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GT X Direito Administrativo, Direitos Fundamentais e Políticas Públicas. Modalidade da apresentação: Comunicação oral

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Academic year: 2021

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GT X – Direito Administrativo, Direitos Fundamentais e Políticas Públicas Modalidade da apresentação: Comunicação oral

AS AGÊNCIAS REGULADORAS NOS ESTADOS UNIDOS E NO BRASIL: UM ESTUDO COMPARADO ACERCA DO PODER NORMATIVO

RESUMO: As agências reguladoras brasileiras foram inspiradas no modelo

estadunidense. O artigo objetiva analisar as diferenças e similaridades entre os institutos dos dois países não apenas como um fim em si mesmo, mas também com o propósito de trazer uma reflexão crítica acerca da necessidade de mudanças a partir de um estudo comparado tangencialmente ao poder normativo. Ao passo que as agências americanas têm mais liberdade e um histórico mais afeto à dinamicidade, à eficiência e ao surgimento de um capitalismo avançado, as agências reguladoras, no Brasil, mesmo que inspiradas no instituto norteamericano, adaptaram-nas às especificidades e à cultura locais. Estiveram, aqui, relacionadas, sobretudo, à necessidade organização do aparelho estatal. Desvendar-se-ão, assim, os limites e os benefícios incorporados ao instituo brasileiro, as diferenças e similaridades com o estadunidense e o que se pode aprender com ele, tema que é de vital importância frente às reformas do estado e as discussões oriundas a partir daí.

Palavras-chave: Agências reguladoras. Estudo comparado. Poder normativo.

1 INTRODUÇÃO

Há pouco tempo apenas, o termo “regulação” estava ausente do vocabulário do Direito Administrativo brasileiro. Todavia, nos dias atuais, além de ser reiteradamente utilizado, tem provocado discussões e fomentado estudos em seus mais diversos aspectos.

Um deles é justamente a questão do poder normativo das denominadas agências reguladoras. No caso do Brasil, foram inspiradas no processo regulatório que ocorreu nos Estados Unidos anteriormente, acarretando a criação das

regulatory agencies.

Diante desse panorama, o presente artigo se propõe a analisar a introdução das agências reguladoras norte-americanas no ordenamento jurídico pátrio, observando, inclusive, as conjunturas sociais, políticas e jurídicas vigentes nos dois países na época em que foram propícias à adoção de um modelo regulatório, para, ao final, se realizar um estudo comparado entre os poderes normativos das agências

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brasileiras e norte-americanas e elaborar sugestões de mudanças no arranjo institucional brasileiro.

O tema se revela de grande relevância, tendo em vista o crescente desenvolvimento da atividade normativa da Administração Pública brasileira, principalmente após a “Reforma do Estado” ocorrida nas últimas décadas do século passado, bem como as inúmeras polêmicas as quais vêm sido suscitadas sobre o grau de autonomia desses entes reguladores.

Nesse intento, serão analisadas, primeiramente, algumas nuances das agências reguladoras norte-americanas e brasileiras, pretendendo o presente estudo contribuir para esse debate doutrinário, analisando-se a organização das agências norte-americanas como uma forma de legitimar o poder normativo conferido a esses entes do Executivo e, por conseguinte, dar-lhe mais eficiência.

2 AGÊNCIAS REGULADORAS NO DIREITO NORTE-AMERICANO

2.1 Aspectos históricos das agências reguladoras independentes norte- americanas

Nos Estados Unidos, as primeiras Agências Reguladoras Independentes foram criadas na segunda metade do século XIX para dar início a funções que compreendiam o planejamento e execução de algumas políticas que demandavam preparação técnica especializada de altíssimo nível à resolução de conflitos jurídicos e técnicos, que não poderiam ser abordados com igual solvência por instâncias judiciais. (ROJAS, p. 183, 2033).

