O presente artigo busca apontar algumas dificuldades de convivência entre o novel incidente de resolução de demandasrepetitivas, previsto no artigo 976 e seguintes do novo Código de Processo Civil e o atual estado da arte do processo coletivo brasileiro. Inicia-se com a descrição dos contornos do instituto criado no Brasil e a comparação com o parâmetro do procedimento modelo alemão para o mercado de capitais. Depois, procura-se contextualizar o incidente no sistema de precedentes inaugurado pelo novo Código de Processo Civil e aponta- se para o perigo da má utilização somente com o fim de julgamento em massa de processos. No final, trata-se da centralização do poder decisório nas instâncias superiores e se aprofunda nas incompatibilidades entre o incidente e o processo coletivo brasileiro.
O utilitarismo é uma filosofia moral que prega o Princípio da Maior Felicidade, de modo que qualifica a ação humana como moralmente boa, se seus resultados promoverem maior bem que mal, a partir do cálculo entre felicidade e sofrimento. O sistema de tutelas coletivas brasileiro criou o Incidente de Resolução de DemandasRepetitivas para os julgamentos de massa. Essa foi uma resposta utilitarista aos problemas de assoberbamento do Judiciário, diante da imposição de inúmeras causas repetitivas, adotando a ideia de maximização do bem-estar processual, a partir da aceleração dos julgamentos ocasionada pela replicação da decisão às situações jurídicas idênticas.
No primeiro, o foco centrou-se no tema Processo civil, ações coletivas e direitos sociais, momento em que se debateu sobre temas de extrema relevância no universo do processo, tais como o sistema de class actions, mínimo existencial em ações de saúde, gestão de litígios de massa, entre outros. No segundo grupo destacou-se o enfrentamento verticalizado do tema Novos contornos da ação civil pública, vindo à tona principalmente questões relacionadas à possibilidade de julgamento fracionado nestas ações, bem como sua relação à técnica de reconvenção, além da vinculação à defesa de direitos previdenciários. No terceiro, os olhos voltaram-se aos estudos dirigidos à clássica relação entre Processo e jurisdição, momento em que se discutiram temas de extrema relevância, tais como ativismo judicial, sistema de precedentes e a função jurisdicional de agências reguladoras. O quarto grupo discutiu o Incidente de resolução de demandasrepetitivas, o fazendo numa perspectiva crítica e também técnica, quando se vinculou o tema à análise econômica do direito, bem como à questão da independência do Poder Judiciário e sua relação ao incidente. O quinto e último grupo proporcionou o debate da Técnica processual, com ênfase principalmente à fase de liquidação de sentença, sentença estrangeira de divórcio consensual, estabilidade da tutela provisória, saneamento do processo, negócio jurídico processual e honorários de advogado no novo código de processo civil.
Cumpre ratificar outra inovação de suma importância ao ordenamento jurídico brasileiro, trazida pelo legislador, também, no ano de 2015, que é o Incidente de Resolução de DemandasRepetitivas. Tal instituto surgiu em razão do volume exorbitante de demandas que sobrecarregam o Poder Judiciário brasileiro, considerando que a sociedade, cada vez mais conhecedora de seus direitos, tem buscado a justiça para pleitear contra a violação destes. Assim, muitas demandas semelhantes, apresentadas ao judiciário, embora com sentenças prolatadas em contraste entre si, passaram a ser questionadas. Com isso, o objetivo do legislador é promover a uniformização da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro, visando a segurança jurídica com a resolução de lides semelhantes de maneira uniforme.
O incidente de resolução de demandasrepetitivas consiste em um instrumento processual que visa estabelecer uma tese jurídica única, para a pacificação de demandasrepetitivas. Esse incidente é formado a partir de casos concretos, com demandas que se repetem. Sofia Temer define que “o objetivo precípuo do incidente é fixar um único entendimento sobre questão de direito, que deverá ser seguido pelo próprio tribunal e pelos juízos inferiores quando estes forem julgar demandas em que se discuta tal questão” (TEMER, 2016). Marinoni (2016, p. 161) conceitua que o objetivo do IRDR: “é uma técnica processual destinada a criar uma solução para as questões replicadas em múltiplas ações pendentes, é um meio que poderá ser suscitado para solucionar casos existentes ou futuros.
