POPULAÇÃO ATINGIDA POR BARRAGENS E POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO
DO ASSENTAMENTO MAMEDER RODER – CHAPADA DOS GUIMARÃES; MT –
BRASIL.
Adriano Sebastião Lucas dos Santos – Universidade Federal do Mato Grosso. geonegro10@yahoo.com.br
Josiane Gonzaga Ferreira – Universidade Federal do Mato Grosso. Onelia Carmem Rossetto – Universidade Federal do Mato Grosso.
oneliarossetto@terra.com.br
Simone Schreiner – Universidade Federal do Mato Grosso. rsschreiner@yahoo.com.br
Introdução - Objetivos
A construção da Usina Hidrelétrica do rio Manso no município de Chapada dos Guimarães-MT, este município localizado entre as coordenadas Latitude Sul 15°17’25 “e Longitude Oeste 55°48’15”, pertencente a mesorregião do Centro Sul Mato-grossense e a microrregião de Cuiabá foi um processo caracterizado por muitas polêmicas, principalmente no que concerne a relocação da população atingida direta ou indiretamente pela barragem.
Em 1987, a Eletronorte ressalta a inexistência de núcleos urbanos na área e a predominância das grandes propriedades inexploradas ou exploradas por moradores não proprietários, identifica também 53 imóveis rurais na área do reservatório e 48 a jusante da barragem. Foram encontradas também referências a comunidades especiais que ali residiam. Este termo refere-se aos posseiros ou meeiros onde constatou-se a presença de 23 propriedades e 84 pessoas (UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS, 2001).
A base econômica das comunidades era a agricultura de subsistência, seguida pela pecuária de cria e pelo garimpo. Os principais produtos cultivados eram a mandioca, o arroz, o milho, a banana e o feijão destinados à subsistência. A região de garimpos abrangia a localidade de Água Fria e áreas do rio Quilombo, onde existiam 93 propriedades que extraiam diamantes, totalizando 181 pessoas, essas localidades eram denominadas de “comunidades de mineiros” (UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS, 2001).
Com a construção da hidrelétrica, parcela da referida população foi indenizada e alguns habitantes das comunidades foram relocados para assentamentos da região, entre eles o Assentamento Mameder Roder, área de estudo da presente investigação. Com as novas condições de moradia ocorreram transformações substanciais na base econômica, relações de trabalho e no modo de vida. Diante do contexto descrito, este artigo apresenta como objetivo analisar a atuação das instituições públicas no que concerne às linhas de crédito e assistência técnica à população relocada, a fim de amenizar o impacto econômico resultante da construção da barragem.
Referencial Teórico
A produção camponesa baseada na propriedade / posse de pequena porção de terra, não pode ser compreendida, apenas pelo modelo capitalista de produção, onde a principal forma de quantificação do trabalho é o valor monetário pago por ele, porem na agricultura familiar a exploração do trabalho assalariado é de pequena importância, pois é praticada em certas épocas do ano, geralmente na época da colheita ou do plantio, sendo o principal objetivo da agricultura familiar a sobrevivência do seu modo de vida. (Neves, 1995).
A polarização das concepções sobre a diversidade das formas de organização pressupõe ainda que as unidades de produção agrícola operem como um sistema coeso e coerente de representações e atitudes e de imposições de regras e de princípios. E como a gravidade de essas regras e princípios serem construções ou revelações de suas opções políticas e ideológicas. A unidade familiar de produção se torna então o lócus da utopia de resistência ao sistema capitalista. Seus detentores, a partir de tal postura, orientam-se pela contraposição ao lucro e ao enriquecimento, numa das tendências vista como obrigatória; e pela fuga ao assalariamento, na outra. Ela então se torna a trincheira de resistência às leis do mercado, a proletarização e a submissão às regras da empresa. (NEVES, 1995).