As agências, nesta senda, surgiram do esforço americano em não submeter os setores públicos e as atividades econômicas às manipulações políticas e eleitorais, visando à regulação dos próprios – já que não cabe ao Estado intervir na economia, a sua base de atuação nessa esfera ocorre traduzida na regulação (BARCELOS, 2008, p. 38). Além disso, resultaram da busca incessante por um modelo político institucional que mantivesse a burocracia do Estado à margem dos grandes grupos empresariais (LOURENÇO, 2003, p. 44).

Em 1887, foi criada a Interstate Commerce Comission (ICC), como administração competente no âmbito federal, para regular o crescente setor ferroviário e foi a ela concedida faculdades que a doutrina logo denominaria como

cuasilegislativas e cuasijudiciales (ROJAS, 2003, p. 183) A ICC tornou-se o modelo

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O aparecimento das agências reguladoras, outrossim, fez parte do

Progressive Movement, dentro da Progressive Era. Conforme preceitua LOURENÇO

(2003, p. 46), os integrantes dessa corrente progressista imaginavam um sistema de administração mais livre, ao menos de maneira parcial, de interferências que comprometessem a sua eficiência. As agências reguladoras surgem neste contexto, em conformação com os princípios da Common Law e com a mentalidade prática do povo americano1.

Ademais, uma ingerência presidencialista de forma desmesurada veio a culminar na célebre sentença Humprey’s Executor v. United States, em que a Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade do sistema administrativo das agências reguladoras independentes (ROJAS, 2003, p. 185).

A partir daí, não poderia o Presidente destituir livremente os cargos de direção das agências administrativas federais quando essas agências desempenhassem funções de natureza quase legislativa, isto é, regulação e quase judiciária, ou seja, resolução de conflitos técnicos. Para ROJAS (2003, p. 186), a Suprema Corte, em 1935, inaugurava o grande momento da instituição, que durou até meados do século XX.

Na década de XX, o modelo tradicional das agências reguladoras independentes, oriundo da sentença Humprey’s Executor v. United States, viria a sofrer duras críticas. A criação de algumas agências reguladoras advindas de leis muito genéricas, dando, assim, amplas faculdades a essas agências, foi um dos fatores predominantes para os questionamentos acerca do poder concedido a elas.

A saída para a debilidade das concepções tradicionais das agências reguladoras independentes foi a adoção mais preponderante de um novo critério, a fim de manusear de forma mais acertada as competências outorgadas a elas, havendo três grandes transformações: a) transformações parlamentares; b) transformações judiciais; c) e transformações administrativas (ROJAS, 2003, p. 189- 190).

As transformações parlamentares traduzem-se na supressão de algumas agências reguladoras consideradas intocáveis, como a Civil Aeronautics Board

1

Além disso, a política do New Deal, que surge frente à profunda depressão econômica vivenciada pelos Estados Unidos, previa ampla intervenção do Poder Público no que tange a aspectos econômicos e sociais. Assim sendo, seria necessária a criação de órgãos especializados nas mais diversas questões, para deles tratarem com a especificidade demandada (LOURENÇO, 2003, p. 59).

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(CAB) e a Interstate Commerce Comission (ICC), cujas faculdades transferiram-se a Surfase Transportation Board (STB) (ROJAS, 2003, p. 190-191); as transformações

de origem judicial aconteceram através de dois elementos: a inversão da linha argumentativa; e o relaxamento da tradicional rigidez com que se apreciam as causas legais restritivas das faculdades presidenciais no que tange à remoção dos altos cargos das agências independentes. (ROJAS, 2003, p. 190).

