada ao Departamento de Direito do Instituto de Ciências Humanas e Sociais de Volta Redonda, como parte das exigências do exame de qualificação para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Dalmir José Lopes Junior

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CAROLINE GARCIA ERMANO

DA ESTRUTURA E DA FORMAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

UM DEBATE ENTRE PONTES DE MIRANDA E EMÍLIO BETTI

Monografia aprovada pela Banca Examinadora do Curso de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF

Volta Redonda, ...de ...de ...

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof. Dr. Dalmir Lopes Jr – Universidade Federal Fluminense – Orientador

_________________________________________________

Prof. Dr. Matheus Vidal Gomes Monteiro – Universidade Federal Fluminense

_________________________________________________

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Todo o esforço empenhado neste trabalho não seria possível sem o incentivo e a motivação daqueles que sempre acreditaram no meu êxito: minha família. Quero agradecer aos meus amados pais, Alessandra e Adivaldo, e ao meu irmão, Pedro, por estarem sempre comigo em todo o caminho que percorri até chegar aqui, até minha formação. Obrigado por sempre me encorajarem a atingir meus objetivos.

Aos meus professores durante todo o curso que sempre me inspiraram a pesquisar e a conhecer cada vez mais, eu lhes agradeço. Minha admiração por vocês é enorme.

Em especial, ao meu professor orientador, Dalmir, que, sempre disposto e dedicado, teve imprescindível participação neste trabalho. Sem você, professor, eu não o teria finalizado com tamanha satisfação.

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O presente trabalho tem como objeto de estudo a estrutura do negócio jurídico, mais precisamente sobre os elementos de sua formação. O tema será analisado nas teorias de Pontes de Miranda e de Emílio Betti, de forma mais aprofundada. O desenvolvimento se deu a partir de pesquisa bibliográfica, em obras de diversos autores civilistas, dentre eles os citados.

Inicialmente, reporta-se ao conceito de negócio jurídico e as teorias que explicam a vontade na formação do mesmo. Em sequência, demonstra-se a dissonância doutrinária acerca da formação do negócio e seus elementos estruturais. Adiante, principal objetivo do presente, expõe-se o pensamento de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, autor cuja teoria ganhou maior receptividade na civilística brasileira e, após, a teoria de Emílio Betti, jurista italiano e precursor da teoria preceptiva do negócio, a qual é apresentada aqui como um contraponto e uma segunda forma compreensiva sobre a formação do negócio jurídico.

O resultado é a demonstração de duas concepções distintas acerca da estrutura do negócio jurídico, encontrando nas duas teorias seus aspectos diferentes sobre o instituto.

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INTRODUÇÃO... p. 08 1 DO NEGÓCIO JURÍDICO E SUA DEFINIÇÃO ... p.

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1.1 Das teorias voluntaristas do negócio jurídico ... p. 15

2 DAS DIVERSAS TEORIAS ACERCA DA ESTRUTURAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO ... p. 21 3 DA ESTRUTURAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO PELA TEORIA DE PONTES DE MIRANDA... p. 24

3.1 Da manifestação de vontade negocial e consciente... p. 27

3.2 Da capacidade de direito... p. 32 3.3 Da forma... p. 35

3.4 Do objeto ... p. 38 3.5 Dos elementos ou pressupostos especiais exigidos para determinados negócios jurídicos... p. 40 3.5.1 Dos negócios jurídicos reais... p. 42 3.5.2 Da compra e venda... p. 43

3.5.3. Dos negócios jurídicos mortis causa... p. 43 3.5.4 Dos negócios jurídicos causais... p. 44

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4.1 Da forma: da declaração e do comportamento... p. 47 4.2 Do conteúdo... p. 56 CONCLUSÕES... p. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... p. 65 INTRODUÇÃO

O negócio jurídico é um instrumento posto pelo direito à disposição dos particulares para a regulação de seus interesses na vida em comunidade. É um ato de autonomia privada que consiste na criação, na modificação e na extinção de direitos, de forma a tornar possível as relações sociais.

A todo momento o homem moderno realiza negócios jurídicos. Seja compra e venda, doação, ou qualquer outra modalidade de contrato ou negócio – aquele sendo espécie deste – é intrínseco à vida em sociedade a realização constante de convenções negociais. Ele tem, portanto, a função de tornar possível as relações jurídicas, recepcionadas pelo ordenamento jurídico.

Apesar de existir consenso sobre a função dos negócios e da necessidade de cumprir exigências legais para sua validade e eficácia, subsiste um certo dissenso sobre os elementos necessários para a sua constituição. A doutrina não possui uma explicação satisfatória sobre

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forma e estrutura um contrato ou qualquer outro tipo de convenção negocial? Pergunta-se: quais os elementos que formam e estruturam o negócio jurídico?

Além do mais, não há, em nosso Código Civil, capítulo e nem dispositivos para disciplinar os elementos considerados essenciais para a existência de um negócio jurídico. Ainda em detrimento da omissão legislativa, é de vital importância o estudo da formação do negócio, razão pela qual o presente trabalho tem preocupação intensamente conceitual e doutrinária. Vale dizer, é de imensa relevância o estudo da formação do negócio, para que, quando estiver formado e existir no mundo jurídico, possa a norma nele incidir e produzir seus efeitos, sendo válido e eficaz.

A fim de imprimir uma visão mais abrangente sobre a estrutura do negócio jurídico, não se ficou adstrito apenas à abordagem tradicional da civilística brasileira contemporânea – na doutrina de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda –, mas se buscou uma perspectiva diferente sobre aquilo que fundamenta o balizamento dos negócios jurídicos. Encontrou-se na doutrina de Emilio Betti, Catedrático da Universidade de Roma, jurista italiano que representa de forma significativa a concepção objetivista de negócio, o contraponto necessário para estabelecer uma abordagem complexa da questão.

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1 DO NEGÓCIO JURÍDICO E SUA DEFINIÇÃO

Antes de expor as diversas concepções dos autores sobre os elementos de formação do negócio, imprescindível é a conceituação do negócio bem como a explicação sobre as teorias voluntarista e objetivista que dele tratam.

O negócio jurídico constitui a principal forma de exercício da autonomia privada1, compreendendo uma composição de interesses das partes com uma finalidade específica2. Alguns exemplos típicos são os contratos, o casamento e o testamento.

Orlando Gomes assim declara a importância do tema dentro do Direito Privado:

A função mais característica do negócio é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia. É através dos negócios jurídicos

que os particulares auto-regulam seus interesses, estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento.

Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodisciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio

jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, e o negócio é o instrumento através do qual o poder de autodeterminação se concretiza3.

É meio eficaz e relevante para estabelecer relações jurídicas, e com certo destaque constitucional, por ser um corolário do princípio da livre iniciativa e da dignidade da pessoa humana (art. 170 e 1º, III, da Constituição Federal de 1988). O negócio é instrumento indispensável à própria existência social.

Enuncia Betti que:

3GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 264, grifo nosso. 2TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. p. 221.

1 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: Existência, Validade E Eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 16.

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A iniciativa privada é o aparelho motor de qualquer consciente regulamento recíproco de interesses privados. (...) Os negócios jurídicos têm a sua

gênese na vida de relações: surgem como actos por meio dos quais os particulares dispõem, para o futuro, um regulamento obrigatório de

interesses das suas recíprocas relações, e desenvolvem-se,

espontaneamente, sob o impulso das necessidades, para satisfazer diversíssimas funções económico-sociais, sem a ingerência de qualquer ordem jurídica. Pense-se, antes de mais, no contrato que se realiza, sob a

forma mais rudimentar, a função da troca de mercadorias: a permuta. É inegável que a vemos universalmente praticada, até por tribos selvagens, entre as quais não há quaisquer vestígios de um estado, tanto nas relações entre elas, como nas relações com os povos civilizados4.

