C ´alculo III – Poli
Teoremas de Stokes e Gauss (ou da Diverg ˆencia)
Edson de Faria
Departamento de Matem ´atica IME-USP
Introduc¸ ˜ao
Nesta aula apresentaremos os seguintes t ´opicos:
Operadores diferenciais: gradiente, laplaciano, divergente e rotacional
Teorema de Stokes
Teorema de Gauss, tamb ´em conhecido como Teorema da Diverg ˆencia
Operadores diferenciais
Existem quatro operadores diferenciais de grande import ˆancia no c ´alculo a v ´arias vari ´aveis e aplicac¸ ˜oes. Dois deles atuam em func¸ ˜oes escalares, enquanto os outros dois atuam em func¸ ˜oes vetoriais. S ˜ao eles:
Operador gradiente. Este ´e nosso velho conhecido: dada uma func¸ ˜ao escalar diferenci ´avelφ(x1,x2, . . . ,xn), seu gradiente ´e a func¸ ˜ao
vetorial denotada porgrad(φ)ou∇φe definida assim:
grad(φ) = ∇φ = ∂φ ∂x1 , ∂φ ∂x2 , . . . , ∂φ ∂xn ! .
Operador laplaciano. Dada uma func¸ ˜ao escalarφ(x1,x2, . . . ,xn)de
classeC2(ou no m´ınimo duas vezes diferenci ´avel), seu laplaciano ´e
a func¸ ˜ao escalar denotada por∆φou∇2φe definida assim:
∆φ = ∇2φ= ∂ 2φ ∂x12 + ∂2φ ∂x22 + · · · + ∂2φ ∂xn2 .
Operador divergente. SeF = (F1,F2, . . . , Fn) ´e um campo de
vetores, onde cadaFi ´e uma func¸ ˜ao diferenci ´avel em n vari ´aveis, seu
divergente ´e a func¸ ˜ao escalar denotada pordiv(F)ou∇ ·F e
definida assim: div(F) = ∇ ·F = ∂F1 ∂x1 +∂F2 ∂x2 + · · · + ∂Fn ∂xn .
A notac¸ ˜ao∇ ·F ´e mais sugestiva, pois indica que o divergente ´e o
produto escalar (simb ´olico) do operador∇= (∂x
1, . . . , ∂xn)pelo
campoF. (Aqui, usamos a abreviac¸ ˜ao∂xi = ∂/∂xi.)
Operador rotacional. Este ´ultimo s ´o est ´a definido em dimens ˜ao tr ˆes
(n=3). SeF =Pi+Qj+Rk ´e um campo de vetores, onde cada
componenteP,Q,R ´e uma func¸ ˜ao diferenci ´avel a tr ˆes vari ´aveis, seu
rotacional ´e a func¸ ˜ao vetorial denotada porrot(F)ou∇ ×F e
definida assim: rot(F) = ∇ ×F =Ry−Qz i+ (Pz−Rx)i+ Qx−Py i.
A notac¸ ˜ao∇ ×F ´e mais sugestiva, pois indica que o rotacional ´e o
produto vetorial (simb ´olico) do operador∇= (∂x, ∂y, ∂z)pelo
De fato, ´e f ´acil verificar que, simbolicamente, ∇ ×F = i j k ∂x ∂y ∂z P Q R Observac¸ ˜oes:
Os quatro operadores diferenciais introduzidos acima s ˜ao extremamente ´uteis na formulac¸ ˜ao sint ´etica de algumas das equac¸ ˜oes fundamentais da F´ısica.
Entre os exemplos, citamos as equac¸ ˜oes de Maxwell do eletromagnetismo, a equac¸ ˜ao do calor, a equac¸ ˜ao da onda, as equac¸ ˜oes b ´asicas da mec ˆanica dos flu´ıdos (entre as quais as equac¸ ˜oes de Navier-Stokes).
Exemplo 1: Sejaφ: R3
\ {(0,0,0)} → Ra func¸ ˜ao escalar
φ(x,y,z) = p 1 x2+y2+z2 . Ent ˜ao ∇φ(x,y,z) = −x (x2+y2+z2)3/2 , −y (x2+y2+z2)3/2 , −z (x2+y2+z2)3/2 ! .