No que se refere à primeira dessas transformações, isto é, à linha argumentativa, não se parte mais do princípio que as agências reguladoras devem ser sempre defendidas da intervenção presidencial, pois que já se consolidaram enquanto instituição salvaguardando, a um primeiro momento, as competências presidenciais para dirigir, planejar e executar a política pública, diante da intervenção das agências reguladoras (ROJAS, 2003, p. 191); a segunda transformação de origem judicial é a própria consequência da primeira alhures mencionada, havendo, por conseguinte, uma evolução jurisprudencial relativa ao relaxamento da rigidez presidencial para remover altos cargos das agências reguladoras, em virtude de situações antes desconhecidas, como a frequente e gravíssima discrepância entre as políticas presidenciais e as formuladas ou executadas pelas agências reguladoras2 (ROJAS, 2003, p. 191)

2.2. Organização das agências reguladoras norte-americanas e poder normativo

Apesar desse longo processo de maturação, os Estados Unidos não dispõem em sua constituição de uma disposição sobre as agências reguladoras. No

Administrative Procedure Act, de 1946, seu §557 a denominação de agências

reguladoras é extremamente vaga, apenas assegurando que se configuram nesta acepção, as autoridades do governo dos Estados Unidos, passível ou não de revisão por outra agência, mas que não incluem o: (a) Congresso, (b) a corte dos Estados Unidos, (c) o governo dos territórios ou possessões dos Estados Unidos, (d) 2

As transformações de ordem administrativa deram-se pela submissão voluntária das agências reguladoras às Executive Orders governamentais. Esse acatamento das agências torna as cláusulas das Executive Orders vinculantes, o que significa uma mudança radical, principalmente após os governos de Reagan e Clinton (ROJAS, 2003, p. 192). Talvez as Executive Orders 12.991 e 12.498, respectivamente de 1981 e 1985, tenham sido as mais importantes nesse sentido. A 1291 deu restrições à regulação normativa das agências reguladoras, à medida em que estas deveriam ter seus projetos de regulação aprovadas pelo governo, por meio da Office of Management and Budget, agência executiva ligada ao governo; a 12.498, por sua vez, estabeleceu um regulatory planning process, solicitando às agências reguladoras uma projeção anual de seus planos reguladores, para assegurar sua adequação às políticas presidenciais (ROJAS, 2003, p. 192).

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o governo do distrito de Columbia (...), entre outros3, não havendo um conceito delimitado do que sejam as agências reguladoras nos Estados Unidos.

Para LOURENÇO (2003, p. 52), o fato de os Estados Unidos pertencerem a um sistema de Common Law faz com que eles estejam menos preocupados com definição e mais atentos aos resultados práticos das agências reguladoras. Conceitos mais delimitados, assim, dos institutos são mais escassos se comparados ao contexto e à sistemática brasileiros. Diante da nebulosidade conceitual, uma extensa variação de termos vem a definir as agências reguladoras: departments,

comissions, boards, bureaus, oficies, services ou administrations4.

A Constituição Americana, de toda senda, na seção 8, do art. I, cl. 18, aduz que o Congresso pode elaborar leis necessárias ao exercício dos poderes que a Constituição concede ao Governo dos Estados Unidos. Entretanto, tal dispositivo seria muito vago para entender a forma como são compreendidas as agências reguladoras nos Estados Unidos5.

Assim, as leis editadas pelo Congresso é que especificam a organização e programação de cada agência. Como essas leis são pertencentes ao sistema de

common law, as leis passam a ser consideradas direito quando os Tribunais

elucidam a matéria e, não raro, o entendimento dos próprios é utilizado para resolver conflitos internos (BARCELOS, 2008, p. 31).

Os setores da economia relevantes para o desenvolvimento da sociedade, tais como transporte terrestre e aéreo, gás, energia elétrica, comunicação, mercado de investimentos, relação de trabalho e práticas de comércio, passam a ser objeto de disciplina específica para regulação dessas áreas específicas (BARCELOS, 2008, p. 41).

Para BARCELOS (2008, p. 42), as agências reguladoras estadunidenses detêm poderes compreendidos genericamente em três: a) poder de licença, ou seja, poder para controlar o ingresso e exercício de determinada atividade econômica, como a exploração de rádio e televisão; b) poder de fixar taxas e impostos (rate-

making); c) poder sobre práticas comerciais – autoridade para permitir ou não

3

In: ESTADOS UNIDOS. Act nº 293, de 1946. Administrative Procedure Act.