Neste trabalho, faz-se breve análise histórica dos fatos que conduziram o Poder Judiciá- rio a uma intensa sobrecarga de trabalho que teve como consequência imediata a crise na prestação jurisdicional, caracterizada pelo aumento da morosidade e a proliferação de decisões divergentes. Demonstrar-se-á que a preocupação do legislador com esse quadro protagonizou uma série de alterações no sistema processual, desde o incentivo à tutela coletiva de direitos em sentido estrito até os instrumentos mais recentes de valorização dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Ao final, trata- -se especificamente do incidente de resolução de demandasrepetitivas previsto no novo Código de Processo Civil, instituto que reforça a tendência de valorização da jurisprudência e complementa a tutela coletiva de direitos, o que se fará a partir de uma análise compara- tiva com as normas processuais do sistema de tutela dos direitos individuais homogêneos.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis aprovou o enunciado 88, com o seguinte teor: “Não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a instauração do incidente de resolução de demandasrepetitivas e, por isso, não é admissível qualquer interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”. Em que pese enunciado neste sentido, deverá ser observado, após, a entrada em vigor do novo CPC, o entendimento firmado pelos tribunais a respeito de aludido dispositivo, isso porque, a hipótese de cabimento de tutela envolvendo questões previdenciárias, tributárias e outras de ampla afetação no âmbito nacional, via de regra, é interpretada restritivamente.
O Poder Judiciário tem pouco poder de coerção direta sobre os destinatários de suas deci- sões. A prática, entretanto, demonstra que, em geral, os litigantes obedecem às decisões judi- ciais. Importante realçar, porém, como sinala Birmingham, que em grande parte eles assim o fazem porque tais decisões são vistas como um produto de uma aplicação racional de regras legais e não produto de meras apreciações políticas ou pessoais do juiz. O respeito ao que ficou decidido no incidente de resolução de demandasrepetitivas é importante não somente porque os indivíduos estruturam seus comportamentos baseada nos preceden tes, “mas porque fidelidade ao precedente é parte e parcela de uma concepção do judiciário como uma fonte de julgamentos racionais e imparciais ” (BIRMINGHAM, 1971, pp. 541 e ss.).
Espera-se dentro desta safra de juristas e operadores do Direito estudiosos da Lei n. 13.105, que prevaleça no âmbito dos Tribunais o bom senso, no intuito de afastar a taxatividade do instituto do incidente de resoluções de demandasrepetitivas, como uma chancela para rotular todos os processos sob a mesma régua, como veículo de ceifar um manancial de processos, sob o signo do incidente de resolução de demandasrepetitivas àquelas demandas oriundas de indivíduos necessitados de uma prestação jurisdicional eficiente, célere e justa, sob pena de impedir um julgamento igual, justo socialmente e comprometido com a democracia.
Por fim, apesar de o incidente de resolução de demandasrepetitivas ainda não ter sido aplicado na jurisdição brasileira, o que revelaria concretamente suas reais dificuldades em realizar a tutela dos direitos individuais coletivizados, é importante traçar linhas críticas sobre a aplicação desse instituto tal como está previsto. Não se pretende aqui indicar soluções definitivas aos problemas levantados, mas apenas, a partir da conjugação dos diferentes instrumentos de tutela dos direitos coletivos, pátrios e estrangeiros, e dos conflitos aparentes de normas, apontar as possíveis falhas já premeditadas pela doutrina que podem inviabilizar a efetiva aplicação do IRDR, bem como os pontos em que o legislador ainda pode incrementar o projeto do novo CPC que poderiam assegurar uma melhor aplicação do mesmo.
O presente trabalho pretende analisar o sistema de precedentes previsto pelo Novo Código de Processo Civil, em confronto com o modelo proposto pela tradição da common law. O estudo desenvolve temas importantes como a estabilidade e uniformidade das decisões judiciais, enfrentando a questão da atividade interpretativa do juiz, além da criação, aplicação e superação dos precedentes. Por fim, o trabalho estabelece os problemas encontrados no incidente de resolução de demandasrepetitivas como instrumento de padronização decisória. A análise comparativa de mecanismos similares em outros ordenamentos, especialmente no direito alemão, inglês, espanhol e português, auxilia a compreensão do incidente.
