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contos e poemas que não deveriam ser esquecidos na gaveta
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contos e poemas que não deveriam
ser esquecidos na gaveta
Mariana Pimenta
Para o meu vô, este e
todos os próximos.
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Sobre o livro - Extração
Não há como delegar tal função. Sou eu quem tenho que escre-ver esta introdução, que prefiro chamar de extração. Para mim é como a que fazem com o pré-sal, algo tão profundo que há dúvidas se deveriam mexer por ali.
Ao mesmo tempo que sei que preciso publicar estes textos, para que novos possam ocupar meus cadernos e gavetas, sei também que pertencem às trevas, à escuridão da caixa fechada. E por isso é início. É o meu início, que como muitos outros, é torto, es-tranho. Há quem prefira esconder este lado primário, de apren-diz, de muitos erros e alguns acertos. Eu resolvi mostrar. Está tudo aqui, público e gratuito, para quem quiser ler.
Este é o meu ponto de partida, de um caminho que espero que seja longo. Aqui começo para seguir melhorando. Aprendi a escrever em uma escola positivista e na ficha, todos os dias, copiava, mais de uma vez, o lema da escola que virou um man-tra na vida, às vezes até inconsciente: “Melhor do que ontem, pior que amanhã”.
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Este livro é o meu ontem que permite o meu hoje ser melhor e o meu amanhã ainda mais promissor. Apesar dos defeitos que hoje vejo, enxergo ainda mais qualidades quando o releio. Esta-rei mentindo se disser que não me orgulho de ter escrito o que publico aqui. São histórias e poemas escritos com o coração, que nasceram como gritos de um desejo sufocado. Hoje busco um caminho de priorizar a literatura como foco de trabalho.
Quando escrevi estes textos, costumava dar muito ouvido à voz que me diz sempre que escrever literatura é perda de tempo. Mas de quando em vez acontecia um terremoto e precisava pa-rar tudo e escrever. Vinham como o magma quente que emerge do núcleo da Terra para a superfície, em busca de ar para seguir queimando toda e qualquer resistência que encontrar. Quem nasce assim não merece viver trancado num armário.
Foram textos escritos em momentos de entrega a uma paixão proibida e adormecida, para quem sabe ler com o coração. Se este é o seu caso, é com muita alegria que te convido para co-nhecer como foi o meu início.
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Não gosto de falar de mim na terceira pessoa, e pra quê fin-gir que sou outro escrevendo sobre mim? Eu sou movida por histórias. Sejam reais, imaginárias ou fantásticas, elas me fas-cinam desde sempre. Ler, ouvir, escrever e contar histórias é o que eu faço de melhor. Nestes momentos, minha concentração é total, meu coração bate mais forte, meus sentidos ficam em alerta, entendo o sentido de estar viva.
Não fui dessas crianças empreendedoras, mas na Faculdade de Jornalismo, descobri que eu queria empreender. Mal for-mei e virei sócia do meu namorado em uma microempresa de produção de conteúdo para web e TV, a Nenhum Destes, que temos até hoje.
Sou uma empreendedora criativa, que une jornalismo, literatura e marketing digital para contar suas histórias. Sou apaixonada por cães, principalmente as minhas. Moro em Lagoa Santa/MG por escolha e daqui saio para morar na praia ou no Uruguai.