4

A tarefa supervisora e reguladora dessa instituição americana tem dado uma ampla cobertura aos sistemas de defesa do mercado e competição justa, como o ICC, FTC, em particular o setor bancário – BFRGS, FDIC, OCC – ao setor da bolsa de valores (bursátil) – SEC -, assim como no campo das comunicações – FCC -, da energia – FERC, NRC, as relações de trabalho – NRLB -, a defesa dos direitos dos consumidores – CPSC – e a proteção ao meio ambiente – EPA (ROJAS, 2003, p. 180).

5

In: ESTADOS UNIDOS. Constituição (1787). Constituição nº -, de 1787. The Constitution Of The

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práticas empregadas em certos negócios, como práticas de comércio ou trabalho desleais.

No direito americano, assim, as agências reguladoras são entidades criadas por lei – a qual define sua autoridade, estrutura e fins -, e, no exercício de seu poder regulatório ou adjudicatório, elas incidem sobre direitos e obrigações de particulares e determinando, nesta senda, aspectos da ordem econômico-social. Por não fazerem parte do Poder Legislativo nem do Poder Judiciário, configuram-se como instrumento de relevância para o Estado, na medida em que atuam realizando as políticas estatais baseando em standards e assegurando a tecnicidade de suas decisões. (BARCELOS, 2008, p. 43).

Conforme já visto, as agências reguladoras têm o poder para editar regras e regulamentos com força de lei, a fim de regular setores econômicos importantes, o que é denominado de rulemaking power, que, ao longo dos tempos, consolidou-se no direito administrativo norte-americano, a partir das decisões dos Tribunais e também dos trabalhos doutrinários a respeito.

A definição de rulemaking é dada pela APA – Administrative Procedure Act, segundo a qual o “rule making” significa formular, emendar ou revogar uma regra (tradução livre). Ainda, de acordo com a APA, “rule” significa toda ou parte de um estatuto da agência de aplicabilidade geral ou particular cujo efeito é implementar, interpretar ou prescrever lei ou política, ou descrever a organização, procedimento, ou requerimentos de uma agência e inclui a aprovação ou prescrição para taxas futuras, remuneração, estruturas financeiras ou corporativistas ou reorganização dos próprios, preços, vantagens, aplicações ou abonos, responsabilidade fiscal, custos, avaliação de empresas, ou práticas apoiadas em algumas das previamente citadas6. Como se vê, o conceito de rule, como objeto do rulemaking, é bastante amplo, principalmente no que se refere às matérias passíveis de regulação. De forma genérica, entretanto, pode-se afirmar que rule, no direito administrativo estadunidense, é um preceito de aplicabilidade geral ou particular e de efeitos futuros, elaborado por uma agência, de acordo com determinado procedimento, objetivando orientar condutas e ações (BARCELOS, 2008, p. 66)7.

6

In: In: ESTADOS UNIDOS. Act nº 293, de 1946. Administrative Procedure Act.

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Para CUSTOS (2006, p. 619, 2006), o rulemaking power pode ser definido como a autoridade para editar regras e regulamentos. Além disso, tal autor vai mais além e diz que o APA, em sua definição de rulemaking, elenca regulações que não alteram a esfera legal das que fazem, porém ambas estão inseridas na concepção de rulemaking.

