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FONTES PARA A HISTÓRIA AMBIENTAL: A AGRICULTURA ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS POLONO-BRASILEIROS

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FONTES PARA A HISTÓRIA AMBIENTAL: A AGRICULTURA ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS POLONO-BRASILEIROS

Rhuan Targino Zaleski Trindade (UFPR)

Resumo: No decorrer da colonização polonesa no sul do Brasil houve uma

preocupação dos colonos instalados e seus descendentes no âmbito rural, mas principalmente dos intelectuais emigrados, em produzir conhecimento sobre o meio ambiente e a relação dos colonos com seus recursos naturais. As informações produzidas eram divulgadas por meio escrito a fim de melhorar as condições agrícolas de seus patrícios e das colônias. Neste trabalho, estavam vinculados vários professores, padres, militares além de outros intelectuais incluindo membros representativos do Estado polonês, os chamados “instrutores”, enviados para as colônias com objetivos educacionais. Estes intelectuais foram responsáveis por escrever artigos, criar periódicos, dentre os quais, jornais, revistas, anuários, calendários, entre muitos outros, principalmente escritos em polonês e associados ao ensino daquele idioma nas escolas étnicas. O objetivo era distribuir entre os camponeses letrados, ou para leitura pública, artigos com intuito de permitir a melhoria dos resultados da produção agrícola, bem como distribuir meios para combate de pragas e sustentabilidade do solo. Vários jornais escritos em polonês contavam com apêndices nomeados de Rolnik (O Agricultor), os quais traziam informações sobre novos cultivos e métodos, adaptabilidade de plantas, informações para pequenas indústrias familiares de beneficiamento de produtos agrícolas, controle de insetos e de doenças animais, etc. Com base nestes pressupostos, nos propomos a analisar alguns destes periódicos polono-brasileiros, que eram escritos nas primeiras décadas do século XX, especialmente na década de 1930, e pensando estes jornais como fontes para o estudo da história ambiental, ademais da colonização polonesa.

Palavras-Chave: Imigração polonesa; periódicos; história ambiental;

Financiamento: CAPES

Introdução

A diáspora polonesa no Brasil configura-se durante a imigração massiva de europeus do final do século XIX ao início do XX. Ao longo da instalação e desenvolvimento dos poloneses no novo país, eles criaram diversos espaços de sociabilidade e uma série de instituições focadas na vida cultural polonesa, nas quais são notórios os periódicos. Estes periódicos eram escritos em polonês e são ricos em informações, visto aportarem relatos diversos que versam sobre economia,

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cultura, educação, religião, esporte, dentre outros aspectos atinentes ao grupo étnico polonês.

Dentre a múltipla gama de periódicos existiam, para além dos jornais mais amplos divulgadores de notícias variadas, aqueles com características particulares, como jornais e folhetos partidários, literários, agrícolas, satíricos, humorísticos, educacionais, religiosos voltados à Igreja Católica, outros de instituições estatais polonesas, bem como de associações culturais étnicas.

Balizados nesta produção de impressos periódicos, percebemos que no decorrer da colonização polonesa, alguns jornais tornaram-se locus de produção de artigos sobre o âmbito rural, isto é, eram publicados aportes sobre a agricultura e sobre o espaço natural ocupado pelos poloneses com objetivos de desenvolvimento rural e melhorias econômicas dos colonos. Muitos intelectuais, sejam imigrantes ou descendentes, eram responsáveis por escrever e divulgar os artigos, muitas vezes sendo os próprios redatores ou editores dos jornais. Foi nas colônias agrícolas do sul do Brasil, que se desenvolveram a maior parte destes periódicos, mas também eram editados nas capitais, onde existia um grupo intelectualizado capaz de redigir os textos.