A importância prática de tal instituto é demonstrada, por exemplo, pela constatação de que todo contrato é um negócio jurídico, sem exceções. A sociedade moderna celebra dezenas de milhões de contratos dia a dia, destacando-se, portanto, o prestígio do tema5.

Pontes de Miranda define o negócio jurídico nos seguintes termos:

A prestante função do conceito de negócio jurídico está em servir à distinção entre negócio juridico e ato jurídico não-negocial ou stricto sensu, naqueles casos em que o suporte fático do ato jurídico “stricto sensu” consiste em manifestação de vontade. Frisemo-lo bem: manifestação de vontade; para que não incorramos no erro de definirmos como coextensivos, superponíveis de modo completo, a manifestação de vontade (suporte fático) e o negócio jurídico, que é apenas uma das classes dos atos jurídicos em que há, como elemento fático, manifestação de vontade. O conceito surgiu exatamente

para abranger os casos em que a vontade humana pode criar, modificar ou extinguir direitos, pretensões, ações, ou exceções, tendo por fito êsse acontecimento do mundo jurídico. Naturalmente, para tal poder fáctico de escolha supõe-se certo auto-regramento de vontade, dito “autonomia

da vontade”, por defeito de linguagem (nomos é lei); com esse auto-regramento, o agente determina as relações jurídicas em que há de figurar como termo. De antemão, excluamos a confusão entre o negócio jurídico e o suporte fático (negotium) do negócio jurídico. Negócio jurídico

é classe de fatos jurídicos; e não de suportes fáticos. Negócio juridico já é o suporte fático, o negotium, após a entrada dêsse no mundo juridico6.

6PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970, tomo III. § 249, p. 3, grifo nosso.

5AZEVEDO, Fábio de Oliveira de. Direito Civil: Introdução e Teoria Geral. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 350.

4BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. 1. ed. Coimbra: ed. Coimbra, 1969, tomo I. p. 89, grifo nosso.

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Pontes aduz que “todo negócio jurídico cria relação jurídica, constituindo, ou modificando, ou constituindo negativamente (extintividade) direitos, pretensões, ações, ou exceções”7. O que se estabelece, pois, pelos interessados no negócio é a sua eficácia, não se confundindo esta com a vontade8.

Emílio Betti, por sua vez, ao conceituar o negócio jurídico como um ato de autonomia privada, assim enuncia:

A manifestação precípua desta autonomia é o negócio jurídico, o qual, precisamente, é concebido como um acto de autonomia privada, a que o

direito liga o nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas entre particulares. Estes efeitos jurídicos produzem-se na medida

em que são previstos por normas que, tomando por pressusposto de facto o acto de autonomia privada, os ligam a ele como sendo a fatispécie necessária e suficiente9.

(...) é o acto pelo qual o indivíduo regula, por si, os seus interesses, nas

relações com outros (acto de autonomia privada): acto ao qual o direito

liga os efeitos mais conformes à função económico-social que lhe caracteriza o tipo (típica neste sentido)10.

Vale transcrever ainda outro trecho da obra de Betti:

O negócio é instrumento de autonomia, precisamente no sentido de que é posto pela lei à disposição dos particulares, a fim de que possam servir-se dele, não para invadir a esfera alheia, mas para comandar na própria casa, isto é, para dar uma organização básica aos interesses próprios de cada um, nas relações recíprocas11.

Na esteira de Orlando Gomes, “negócio jurídico é toda declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos correspondentes ao interno prático do declarante, se reconhecido e garantido pela lei”12.

12GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 269. 11Idem. Ibidem p. 102.

10Idem. Ibidem. p. 107-108, grifo nosso. 9BETTI, Emílio. Op. Cit., p. 98, grifo nosso.

8Assim dispõe o autor “O que os interessados no negócio jurídico estabelecem não é mais do que eficácia do negócio jurídico; não e, sequer, vontade que permanece, nem se há de confundir a vontade, que traçou a conduta futura e o futuro do próprio negócio jurídico, com a eficácia do negócio jurídico que aponta essa conduta e faz preestabelecido o futuro do negócio jurídico.” (Idem. Ibidem. tomo III, § 250, item 1, p. 9)

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Importante destacar que o negócio é, de acordo com a doutrina majoritária, espécie de ato jurídico lato sensu, que, por sua vez, é espécie de fato jurídico lato senso. Portanto, fato jurídico é gênero, no qual são espécies atos jurídicos em sentido amplo (ou lato sensu) e fatos jurídicos em sentido estrito (ou stricto sensu).

Para uma conceituação dos fatos jurídicos, estes são, segundo Emílio Betti:

(...) aqueles fatos a que o direito atribui relevância jurídica, no sentido de mudar as situações anteriores a eles e de configurar novas situações, a que correspondem novas qualificações jurídicas. O esquema lógico do facto jurídico reduzido à expressão mais simples, obtém-se estudando-o como um facto dotado de certos requisitos pressupostos pela norma, o qual incide sobre uma situação pré-existente (inicial) e a transforma numa situação nova (final), de modo a constituir, modificar ou extinguir, poderes e vínculos, ou qualificações e posições jurídicas13.

Nos fatos jurídicos, a nova situação jurídica estabelecida pela norma não se produz enquanto não se verificar, inteiramente, a hipótese de fato, ou seja, o suporte fático. Isso inclui o negócio, pois, como se verá, este é subespécie daquele.

A diferenciação entre as duas espécies de fatos jurídicos em sentido amplo – atos jurídicos em sentido amplo e fatos jurídicos em sentido estrito – se reporta à relevância jurídica reconhecida, ou não, à consciência e à vontade humana, segundo Emílio Betti14. Outros autores, como Marcos Bernardes de Mello, de forma um pouco diversa, diferem as duas categorias pela presença ou não de conduta humana volitiva à base do suporte fático15.

15 “Parece evidente que a presença de uma conduta humana como componente cerne de suporte fáctico estabelece uma diferença substancial entre os fatos jurídicos. Analisando o mundo do direito, sob esse aspecto, constatamos que há fatos jurídicos cujos suportes fácticos são integrados: (a) por simples fatos da natureza ou do animal, que prescindem portanto, para existir, de ato humano; são os fatos jurídicos stricto sensu, lícitos e 14 Betti critica a doutrina que distingue os fatos jurídicos em fatos voluntários (atos) e fatos naturais (fatos em sentindo estrito), sendo desprovida de interesse e equívoca: “Na realidade, a distinção entre actos e factos jurídicos, só tem sentido na medida em que tome por base o modo como a ordem jurídica considera e valoriza um determinado facto. Se a ordem jurídica toma em consideração o comportamento do homem em si mesmo e, ao atribuir-lhe efeitos jurídicos, valoriza a consciência que, habitualmente, o acompanha, e a vontade que, normalmente, o determina, o facto deverá qualificar-se como acto jurídico. Mas deverá, pelo contrário, qualificar-se como facto, quando o direito tem em conta o fenómeno natural como tal, prescindindo de eventual concorrência da vontade: ou então quando ele considera, realmente, a acção do homem sobre a natureza exterior, mas, ao fazê-lo, não valora tanto o acto humano em si mesmo, quanto o resultado de facto que ele tem em vista; quer dizer, a modificação objectiva que ele provoca no estado de coisas pré-existente.” (Idem. Ibidem. p. 30) 13BETTI, Emílio. Op. Cit., p. 20.

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Os atos jurídicos lato senso (ou em sentido amplo), por sua vez, se dividem em: ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico.

Betti, em sua obra, expõe que:

A consideração em que o direito toma um comportamento do homem como acto jurídico, consiste (...) em reconhecer a esse comportamento relevância jurídica, com base numa valoração da consciência que, habitualmente, o acompanha, e da vontade que, normalmente, o determina16.