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Assim, existem alguns tipos específicos de rules: (a) regras legislativas (legislative rules), que têm força e efeito de lei; (b) regras não legislativas (nonlegislative rules), que não têm força de lei8; (c) as regras interpretativas (interpretative rules) – regras e enunciados emitidos a fim de informar o público acerca da intepretação de determinadas leis e regras legislativas sob sua legislação e, assim, não podem impor novas obrigações aos particulares e, em princípio, não têm força vinculativa em relação a eles; (d) policy statements, advertir o público sobre o modo como vai executar seus atos; (e) regras procedimentais – regras da organização interna das agências. (BARCELOS, 2006, p. 67)9

A fonte do rulemaking power é a legislação. Cada estatuto dá uma específica gama de poderes para dada agência. A concessão do rulemaking power não existe em todo estatuto. E mesmo que haja essa concessão, o Congresso deve dar poderes para a elaboração de regras sem força de lei. (CUSTOS, 2006, p. 619)

Por sua vez, esse poder tem sido comparado, de maneira quantitativa e qualitativa, ao poder do Congresso Americano, quando este exerce competência para legislar. O número de regras e regulamentos editados pelas agências tem superado, assim, o número de leis editadas pelos legisladores. No que tange ao aspecto legislativo, percebe-se que as disposições oriundas das agências estabelecem padrões de condutas que pouco se diferem daqueles sujeitos ao Poder Legislativo (BARCELOS, 2008, p. 67).

Para CUSTOS (2006, p. 619), o aumento do rulemaking power tem direta relação com o fato de o Congresso ter muito recorrentemente empregado linguagem ambígua, vagamente se referindo à autoridade para promulgar regras e regulamentos, que podem ou não, potencialmente, adentrarem na própria esfera do Congresso.

Há controvérsias acerca dessa delegação de funções às agências americanas porque não há previsão constitucional fazendo referência a ela. Além disso, parece quebrar o princípio da separação dos poderes.

A saída para esse problema foi a aceitação, como já mencionado em tópico anterior, de funções “quase legislativas” às agências, não violando assim a 8

Esses dois primeiros tipos de regras inserem-se no que a doutrina convencionou de chamar de substantive rules.

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Essa classificação tem fins práticos, uma vez que somente as regras legislativas e não legislativas exigem a publicidade dos seus atos no Federal Register, diferentemente das demais (BARCELOS, 2006, p. 68).

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separação clássica dos poderes. Entretanto, a tendência da jurisprudência norte- americana tem sido a de reconhecer a maioria das delegações de poder legislativo às agências reguladoras – conforme orientação dada pela Suprema Corte desde 1935, isto é, desde que não interfira em direitos pessoais (BARCELOS, 2008, p. 70).

3 AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 Escorço histórico do surgimento das agências reguladoras no Brasil

Apesar da sua origem romano-germânica, o Direito Administrativo brasileiro importou seu modelo de regulação estatal dos Estados Unidos, país integrante da família da commom law, como visto anteriormente.

Contudo, como afirma BINENBOJM (2008, p. 252-253), as razões que levaram à adoção de um modelo organizativo de agências reguladoras no Brasil se diferenciam dos motivos utilizados para justificar a criação das agências reguladoras norte-americanas, haja vista que sua implantação se desencadeou do processo de reformulação do modo de intervenção do Estado na economia (a “Reforma do Estado”), iniciado na década de 1990, oriundo das ideias liberais adotadas pelo governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, com fins de se superar a crise econômico-gerencial que vigorou no país durante a década de 1980.

Assim, a partir da década de 1990, por meio de alterações legislativas importantes que liberalizaram a economia e efetivaram a desestatização, o modelo de Estado que intervia forte e diretamente na economia foi substituído pelo de Estado regulador, que passou a intervir na economia de forma indireta, com a atração do setor privado, sobretudo o capital internacional, para investimento nas atividades econômicas de interesse coletivo e serviços públicos (BINENBOJM, 2008, p. 272).

De acordo com MEDAUAR (2003, p. 249), embora decretos de 1981, 1985 e 1988 previssem a transferência de empresas estatais para o setor privado, somente a partir da Lei 8.031/1990 (substituída, posteriormente, pela Lei nº 9.491/1997), que criou o Programa Nacional de Desestatização – PND, foi transferida à iniciativa privada, de maneira significativa, atividades que o Estado realizava de maneira onerosa e ineficiente, com o objetivo de diminuir o déficit público e reparar a situação financeira governamental.

