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No Tribunal de Sintra chegam a passar mil pessoas por dia Terça, 16 Abril :17

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O Negócios visitou um dos maiores Tribunais do País para perceber como funciona no seu dia-a-dia e como está a lidar com a crise e com as reformas em curso. É um retrato do nosso Estado, contado não apenas pelas estatísticas, mas também por quem todos os dias cruza as suas portas. "A luta é acabar mais processos do que os que entram. Nem que seja por um"

A luta mensal é terminar mais processos do que aqueles que entram. O Tribunal de Sintra serviu de tubo de ensaio à reforma do mapa judiciário e está a ganhar a corrida

Alex anda por ali a correr. Tem três anos, fato-de-treino e boné na cabeça, com a pala virada ao contrário. Veio com a mãe, a avó, o tio, a tia, os primos e volta e meia vai espreitar Nadine, a mais nova do grupo, dois meses acabados de fazer. A família está ali para acompanhar o pai de Nadine, que terá quando muito uns vinte anos e que era arguido num processo. "Não se safou, ficou com pena suspensa", mas ninguém quer dar mais pormenores, que "não vale a pena falar disso".

A família de Alex e Nadine é apenas uma das muitas que, todos os dias, cruzam a entrada do tribunal da Grande Lisboa Noroeste, em Sintra. Em média serão cerca de um milhar, entre juizes, magistrados do Ministério Púbico (MP), advogados, funcionários, réus, arguidos, testemunhas... Um mundo de gente, alguns com a vida presa no arame, pendente de uma acusação ou da decisão de um juiz. Muitos chegam a medo, que um tribunal, na sua

imponência, nunca deixa de ser assustador. Outros entram com a calma de quem já sabe ao que vai. Passam pelo detector de metais e pelo escrutínio dos seguranças e dispersam-se pelos corredores.

O tribunal de Sintra, não sendo o maior em dimensões, "é o único do País com 21 secções", explica Daniel Costa, o administrador judiciário. Cível, crime, comércio, família, execuções, tudo passa por aquele edifício, inaugurado em 2005. Sintra serviu de ensaio ao mapa judiciário preconizado pelo anterior Governo PS - que fazia coincidir as comarcas com as chamadas NUTS - e ali funciona, até hoje uma das comarcas piloto — ao todo são três, além desta as do Baixo Vouga e do Alentejo Litoral.

"Temos a maior sala de audiências do País", orgulha-se Daniel Costa. Tanto que "já para cá foram deslocados julgamentos com muitos arguidos, vindos de tribunais sem condições para os acolher". O tribunal foi construído numa colina sobranceira à cidade, apenas um pouco

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abaixo do vizinho Palácio da Pena que, na encosta imediatamente oposta, anima a vista das salas de audiência.

Condições (quase) perfeitas

Rosa Vasconcelos, 50 anos, ocupa desde 2012 o cargo de juiz presidente. O seu gabinete tem uma vista ampla para a Várzea de Sintra e está minuciosamente arrumado. Como todo o tribunal, onde nada parece estar fora do lugar que deve ocupar por direito. A magistrada lembra-se bem das anteriores instalações, no centro de Sintra. Localizadas num prédio de apartamentos, as salas de audiência eram na cave e tinham colunas a meio. "As piores condições que já vi. Depois disto, nunca mais nos queixamos de instalações", garante.

Ali foi tudo pensado para ser um tribunal e os longos corredores que dão acesso às salas de audiência transmitem a solenidade que é suposto encontrar num local cuja vocação maior é fazer justiça. Apesar da juventude das instalações, num dos corredores do último andar já há baldes a aparar infiltrações.

Rui Tavares, 51 anos, é advogado e representa a Ordem na comissão permanente do

conselho de comarca, uma inovação das comarcas piloto. Também ele não poupa elogios às condições de trabalho, mas desanima quando fala na lentidão processual. "Na grande instância cível os processos têm uma duração muito grande e no Trabalho, estão a marcar julgamentos com um ano de antecedência", exemplifica.

A morosidade, das maiores críticas dos advogados da comarca, também preocupa os utentes. Manuel Pereira veio com a filhaao registo criminal, e está à sua espera à entrada "Estamos bem servidos de tribunal, mas a Justiça não funciona. Para quem tem dinheiro, dá tempo de os processos prescreverem e depois passa tudo em branco", lamenta

Alvo: ganhar a corrida contra os novos processos

Rosa Vasconcelos desdramatiza e diz que é preciso inverter essa impressão nas pessoas. Contornar as pendências é um dos caminhos. "Temos uma luta mensal: conseguir acabar mais

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processos do que aqueles que entram. Nem que seja por um", explica. Uma corrida que

ultimamente já estão a conseguir ganhar, em contraciclo com as estatísticas nacionais, onde as pendências continuam a marcar passo. E, no entanto, sublinha a juiz presidente, "não aceito trabalhar para a estatística, mas sim para as pessoas".