Início
17
Dois
21
O
emprego 29
O mundo que construímos
39
Duque, o cão plebeu
43
Piloto
de
Drift
49
Após
a
morte
57
Suíte
Presidencial 63
Se
nada
prestar 75
Domingo
77
Neusa 79
Paixão
é
dor
81
Diálogo
83
Concreto
85
Fim
de
tudo 87
Momento
89
Para os professores de Literatura
91
Poesia
amadora 93
Tudo que quero é lhe entender
95
Mente
demente 97
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Início
A
s batidas na porta são ensurdecedoras. O som da grande mão esmurrando a porta de madei-ra antiga ecoa pelo corredor e domina o apartamento de um cômodo. Ele tenta não se mover. Ajoelhado ao lado da cama pensa nas aulas de ioga. Respiração len-ta e profunda. Porém a ansiedade faz com que perca o ritmo. Inspira cada vez mais ar que fica preso em seu corpo. Todo o cuidado é pouco na hora de sol-tar o ar dos pulmões, ninguém pode ouvi-lo. As bati-das continuam, nenhuma voz. Mas sabe muito bem quem está do outro lado da porta. Fecha os olhos e consegue ver o grande homem de calças jeans, cami-sa estampada e relógio de borracha no pulso direito batendo insistentemente na porta com os dedos fe-chados, como socos, sozinho no corredor escuro. Já não sabe há quanto tempo ele está ali, mas alguma coisa lhe diz que ele vai desistir. O suor escorre de sua testa. mas não limpa, não pode se mexer, lembra dasinício - contos e poemas que não deveriam ser esquecidos na gaveta
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brincadeiras de estátua quando era criança, nunca foi bom nisso, agora é diferente.
Olha o despertador sobre a cômoda, são 23:58, em dois minutos ele irá tocar. O que fazer, ir até lá e desligar ou deixar acontecer? E se ele ouvir os passos? Agora as batidas estão mais espaçadas. Barulho e silêncio se misturam no ambiente. Continua imóvel, abre e fe-cha os olhos lentamente. O silêncio domina o quarto. Ouve passos no corredor, parece que desistiu. 23:59. Levanta-se sem sair do lugar, antes que dê o primeiro passo ouve um chute na porta. Agacha.
O homem de calças jeans e blusa preta com estampa vermelha do Che vira-se e vai até o elevador. Aper-ta o botão que acende uma luz vermelha. VolAper-ta pro apartamento 1.001 e chuta a porta. O elevador está no sexto andar. Vai para a frente da porta do elevador. De repente ouve um barulho. Espera para ver de onde vem. O barulho continua, parece uma sirene de des-pertador. Volta-se para o corredor. São varias portas
maripimenta.me
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de madeira grossa e antiga alinhadas dos dois lados do corredor. Anda até o apartamento 1.010, o último. Definitivamente o barulho vem do inicio do corredor. Para diante das portas 1.001 e 1.002. Encosta o ouvi-do na porta ouvi-do 1.002 e depois na porta que acabara de bater. É, o despertador vem deste apartamento. O elevador já chegou. Resolve ficar, mas não faz baru-lho. Afasta-se e espera. Se desligarem quer dizer que tem alguém lá.
O apartamento 1.003 abre a porta. Sai uma senhora com os cabelos atrapalhados e uma roupa de dormir. Ela olha para o homem parado ao lado de sua porta. Ele a cumprimenta.
_ Boa noite.
Ela não responde. Passa pelo homem e bate duas ve-zes na porta do apartamento 1.001. Sem resposta. _ É, acho que esse rapaz se mudou daqui e esqueceu o despertador. Toda noite é a mesma coisa. Daqui a dez
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minutos pára. Amanhã vou conversar com a síndica sobre esse incomodo. O senhor não imagina como esse som invade meu apartamento.
A mulher entra em seu apartamento e fecha a porta. O homem se convence que não tem ninguém ali mes-mo e vai embora.
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E
sse é o relato sóbrio de um louco. Sim, desde esse dia acredito em loucura.Era um dia comum, porém com um tanto incomum, era dia 20/02/2002. Estava em Londres, passando o inverno. Acordei e, sem olhar o relógio, abri as cor-tinas do meu quarto de hotel. Não tinha como saber que horas eram, parecia que naquele lugar o sol não chegava nunca. Ninguém nas ruas, só gelo e uma né-voa. Fui até o frigobar e peguei uma garrafinha de whisky. Acendi um cigarro e bebi. Troquei-me, vesti meu sobretudo preto, coloquei outra garrafa no bolso do casaco e saí.
Londres parecia uma cidade fantasma, ninguém nos corredores do hotel, ninguém nas ruas, as lojas fecha-das. Que horas seriam? Fui até um parque, também vazio. Sentei-me em um banco e abri um jornal, que lá estava. Comecei a ler e, no momento, não estranhei ser um jornal brasileiro, “A Folha de São Paulo” do dia