Al ´em disso, temos
∂2φ ∂x2 = 2x2−y2−z2 (x2+y2+z2)5/2 , ∂2φ ∂y2 = −x2+2y2−z2 (x2+y2+z2)5/2 , ∂2φ ∂z2 = −x2 −y2+2z2 (x2+y2+z2)5/2 ,
e portanto∇2φ=0, ou seja, o laplaciano deφ ´e identicamente nulo. Uma
func¸ ˜ao com esta propriedade ´e chamada defunc¸ ˜ao harm ˆonica, e a
Considere agora o campo vetorialF = ∇φ(um campo com esta
propriedade ´e chamado decampo gradiente). Um c ´alculo direto mostra
que ∇ ×F(x,y,z) = i j k ∂x ∂y ∂z −x (x2+y2+z2)3/2 (x2+y−y2+z2)3/2 (x2+y−z2+z2)3/2 = (0,0,0) ,
ou seja, o rotacional deF ´e identicamente nulo. Um campo com esta
propriedade ´e denominado umcampo irrotacional.
Observac¸ ˜oes:
O que ocorre com o campoF no exemplo acima ´e geral: todo campo
gradiente de classeC1 ´e irrotacional (exerc´ıcio!).
Outro fato geral que est ´a por tr ´as desse exemplo ´e a identidade
∇2φ= ∇ · (∇φ), ou seja, o laplaciano de uma func¸ ˜ao (de classeC2)
´e o divergente de seu gradiente. Para mais identidades deste tipo,
Teorema de Stokes
Oteorema de Stokes ´e uma generalizac¸ ˜ao do teorema de Green:
relaciona a integral de superf´ıcie dorotacional de um campo de
vetores ao longo de uma superf´ıcie limitada por uma curva com a integral de linha do campo ao longo desta curva.
Teorema
SejamF : Ω → R3um campo de vetores de classe C1 e S ⊂ Ωuma
superf´ıcie param ´etrica orientada cujo bordo∂S ⊂ Ω ´e uma curva suave.
Sejan:S → R3a normal unit ´aria, e suponha que a curva∂S est ´a
orientada com a orientac¸ ˜ao induzida porn. Ent ˜ao temos:
, ∂S F ·dr = " S(∇ × F) ·n dA (1)
Observac¸ ˜ao: O teorema ainda ´e v ´alido se o bordo∂S ´e uni ˜ao de duas ou mais curvas fechadas; neste caso o lado esquerdo de (1) ´e a soma das integrais de linha sobre cada curva, com a orientac¸ ˜ao induzida.
Demonstrac¸ ˜ao: EscrevamosF =Pi+Qj+Rk , como de praxe. Com
essa notac¸ ˜ao, queremos mostrar que:
, ∂S P dx+Q dy+R dz = " S (Ry−Qz)dy∧dz+ (Pz−Rx)dz∧dx + (Qx−Py)dx∧dy . ´
E suficiente provarmos as seguintes tr ˆes igualdades:
, ∂S P dx= " S− Pydx∧dy+Pzdz∧dx , , ∂S Q dy = " S− Qzdy∧dz+Qxdx∧dy , (2) , ∂S R dz= " S− Rxdz∧dx+Rydy∧dz .
Basta demonstrar a primeira das igualdades em (2); as outras duas s ˜ao
totalmente an ´alogas. Sejaσ :W → R3a parametrizac¸ ˜ao da superf´ıcieS,
ondeW ⊂ R2 ´e uma regi ˜ao do plano, e escrevamosσem termos de suas
componentes:
σ(u,v) =X(u,v)i+Y(u,v)j+Z(u,v)k .
Assumiremos queX,Y,Z s ˜ao func¸ ˜oes de classe C2. Com essa notac¸ ˜ao,
temos " S− Pydx ∧dy+Pzdz∧dx = " W " −Py ∂(X,Y) ∂(u,v) +Pz ∂(Z,X) ∂(u,v) # dudv. (3) A id ´eia da prova ´e aplicar o teorema de Green a esta ´ultima integral dupla. Mas para tanto, precisamos reescrever o integrando. Observe que as
derivadas parciaisPy ePz s ˜ao calculadas no pontoσ(u,v). Isto nos
motiva a considerar a func¸ ˜ao de duas vari ´aveis
Afirmamos que o integrando na integral dupla acima ´e igual a
∂
∂u(φXv) −
∂
∂v(φXu) .