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Tal fato propiciou, a partir de 1996, o surgimento de autarquias especiais com a nomenclatura específica de “agências reguladoras”, dotadas de mecanismos de garantia institucional que lhes permitissem controlar os novos prestadores de serviços, tendo em vista o risco fatal de abuso de poder econômico por parte de pessoas privadas (CARVALHO FILHO, 2015, p. 510-512).

Vale salientar que a Constituição de 1988, em seu art. 174, já apontava expressamente que o Estado deveria atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, mas também passou, posteriormente, por diversas alterações legislativas no sentido de promover a abertura da economia ao capital estrangeiro (Emendas Constitucionais nºs 6/1995, 7/1995, 36/2002) e atenuar os monopólios estatais (Emendas Constitucionais nºs 5/1995, 8/1995, 9/1995) cabendo, então, a essas agências relevante função de controle dos serviços e atividades exercidos sob o regime da concessão e aplicação de sanções a particulares (OLIVEIRA, 2015, p. 103-104).

Nesse ínterim, vários fatores são indicados por MEDAUAR (2003, p. 260) para explicar a “agencificação”, tais quais: a necessidade de regulação estatal em virtude da liberalização de mercados e da transferência da execução de serviços públicos ao setor privado; necessidade de relações mais diretas entre a Administração e sociedade civil; importância de descentralizar o poder, gerando um Estado rede totado de centros decisionais diversificados; a necessidade de adotar medidas em favor de uma pluralidade de modelos organizacionais, juntando-se ao modelo de ministérios o modelo das administrações autônomas e agências reguladoras; um movimento geral de deslegalização, a fim de transferir ao Executivo a disciplina de matérias até então privativas de lei votada pelo Parlamento; a necessidade de conferir estabilidade a regras que afetam o mercado, as quais não ficariam sujeitas a mudanças em decorrência de alternância dos comandos políticos; e, por fim, a necessidade de afastar das pressões político-partidárias certas atividades preponderamente técnicas.

Como observa OLIVEIRA (2009, p. 167), a Constituição Federal não exigiu ou optou expressamente pelo modelo das agências norte-americanas, mas abriu a possibilidade de o legislador adotá-lo, como de fato ocorreu a partir de 1996, com a criação de algumas agências reguladoras, instituídas mediante lei específica.

Ressalte-se que, por opção do constituinte derivado, e ao contrário do que sucedou no direito norte-americano – em que não fora alterada a Constituição de

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1787, deixando a cargo do legislador sua previsão e dos Tribunais a conformação de seu sentido com as normas constitucionais –, apenas duas das agências passaram a ter assento constitucional: a ANATEL (art. 21, XI) e a ANP (art. 177, §2º, III). As demais têm respaldo na legislação infraconstitucional (BARCELOS, 2008, p.52)10.

Tecidas essas breves considerações, há de se verificar um aparente paradoxo, posto por OLIVEIRA (2015, p. 105), pois enquanto nos Estados Unidos as agências se multiplicaram no momento de fortalecimento do Estado, no qual se imperava um modelo abstencionista, no Brasil, as agências foram instituídas em um período de diminuição do intervencionismo estatal, em que antes vigia um modelo intervencionista11.

3.2 Aspectos estruturais: o regime especial das agências brasileiras e seu poder normativo

Como visto, as agências reguladoras foram introduzidas no Brasil sob a forma de autarquias e, consequentemente, com personalidade jurídica de direito público. Estão sujeitas, assim, ao mandamento do art. 37, XIX da Constituição e sua criação e extinção somente poderá se dar mediante lei específica (MOREIRA NETO, 2003, p. 36-37).

A estas foi atribuída um regime especial, com a função principal de controlar a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação, nas palavras de CARVALHO FILHO (2015, p. 511), “aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização”.