Nosso objetivo é discorrer e analisar alguns periódicos escritos em polonês no sul do Brasil a fim de pensá-los como fontes para a escrita da História Ambiental, além da História Agrária e Rural. Concentramos nossas fontes nos anos 1930, quando há uma maior proliferação dos jornais, visto que a comunidade polonesa já está instalada na sociedade receptora (depois de algumas décadas de fixação) e institucionalizada (com associações culturais, esportivas, etc.).

Periódicos polono-brasileiros, imigrantes e identidade étnica

Periódicos podem ser instituições (BERGER, LUCKMAN, 1973), as quais são conformadas por grupos sociais específicos. Chamamos grupos étnicos, aqueles conformados dentro de um contexto interacional determinado por predicados étnicos a partir da constituição de fronteiras estabelecidas por um autorreconhecimento e um heterorreconhecimento, que criam um “nós” e os “outros”. Os grupos étnicos

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podem criar instituições, as quais recebem atributos igualmente étnicos, a fim de manter a coesão grupal e/ou criar ou reforçar a sua identidade por diferentes razões. Ocorre um processo de “institucionalização étnica”, da qual os periódicos são parte: o que chamamos de “imprensa étnica”.

No Brasil, a conformação de grupos étnicos está especialmente vinculada à imigração, bem como, vários dos grupos imigratórios igualmente estabeleceram processos de “institucionalização étnica” ao fundarem centenas de impressos periódicos vinculados a cada etnicidade conformada no Brasil. Um marcador importante desta etnicidade através dos periódicos era a utilização da língua materna.

Os poloneses, dentro do contexto essencialmente rural1, inicialmente tiveram dificuldades em criar jornais, posto que a “institucionalização étnica” depende de uma classe média (urbana) com tempo e recursos. Mesmo assim, muitos jornais e outros tipos de impressos se desenvolveram na colônia polonesa. Neste trabalho vincularam-se intelectuais imigrantes e descendentes, laicos e clericais, notadamente padre emigrados. Dentre os articulistas havia professores, intelectuais acadêmicos renomados, agricultores, clérigos, médicos, entre outros.

Como a maior parte dos poloneses eram colonos, informações agrícolas poderiam ser interessantes para aumentar a circulação dos jornais e expandir a tiragem, servindo como chamariz para outras intenções dos redatores e editores, bem como divulgação de propagandas.

Podemos imaginar que os periódicos tinham um público leitor razoável, primeiro, pelo fato de até aquele momento, as escolas polonesas no Brasil

1 Segundo o periódico polono-brasileiro Kalendarz Ludu (Calendário do Povo) de 19481, a imigração polonesa

se constituía em 95% de camponeses, 3,5% de operários e artesãos, 1% de comerciantes e 0,5% compondo a

intelligentsia, sendo os últimos, imigrantes urbanos ou políticos. Wachowicz (1974, p. 112-3) chega a afirmar

que “Emigrava somente o povo miúdo” e que “A chamada “intellegéntia” não emigrava”. Gardolinski (1956) assevera que “os melhores filhos da Polônia”, ou seja, a elite letrada do país, não emigrou para o Brasil preferindo outras nações (o que definiria o caráter predominantemente agrário da colonização polonesa). Esta poderia ser uma das razões da menor produção literária polonesa em relação aos seus congêneres alemães e italianos, uma vez que, de acordo com o que apontamos sobre a institucionalização étnica, a existência de um seguimento letrado médio na população migrante é fator importante para o aparecimento da imprensa étnica. Apesar de não ser a maioria dos imigrantes, vários intelectuais poloneses imigraram temporariamente ou definitivamente ao longo do tempo. Muitos dos quais se dedicaram à criação de periódicos.

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funcionarem praticamente sem restrições e até com incentivos dos poderes públicos especialmente no âmbito rural e, claro, pela leitura pública dos jornais, em que um letrado local (professor, padre, médico, etc), poderia juntar grupos de colonos e ler as notícias (funcionando também como um filtro para aquilo que achava ou não interessante de ser repassado para os colonos).