Utilizando a regra da cadeia (e a regra de Leibniz), temos
∂ ∂u(φXv) = φuXv+ φXuv = h PxXu+PyYu+PzZu i Xv+ φXuv . (4) ∂ ∂v(φXu) = φvXu+ φXvu= h PxXv+PyYv+PzZv i Xu+ φXvu . (5)
Subtraindo (5) de (4) e tendo em conta queXuv =Xvu(poisX ´e de classe
C2), conclu´ımos que ∂ ∂u(φXv) − ∂ ∂v(φXu) = −Py[XuYv−XvYu] +Pz[ZuXv−ZvXu] = −Py ∂(X,Y) ∂(u,v) +Pz ∂(Z,X) ∂(u,v) ,
Portanto, podemos escrever " W " −Py ∂(X,Y) ∂(u,v) +Pz ∂(Z,X) ∂(u,v) # dudv= " W " ∂ ∂u(φXv) − ∂ ∂v (φXu) # dudv. (6) Aplicando o teorema de Green a esta ´ultima integral, obtemos
" W " ∂ ∂u(φXv) − ∂ ∂v (φXu) # dudv= , ∂W (φXu)du+ (φXv)dv . (7)
O que podemos dizer sobre esta ´ultima integral? Sejar(t) = (u(t),v(t)),
a ≤t ≤b, uma parametrizac¸ ˜ao da curva∂W , e escreva
x(t) =X(u(t),v(t)), y(t) =Y(u(t),v(t)), z(t) =Z(u(t),v(t)) .
Observe que, novamente pela regra da cadeia, dx dt =Xu du dt +Xv dx dt .
Al ´em disso, temosφ(u(t),v(t)) =P(x(t),y(t),z(t)). Juntando esses fatos, podemos escrever
, ∂W (φXu)du+ (φXv)dv = Z b a φ(u(t),v(t)) " Xu(u(t),v(t)) du dt +Xv(u(t),v(t)) dx dt # dt = Z b a P(x(t),y(t),z(t))dx dt dt = , ∂S P(x,y,z)dx . (8)
Substituindo (8) em (7) e a express ˜ao resultante em (6), deduzimos que
" W " −Py ∂(X,Y) ∂(u,v) +Pz ∂(Z,X) ∂(u,v) # dudv= , ∂S P dx. (9)
E finalmente, substituindo (9) em (3), obtemos
" S− Pydx ∧dy+Pzdz∧dx = , ∂S P dx.
Isto estabelece a primeira f ´ormula em (2). Como observamos antes, a demonstrac¸ ˜ao das outras duas f ´ormulas ´e inteiramente an ´aloga. E como tamb ´em observamos antes, somando as tr ˆes f ´ormulas em (2), obtemos a f ´ormula (1) do enunciado. Isto conclui a demonstrac¸ ˜ao do teorema de Stokes.
Observac¸ ˜oes:
A integral de linha no lado esquerdo de (1) ´e `as vezes chamada de
circuitac¸ ˜ao do campoF; j ´a a integral de superf´ıcie no lado direito de
(1) ´e ofluxo do campo∇ ×F. Portanto, o teorema de Stokes diz que
a circuitac¸ ˜ao de um campo ao longo de uma curva fechada que ´e
fronteira de uma superf´ıcie orientadaS ´e igual ao fluxo do rotacional
do campo atrav ´es deS. (Aqui, assume-se que a orientac¸ ˜ao da curva
∂S ´e a induzida pela orientac¸ ˜ao de S.)
Em particular, o teorema de Stokes possui como corol ´ario imediato, enunciado no slide a seguir, um crit ´erio bastante ´util no c ´alculo de certas integrais de superf´ıcie.