Segundo Neves (1995), estudo da propriedade camponesa e sua integração ou não no interior do sistema capitalista de produção deve ter em conta que o principal objetivo do produtor familiar é sobreviver do seu trabalho juntamente com auxilio da família, eventualmente ele vende o excedente de sua produção, no entanto primeiramente ele volta seus esforços para a reprodução de sua força trabalho.
(...) a caracterização da unidade familiar de produção pauta-se num sistema classificatório construído a partir de adjetivações dicotomizados, cujo termo contraposto é a unidade capitalista de produção agrícola ou empresa capitalista. Submissas a uma perspectiva de raciocínio dualista, tipológico e ordenador (homogeneizador) da heterogeneidade, as valorizações das características de cada unidade fundamenta-se na descontinuidade e na polaridade. A contraposição por vezes é tão acentuada que o conhecimento de um pressupõe a caricaturação do outro; ou o seu desconhecimento como forma específica de organização da produção.
Assim, à unidade capitalista são atribuídas características como: trabalho assalariado, apropriação de mais-valia, reprodução ampliada, ações orientadas pela perseguição do aumento da produtividade e da rentabilidade. À unidade de familiar de produção, trabalho familiar, a forma de resistência sobre a apropriação de excedentes via mercado (NEVES, 1995).
De acordo com Oliveira (1991), os agricultores familiares na busca da reprodução de sua força de trabalho e manutenção do seu modo de vida, se submetem as regras de mercado para vender o excedente das suas colheitas, porém os valores auferidos com a comercialização, quase sempre, são destinados a aquisição de produtos os quais eles não produzem.
Outra questão fundamental nos estudos sobre a produção camponesa é a distinção do movimento na circulação entre esta e a produção capitalista. Na produção capitalista temos para definir seu movimento a formula D-M-D na sua versão simples e D-M-D’ na sua versão normal, ampliada portanto. Enquanto na produção camponesa estamos do movimento expresso na formula M-D-M. pó conseguinte, a lógica da
produção camponesa esta assentado na formula simples de circulação de mercadorias, onde se tem a conversão de mercadoria em dinheiro e a conversão de dinheiro em mercadoria, ou seja, vender para comprar. (OLIVEIRA, 1991, pág.52).
Sobre as políticas publicas aplicáveis a questões agrárias a Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil, tem no capítulo III, da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, nos artigos 184 á 191, leis aplicáveis ao assunto Agrário. Onde o Governo Federal através de órgãos competentes como o INCRA, dispõem vários programas e projetos na área da agricultura familiar. Entre eles citamos o Programa Nacional de Credito Fundiário, sendo este responsável pelo mecanismo de acesso à terra que contribui para a ampliação e consolidação da agricultura familiar, com ações complementares do Plano Nacional de Reforma Agrária, buscando resultado direto da criação de ocupações produtivas permanentes para as famílias beneficiadas, o aumento da renda e a conseqüente melhoria das condições de vida da população rural.
As políticas publicas também visam capacitação e apoio técnico para os agricultores, através do órgão estadual, a Empaer, (Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural S/A) e financiamentos através do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Procedimentos Metodológicos
Para a realização deste trabalho, utilizou-se de levantamento bibliográfico, juntamente com a observação assistemática, individual e em equipe como uma das principais técnicas para coleta de dados em campo, dando ênfase a forma qualitativa, buscando sempre o entendimento da realidade. Segundo Lakatos, “a observação utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste em apenas ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar” (2001, p.107). Utilizando-se na maioria das vezes de entrevistas semi-estruturadas e em alguns momentos a não-estruturada, individual e coletiva, com a finalidade de verificar a atuação dos órgãos públicos no assentamento dos atingidos pela barragem da usina Hidrelétrica do Manso, sempre tendo em vista a opinião dos moradores. Conforme Lakatos, a entrevista “é uma conversação efetuada face a face, de maneira metódica: proporciona ao entrevistador, verbalmente, a informação necessária” (2001, p.107).