A questão da celeridade e da efetividade da Justiça está inserida nas atuais discussões doutrinárias e jurisprudenciais brasileiras. O novo Código de Processo Civil criou o Incidente de Resolução de DemandasRepetitivas, com aplicação direta aos conflitos de massa cujo objeto tenha como fundamento a mesma questão de direito. O objetivo específico da pesquisa foi verificar se o Incidente sofre influência da Common Law. O trabalho foi elaborado com a utilização do método dedutivo, por meio de análise da doutrina, da legislação e da jurisprudência. Em conclusão, tem-se como admissível a influência da Common Law em relação ao Incidente.
Alguns aspectos que demonstram a relevância do precedente que advém do incidente de resolução de demandasrepetitivas consistem (i) na possibilidade de julgamento liminar de improcedência quando o pleito autoral divergir da tese adotada no incidente (artigo 332, III, do Código de Processo Civil); (ii) na possibilidade de que o relator negue provimento a recurso contrário à tese do incidente (artigo 932, IV, c, do Código) ou (iii) dê provimento a recurso interposto em face de decisão contrária ao entendimento do incidente (artigo 932, V, c, do Código); (iv) na dispensa de remessa necessária caso a sentença proferida em face da fazenda pública esteja em conformidade com o entendimento firmado no incidente (artigo 496, §4.º, do Código); (v) na possibilidade de concessão de tutela da evidência quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos” (artigo 311, II, do Código).
Empós, o mandamento constitucional no sentido de que cabe aos membros do Ministério Público proteger, através do inquérito civil e da Ação civil Pública, os interesses difusos e coletivos, 21 decorre analogamente que estará o parquet legitimado para apresentar o Incidente de DemandasRepetitivas com relação a direitos destas naturezas. Como se pode analisar pormenorizadamente alhures, cuidou o legislador originário de resguardar, por tutela do Ministério Público, os direitos difusos, posto que são transindividuais, de titularidade indeterminada, apesar da coletividade que representa ser interligada por circunstância de fato; bem como dos direitos coletivos, também oriundo do gênero dos transindividuais, se caracterizam por seus titulares, determináveis, se vincularem por uma relação jurídica entre si ou com parte adversária.
Sobre o assunto, tramita pela 2ª Seção do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, que abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, um processo sobre o tema que analisará por meio de Resolução de DemandasRepetitivas (IRDR) a polêmica que envolve a possibilidade da cobrança do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras. O Decretou nº 8.426, em vigor desde 1º de julho de 2015, restabeleceu a cobrança do PIS e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não- cumulativa das referidas contribuições – as pessoas jurídicas não financeiras sujeitas ao regime cumulativo continuam desobrigadas do pagamento do PIS/COFINS sobre essas receitas, restabelecendo as alíquotas, que estavam zeradas desde 2004, as quais foram fixadas em 4% para a COFINS e 0,65% para o PIS.
O novo código de processo civil, continuou uma tendência legislativa de valorização dos precedentes judiciais e trouxe como importante inovação, o incidente de resolução de demandasrepetitivas, que pode fixar teses jurídicas de observação obrigatória para todos os casos pendentes de julgamento e futuros. Essa verticalização da jurisdição é resposta aos altos índices de congestionamento do Poder Judiciário. O presente trabalho questiona se o mecanismo é o mais adequado e se este pode ser aprimorado sob o viés da teoria da democracia deliberativa e da ética de responsabilidade. Também objetiva-se discutir a obrigação de argumentar com interlocutores virtuais.
A definição da tese jurídica, objeto das demandasrepetitivas, não abrange apenas os detentores da controvérsia, mas gera efeitos perante toda sociedade, pela repercussão social, econômica e política que provoca. Logo, para que o instituto atinja o seu fim é necessário que haja uma ampla divulgação da veiculação das demandasrepetitivas, por isso mesmo o CPC/2015 prevê que a instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça (art. 979, CPC/2015).