Corol ´ario
Sejam S1 e S2duas superf´ıcies orientadas por normaisni:Si→ R3,
i =1,2, tendo como fronteira comum uma curva C= ∂S1 = ∂S2. SejaF
um campo C1definido numa regi ˜ao que cont ´em as duas superf´ıcies e a
curva C. Se as orientac¸ ˜oes induzidas porn1 en2em C coincidem, ent ˜ao
" S1 (∇ ×F) ·n1dA1 = " S2 (∇ ×F) ·n2dA2, (10)
onde dAi ´e o elemento de ´area da superf´ıcie Si(i=1,2).
A demonstrac¸ ˜ao do corol ´ario acima ´e ´obvia: pelo teorema de Stokes, ambos os lados da igualdade (10) s ˜ao iguais `a integral de linha
,
C
F·dr.
Apresentaremos agora um exemplo t´ıpico de aplicac¸ ˜ao do corol ´ario acima.
Exemplo 2: SejaF : R3
→ R3 o campo dado por
F(x,y,z) = (x2z, −xy2, yzsinz) .
SejaS a parte do parabol ´oide z=x2+y2 que fica abaixo do plano
z =y+4 (veja a figure 1 no slide a seguir), orientada pela normal unit ´aria
n cuja componente z ´e positiva. Queremos calcular o fluxo de∇ ×F
atrav ´es deS. O primeiro passo ´e, naturalmente, calcular o rotacional de
F. Temos: ∇ ×F(x,y,z) = i j k ∂ ∂x ∂ ∂y ∂ ∂z x2z −xy2 yzsinz = (zsinz, x2, −y2) .
No entanto, calcular diretamente a integral de superf´ıcie deste rotacional
Ao inv ´es disto, observe que o bordo da superf´ıcieS ´e a curvaγ = ∂S
obtida como a intersec¸ ˜ao do parabol ´oidez=x2+y2com o plano
z =y+4 (veja a figura (1)). A projec¸ ˜ao ortogonal dessa curva sobre o
planoz=0 ´e o c´ırculo
C : x2+ y−1
2
!2 = 17
4 .
A curvaγtamb ´em ´e o bordo de outra superf´ıcieS′, a saber, a regi ˜ao do
planoz=y+4 que ´e limitada porγ(cuja projec¸ ˜ao ortogonal sobre o
planoz=0 ´e o disco limitado pelo c´ırculoC). Sejan′a normal unit ´aria ao
planoz=y+4 cuja componente na direc¸ ˜ao do eixoz ´e positiva. Pelo
corol ´ario acima, temos
" S(∇ × F) ·n dA = " S′(∇ × F) ·n′dA′
Portanto basta calcularmos esta ´ultima integral. Para tanto, consideramos a parametrizac¸ ˜ao deS′dada porr(x,y) = (x,y,z+4).
Temos: n′ = ∂r ∂x × ∂r ∂y ∂r ∂x × ∂r ∂y = √1 2(0, −1, 1) ; dA ′ = ∂r ∂x × ∂r ∂y dxdy = √2dxdy.
A primeira dessas igualdades nos diz em particular que
(∇ ×F) ·n′= −√1 2(x 2+y2) . Portanto, temos: " S′(∇ × F) ·n′dA′ = − " D (x2+y2)dxdy,
ondeD ´e o disco x2+ (y−12)2
Para calcular esta ´ultima integral dupla, usamos a mudanc¸a de coordenadasr =rcos θ ,y = 1 2 +rsin θ, onde 0≤ θ ≤2πe 0≤r ≤ 1 2 √ 17. Obtemos ent ˜ao:
" D (x2+y2)dxdy = Z √ 17 2 0 Z 2π 0 r 2cos2θ+ 1 2+rsin θ !2 dθrdr = Z √ 17 2 0 Z 2π 0 h r3+r2sin θidθdr =2π Z √ 17 2 0 r3dr = 289π 32 .
Portanto, temos finalmente:
" S(∇ × F) ·n dA = " S′(∇ × F) ·n′dA′= −289π 32 .
[Disto tamb ´em segue que+Cx2z dx−xy2dy+yzsinz dz= −289π/32,
Teorema de Gauss (ou da Diverg ˆencia)
Suponhamos dados um s ´olidoW ⊂ R3 limitado por uma superf´ıcie
fechada suaveS, e um campo de vetoresF definido numa regi ˜ao do
R3que cont ´emW e S em seu interior.