Nesta esteira, prevalece a teoria dualista que, adotada pelo nosso Código Civil, tem origem alemã (bem como italiana), tendo sido objeto de extensa abordagem por Pontes de Miranda. Há, para tal teoria, duas espécies de atos jurídicos: atos jurídicos stricto sensu (ou não negociais) e os negócios jurídicos. A diferença entre as duas espécies consiste em que nos atos jurídicos stricto sensu os efeitos decorrem da lei, as pessoas envolvidas não podem alterar as categorias de eficácia (por exemplo, reconhecimento de filho). Já nos negócios jurídicos, o sistema jurídico deixa ampla margem para que as partes determinem as sutilezas de eficácia que o negócio terá (por exemplo, contratação de shows musicais por empresários)17.

O Código Civil de 2002 inovou ao disciplinar sobre o negócio jurídico. O Código anterior, de Clóvis Beviláqua, elaborado em 1899 não dispensou tratamento específico a estes, mas apenas aos atos jurídicos. Porém, no atual Código, de lavra do Ministro Moreira Alves, há a disciplina dos negócios sem se desconsiderar os atos jurídicos em sentido estrito18.

18 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodoldo Pamplona. Novo curso de direito civil: Parte Geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 1. p. 347.

17FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de Direito Civil: Volume Único. 1. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 490.

16BETTI, Emílio. Op. Cit., p. 30.

ilícitos; (b) outros, diferentemente, têm à sua base, como elemento essencial (cerne), um ato humano; entre estes: (b.a) há alguns em que, embora a conduta humana lhe seja essencial à existência, o direito considera irrelevante a circunstância de ter, ou não, havido vontade em praticá-la, dando mais realce ao resultado fáctico que dela decorre do que a ela própria: são os atos-fatos jurídicos, lícitos e ilícitos; (b.b) em outros, porém, a vontade em praticar o ato não somente é relevante, como constitui o próprio cerne do fato jurídico. São os atos jurídicos lato sensu, que se subdividem em atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos e atos lícitos.” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria Do Fato Jurídico: Plano Da Existência. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 122)

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Assim explicam Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald:

O conceito de negócio jurídico ‘é relativamente recente na doutrina jurídica. Ainda que seu desenvolvimento inicial possa ser atribuído aos jusnaturalistas do século XVIII, deve-se em grande medida aos juristas alemães do século XIX, denominados pandectistas, notadamente no auge da jurisprudência dos conceitos. O direito romano não o desenvolveu, nem os direitos que o sucederam, como o português, no qual predominavam os tipos empíricos. Contudo, a doutrina foi construída mediante abstração dos elementos extraídos do direito romano. No direito brasileiro, seu ingresso se deu em meados do século XX, por influência dos autores alemães e italianos; sua consagração ocorreu em 1975, no anteprojeto do Código Civil atual’. Os alemães usam o termo Rechtsgeschäfte, criado por Ritter Hugo. O Código Civil alemão, aliás, é apontado como o primeiro a acolher, com especificidade, o conceito de negócio jurídico19.

Portanto, em sede de nossa legislação o negócio jurídico é, como acima exposto, um conceito novo, e, assim, precisa de mais desenvoltura de sua matéria, sobretudo sobre os elementos que o estruturam.

1.1 Das teorias voluntaristas do negócio jurídico

Aspecto de grande relevância também é a diferenciação entre a teoria da vontade e a teoria da declaração no âmbito dos negócios jurídicos. A doutrina, na conceituação de negócio, ora o define como ato de vontade, ora como um preceito. O primeiro estaria relacionado ao termo “autonomia da vontade”, enquanto a segunda corrente ao termo “auto-regramento da vontade”20.

O negócio jurídico é, para os voluntaristas, a mencionada declaração de vontade dirigida à provocação de determinados efeitos jurídicos, ou, na definição do Código da Saxônia, a ação da vontade que se dirige, de acordo com a lei, a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Os objetivistas concebem-no como expressão da autonomia privada. Seu

20AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. Cit., p.1-2.

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conteúdo seria preceptivo, tendo, pois, essência normativa, um poder privado de autocriar um ordenamento jurídico próprio21.

A corrente voluntarista adota a teoria da vontade interna, isto é, o negócio tem sua existência ou gênese na própria manifestação de vontade. As definições voluntaristas são as mais antigas em relação às objetivistas. Para Antônio Junqueira de Azevedo, a conceituação de negócio pela doutrina voluntarista consubstanciaria na “manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos, ou em ato de vontade dirigido a fins práticos tutelados pelo ordenamento jurídico”22. Ainda segundo o autor, o pressuposto básico da concepção voluntarista é “a vontade dos efeitos (jurídicos ou práticos) que caracteriza o negócio jurídico”23.

Fábio de Oliveira Azevedo enuncia que “a definição voluntarista ou genética leva em consideração o principal elemento do negócio jurídico, que é a possibilidade de a vontade humana regular os efeitos desejados, que é a sua perspectiva psicológica”24. O mesmo autor ainda destaca que se trata de uma concepção liberal do negócio jurídico, embasada em uma liberdade quase sem limites.

Ainda, esclarecedoras as palavras de Orlando Gomes:

A concepção voluntarista do negócio suscita questões de grande interesse prático, consistindo a principal em saber se deve prevalecer a vontade real ou a declarada, se divergentes. Predomina a opinião de que o elemento verdadeiramente provocador dos efeitos jurídicos é a vontade real. De acordo com esse entendimento, é necessário, nas expressões de Scialoja, não só que a declaração seja querida, mas, também, que seu conteúdo corresponda à intenção interior do declarante, vale dizer àquilo que realmente quis25.

25GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 271.

24AZEVEDO, Fábio de Oliveira de. Op. Cit., p. 351. 23Idem. Ibidem. p. 7.

22Idem. Ibidem. p. 4.

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Portanto, a teoria voluntarista faz prevalecer a vontade interna do agente, sua intenção, atendendo à uma perspectiva de valorização da psique, em detrimento da declaração presente no negócio.

A grande crítica à corrente voluntarista – não seria a única, porém, de grande significância – é que esta trata da perspectiva psicológica do agente, fundada no dogma da vontade, que sofreu pesada crítica de Betti26.

A corrente objetivista ou “teoria preceptiva”, como denominou Scognamiglio, tem como representantes Bullow, Henle e Larenz, na Alemanha, e Betti, na Itália. Para esta teoria, “o negócio jurídico constitui um comando concreto ao qual o ordenamento jurídico reconhece eficácia vinculante”27.

Os opositores da teoria voluntarista negam à intenção o caráter de vontade propriamente dita, sustenta que o elemento produtor dos efeitos jurídicos é a declaração. A teoria objetivista, esboçada por Von Bulow, cobrou atento na obra de autores italianos contemporâneos. No pensamento de seus adeptos, a essência do negócio jurídico encontra-se na autonomia privada, isto é, no poder de auto-regência dos interesses, que contém a enunciação de um preceito, independente do querer interno. O negócio seria ‘norma concreta estabelecida pelas partes’. Tem, na autonomia privada, seu pressuposto e causa geradora, mas, nem por isso, pode ser qualificado como preceito dessa autonomia28.

Para os objetivistas, a valorização paira na declaração, no preceito de autonomia privada, e não da vontade interna – como nos voluntaristas.

Tal é a doutrina de Emílio Betti:

Na medida em que é reconhecida pela ordem jurídica, ela não é chamada a criar, e nem sequer a integrar, qualquer norma jurídica, mas a realizar a hipótese de facto de uma norma já existente, dando vida, entre particulares, àquela relação jurídica que essa norma estabelece. Só neste sentido pode considerar-se reconhecida aos indivíduos, pela ordem jurídica, uma competência dispositiva; não no sentido de que a ordem jurídica delega neles

28GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 271. 27Idem. Ibidem. p. 11-12.

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uma parte da competência normativa, assim os transformando em órgãos seus. Bem longe de se fundar numa delegação de poderes, numa investidura do alto, a competência dispositiva dos particulares deriva do facto de a

ordem jurídica reconhecer e sancionar uma autonomia, que os próprios particulares já realizam no terreno social, nas relações entre eles.