A linguagem dos textos não era exatamente acessível para a maioria da população, o que nos leva a pensar que os textos eram voltados às pessoas especificamente responsáveis por tentativas de inovação e desenvolvimento rural no seio da comunidade, papel que era exercido por diferentes indivíduos, líderes intermediários que tinham acesso aos periódicos, e faziam o repasse das informações.

Klug (2004, p. 25), tratando da imprensa alemã, corrobora a importância dos jornais étnicos para a população rural dado que: “quase todos [os jornais] mantinham um suplemento literário e/ou com informações sobre agricultura”. É justamente a população rural, que não era bilíngue, aquela que vai sofrer mais com as restrições à imprensa estrangeira durante o Estado Novo.

Em geral, os periódicos eram de múltiplos assuntos e destacavam partes ou um caderno específico para a agricultura. Nos jornais polono-brasileiros, então, eram escritos artigos sobre novos produtos agrícolas, mas também pecuária, além de métodos de cultivos de plantas já conhecidas pelos colonos, excertos sobre combate a pragas como a lagarta, sobre o calendário agrícola, solos, as escolas/círculos agrícolas, pastagens, entre muitos outros assuntos que faziam parte do universo mental e de trabalho do camponês polonês. Jornais como Lud (O Povo), Nasza Praca (Nosso Trabalho), Prawda Polska w Brazylii (A verdade polonesa no Brasil), entre outros, tinham suplementos e espaços destinados ao tópico agricultura com títulos como Rolnik (O Agricultor), comum em vários cadernos das publicações.

O objetivo geral era entregar ao agricultor uma série de valiosas notícias profissionais, novas formas de cultivo ou culturas desconhecidas, os últimos preços dos produtos agrícolas nos principais mercados, etc. O desejo era de que a imprensa popularizasse novas ideias e contribuísse para melhorar economicamente as colônias.

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O Odrodzenie (Renascimento), que tinha o suporte Rolnik (O agricultor), o qual contava com artigos específicos sobre a temática do campo, foi no Rio Grande do Sul, talvez o jornal escrito em polonês mais destacado, apesar de durar apenas de 1930-1934. Além disso, no Paraná, segundo Potopowicz (1936, p. 209) “Um desenvolvimento muito positivo neste campo foi o aparecimento em 1933 de uma nova revista intitulada "Nasza Praca"”2 [Nosso Trabalho], mensário, que detinha um departamento de agricultura, o qual entregaria muitas mensagens de colonos e assessoria técnica, cartilhas e manuais, artigos, dicas e instruções para agricultores novatos, surgido portanto, da necessidade de leituras especializadas e tendo sido apreciado pelos colonos poloneses (1936, p. 77).

O Nasza Praca (Nosso trabalho) era de Curitiba e também contava com o apêndice chamado Rolnik, assim como o Lud (Povo) igualmente da capital paranaense. Podemos citar também outras publicações percorrendo as bibliotecas das instituições e sociedades agrícolas da época, que tinham espaços para a agricultura: o Przyjaciela Ludu (Amigo do Povo), Pobudkę (Alvorada), Głos Polski (Voz Polonesa), Orędownik (O procurador), Codzienny Niezależny Kurjer Polski w Argentynie (Diário Independente correio polonês na Argentina)3, os dois últimos escritos pelas colônias polonesas na Argentina.

É importante destacar que, tendo em vista a importância do elemento médio mais intelectualizado para o desenvolvimento de periódicos, é no Paraná e mais especificamente em Curitiba, onde estavam concentrados a maior parte dos intelectuais poloneses, justamente onde são fundados a maioria dos jornais. Em geral, são estes periódicos que vão circular pelas colônias polonesas de todo o sul e sudeste do Brasil, enquanto apenas alguns, muito efêmeros, são criados em outros estados, como o Rio Grande do Sul. O Lud, de longe o mais importante, longevo e lido periódico polono-brasileiro, por exemplo, chegou a ter uma tiragem de 4 mil

2 Bardzo dodatniem zjawiskiem w tej dziedzinie było ukazanie się w 1933 roku nowego miesięcznika p.t.

„Nasza Praca".