O teorema de Gauss estabelece uma igualdade entre duas integrais,
a saber, a integral de superf´ıcie que fornece o fluxo deF atrav ´es de
S e a integral de volume do divergente deF sobre o s ´olido W . Mais
precisamente:
Teorema
SejaF : Ω → R3um campo de vetores C1 numa regi ˜aoΩ ⊂ R3 e seja
W ⊂ Ωum s ´olido cuja fronteira∂W ´e uma superf´ıcie suave (fechada)
inteiramente contida emΩ. Assuma que∂W est ´a orientada pela normal
unit ´arian exterior a W . Ent ˜ao temos:
" ∂W F ·n dA = $ W∇ · F dV . (11)
Demonstrac¸ ˜ao: Faremos a demonstrac¸ ˜ao supondo que o s ´olidoW ´e
especial, no seguinte sentido. Dizemos queW ´e de tipo I se existem duas
func¸ ˜oes suavesϕ(x,y)eψ(x,y), ambas definidas numa mesma regi ˜ao
Ωxy ⊂ R2e satisfazendoϕ ≤ ψ, tais que
W =n(x,y,z) : (x,y) ∈ Ωxy , ϕ(x,y) ≤z≤ ψ(x,y)
o .
(Veja a figura 2 no slide a seguir). Em outras palavras,W ´e a regi ˜ao do
espac¸o limitada pelos gr ´aficos das duas func¸ ˜oesϕ, ψ. De maneira
inteiramente an ´aloga definimos s ´olidos de tipos II e III. (Estas definic¸ ˜oes j ´a foram vistas em aula, quando discutimos integrais triplas.)
Vamos supor queW ´e simultaneamente um s ´olido de tipos I, II e III. ´E
poss´ıvel reduzir o caso geral a este, mas n ˜ao o faremos aqui.
O primeiro passo ´e reescrever ambos os lados da igualdade desejada (11) de maneira mais expl´ıcita.
0 x y z n0 n− n+ S0 S−: z = ϕ(x,y) S+: z= ψ(x,y) Ωxy W
Em termos das componentes do campo, o lado esquerdo da equac¸ ˜ao (11) pode ser escrito como segue:
" ∂W F ·n dA= " ∂W P dy∧dz+Q dz∧dx+R dx∧dy
J ´a o lado direito se escreve:
$ W∇ · F dV = $ W " ∂P ∂x + ∂Q ∂y + ∂R ∂z # dxdydz .
Assim, para provarmos a igualdade (11), ´e suficiente mostrarmos as seguintes tr ˆes igualdades:
" ∂W P dy∧dz= $ W ∂P ∂x dxdydz " ∂W Q dz∧dx = $ W ∂Q ∂y dxdydz (12) " ∂W R dx∧dy = $ W ∂R ∂z dxdydz.
Vamos demonstrar apenas uma das tr ˆes f ´ormulas em (12), a saber, a terceira; as outras duas provam-se da mesma forma.
ComoW ´e um s ´olido de tipo I (figura 2), podemos escrever, utilizando
Fubini: $ W ∂R ∂z dxdydz = " Ωxy Z ψ(x,y) ϕ(x,y) ∂R ∂z dz dxdy = " Ωxy [R(x,y, ψ(x,y)) −R(x,y, ϕ(x,y))] dxdy. (13) Por outro lado, sabemos que
" ∂W R dx∧dy = " ∂W R(k·n)dA
Al ´em disso,∂W =S−∪S0∪S+, ondeS− ´e o gr ´afico de z= ϕ(x,y),S+ ´e
o gr ´afico dez= ψ(x,y), eS0= ∂W\ (S−∪S+), a parte lateral de∂W , ´e
Assim, temos: " ∂W R dx∧dy = " S− R(k·n−)dA+ " S0 R(k·n0)dA+ " S+ R(k·n+)dA, (14) onden−,n0,n+s ˜ao as restric¸ ˜oes den `as superf´ıcies S−,S0,S+,
respectivamente. Observe quek·n0 =0, pois emS0o vetor unit ´ario
normal ´e paralelo ao planoxy. Logo a segunda integral do lado direito da
express ˜ao acima se anula.