A realidade do Assentamento
Conforme analise das entrevistas e dos depoimentos dos moradores do assentamento localizado no município de Chapada dos Guimarães-MT, estes atingidos pela construção da Usina Hidrelétrica de Manso e relocados por Furnas, notou-se uma enorme diferença no modo de vida antes e depois do assentamento, ou seja, da relocação.
Antes da construção da Usina Hidrelétrica os moradores viviam da agricultura de subsistência, a chamada agricultura familiar, plantando o suficiente para o seu consumo. visava somente o sustento das famílias, onde apenas o excedente da produção era vendido para aquisição de outros produtos não cultivados, sem que houvesse uma percepção de lucros no processo de comercialização dos eventuais excedentes, era apenas para o sustento da família e a mão-de-obra utilizada era familiar. Arroz, milho, feijão, mandioca, banana, eram os principais produtos cultivados, alem da pecuária, pesca e garimpo feitas aleatoriamente.
Essa diferença e queda na base econômica é relacionada também ao solo, pois este é muito arenoso, com pouca fertilidade, não sendo possível à prática da agricultura de subsistência ou familiar, pois estes agricultores não possuem condições de adquirir produtos para a correção e melhoramento do solo, para torná-lo fértil.
Outro aspecto importante era a interação social que os moradores possuíam entre si, quando ocupavam a área da barragem. Esta interação que foi rompida com a relocação feita por Furnas a qual não levou em conta a relação de vizinha, parentesco e amizade que existia entre os moradores, pois foram relocados em locais distantes uns dos outros.
Através dos relatos dos moradores, constatou-se que antes da construção da barragem as terras não eram delimitadas, não existiam as chamadas “cercas”, os moradores apenas tinham a noção de localização e tamanho de sua propriedade. No entanto, o agricultor fazia sua roça onde achava mais propicio ao cultivo de sua produção, dentro deste espaço que julgava ser sua propriedade, podendo assim, extrapolar sua produção em terras vizinhas. Para o cultivo da produção eram feitas os chamados “mutirões”, onde todos da comunidade ajudavam uns aos outros.
A maioria dos moradores entrevistados não possuía o titulo da terra, no local da construção da barragem, eram terras cedidas pelos proprietários, e que a ocupação pelos pequenos agricultores era histórica, ou seja, passada de geração a geração.
Moradia dos pequenos agricultores atingidos pela Usina Hidrelétrica do Manso, assentamento Mameder Roder.
Fonte: Vasconcelos, 2004
Com a relocação cada família passou a receber uma indenização que varia entre R$ 1.670,00 até 5.00,00, pelas suas terras e/ ou benfeitorias, juntamente com 15 hectares de terra e casa de alvenaria por Furnas. Observamos também que os relocados não receberam o titulo desta terra e atualmente recebem uma ajuda de custo de um salário mínimo por mês, mas não sabem até quando irão receber essa ajuda. O grande problema dessa relocação é que a terra destinada aos relocados não é produtiva, como afirmam os moradores: “a terra aqui nem compara como a de antes”.
Ao questionarmos sobre as linhas de credito, pudemos perceber que todos os pequenos agricultores têm acesso às linhas de credito para financiamento da produção. Dentre as quais, destaca-se o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), mas, no entanto, muitos deles não querem obter os financiamentos, pois a terra não é produtiva e a colheita não pagaria o empréstimo.
Segundo os agricultores, a assistência técnica não é satisfatória, e com a agravante do solo que é de péssima fertilidade. Essa terra seria produtiva se houvesse uma correção de solo e tecnologia (para irrigação e plantio), para o qual os pequenos agricultores não dispõem recursos.
Os técnicos da EMPAER orientam os agricultores a plantarem apenas mandioca, devido às condições do solo. Este órgão responsável pela assistência, com orientação aos agricultores não incentiva o plantio de outras culturas. Isso é mais uma evidencia da impossibilidade de fazer uma agricultura familiar de subsistência na terra onde foram relocados. Aqueles agricultores que receberam a linha de credito do PRONF, aplicaram na produção conforme orientação dos técnicos, sendo que estes fiscalizam e acompanham o andamento da produção. Estas linhas de incentivos, na
realidade dos pequenos agricultores, acabam sendo uma utopia como no caso do assentamento Mamede Roder, mesmo com o apoio dos mesmos as famílias, que antes da relocação produziam o suficiente para sua sobrevivência e após o assentamento não conseguem produzir o necessário para o consumo da família.