Precisamente esta autonomia extra-jurídica, entendida como o facto social do auto-regulamento de interesses próprios, dá-nos, antes de mais, a razão do reconhecimento e da sanção por parte da ordem jurídica29.

Precursor da teoria preceptiva do negócio, Betti expõe que a vontade, como fato psicológico meramente interno, consiste em qualquer coisa, incompreensível e incontrolável, que pertence ao foro íntimo da consciência individual, apenas30. In verbis:

Só na medida em que se torne reconhecível no ambiente social, quer por declarações quer por comportamentos, ela passa a ser um facto social, susceptível de interpretação e de valoração, por parte dos consociados.

Somente declarações ou comportamentos são entidades socialmente reconhecíveis e, portanto, capazes de poder constituir objeto de interpretação, ou instrumento de autonomia privada. O facto de, na interpretação e valoração de declarações e comportamentos, não devemos deter-nos na forma exterior ou literal da conduta alheia, devendo, antes procurar descobrir-se a mens animadora, ou o sentido nela objectivado, não significa que mens e sentido se possam adivinhar, prescindindo da forma sob que se tenham tornado reconhecíveis. Só um dado objetivo, uma entidade

reconhecível, precisamente, no ambiente social, pode ser objeto de interpretação e de valoração social31.

Betti ensina que a declaração tem natureza preceptiva ou dispositiva, e, desta forma, caráter vinculativo (o que será tratado mais adiante). O comportamento concludente também dispõe deste caráter. Ressalta que a vontade, entendida não como fato psicológico individual do querer, mas como orientação concreta e tomada de posição, em relação a certos interesses, deve se tornar exteriormente reconhecível no ambiente social, para poder adquirir relevância e

31Idem. Ibidem. p. 109, grifo nosso.

30“Uma definição, ainda hoje comum na doutrina, onde se tornou translatícia por uma espécie de inércia mental, caracteriza, ao invés, o negócio como uma manifestação de vontade, destinada a produzir efeitos jurídicos. Mas esta qualificação formal, frágil e incolor, inspirada no <<dogma da vontade>>, não lhe apreende a essência, a qual está na autonomia, no auto-regulamento de interesses nas relações privadas, como facto social: auto-regulamento, portanto, que o particular não deve limitar-se a desejar, a <<querer>>, na esfera interna da consciência, mas antes a preparar, ou seja, a realizar objectivamente. (...) Nega-se, apenas, que a vontade se encontre, no negócio, em primeiro plano, e que a concordância entre os efeitos jurídicos e a função ou razão (causa) do negócio, também deva, ela própria, ser querida, como se pretende quando se postula uma vontade individual orientada para os efeitos jurídicos.” (BETTI, Emílio. Op. Cit., p. 111-114)

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obter a tutela da ordem jurídica32. Ao contrário da vontade, interna e inseparável da pessoa, incontrolável, o preceito é estabelecido, uma atitude exprimida externamente no ambiente social, e, em razão disso, verificável sem a possibilidade de equívocos.

A teoria da declaração, valorizando a vontade declarada, seria uma fase para se chegar à teoria objetivista, como enuncia Junqueira de Azevedo33.

No direito brasileiro destaca-se Antônio Junqueira de Azevedo que, em tentativa de conciliar as duas teorias – voluntarista e objetivista – criou o critério “estrutural”, para quem “negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”34.

Fábio de Oliveira Azevedo35 expõe que, para Antônio Junqueira, o negócio jurídico não consiste em um ato de vontade pura e simplesmente; é uma manifestação de vontade qualificada, a que se atribuirá o nome declaração de vontade. Quer dizer que há uma manifestação de vontade, porém, esta é cercada de certas circunstâncias, inexistentes no ato jurídico em sentido estrito, denominadas circunstâncias negociais36.

36Apesar de louvável trabalho elaborado por Antônio Junqueira de Azevedo, mais acertada é a adoção à teoria objetivista, a qual se perfilha o presente trabalho. Até mesmo o autor, ao definir o negócio, assim o faz como “todo fato jurídico consistente em declaração de vontade...”. Nota-se que, em regra, mesmo para o autor, a valorização deve ser da declaração, de forma que esta constitui o negócio, e não a vontade interna do agente. Não se pode, ao mesmo tempo, valorizar a vontade interna e a declaração. O que deve preponderar é a segunda em relação à primeira, até mesmo em atenção aos ditames da boa-fé objetiva e da segurança jurídica que norteiam o ordenamento jurídico. A teoria criada, denominada “estrutural” em muito se aproxima das teorias objetivistas, uma vez que valoriza a vontade declarada, e não o caráter psíquico do agente. A semelhança pode ser percebida em tal trecho da obra de Junqueira: “O importante na caracterização do negócio é salientar que, se, em primeiro lugar, ele é um ato cercado de circunstâncias que fazem com que socialmente ele seja visto como destinado a produzir efeitos jurídicos, em segundo lugar, a correspondência, entre os efeitos atribuídos pelo direito (efeitos jurídicos) e os efeitos manifestados como queridos (efeitos manifestados), existe, porque a regra jurídica de atribuição procura seguir a visão social e liga efeitos ao negócio em virtude da existência de manifestação de vontade sobre eles.” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. Cit., p. 19)

35Idem. Ibidem. p. 353.

34“A referência ao negócio jurídico como um poder da vontade o associa à teoria da vontade, enquanto a alusão a autorregramento o vincula à teoria objetivista. Eis aí a razão que levou Antônio Junqueira de Azevedo a ‘concluir que as duas concepções do negócio são insuficientes; impõe-se a adoção de uma terceira concepção’.” (AZEVEDO, Fábio de Oliveira de. Op. Cit., p. 353)

33Idem. Ibidem. p. 10. 32Idem. Ibidem. p. 133.

(21)

Em suma, importante é deixar claro que a teoria da vontade (Willenstheorie) sustenta que a vontade real prevalece; e a teoria da declaração (Erklärungstheorie) sustenta o contrário, que deve prevalecer a declaração feita, objetivada.

Para Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald o Código Civil atual pareceu trilhar um caminho intermediário, enunciando, no art. 112: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”37. A afirmação, porém, não é uníssona na doutrina. Ana Luisa Maia Nevares entende que o Código Civil atual, em seu art. 112, adotou a prevalência da declaração de vontade em detrimento da vontade interna, sendo expressão da teoria objetivista:

Já no Código Civil de 2002 adota-se a teoria da confiança na interpretação dos negócios jurídicos. Consoante o disposto no art. 112 deste Código, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem. Tem-se em vista não a intenção interna ou real do declarante, mas aquela consubstanciada na declaração de vontade, ou seja, aquela que emerge para o destinatário da declaração, ou, em outras palavras, aquela que é absorvida pelo destinatário da declaração38.

2 DAS DIVERSAS TEORIAS ACERCA DA ESTRUTURAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

Visto isto, quais seriam os elementos que formam e estruturam o negócio? Dito de outra forma, o que é necessário para que o negócio se forme ou exista, e nele incida a norma jurídica? A resposta guarda alto nível de complexidade e está longe de ser uníssona na doutrina brasileira e até mesmo estrangeira. No presente capítulo, expõem-se as diversas concepções sobre a estrutura do negócio jurídico, e como elas divergem entre si.

38 NEVARES, Ana Luisa Maia. O erro, o dolo, a lesão e o estado de perigo no Código Civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.) A Parte Geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 263.

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Explica Pontes de Miranda:

Ou algo entrou ou se produziu e, pois, é, no mundo jurídico; ou nêle não entrou, nem se produziu dentro dêle, e, pois, não é. (...) O ser juridicamente e o não-ser juridicamente separam os acontecimentos em fatos do mundo jurídico e fatos estranhos ao mundo jurídico. Assente que todo fato jurídico provém da incidência da regra jurídica em suporte fático suficiente, ser é resultar dessa incidência39.