ComoS− ´e o gr ´afico de z = ϕ(x,y)e a normal unit ´arian−deve apontar
para baixo do gr ´afico (veja a figura 2), um c ´alculo simples nos diz que
n− = q(ϕx, ϕy, −1) 1+ ϕ2 x+ ϕ2y , de modo que k ·n−= q −1 1+ ϕ2 x+ ϕ2y .
Al ´em disso, o elemento de ´area deS− ´e dA = q
1+ ϕ2
x+ ϕ2ydxdy.
Juntando esses fatos, deduzimos que
" S− R(k·n−)dA = − " Ωxy R(x,y, ϕ(x,y))dxdy. (15)
Analogamente, usando queS+ ´e o gr ´afico de z= ψ(x,y)e que a normal
unit ´arian+deve apontar para cima (veja novamente a figura 2),
conclu´ımos que n+ = (−ψ x, −ψy,1) q 1+ ψ2 x+ ψ2y , de modo que k ·n+= 1 q 1+ ψ2 x+ ψ2y .
Como o elemento de ´area deS+ ´e dA =
q 1+ ψ2 x+ ψ2ydxdy, deduzimos que " S+ R(k·n+)dA = " Ωxy R(x,y, ψ(x,y))dxdy. (16)
Substituindo (15) e (16) em (14), obtemos: " ∂W R dx∧dy = " Ωxy [R(x,y, ψ(x,y)) −R(x,y, ϕ(x,y))] dxdy . (17) Juntando (17) com (13), deduzimos finalmente a terceira das f ´ormulas em (11). Como j ´a dissemos, as outras duas f ´ormulas demonstram-se da mesma forma. Isto conclui a demonstrac¸ ˜ao do teorema de Gauss.
Observac¸ ˜ao: O teorema de Gauss tamb ´em ´e v ´alido quando a fronteira
do s ´olidoW ´e a uni ˜ao de duas ou mais superf´ıcies duas a duas disjuntas.
Basta escrever a integral de superf´ıcie sobre∂W como soma da integrais
sobre as componentes, levando em conta a orientac¸ ˜ao. Por exemplo, seja
B0⊆ R3 uma bola contendo outras bolasB1,B2, . . . ,Bn, duas a duas
disjuntas, e sejaW o s ´olido B0\ (B1∪B2∪ · · · ∪Bn). Ent ˜ao
∂W = ∂B0∪ ∂B1∪ · · · ∪ ∂Bn. Sen ´e a normal exterior a W e ni,
i =0,1, . . . ,n, s ˜ao as normais exteriores `as bolas Bi, ent ˜ao temosn=n0
emB0, en = −niemBi,i =1, . . . ,n, e portanto: " ∂W F·n dA = " ∂B0 F ·n0dA− n X i=1 " ∂Bi F ·nidA
Exemplo 3: SejaF : R3
→ R3 o campo de vetores dado por
F(x,y,z) = (x2+e−yz2)i+ (y− sinxz)j+ (2z(1−x) + q
1+y2)k .
Suponhamos que nossa tarefa seja calcular o fluxo deste campo atrav ´es
da superf´ıcieS que ´e a esfera de centro na origem e raio 2, que
assumimos orientada pela normal unit ´aria exterior. Calcular a integral de superf´ıcie diretamente seria extremamente penoso. Mas utilizando o teorema da diverg ˆencia, nossa tarefa torna-se praticamente trivial. De
fato, o divergente deF ´e constante:
∇ ·F = ∂ ∂x h x2+e−yz2i+ ∂ ∂y[y− sinxz] + ∂ ∂z " 2z(1−x) + q 1+y2 # =3.
Logo, denotando porB a bola de centro na origem e raio 2 e aplicando o
teorema de Gauss: " S F·n dA = " B∇ · F dV = " B 3dV =3vol(B) =3· 4π ·2 3 3 =32π .
Exemplo 4: A equac¸ ˜ao do calor.
Uma aplicac¸ ˜ao interessante do teorema da diverg ˆencia ´e a deduc¸ ˜ao da
chamada equac¸ ˜ao do calor. Consideremos um s ´olidoW ⊂ R3com
densidadeρ= ρ(x,y,z), feito de um certo material condutor t ´ermico.