3 Odrodzenie, dezembro de 1933, notícia intitulada Czytelnia Centralnego Towarzystwo Rolniczego w Guarani

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exemplares e 25 mil leitores4 nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e também na Argentina e no Uruguai. O Nasza Praca, primeiro bissemanal e depois mensal, tinha cerca de 500 exemplares. O Odrodzenie, o maior do Rio Grande do Sul, apesar da curta duração (1930-1934), tinha cerca de 1000 exemplares e alguns autores afirmam que chegavam a todas as colônias polonesas do estado.

Periódicos poloneses e o “desenvolvimento rural”: fontes para a história ambiental

Entendemos, assim como Worster (1991, p. 199), que o objetivo da História Ambiental é aprofundar o nosso entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos afetados pelo seu ambiente natural e inversamente, como eles afetaram esse ambiente e com que resultados. Ou como coloca Drummond (1991, p. 202), a história ambiental deve ser pensada também no domínio sócio-econômico na medida em que este interage com o ambiente levando em consideração as ferramentas de trabalho, com as relações sociais que brotam desse trabalho, com os diversos modos que os povos criaram de produzir bens a partir de recursos naturais. Assim, a agricultura é um elemento fundamental da relação do homem com a natureza, como espaços interdependentes, que se afetam mutuamente.

Nesse contexto, a imigração polonesa está intimamente vinculada ao âmbito rural, visto ser a maioria dos imigrantes colonos, provindos já de uma experiência na agricultura desde a Europa (onde eram na sua maioria camponeses). A instalação nas regiões de matas no sul do Brasil é um capítulo importante da História Ambiental, pois contempla o relacionamento de um elemento migratório externo com um ambiente exótico, o que implica no desmatamento em profusão ao longo dos séculos XIX e XX, acompanhado pela substituição da floresta pela agricultura com a introdução e adaptação de diferentes práticas e culturas.

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A imbricação de colonos e mata atlântica tem sido fator gerador de estudos (NODARI, KLUG, 2012) sobre práticas agrícolas e seu impacto e modificação do espaço natural nas regiões de ocupação por imigrantes e reimigrantes no Brasil, isto é, as chamadas regiões de colonização. A apropriação de técnicas indígenas e dos caboclos locais e a implementação de métodos europeus são reiterados na literatura sobre imigração (ROCHE, 1969) e já foram tema analisado contemplando os poloneses (TRINDADE, 2015).

Os periódicos que analisamos nos permitem pensar esta relação dos imigrantes com o meio ambiente, especialmente nos anos 1930, já com as comunidades de poloneses instaladas há algumas décadas. Neste momento, são produzidos textos com o objetivo de mudar as práticas agrícolas dos camponeses com diferentes objetivos, seja a melhoria das condições materiais e alimentares dos colonos, a produção de commodities ou a especialização em determinado produto para beneficiamento ou industrialização, ou ainda a melhoria da pecuária e aumento da colheita de determinadas culturas.

Um bom exemplo aparece nos jornais Rolnik de maio de 1932 e no Nasza Praca do mesmo ano, os quais relatam questões referentes aos problemas da crise agrícola que afetava a região do noroeste do Rio Grande do Sul, impulsionada em função de uma grave seca e por resquícios da crise de 1929. Os preços dos produtos coloniais eram considerados baixos e controlados pelos comerciantes, que vendiam os seus artigos extremamente caros para os colonos. No Rolnik, o redator faz uso do periódico pensando a necessidade de organização dos camponeses para melhorar suas condições de vida.