O suporte fático, à que aludimos, faz referência “a algo (=fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica”40. Betti propõe o termo fattispecie para designar o suporte fático do

negócio jurídico41.

A norma jurídica, considerada no seu arranjo lógico, consta de uma previsão e de uma disposição correspondente. Isto é, prevê, em abstracto e em geral, hipóteses de facto, classificadas por tipos e, ao mesmo tempo, orientadas segundo as directivas de uma valoração jurídica – hipóteses que, em terminologia técnica, são denominadas fattispecie –, e estabelece-lhes um tratamento apropriado, relacionando com elas, através de uma síntese normativa, como se fossem <<efeitos>>, situações jurídicas correspondentes. Logo que se realiza, em concreto, um facto ou uma relação da vida social, que, enquadrado na sua moldura circunstancial, apresente os requisitos previstos e corresponda ao tipo de fatispécie contemplado, intervém a síntese, o nexo estabelecido pela norma, de um modo hipotético, entre aquele tipo de fatispécie e a correspondente disposição: isto é, produz-se a nova situação jurídica disposta em previsão42.

O que se busca identificar é o conjunto de fatos que devem estar presentes para que o negócio jurídico se forme, vale dizer, qual seria o seu suporte fático ou fatispécie. Na legislação privada brasileira não há disposição sobre tais elementos do suporte fático. Além disso, não encontram concordância na doutrina.

42Idem. Ibidem. p. 17-18.

41BETTI, Emílio. Op. Cit., p. 17-18.

40MELLO, Marcos Bernardes de. Op. Cit., p. 41.

39 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954 tomo IV, § 358, item 1, p. 8.

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Desta forma, enunciam-se, a seguir, as diversas posições dos autores, quais elementos os juristas aduzem como sendo estrutura do negócio jurídico.

Pontes de Miranda considera como elementos que configuram o suporte fático do negócio jurídico a manifestação de vontade – com finalidade negocial e consciente –, a capacidade de direito, a forma e o objeto.

Fábio Oliveira de Azevedo enuncia como elementos essenciais genéricos do negócio: o sujeito, o objeto, a forma e a declaração de vontade. O autor segue a tricotomia de Pontes de Miranda, adotando, ainda, os mesmos elementos deste, como se verá nos capítulos ulteriores.

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho elencam como elementos constitutivos do negócio jurídico a manifestação de vontade, o agente emissor da vontade, o objeto e a forma43. Tais autores adotam a divisão dos planos da existência, validade e eficácia de Pontes de Miranda.

Para Francisco Amaral, os elementos constitutivos, isto é, que compõem a estrutura do negócio jurídico, são: a vontade, o objeto, e a forma44.

José Abreu Filho, por sua vez, enuncia os seguintes elementos estruturais ao negócio jurídico: a vontade (exteriorizada por meio da declaração), a idoneidade do objeto em relação ao negócio jurídico, a causa e a forma. Esta estará presente se for da substancia do ato45.

A doutrina de Silvio Rodrigues ensina que, entre os elementos essenciais, figuram a vontade humana, revelada através da declaração, a idoneidade do objeto e a forma46.

Carlos Roberto Gonçalves, por outro lado, enuncia como requisitos de existência do negócio – os seus elementos estruturais – a declaração de vontade, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto. Faltando qualquer destes, segundo o autor, o negócio inexiste47.

47GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 1. p. 350.

46RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1. p. 171.

45FILHO, José Abreu. O Negócio Jurídico e sua Teoria Geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 111.

44AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. p. 397, apud AZEVEDO, Fábio de Oliveira de. Op. Cit., p. 355.

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Orlando Gomes, em sua obra, elenca como requisitos de existência – o autor assim os denomina – a declaração de vontade, a causa e a forma48.

Caio Mário não adota a tricotomia de Pontes de Miranda, e o respectivo plano da existência49, que aqui se destrincha. O autor segue a doutrina francesa, e trata apenas da validade do negócio, não tratando de sua existência e formação. Destaca, ainda, a causa como “elemento” dos negócios jurídicos, principalmente os bilaterais.

Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald elencam como elementos do negócio: agente capaz, objeto lícito, possível, e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Consideram os autores os elementos de validade enunciados no art. 104 do Código Civil pátrio, não considerando, portanto, elementos de existência do negócio50.

Emílio Betti estrutura o negócio a partir de dois elementos: forma e conteúdo. O primeiro consiste numa declaração ou num comportamento concludente, enquanto o conteúdo abarca o preceito de autonomia privada regulamentado pelas partes, que, recepcionado pelo ordenamento jurídico pela sua relevância social, expressa os interesses destas na realização do negócio51.

Portanto, demonstrada está a falta de unissonância dos autores em relação à estrutura e formação dos negócios jurídicos. O presente trabalho busca investigar a concepção de dois autores que, entre os citados, se destacam.

Desta forma, analisa-se nos próximos capítulos, de forma mais aprofundada, a doutrina de Pontes de Miranda, e a de Emílio Betti. Pontes de Miranda tem grande relevância na civilística brasileira, a maioria dos autores o seguem. De forma diferente deste, Emílio

51BETTI, Emílio. Op. Cit., p. 243-328.

50FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Op. Cit., p. 504-508. 49Ao contrário do que afirma Tartuce, em sua obra, para quem Caio Mário adota a teoria da inexistência do ato ou do negócio jurídico (TARTUCE, Flávio. Op. Cit., p. 230). Discordamos da afirmação, uma vez que o autor trata diretamente da validade do negócio, ignorando sua (in)existência (PEREIRA, Caio Mário da Silva.

Instituições De Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 1. p. 309-313). 48GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 363.

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Betti expõe a formação do negócio também de forma notável, que merece total consideração e destaque.

3 DA ESTRUTURAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO PELA TEORIA DE PONTES DE MIRANDA

Antes de se adentrar nos elementos que Pontes de Miranda considera como integrantes do suporte fático do negócio jurídico, insta esclarecer que o autor divide toda a lógica do negócio em planos. Assim enfatiza:

Para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão prévia. Somente depois de se afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou em invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não vale. (...) Os conceitos de validade ou de invalidade só se referem a atos jurídicos, isto é, a atos humanos que entraram (plano da existência) no mundo jurídico e se tornaram, assim, atos jurídicos52.

Para ele, a existência do negócio constitui o primeiro plano (plano da existência); a validade seria o segundo plano (plano da validade); e a eficácia estaria no terceiro plano (plano da eficácia). Estes são cumulativos, de forma que, ao se analisar o segundo plano, para dizer se o negócio é válido ou não, isto é, se incide ou não uma causa de nulidade ou anulabilidade, ele deve existir, deve ter cumprido os elementos do plano da existência53. O negócio é nulo ou anulável quando alguma regra jurídica sobre nulidade ou anulabilidade o atinge, porém entra no mundo jurídico.

53“Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter eficácia (H. KELSEN, Hauptprobleme, 14). O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é.” (Idem. Ibidem. tomo IV, § 359, item 1, p. 15)

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Ainda, os planos da validade e da eficácia são independentes. O negócio pode existir, ser inválido (nulo ou anulável), e ainda produzir efeitos – apesar de serem raras as hipóteses:

Os fatos jurídicos, inclusive atos jurídicos, podem existir sem serem eficazes. O testamento, antes da morte do testador, nenhuma outra eficácia tem que a de negócio jurídico unilateral, que, perfeito, aguarda o momento da eficácia. Há fatos jurídicos que são ineficazes, sem que a respeito deles se possa discutir validade ou invalidade. De regra, os atos jurídicos nulos são ineficazes; mas, ainda aí, pode a lei dar efeitos ao nulo54.