Denotemos poru=u(t,x,y,z)a temperatura deste s ´olido no ponto
(x,y,z) ∈W no instante t. O problema f´ısico que se coloca ´e entender
como a temperatura em cada ponto do s ´olido evolui com o tempo.
Para tanto, utilizaremos alei do resfriamento de Fourier, que diz algo
intuitivamente bastante simples, a saber: o calor sempre flui “do mais quente para o mais frio”, ou seja, o fluxo de calor num ponto ´e
diretamente proporcional ao gradiente de temperatura naquele ponto, mas tem o sentido oposto ao mesmo.
Ao mesmo tempo, sabemos que a quantidade de calor presente num
pequeno elemento de volume∆V do s ´olido ´e diretamente proporcional `a
temperatura ali, bem como diretamente proporcional `a massa daquele
elemento. O fator de proporcionalidade, que denotamos porc, ´e chamado
decalor espec´ıfico; para s ´olidos homog ˆeneos, c ´e constante, e ´e o que
Assim, denotando porQ(t)a quantidade de calor total presente numa
parteΩ ⊂W do s ´olido no instante t, temos
Q(t) = $
Ω
cρ(x,y,z)u(t,x,y,z)dxdydz .
A derivadaQ′(t)mede a taxa de variac¸ ˜ao do calor no sub-s ´olidoΩno
instantet. Tal taxa de variac¸ ˜ao deve ser igual `a quantidade de calor que
entra emΩno instantet, ou seja, ao fluxo de calor atrav ´es da fronteira
∂Ω. Pela lei do resfriamento de Fourier, tal fluxo ´e igual a
− "
∂Ω(−κ∇
u) ·n dA ,
onde, como de praxe,n ´e a normal unit ´aria exterior aΩ, eκ ´e o que
chamamos decondutibilidade t ´ermica do corpo, que pode ou n ˜ao ser
constante.
Importante: Aqui e na sequ ˆencia, os operadores aplicados au, tais como
Assim sendo, podemos escrever: ∂ ∂t $ Ω cρ(x,y,z)u(t,x,y,z)dxdydz= " ∂Ω (κ∇u) ·n dA .
Passando a derivada em relac¸ ˜ao at para dentro da integral no primeiro
membro, e aplicando o teorema da diverg ˆencia `a integral de superf´ıcie no segundo membro, obtemos:
$ Ω cρ(x,y,z)∂u ∂t(x,y,z)dxdydz = $ Ω∇ · (κ∇ u) (t,x,y,z)dxdydz Subtraindo o segundo membro do primeiro e omitindo as vari ´aveis de integrac¸ ˜ao, podemos reescrever esta igualdade sob a forma:
$ Ω " cρ∂u ∂t − ∇ · (κ∇u) # dV =0. (18)
Mas comoΩ ⊂W ´e um pedac¸o arbitr ´ario do s ´olido, a ´unica forma de (18) ser verdadeira ´e se o integrando for identicamente nulo, ou seja, devemos ter:
cρ∂u
∂t − ∇ · (κ∇u) =0.
Normalmente, lidamos com situac¸ ˜oes em que a densidade e a condutibilidade t ´ermica s ˜ao constantes. Neste caso, escrevendo k = κ/(cρ)e tendo em conta que∇ · ∇u= ∇2u, obtemos a equac¸ ˜ao
∂u
∂t =k∇
2u.