Os jornais também destacam a crise da banha no sul do Brasil, em que o preço do produto, um dos elementos de sobrevivência dos colonos poloneses, entre os quais a criação do porco era uma constante, cai no mercado. Segundo o Nasza Praca de julho de 1932 “Como no Paraná, a crise econômica tocou também os nossos agricultores Rio-grandenses” (Tak jak i w Paranie, kryzys gospodarczy dotknal i naszych Riograndeńskich rolników), os quais segundo o jornal dependiam da produção suína e artesanal de banha, a qual sofreu com a perda do valor e consequente baixa nos preços ditados pelos comerciantes.

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As crises e problemas na agricultura eram um tema central, pois informavam as condições do campo para os leitores e propunham soluções. Outro exemplo é quanto a uma invasão de gafanhotos ocorrida5 na região missioneira gaúcha nos anos 1930, acontecimento que marcou o ambiente rural do período e atingiu fortemente a colônia polonesa de Guarani das Missões. O Nasza Praca de dezembro 1933 indicou a utilização da planta conhecida como “esporas”, “esporinhas” ou “esporas de galo” para repelir os gafanhotos, ensinado como deveria ser plantada em meio aos cultivos e onde obtê-las.

Naquele mesmo período, Ceslau Biezanko, um imigrante polonês, agrônomo e entomologista especialista em lepidópteros reconhecido internacionalmente por seus trabalhos, desenvolveu vários métodos para destruir as larvas de gafanhotos em vários estágios de seu desenvolvimento e também prescreveu um procedimento para usar os insetos mortos para fins agrícolas.

O cientista publicou diversos artigos, por exemplo, no Lud, de Curitiba, em 1934, intitulados: O inwazja szarańcza (Sobre a invasão dos gafanhotos) de 14 de março, Najważniejsze wiadomości o rozwoju szarańcza (A notícia mais importante sobre o desenvolvimento de gafanhotos), de 18 de abril, Dalsze wiadomości i uwagi o tępieniu szarańcza (Para mais notícias e notas sobre o extermínio de gafanhotos), de 25 de abril. Nestes artigos, o autor emprega seu conhecimento de entomologia para descrever os animais e o modo de proceder para exterminá-los. Assim, os textos tem um caráter técnico e científico, inclusive, Biezanko publica textos de revistas internacionais no Lud no mesmo período, produzindo artigos sobre cebola, sal de cozinha, árvores, etc.

No Odrodzenie outros autores publicaram artigos sobre o assunto: Przyczynek do zwajomości wędrowek (Contribuição para o conhecimento de

5 Num exemplo claro do problema verificamos a reportagem do Lud de 16/12/1933, quando um trem fica preso

devido à revoada de gafanhotos; revelando ainda que segundo relatório de Porto Alegre os danos causados aos agricultores eram enormes. As nuvens de gafanhotos obstruíam, até mesmo, paralisaram o tráfego ferroviário. Segundo o periódico “Em algumas áreas, os agricultores estão se voltando luta feroz de gafanhotos” destacando que em Guarani grandes serviços na luta contra aqueles insetos são do engenheiro Sr. Czeslaw Biezanko que, “como especialista em direção a esse campo da ciência, fez descobertas interessantes” para combater as pragas.

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caminhadas), de 25 de maio e notícias como Szarańcza z Guarani (Gafanhotos em Guarani), de maio de 1933.

Observamos também, através dos jornais, tentativas de introdução de novos cultivos, como por exemplo a soja, a qual naquele momento era ainda pouco explorada pelos agricultores. No Paraná, J. Anusz, então ex-religioso diocesano polonês foi proeminente na divulgação de escritos sobre o tema. O ex-padre escreveu diversos artigos relacionados à agricultura, por exemplo, nos periódicos Polonia Riograndeńska (Polonia Rio-Grandense)e Polski Kalendarz (Calendário Polonês), ambos de 1932, explicando as potencialidades da soja como alimento animal e possivelmente humano, além disso, propõe métodos e técnicas de cultivo e manejo do produto, desde a semeadura até a colheita, identificando entre os colonos poloneses, possibilidades para a planta em nível industrial.