Muitos autores, como já exposto supra, adotam a tricotomia

existência-validade-eficácia de Pontes de Miranda. Marcos Bernardes de Mello, em sua obra Teoria do Fato Jurídico expõe sua concordância com o autor:

(...) (a) que existência, validade e eficácia são três situações distintas por

que podem passar os fatos jurídicos e, portanto, não é possível trata-las como se fossem iguais; (b) que o elemento existência é a base de que dependem os outros elementos. Essas conclusões demonstram a extrema

propriedade e utilidade da proposta de Pontes de Miranda de considerar o mundo jurídico dividido em três planos, o da existência, o da validade e o da eficácia, nos quais se desenvolveria a vida dos fatos jurídicos em todos os seus aspectos e mutações55.

Pontes de Miranda ainda critica incisivamente aqueles que confundem, de certa forma, a existência com a validade:

A súbitas, enfrentam o problema dos negócios jurídicos nulos, ou dos atos jurídicos stricto sensu nulos, que têm alguns ou algum efeito, e caem na contradição mais gritante: se o nulo não existe e se há nulo com efeitos, há efeito do que não existe e, pois, do nada. A educação lógico-matemática e física do século XX repele tais imprecisões conceptuais. Certamente, a produção de efeitos pelo nulo não ocorre sempre, é rara; mas bastaria que, em algumas espécies, surtisse efeitos o negócio jurídico nulo, ou o ato jurídico stricto sensu nulo, para se ter de admitir que o ato jurídico nulo exista, seja. Se o ser pode não produzir efeitos, efeitos não podem vir do não-ser, do nada, do inexistente. Compreende-se o esforço dos pensadores do direito para se reduzir ou eliminar essa contradição, que depõe contra a segurança racional do seu conhecimento. Em vez de procederem à distinção

55MELLO, Marcos Bernardes de. Op. Cit., p. 99, grifo nosso. 54Idem. Ibidem. tomo IV, § 359, item 1, p. 15.

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entre o inexistente e o nulo, o que a evitaria, — procuram atribuir o efeito do ato jurídico nulo a algo que estaria no seu lugar56.

Os juristas que não distinguem o não-existente e o nulo excluem a classe nula, e tropeçam com ela a cada momento, porque o direito, histórica e sistematicamente, alude a ela. Ao pretenderem tratá-la como sinônimo de não-existente cometem ter todos não operam excluem a classe nula, e tropeçam com ela a cada, êrro de lógica (confusão entre “nulo” no sentido de não ter todos os elementos componentes, de modo que os que tem não operam, e “não-existente”)57.

Constata-se que o autor estabelece uma lógica quase matemática do negócio, sistematizada58.

Superados estes esclarecimentos, reporta-se para o objeto do presente trabalho, isto é, analisar o suporte fático necessário para a formação do negócio. No presente Capítulo, a doutrina de Pontes de Miranda.

3.1 Da manifestação de vontade negocial e consciente

Em sua obra, logo em seu prelúdio do Tomo III do Tratado de Direito Privado, Pontes de Miranda enuncia o primeiro elemento do suporte fático do negócio jurídico, a manifestação de vontade, bem como expõe sua aproximação à teoria objetivista, distinguindo a manifestação de vontade do próprio negócio, nos seguintes termos:

58 “Para ser deficiente, é preciso que exista. O que não existe nem é válido, nem inválido: não entrou, ou já não está, no mundo jurídico. Revela pouco estudo de lógica e, mais ainda, da estrutura dos sistemas lógicos, pensar-se que, se há o conceito de inexistência, êsse há de estar no mundo jurídico: e seria cometer o êrro inverso, — em vez de se forçar a inserção do nulo no inexistente, forçar-se-ia a inserção do inexistente no nulo, trazendo-se aquêle para o mundo jurídico.” (Idem. Ibidem. tomo IV, § 360, item 2, p. 19)

Fábio de Oliveira Azevedo, seguindo a tricotomia de Pontes de Miranda, assim a explica de forma bastante satisfatória: “O negócio jurídico equipara-se, ilustrativamente, a um edifício. No primeiro andar está a existência do negócio jurídico. No segundo, está a validade. E no terceiro reside a eficácia. Não é possível erguer o segundo e terceiro andares sobre o nada, o que torna o primeiro pavimento um pressuposto lógico e necessário dos demais. Mas os três não são andares sequenciais, pois é possível passar diretamente do primeiro ao terceiro, ou daquele para o segundo. O que não se admite é a ausência do primeiro andar, pois se assim fosse o segundo e o terceiro ‘flutuariam’, o que é inconcebível para a engenharia, e igualmente para o Direito. Mas, apesar dessa autonomia para “pular andares”, a ordem natural, porém, é subir do primeiro (existência) ao segundo andar (validade), finalmente alcançando o terceiro (eficácia).” (AZEVEDO, Fábio de Oliveira de. Op. Cit., p. 354) 57Idem. Ibidem. tomo IV, § 358, item 17, p. 14.

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A manifestação de vontade é elemento essencial do suporte fático, que é o negócio; com a entrada dêsse no mundo jurídico, tem-se o negócio jurídico.

Daí o êrro de se identificarem manifestação de vontade, que é acontecimento do mundo fático, e negócio jurídico, que é juridicização do suporte fático (manifestação de vontade + x + incidência da lei). Há

manifestações de vontade que entram no mundo jurídico sem produzirem negócio jurídico. Tão-pouco, precisa ela, para produzir negócio jurídico,

ser “clara” (= declarada)59.

No trecho acima, o autor começa a expor acerca da importância da vontade declarada, isto é, a relevância da declaração – em detrimento da vontade interna60.

Ainda, em aproximação à teoria objetiva, que se infere do seguinte trecho:

A constituição de negócios jurídicos só se permite dentro dos limites legais. A respeito de muitas relações, não é possível, juridicamente,

negociar-se. Posso contar com o voto de A que me prometeu; não há entre nós negócio jurídico. Prometi a B visitá-lo todos os anos, à data do seu aniversário; não negociei isso, no plano jurídico. Mas C, que é músico, pode negociar os seus serviços para a data do aniversário de B, em dois, ou mais anos seguidos. O pai de D não pode renunciar ao pátrio poder; nem pode o tutor ceder a tutela. Quando nada pode a vontade dos figurantes, ou do figurante único, há cogência da lei (ius cogens). Se ficou branco, em que a vontade deles, ou dêle, se pode inserir, a técnica jurídica legislativa assume atitude menos enérgica: ou edicta regras jurídicas que incidam, se nada se introduziu de vontade, ou edicta regras jurídicas que resolvam as dúvidas sôbre a vontade, ou nada edicta para encher o branco. Se houve vontade, interpreta-se; se não houve, continua o branco. É de notar-se que a permissão da escolha entre negócios jurídicos, ou a própria constituição de negócio jurídico, já é deixar algo à vontade. (...) Só há efeitos jurídicos se a regra jurídica os determina, atribuindo-os ao fato jurídico. Nos negócios jurídicos,

ainda quando êsses efeitos são queridos pelo figurante, ou pelos figurantes, fora, portanto, dos que resultam de terem querido o negócio jurídico em si-mesmo, a vontade só produz efeitos se a regra jurídica o estabeleceu, isto é, se deixou no figurante ou figurantes branco para auto- regramento. O branco, que a lei deixa, é interior ao negócio jurídico,

de modo que é a lei mesma que estatui: “O que, no branco, deixado à autonomia da vontade, fôr querido tem eficácia”. Onde essa regra jurídica explícita ou implicitamente não existe, a vontade não tem efeitos. A vontade

só tem efeitos porque é elemento de suporte fático que se torna fato jurídico e é esse que irradia eficácia. Fala-se de efeito da vontade por

60 Vale transcrever a disposição contida no Código Civil Português, que segue a mesma linha de raciocínio: “ARTIGO 245º (Declarações não sérias) 1. A declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece de qualquer efeito. 2. Se, porém, a declaração for feita em circunstâncias que induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade, tem ele o direito de ser indemnizado pelo

prejuízo que sofrer.” Disponível em:

<http://www.cm-cascais.pt/sites/default/files/anexos/gerais/codigo_civil_atualizado_ate_a_lei_59_99_.pdf>. Acesso em 14 de novembro de 2017.