Consoante OLIVEIRA (2015, p. 113), a especialidade do regime das agências, que as diferenciam das demais autarquias, pode ser resumida a três 10

CARVALHO FILHO (2015, p. 512) aponta ainda a existência de outras agências instituídas no âmbito de diversos Estados, havendo também notícia de entes reguladores municipais (ex: Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Campo Grande – Agereg), tendo em vista ser lícito a Estados, Distrito Federal e Municípios criar suas próprias agências autárquicas quando se tratar de serviço público de sua respectiva competência, cuja execução tenha sido delegada a pessoas do setor privado, sendo indispensável, no entanto, que a entidade seja instituída por lei, como impõe o art. 37, XIX, da CFRB.

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Pode-se apontar, então, como semelhança entre os dois processos regulatórios, a procura pelo ponto médio ideal de regulação: a regulação leve (light intervention), o que justifica o fato do paradoxo ser apenas aparente, uma vez que o processo de desestatização acarretou uma aproximação das circunstâncias político-econômicas brasileiras e norte-americanas (OLIVEIRA, 2015, p. 105).

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aspectos, dentre os quais os seguintes: i) autonomia normativa, visto que pode editar normas técnicas; ii) autonomia administrativa reforçada, traduzida na impossibilidade de recurso hierárquico impróprio e pela estabilidade fortalecida dos dirigentes, especialmente em razão dos mandatos a termo, não coincidentes com os mandatos dos Chefes do Poder Executivo, bem como pela impossibilidade de exoneração ad nutum de seus dirigentes; c) autonomia financeiro-orçamentária, fortalecida com a instituição de receitas próprias (“taxas regulatórias”) e de envio de proposta orçamentária ao Ministério ao qual estão vinculadas.

Tais autonomias conferidas às agências brasileiras, segundo DUARTE JÚNIOR (2013, p. 93), deriva da necessidade de haver a imunidade em relação às pressões externas para o êxito e neutralidade na sua atuação, como também foi um meio de convencer os investidores externos de que as questões políticas estariam fora do jogo econômico, o que garantiria maior segurança quanto ao novo modelo de gestão.

Ato contínuo, das características que vêm sendo atribuídas às agências reguladoras, a que mais suscita controvérsias é sua grande autonomia normativa no âmbito do setor regulado, uma das funções mais expressivas que desempenha. Assim, diferentemente do caso norte-americano, persistem fortes controvérsias na doutrina brasileira sobre a real dimensão do poder normativo das agências reguladoras do país, ou seja, de seu poder de produzir normas jurídicas, no exercício das funções que lhe são cometidas por lei (BARCELOS, 2008, p.71).

Embora o fim almejado seja o de retirar do âmbito político e transferir ao corpo técnico da agência a atribuição para normatizar a atividade regulada, há a corrente, defendida por notáveis doutrinadores como BANDEIRA DE MELLO (2013, p. 177) e BINENBOJM (2008, p. 277-290), a qual afirma ser inconstitucional o poder normativo amplo das agências reguladoras, pois haveria uma violação aos princípios constitucionais da separação de poderes e da legalidade, sendo vedada a criação de direito e obrigações por meio de atos regulatórios editados com fundamento em delegação legislativa inominada, tendo em vista que o texto constitucional só estabeleceu a possibilidade de exercício do poder normativo primário no Executivo nas hipóteses de medidas provisórias (art. 62 da CRFB) e leis delegadas (art. 68 da CRFB). Consideram, portanto, que os atos normativos das agências são infralegais e restringem-se à sua organização e funcionamento interno.

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Por outro lado, doutrinadores como CARVALHO FILHO (2016, p. 621-622) perfilham que há constitucionalidade do poder normativo técnico ampliado reconhecido às agências reguladoras, respeitados, por óbvio, os parâmetros (standards) legais. Entende o autor que, na verdade, não há transferência do poder legiferante a órgãos ou pessoas da Administração, mas tão somente o poder de estabelecer regulamentação sobre matéria de ordem técnica, que, por ser muito específica, não poderia estar disciplinada por lei, o que teria respaldo no fenômeno da deslegalização, conceituado, por MOREIRA NETO 2003, p. 60-61), como “a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias do domínio da lei, para atribuí-las à disciplina das agências”.