Destacamos outros textos vinculando poloneses e soja no mesmo período, como o da redação do Nasza Praca, de Curitiba da década de 1930, nos quais o foco é o uso da soja na alimentação humana para além do consumo animal, considerado já mais desenvolvido aquela altura. O artigo Używanie soji dla celów kuchennych (O Uso da soja para a cozinha), trata da soja como importante para a modificação da alimentação do colono, trazendo suas potencialidades e utilidades como substituto da batata, para fazer macarrão, biscoitos e bolos, pão, café e inclusive para fazer o típico prato polonês, chamado, pierogi6. Segundo o periódico,

seu objetivo era familiarizar os leitores com métodos de uso da soja na cozinha e convencer o valor do produto nesta área, desde que houvesse cuidado na preparação e seguir um conjunto de técnicas específicas.

O artigo segue explicando o modo de proceder para a extração do óleo de soja, em que se necessitaria de implementos e peças de materiais com certa tecnologia (prensas hidráulicas e rolos, além de um moinho, caldeiras ou o uso de solventes como éter e benzeno). Alertavam ainda para o fato de o óleo de soja ser um substituto para a manteiga e para a fabricação de vernizes (incluindo o óleo com

6 Tipo de pastel típico da Polônia e outros países do leste europeu, que pode ser cozido, assado ou frito, sendo

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fervura sal com litargo), sabões macios ou de potássio, o produto de velas, tintas a óleo, linóleo, substitutos de borracha”, além de “usá-lo como um lubrificante e iluminação”7. Por fim, o periódico aponta o uso da leguminosa como adubo e que a “Soja, como uma planta com uma vasta gama de usabilidade, de fácil cultivo, com alta eficiência e rentabilidade, e muitos mais outros motivos deve ser cultivada em qualquer lugar, onde quer que seja possível os cultivos”. Apontando a necessidade dos agricultores de verem como uma planta para o futuro e prosperidade econômica8.

O supramencionado cientista Ceslau Biezanko, ao ter passado pela colônia polonesa de Guarani das Missões, também foi responsável pela distribuição e cultivo da soja entre os poloneses. No Lud (O povo) de Curitiba, o cientista publica vários artigos em março de 1934 sobre o produto e sua aclimatação no noroeste gaúcho, bem como sobre a história da leguminosa, suas potencialidades e os resultados obtidos com o seu trabalho junto aos colonos poloneses. Mais tarde, o cientista iria receber o título de “introdutor da soja no Rio Grande do Sul” (TRINDADE, 2015).

Biezanko também escreveu artigos sobre outros produtos, em especial, a criação de bichos-da-seda, sob os quais dedicou várias páginas do Odrodzenie, enquanto esteve em Guarani das Missões. Através do jornal, o cientista divulgava encontros de associações e da sua escola agrícola na colônia, este outro ponto importante dos periódicos. A organização agrícola e a educação rural eram vistas naquele período entre alguns intelectuais poloneses, enquanto elementos capazes de melhorar as condições econômicas e culturais dos agricultores.

Em Guarani das Missões, o padre vicentino9 Jan Wróbel escreveu sobre o tema da escola agrícola tanto no Lud de Curitiba como no Odrodzenie de Porto Alegre. O padre era um autor ativo também na divulgação de ideias relacionadas ao

7 Olej z soji ma także wielkie zastosowanie w technice, a więc używa go się do wyrobu pokostu (w tym celu olej

z soli gotuje się z glejtą), mydel miękkich czyli potasowych częściowo tj oprócz innych tłuszczów do wyrobu mydel twardych, czyli sodowych, do wyrobu świec, farb olejnych, linoleum, do wyroba surogatów gumy i artykulów nieprzemakalnych wreszcie oleju z soji używa się jako smaru i do oświetlania.

8 Soja, jako roślina o wszechstronnej użyteczności, latwa do uprawy, o dużej wydajności i opłacalności i z wielu

jeszcze innych względów powinna być uprawiana wszędzie, gdzie tylko uprawa jej jest możliwa Im wcześniej rolnicy zrozumieją pożytek z uprawy soi, tem prędzej zna dzie ona należne jej rozpowszechnienie.