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abreviação. O que há é efeito do negócio jurídico, ou do ato jurídico stricto sensu, ou do ato ilícito, em cujo suporte fático está a vontade61.

O autor expõe que, quando os interessados escolhem o negócio, o escolhem por conhecerem, anteriormente, seus efeitos legais, bem como por saberem quais os efeitos “queridos” que podem determinar62.

A declaração de vontade, portanto, é um elemento do negócio jurídico, mas ela pode se dar de algumas formas diversas: traz-se à baila a distinção entre declaração de vontade e manifestação de vontade ou ato volitivo adeclarativo. Defende o autor que “não seria de admitir-se que não produzissem negócio jurídico atos humanos adeclarativos, em que há vontade de negócio”63. Para ele, não se poderia dizer que não há negócio jurídico em manifestações de vontade, ou atos volitivos adeclarativos, isto é, que não consubstanciam declaração de vontade, quando aqueles expressam vontade de negociar, por exemplo: na aceitação da herança, na aceitação da oferta pelo consumo da mercadoria, o uso da coisa vendida a contento, entre outros citados pelo ilustre autor. Complementa ainda que, alguns atos adeclarativos são tão próximos a declarações de vontade que se consideram, juridicamente, como declarações de vontade tácitas, como no exemplo da revogação do testamento pela destruição. Nas declarações de vontade tácitas há intenção de comunicar a vontade e, nelas, a lei ou as circunstâncias garantem que essa intenção existe. Se a própria manifestação de vontade dá resposta sobre qual seja o seu conteúdo, diz-se expressa. Fora daí, é tácita64.

Em suma, haveria a diferenciação ainda entre os atos volitivos adeclarativos e as declarações de vontade tácitas. Aqueles são sem declaração, posto que manifestem vontade; e estes têm declaração silente, como a propósito da revogação do testamento ou mandato por

64 R. HENLE, Ausdruckliche und stillschweigende Willenserklarung, 30 s. apud PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. Cit., tomo III, § 249, item 2. p. 4-7.

63Idem. Ibidem. tomo III, § 249, item 2. p. 5. 62Idem. Ibidem. tomo III, § 253, item 4. p. 47-48.

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destruição. “No ato volitivo adeclarativo, o ato é indício de vontade, talvez de vontade de negócio; na declaração de vontade tácita ou pelo silêncio, ainda o é, mas há o plus de declaração de vontade, embora sem palavras”65. Neste ponto, Pontes de Miranda se opõe a Andreas von Tuhr, jurista e professor russo-alemão para quem as declarações de vontade silentes são espécies da classe dos atos volitivos adeclarativos66.

Assim, o elemento estrutural da vontade pode se dar por meio de declaração expressa, por manifestação (ato volitivo adeclarativo) ou declaração tácita67.

Paulo Lôbo, em texto publicado em revista jurídica eletrônica, assim conclui:

Tomando posição na controvérsia que dividiu os juristas, entre teoria da vontade (voluntarismo) e teoria da declaração (objetivismo) no negócio jurídico, Pontes de Miranda afasta os voluntarismos e os subjetivismos (tema de uma de suas obras, publicada em alemão, Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, 1922), optando pela manifestação de vontade como dado objetivo, exteriorizado, reconhecível pelo direito. A manifestação de vontade é o elemento nuclear do suporte fático do negócio jurídico, que o identifica e individualiza, sendo gênero do qual são espécies a manifestação tácita ou silente e a manifestação expressa, ou ainda, a declaração da vontade e a manifestação simples (manifestação adeclarativa, v.g. a aceitação da herança, a derrelicção e a revogação do testamento pela destruição). No conflito entre a vontade, em si, e a exteriorizada, esta deve prevalecer68.

Em sequência, superada as distinções, o autor deixa claro que o importante para saber se a declaração de vontade ou o ato volitivo adeclarativo pode ser suporte fático do negócio jurídico é definir se a vontade, que se declara, ou que se manifesta contém a de estabelecer o negócio jurídico ou o suporte fático deste. Deve haver vontade de negócio, e sem ela este não há. Há de existir vontade de negócio e não só declaração de vontade, não sendo essencial a receptividade. Por exemplo, o testamento é negócio jurídico, sendo suporte fático a declaração

68 LÔBO, Paulo. Autorregramento da vontade - um insight criativo de Pontes de Miranda. Revista Jus Navigandi, Teresina/PI, 5 de outubro de 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25357>. Acesso

em: 30 de julho de 2017.

67Porém, nem todos os atos volitivos adeclarativos, e nem todas as declarações de vontade, podem servir como suporte fático de negócios jurídicos. Por exemplo, a restituição do penhor, é ato volitivo adeclarativo, porém não configura negócio; ou a declaração de vontade ao confessar-se ao padre, não sendo suporte fático da convenção negocial.

66Idem. Ibidem. tomo III, § 249, item 2. p. 4-7.

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de vontade; e assim o é mesmo que não haja intuito inicial de divulga-lo. O que se conclui que a declaração de vontade pode ser sem destinatário imediato69.

Marcos Bernardes de Mello, autor que segue a doutrina de Pontes de Miranda enuncia que “A intenção negocial — intenção de realizar negócio jurídico — constitui, como a consciência de negócio, elemento do núcleo do suporte fáctico dos negócios jurídicos”70.

A manifestação de vontade de negócio deve ser, ainda, consciente, por exigência da teoria do autorregramento da vontade, que deriva da autonomia privada. O elemento “consciência”, pois, é essencial à declaração de vontade ou manifestação da vontade71. Não deve ser considerada, por exemplo, uma vontade externada em estado de hipnose.

Assim expõe o autor:

De modo que é suporte fático do negócio jurídico assim a declaração de vontade como o ato volitivo (adeclarativo), desde que a vontade, que ali se “declara” e aqui se “indicia”, seja a de negociar (=concluir negócio jurídico). Se falta a manifestação da vontade, o negócio jurídico é nenhum; resta saber se é nenhum quando falte a consciência da exteriorização da vontade de negócio, ou a consciência de que do ato seria inferida a vontade de negócio. (O problema nada tem com o do êrro, porque êsse concerne ao conteúdo do negócio jurídico: a anulabilidade segundo o art. 86-91 só se dá se o declarante, ou agente do ato volitivo adeclarativo que é suporte tático do negócio jurídico, não quis declaração ou manifestação dêsse conteúdo que lá está)72.

Pontes de Miranda problematiza ainda se a falta de consciência seria capaz de retirar a existência da vontade e, consequentemente, do negócio.

Conclui a problemática com duas conclusões: a falta de vontade de negócio – finalidade negocial – exclui a existência da declaração de vontade ou da manifestação de vontade (ato a declarativo) para compor suporte fático do negócio jurídico, isto é, não há negócio jurídico; e, além disto, a falta de consciência da exteriorização da vontade de negócio

72Idem. Ibidem. tomo III, § 249, item 3. p. 7-8.

71PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. Cit., tomo III, § 249, item 3. p. 7-8. 70MELLO, Marcos Bernardes de. Op. Cit., p. 45.

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exclui a existência da declaração de vontade, ou da atuação de vontade (ato volitivo adeclarativo), para compor suporte fático de negócio jurídico.

Pode afirmar-se, desta forma, o primeiro elemento de existência na concepção de Pontes de Miranda: a declaração de vontade – expressa ou tácita – ou o ato volitivo adeclarativo – manifestação de vontade –, em que a vontade que se declara ou que neste se indicia seja negocial, com a finalidade de concluir o negócio jurídico, bem como consciente.

No que tange à complementação da manifestação de vontade, quando omissas ou obscuras, Pontes diferencia as normas jurídicas em regras jurídicas dispositivas e regras jurídicas interpretativas73.