Esta ´e a forma cl ´assica daequac¸ ˜ao do calor, descoberta por Fourier em
1822. A constantek ´e chamada de coeficiente de difusibilidade t ´ermica
do material, ou simplesmente coeficiente de difus ˜ao. Materiais isolantes
t ´ermicos, tais como amianto, borracha ou madeira, possuem umk baixo,
enquanto materiais condutores t ´ermicos, sobretudo metais como
Exemplo 5: Lei de Gauss
SejaE o campo el ´etrico gerado por uma distribuic¸ ˜ao finita de cargas
q1,q2, . . . ,qN localizadas em pontos do espac¸o cujos vetores-posic¸ ˜ao s ˜ao
r1,r2, . . . ,rNrespectivamente, e sejaS ⊆ R3 uma superf´ıcie fechada que
cont ´em todas essas cargas em seu interior. Alei de Gauss do
eletromagnetismo afirma que o fluxo do campo el ´etricoE atrav ´es de S ´e
igual a uma constante universal multiplicada pela carga total no interior de S. Mais precisamente:
"
S
E·n dA=4π(q1+q2+ · · · +qN) ,
onde, como de praxe,n ´e a normal unit ´aria exterior a S e dA ´e o elemento
de ´area. Vamos demonstrar essa lei (partindo da lei de Coulomb) com o aux´ılio do teorema da diverg ˆencia e da observac¸ ˜ao que fizemos logo ap ´os
a prova daquele teorema. Para comec¸ar, lembremos queE = −∇φ, onde
φ ´e o potencial eletrost ´atico.1
O potencial eletrost ´atico, ou de Coulomb, ´e dado por φ(r) = N X i=1 qi kr−rik .
(Aqui, adotamos unidades em que a constante de Coulomb ´e igual a 1.)
Logo, podemos escreverE = −∇φ =E1+E2+ · · · +EN, onde
Ei(r) = −qi∇
1
kr−rik
!
, i =1,2, . . . ,N.
Escrevamosr = (x,y,z)eri= (xi,yi,zi)(i =1,2, . . . ,N). Com esta
notac¸ ˜ao, temoskr−rik = p(x−xi)2+ (y−yi)2+ (z−zi)2. Assim, pelos
mesmos c ´alculos que efetuamos no Exemplo 1, podemos ver facilmente que ∇ 1 kr−rik ! = − r−ri kr−rik3 . i =1,2, . . . ,N.
Em particular, temos para todoi =1,2, . . . ,N: ∇ ·Ei(r) = −qi∇2 1 kr−rik ! =qi∇ · r−ri kr−rik3 ! = 0, ∀r,ri ,
novamente pelos c ´alculos do Exemplo 1.
Sejam agoraB1,B2, . . . ,BNbolas centradas nos pontos onde se situam as
cargasq1,q2, . . . ,qN respectivamente, suficientemente pequenas para
que estejam inteiramente situadas no interior da regi ˜ao limitada porS e
sejam duas a duas disjuntas. Para cadai, sejania normal unit ´aria
exterior aBi. SejaW o s ´olido limitado pelas superf´ıcies S e∂Bi,
i =1,2, . . . ,N. Pelo teorema da diverg ˆencia (e mais a observac¸ ˜ao que fizemos logo ap ´os sua demonstrac¸ ˜ao), temos
" S E·n dA = N X i " ∂Bi E·nidA + $ W∇ · E dV . (19)
Mas emW , temos∇ ·Ei=0 para todoi, e portanto∇ ·E =0. Logo a
Por outro lado, para cadai fixado temos " ∂Bi E·nidA = " ∂Bi N X j=1 Ej ·nidA = N X j=1 " ∂Bi Ej·nidA . (20)
Para cadaj ,i, sabemos que a carga qjest ´afora da bola Bi, e portanto
∇ ·Ej=0 no interior desta bola. Logo, novamente pelo teorema da
diverg ˆencia, podemos escrever
" ∂Bi Ej·nidA = $ Bi ∇ ·EjdV =0, ∀j ,i.
Paraj =i, como a carga qiest ´a localizada no centro deBi, o campoEi ´e
singular ali. Portanto n ˜ao podemos aplicar diretamente o teorema da diverg ˆencia neste caso. Ao inv ´es disso, calculamos a integral de superf´ıcie explicitamente.
Lembrando que emBitemoskr−rik =Ri, ondeRi ´e o raio de Bi, e que a
normal unit ´aria ´eni= (r−ri)/kr−rik, conclu´ımos que
" ∂Bi Ei·nidA =qi " ∂Bi r−ri) kr−rik3 ! ·nidA =qi " ∂Bi 1 R2 i dA = qi R2 i Area(∂Bi) =4πqi. (21)
Levando esses fatos para (20), deduzimos que
"
∂Bi
E·nidA =4πqi , ∀i =1,2, . . . ,N . (22)
Finalmente, substituindo (22) em (19), obtemos
" S E·n dA=4π N X i=1 qi.