No primeiro, o foco centrou-se no tema Processo civil, ações coletivas e direitos sociais, momento em que se debateu sobre temas de extrema relevância no universo do processo, tais como o sistema de class actions, mínimo existencial em ações de saúde, gestão de litígios de massa, entre outros. No segundo grupo destacou-se o enfrentamento verticalizado do tema Novos contornos da ação civil pública, vindo à tona principalmente questões relacionadas à possibilidade de julgamento fracionado nestas ações, bem como sua relação à técnica de reconvenção, além da vinculação à defesa de direitos previdenciários. No terceiro, os olhos voltaram-se aos estudos dirigidos à clássica relação entre Processo e jurisdição, momento em que se discutiram temas de extrema relevância, tais como ativismo judicial, sistema de precedentes e a função jurisdicional de agências reguladoras. O quarto grupo discutiu o Incidente de resolução de demandasrepetitivas, o fazendo numa perspectiva crítica e também técnica, quando se vinculou o tema à análise econômica do direito, bem como à questão da independência do Poder Judiciário e sua relação ao incidente. O quinto e último grupo proporcionou o debate da Técnica processual, com ênfase principalmente à fase de liquidação de sentença, sentença estrangeira de divórcio consensual, estabilidade da tutela provisória, saneamento do processo, negócio jurídico processual e honorários de advogado no novo código de processo civil.
RESUMO: Reiteradamente, na atividade jurisdicional, evidenciam-se decisões divergentes, mesmo quando se trata de casos análogos, quando não idênticos. Esta realidade afronta ine- quivocamente os pilares do Direito, assecuratórios da segurança jurídica, da isonomia e, per- functoriamente, a Justiça no caso concreto. Sob estes aspectos, emergem diversos pareceres de doutos juristas que, claramente influenciados pela doutrina britânica e estadunidense, con- cebem a necessidade de adoção de precedentes obrigatórios a vincular determinadas questões de direito. Certo é que a incidência dessas correntes doutrinárias advindas do common Law se verifica ainda bastante restrita nos tribunais pátrios, vez que inexiste, no ordenamento jurídico brasileiro, instrumento de vinculação cogente entre a atividade jurisprudencial. Contudo, é de ressalvar a presença das Súmulas Vinculantes, primeiro brado brasileiro concreto acerca de traços do Direito Jurisprudencial. Mais uma vez, apesar da importância deste instituto, ob- serva-se que seus efeitos ainda são limitados, posto que é de consolidação exclusiva pela Su- prema Corte Brasileira. O Projeto do Novo Código de Processo Civil permitirá que se supere décadas de existência de casos em que eram proferidas decisões finais divergentes proveni- entes de casos similares, ao consagrar o Incidente de Resolução de DemandasRepetitivas, instrumento de uniformização.
necessidade de maior maturidade do tema, ou seja, de maior discussão jurídica perante o Judiciário para a pacificação do tema. Essa maior discussão jurídica não ocorreria se o Tribunal Superior pudesse realizar a assunção de competência e já julgar o incidente. Isso não seria salutar, diante da própria divergência cultural do país. Parece-nos que o mais adequado no âmbito dos Tribunais Superiores seja a pacificação do tema por meio dos recursos representativos de controvérsias. “Em qualquer assunto, o dissenso inicial gera ambivalência, incerteza e, até mesmo, ignorância a respeito da amplitude das questões envolvidas e de suas implicações na vida de cada um dos sujeitos interessados no tema. A essa altura, quando ainda se iniciam as discussões e se instaura a polêmica, ainda não se chegou ao melhor momento para que o tribunal se posicione e fixe uma tese jurídica a ser aplicável a casos futuros. Tolerar o dissenso por algum tempo é, na verdade, uma maneira de permitir que o debate continue até que se alcance maior clareza sobre o assunto. Uma decisão sobre os pontos em disputa, que fixe a tese jurídica para casos futuros, não estabelece, de uma vez por todas, a ratio decidendi a ser seguida, ficando a questão em aberto e sujeita a novos questionamentos, com a apresentação de outros argumentos ainda não apreciados e sobre os quais não houve reflexão, análise, ponderação, exame pelo tribunal. É manifestamente alto o risco de haver sucessivas decisões afastando a aplicação do precedente, em razão de algum distinguishing, overruling ou overriding”. (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandasrepetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. ano 36. vol. 193. São Paulo: RT, 2011, p. 255 e ss)