Após a relocação, as condições de vida dos pequenos agricultores agravaram-se de forma significativa, pois o que cultivam não é suficiente para o sustento da família, o que obriga os membros da mesma a buscarem outras alternativas de renda, servindo como trabalhadores assalariados em fazendas vizinhas ao assentamento e ate mesmo indo para a cidade. A segurança alimentar destes agricultores esta ameaçada, pois não conseguem cultivar a quantidade e diversidade necessária de alimentos para o auto consumo das famílias, como exemplo temos o consumo do peixe, alimento tradicional entre os moradores, este que era farto antes da relocação, e agora foi extinto, pois a pesca no lago foi proibida devido a decomposição de muitas espécies vegetais comprometendo à qualidade da água.
Considerações Finais
A relocação das famílias acabou prejudicando-as, devido as condições do solo e da forma que foram relocadas. Houve uma ruptura das comunidades existentes, onde haviam laços de amizade e uma convivência quase familiar entre vizinhos.
Através da luta do pequeno agricultor pela reforma agrária e reivindicações de melhorias no campo, deu-se inicio ao processo de mudança.Onde foram criadas instituições, políticas publicas e projetos como o PRONAF, PRONERA, estes direcionados a melhoria da agricultura familiar e com isto fortalecer a economia brasileira.
Estas linhas de incentivo, na realidade de pequenos agricultores, acabam sendo umas utopias como no caso do assentamento Mameder Roder, onde mesmo com o apoio deste programas não conseguem fazer seu plantio por causa da baixa fertilidade do solo.
Portanto percebemos nos relocados (pequenos agricultores) um sentimento de revolta com a situação, porem essa revolta é acompanhada de uma resignação em lutar por uma nova área que se assemelhe nos aspectos produtivos à antiga área que ocupavam, isso os levou a se unirem através da filiação ao MAB (Associação dos Atingidos por Barragens), para lutarem por suas reivindicações. Fica claro que existem leis a favor da agricultura família, inclusive salientando os benefícios que esta pratica traz ao meio ambiente, no entanto as ações do governo não seguem na mesma linha de pensamento, pois o que houve na construção da Usina Hidrelétrica de manso, foi à destruição de agricultores familiares e ecossistemas preconizando o desenvolvimento. Mas existem outras formas de criação de energia para o desenvolvimento. Nos parece que o capitalismo selvagem engoliu a agricultura familiar no caso de Manso, assim como vem dizimando ao longo do processo histórico.
Referências Bibliográficas
APROVEITAMENTO MÚLTIPLO DE MANSO – Programa 06 – Monitoramento das condições de erosão. Relatório nº 13520/Cópia 2 sobre as condições de erosão, transporte sólido e sedimentação a montante e a jusante do reservatório – Campanha de águas altas de 2000/01. Sondotécnica, 17/07/2001.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Cientifico: Procedimentos Básicos, Pesquisa Bibliográfica, projeto e Relatório, Publicações e Trabalhos Científicos. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2001.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Novo Retrato da Agricultura Familiar: O Brasil Redescoberto. Brasília, 2000. NEVES, Delma Pessanha. Agricultura Familiar: Questões Metodológicas. In: Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, N° 2 e 3, Vol. 25, mai a dez 95.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991. UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS; INSTITUTO GOIANO DE PRÉ-HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA – IGPA. Projeto de levantamento e resgate do patrimônio histórico cultural da região UHE-Manso/MT. A paisagem e o patrimônio arquitetônico da região. Goiânia, agosto de 2001-a. Vol. I. Relatório final.