Conforme OLIVEIRA (2002, p.159), essa polêmica é consequência da tentativa de adaptação para nosso sistema de um orgão regulador que é adequado ao sistema jurídico administrativo anglo-saxônico, o qual não corresponde ao modelo brasileiro. Um aspecto diferenciador do nosso sistema frente ao norte- americano é a regulamentação das leis ser feita por decreto presidencial e não por ato normativo da agência reguladora12. Essas diferenças de concepção entre os modelos brasileiros e norte-americanos suscitam críticas no sentido de que as agências não seriam incorporáveis pelo ordenamento jurídico brasileiro. Fica assim, para o intérprete, a clara necessidade de se realizar uma análise acerca do poder normativo das agências reguladoras no Direito norte-americano, para se verificar como elas realmente devem se enquadrar à realidade do ordenamento jurídico nacional.

4 CONCLUSÕES

Os Estados Unidos possuem uma Constituição aprovada no ano de 1787, que privilegia o princípio da separação de poderes e cria um sistema de controles mútuos, chamado de checks and balances, mas não há qualquer referência às agências reguladoras. O mais próximo que se pode obter de um conceito das agências reguladoras independentes dos Estados Unidos está presente no APA –

Administrative Procedure Act, de 1946, que, longe de definir o instituto, apenas o

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Tal fato implica admitir que qualquer limitação do legislador no processo pelo qual o Presidente regulamente a lei acarreta violação ao princípio da divisão de poderes, diferentemente do que sucede nos Estados Unidos, em que as agências reguladoras são autorizadas, por delegação expressa do Poder Legislativo, a agir com poderes tipicamente legislativo e judicial dentro de sua área de jurisdição.

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trata a partir de um viés negacionista; da mesma forma, o direito brasileiro também não possui um conceito legal a respeito do tema. Além disso, sequer possui legislação específica sobre as agências reguladoras, havendo apenas a previsão constitucional de apenas duas agências reguladoras, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – a Agência Nacional de Petróleo – ANP. As demais baseiam-se em leis infraconstitucionais.

As agências reguladoras estadunidenses pertencem a um contexto de florescimento do capitalismo e necessidade de dinamicidade das relações econômicas, as quais demandavam respostas rápidas e conhecimento técnico. No Brasil, o surgimento do instituto coaduna-se com a necessidade de aparelhamento do Estado e intervenção indireta na economia.

O rulemaking power estadunidense tem sido fruto de controvérsias entre os estudiosos americanos. Entretanto, a jurisprudência local tem entendido no sentido de conservar os poderes legislativos das agências reguladoras. No caso brasileiro, as agências têm um poder muito restrito se comparado ao instituto americano, devendo apenas realizar atividades administrativas dentro dos parâmetros legais: o poder normativo das agências americanas configura-se na possibilidade de editar regras e regulamentos com força de lei, ao passo que as brasileiras têm poder para regular a atividade econômica determinado em lei específica.

Dessarte, as agências reguladoras no Brasil acabam por pecar em termos de eficiência, pois a adoção do princípio da legalidade ampla impede que, em casos específicos, as agências tenham a última palavra em casos complexos e, ainda, que possam legislar com muito mais presteza que o próprio Congresso. Modificações constitucionais no que tange à limitação do poder regulamentar fazem-se necessárias, dada a dinâmica na qual as agências reguladoras devem atuar, atingindo um patamar de liberdade e, por conseguinte, de eficiência.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

BARCELOS, Cristina. O poder normativo das agências reguladoras no direito norte-americano e no direito brasileiro: um estudo comparado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado) em Direito. Porto Alegre,

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