No tribunal "não são fixados objectivos rigorosos e, contudo, as nossas pendências têm vindo a descer", relata Como o conseguem? "Sensibilizando juizes e MP para que cada processo seja concluído num prazo razoável". Sendo que a noção de prazo razoável também não é

estanque, antes "varia consoante os juízes e os processos". E dá exemplos "já tivemos um processo-crime com 62 arguidos que em seis meses finalizou com acórdão". E outro, "com 42, finalizado em três meses, não sei se isto a nível nacional é muito frequente". E, acrescenta: "Ninguém nos diz que tem de ser assim, nós achamos que sim e fazemo-lo".

Por outro lado, há uma preocupação com os utentes. "Tentamos colocar-nos no lugar das pessoas que cá vêm e que lhes seja sempre dita qualquer coisa, quando há um atraso, por exemplo". E no Tribunal de Sintra, garante a presidente, não há julgamentos marcados além de Dezembro 2013. No entanto, há ainda zonas críticas, com destaque para as execuções.

90 mil execuções nas estantes

Quando foi criada a comarca piloto e Sintra recebeu os processos de Mafra e Amadora

esperavam-se 20 mil processos de cobrança de dívidas, mas, afinal, chegaram 47 mil. Vieram em papel e foi preciso ver um a um para descobrir em que fase se encontravam. Agora, já com os novos entrados, são 90 mil, alguns a marcar passo com penhoras mensais de salários, outros só à espera de serem dados como findos para seguirem para o arquivo. O pior é que também para isso são precisas mãos.

Luísa Coelho, escrivã, está ali desde o início e fala do serviço quase como se fosse um filho. Por isso, começa logo por dizer que desde 2011 que já conseguem todos os meses "ganhar aos entrados". E a tarefa não há-de ser fácil. Têm dois juízes permanentes e mais uma auxiliar, que entretanto estáde licença de maternidade. Funcionários são 15, mas Luísa "precisava do dobro".

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penhoras de imóveis são o pão nosso de cada dia, pessoas que deixaram de poder pagar e por isso perdem a casa. Vendem-se os imóveis, mas o dinheiro não chega, por isso

penhora-se o salário e o processo ali anda, anos e anos, até que a dívida fique saldada ou que a pessoa declare a insolvência. Às vezes, o "alvo" são os fiadores, que se vêem sem nada só porque há anos quiseram dar uma ajuda a um familiar ou amigo.

Execuções, comércio, trabalho, família... A crise adivinha-se nos novos processos que chegam todos os dias. O tribunal de Sintra foi recentemente notícia na sequência da decisão de retirar a uma mãe sete dos seus 10 filhos, por falta de condições para os manter. Estes casos têm aumentado tal como o incumprimento nas prestações de alimentos em caso de pais separados.

Carla, à espera num dos corredores, está ali por isso mesmo. O ex-marido, sentado na outra ponta do banco sem sequer a olhar, há meses que deixou de pagar a pensão e há dois filhos para alimentar, para mandar à escola e levar ao médico. Carla tem um olhar fugidio. Não gosta de estar ali, mas tem de ser. "Ele nem sequer está desempregado e eu sozinha não consigo. Alguém tem de fazer justiça".

OS NÚMEROS DO TRIBUNAL

Há dias em que há um milhar de pessoas no tribunal de Sintra. Não admira, numa comarca que abrange, potencial- mente, 600 mil utentes. Juízes e MP queixam-se, sobretudo, de falta de funcionários judiciais.

45 Magistrados judiciais no Tribunal de Sintra. No total da Comarca, incluindo Amadora e Mafra, são 53.

55 Magistrados do Ministério Público que exercem funções em Sintra. No total da Comarca ascendem a 74.

198 Funcionários judiciais, do Ministério Público e pessoal administrativo que presta serviço no tribunal em Sintra.

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600.000 O número de pessoas que abrange a comarca da Grande Lisboa Noroeste, potenciais utentes do tribunal.

€ 2.000. É o orçamento anual do tribunal, excluindo a despesa com salários. Maioria é para rendas e manutenção.

Filomena Lança | Jornal de Negócios | 16-04-2013

Referências

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