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associativismo polonês, dando exemplos das ações dos alemães, italianos e da Polônia e evidenciando a necessidade de organização para defesa do colono frente aos comerciantes e para a melhoria das condições da agricultura. Para o padre Wróbel10, todas as atividades para o desenvolvimento do nível da agricultura e da criação de animais dependiam da organização, pois ela traria vantagens morais e materiais aos colonos, os quais na medida em que tomassem consciência destas vantagens deveriam somar esforços para angariar membros e melhorar sua administração, apenas desta maneira os objetivos seriam alcançados, sendo capaz de garantir futuro bem-estar e tirar o agricultor da posição crítica, que ocuparia.

O padre destacava também a importância da seleção e melhoria dos produtos agrícolas, tanto de origem vegetal como animal, bem como a consequente industrialização (formação de agroindústria) através da moagem, destilação, produção de óleo, etc., principalmente da beterraba, batata, cereais e sementes. Wróbel e Biezanko trabalharam em conjunto em Guarani das Missões durante os primeiros anos a década de 1930 e desenvolveram o setor agrícola da colônia neste período não deixando de escrever nos periódicos. Os dois ajudaram na criação do apêndice Rolnik (o agricultor), que era escrito em Guarani das Missões, não apenas pelos autores citados, mas também por professores locais, médicos e outros intelectuais poloneses que se dedicavam às questões da agricultura. O apêndice era editado na Tipografia Polonesa em Porto Alegre e saía como parte do Odrodzenie.

Todos estes exemplos permitem observar a divulgação de ideias que existia dentro da colônia polonesa através de textos e artigos em periódicos escritos no idioma dos colonos. Como afirmamos anteriormente, esta imprensa atingia os lares dos agricultores e era importante para eles, pois o material comportava a divulgação de resultados e do desenvolvimento de atividades práticas, bem como a idealização de novas ações futuras para os agricultores poloneses, numa conjuntura que visava a melhoria do âmbito rural e consequentemente a sua situação econômica, dentro de um contexto de solidariedade étnica, que relacionava os colonos com os intelectuais.

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Comentários finais

Os periódicos polono-brasileiros são fontes ricas para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à história rural, agrária e ambiental. Permitem o acesso a informações sobre a constituição da agricultura local da época, bem como ideais inovadores e desenvolvimento de práticas agrícolas com o intuito de divulgar entre a população rural polonesa.

Em alguma medida, eram espaços de desenvolvimento científico, conformados para divulgar novas técnicas e cultivos para fomentadores da agricultura nas colônias, isto é, lideranças locais reconhecidas pelos colonos, tanto padres, como intelectuais leigos (professores, médicos, militares, etc.). Estes poderiam utilizar os artigos para suas atividades com os agricultores.

Alguns intelectuais renomados, como Ceslau Biezanko, divulgaram suas pesquisas nestes periódicos. Vários padres e professores interessados pela prática agrícola também escreveram diversos artigos demonstrando a necessidade não só de novos cultivos e métodos, mas também de associativismo e educação agrícola.

A existência de uma educação polonesa que trazia o letramento para os agricultores e a leitura pública dos jornais, são fatores os quais demonstravam a existência de um público leitor importante. A circulação dos periódicos pelos três estados do sul do Brasil e as tiragens relativamente significativas, são exemplos da dinamicidade e presença destas instituições no seio da sociedade polono-brasileira, o que torna o estudo destes documentos premente.

Em suma, pretendemos com este texto demonstrar como os periódicos polono-brasileiros, em especial dos anos 1930, apesar das dificuldades com o idioma polonês para os pesquisadores atualmente, são fontes ricas para pensar as questões relacionadas com a história do mundo rural e camponês sul-brasileiro conformado muito particularmente por colonos estrangeiros como os poloneses.

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