Vale ainda breve abordagem sobre o que Pontes intitula de “Auto-Regramento da Vontade”. Em sua definição, “é o espaço deixado às vontades, sem e repelirem do jurídico tais vontades (...) o nome que se dá à possibilidade de se fazer elemento nuclear do suporte fático, suficiente para tornar jurídicos atos humanos, a vontade”74. Em suma, é como se denomina a possibilidade de se fazer que a vontade integre o suporte fático do negócio jurídico, isto é, tornando jurídico o que seria ato humano.

Nesta parte da obra, o autor se remonta aos limites legais que tratamos acima, expondo que “somente dentro de limites pré-fixados, podem as pessoas tornar jurídicos atos humanos e, pois, configurar relações jurídicas e obter eficácia jurídica. A chamada “autonomia da vontade”, o auto-regramento, não é mais do que ‘o que ficou às pessoas’”75. Pontes adverte que não se deve denominar “autonomia privada”, no sentido de auto-regramento de direito

75Idem. Ibidem. tomo III, § 255, item 1. p. 55-56. 74Idem. Ibidem. tomo III, § 254, item 1. p. 54-55.

73“Por vezes, é preciso que o conteúdo e o futuro da eficácia do negócio jurídico sejam previstos claramente; dai a técnica legislativa adotar a) regras jurídicas dispositivas, regras jurídicas ‘preenchentes”, que tomem o lugar das manifestações de vontade que deveriam ter sido feitas num ou noutro sentido e não no foram, e b) regras jurídicas interpretativas, que sirvam, na dúvida, para se entender o que foi que quiseram os manifestantes obscuros. Regras jurídicas somente para os casos em que se não haja adotado alguma declaração, ou manifestação, — as regras jurídicas dispositivas nada sofrem com ficarem sem incidência. Elas mesmas se marcaram esses limites. São normas para se encher vazio de declaração ou de manifestação de vontade. As regras jurídicas interpretativas nada dispõem: resolvem dúvida, que o próprio manifestante deixou.” (Idem. Ibidem. tomo III, § 250, item 1. p. 8-9)

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privado, porque excluiria qualquer auto-regramento da vontade em direito público, o que seria falho. “O que caracteriza o auto-regramento da vontade é poder-se, com êle, compor o suporte fático dos atos jurídicos com o elemento nuclear da vontade. Não importa em que ramo do direito”76.

3.2 Da capacidade de direito

O segundo elemento do plano da existência enunciado pelo autor é a capacidade de direito e, podemos interpretar como agente. Explica que, sendo a capacidade de direito pressuposto necessário comum a todos os atos jurídicos, gênero no qual o negócio é espécie, é também pressuposto deste, por ser subclasse daquele77.

Capacidade de direito é a aptidão oriunda da personalidade, para adquirir os direitos na vida civil. Distingue-se da capacidade de fato, que é a aptidão para utilizar e exercer os direitos por si mesmo78. Toda pessoa é dotada de capacidade de direito, mas nem toda de capacidade de fato. A primeira, pressuposto fático do negócio, é decorrente e está intimamente ligada à personalidade, que se adquire ao nascimento com vida79. “Como toda pessoa tem personalidade, tem também a faculdade abstrata de gozar os seus direitos”80.

A falta de capacidade de direito, isto é, de agente – a este atribuída a personalidade -torna o negócio inexistente. Pontes ainda destaca que, a falta de capacidade civil -torna o suporte fático deficiente, e faz nulo ou anulável o negócio jurídico81, enquanto que, a falta de

81“A capacidade civil, especialmente a capacidade para os negócios jurídicos (capacidade negocial), o poder de disposição, a procuração etc., são elementos do suporte fático e acompanham todas as declarações ou manifestações de vontade, sem que a falta deles ou de algum deles exclua a suficiência do suporte fático: só o torna deficiente. E.g., o negócio jurídico do louco é nulo, e não inexistente. A alienação do bem móvel, com a 80PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 162.

79“A capacidade de direito, de gozo ou de aquisição não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de despi-lo dos atributos da personalidade. Por isso mesmo dizemos que todo homem é dela dotado, em princípio. Onde falta esta capacidade (nascituro, pessoa jurídica ilegalmente constituída), é porque não há personalidade.” (Idem. Ibidem. p. 162)

78PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 162. 77Idem. Ibidem. tomo III, § 251, item 1. p. 10. 76Idem. Ibidem. tomo III, § 255, item 1. p. 56.

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capacidade de direito – ou, para aprimorar a clareza, de agente, ou pessoa – determina a inexistência do negócio. Faltando o pressuposto da capacidade de direito, o negócio não seria apenas deficiente, mas insuficiente o suporte fático82.

A capacidade de direito, portanto, estaria dentro do núcleo do suporte fático, juntamente com a manifestação de vontade – já mencionada – e, a capacidade civil, bem como o poder de disposição são complementares do núcleo. As manifestações de vontade complementares, como o assentimento do responsável legal, servem à validade a sua falta determinará a anulabilidade do negócio. Assim expõe:

A capacidade civil e o poder de disposição são pressupostos subjetivos, complementares do núcleo; o assentimento de terceira pessoa (do pai ou tutor do menor relativamente incapaz, do cônjuge para alienação ou gravame de bens particulares seus), não: nem é pressuposto subjetivo, nem é declaração ou manifestação de vontade núcleo do suporte fático; faz parte do suporte fático como condicio iuris e a sua falta dá ensejo à anulabilidade (simples deficiência do suporte fático). Quem presta o assentimento não é negociador, é pessoa anexa ao negócio jurídico. Não se deve dizer, sequer que é “parte anexa”, — é figurante anexo. Os Códigos Civis e Comerciais costumam tratar dos atos volitivos dos pais, tutôres, curadores, cônjuges etc., ao mesmo tempo que dos pressupostos; isso de modo nenhum os faz pressupostos: a manifestação de vontade do menor relativamente incapaz

é parte do suporte fático, núcleo, ou não, dêle; a sua capacidade civil é pressuposto subjetivo (parte não-volitiva do suporte fático); a assistência (= prestação de assentimento) do titular do pátrio poder ou do tutor é manifestação de vontade complementante e das outras declarações ou manifestações de vontade. A sua presença serve à validade; a sua falta determina anulabilidade do negócio jurídico. Por onde se vê que, fora do

82 Marcos Bernardes de Mello, ao dispor sobre o elemento subjetivo do suporte fático – o sujeito de direito, assim enuncia: “Os fatos jurídicos pressupõem uma necessária referibilidade a sujeitos de direito, porque sua eficácia (jurídica) se liga, essencialmente, a alguém ou a algum ente, inclusive a conjunto patrimonial, a que o ordenamento jurídico outorga capacidade de direito. A eficácia jurídica, seja qual for sua natureza — constitutiva, modificativa, extintiva, qualificante —, diz respeito a algum sujeito de direito. Mesmo as normas jurídicas que não criam direitos, pretensões, ações e exceções, mas, apenas, dispõem sobre possibilidades de titularidade de direitos, pretensões, ações e exceções (e. g., art. 1.263 do Código Civil), têm como pressuposto sujeito que lhes venha a ser titular. Seria sem sentido fato jurídico que não se referisse a algum sujeito de direito. Por esse motivo, os suportes fácticos são integrados, sempre, por elemento subjetivo (indicação de certo sujeito de direito), mesmo quando não esteja explícito, caso em que deve ser pressuposto. Na configuração de cada

suporte fáctico, portanto, é necessário considerar, como dado completante de seu núcleo, o elemento subjetivo que o compõe, não se podendo tê-lo concretizado se o sujeito não existir ou, se existir, não for aquele previsto pela norma.” (MELLO, Marcos Bernardes de. Op. Cit., p. 50-51, grifo nosso).

tradição, pelo que não tem poder de disposição, é nula; a venda, a troca, ou outro contrato sobre o bem móvel, pelo não-proprietário, ou por pessoa que não tem o direito de disposição, é ineficaz para a alienação.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. Cit., tomo III, § 251, item 4. p. 11-12)

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