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(3º andamento – Paródia)

No documento Alentejo: na demanda de um ethos musical (páginas 114-119)

Este andamento reflete a resolução de toda a tensão que se gerou nos dois andamentos anteriores conduzindo o processo harmónico à integração de elementos musicais antagónicos, pertencentes a outras linguagens e diferentes tempos históricos, especificamente o coral.

Podemos observar na figura 55 o esquema da organização formal do andamento.

A B C D

76 un. 123 un. 199 un. 47 un.

cp. 1- 19 cp. 20-58 cp. 59-109 cp. 110-120

sp.1 sp.2

(cp. 58) (cp. 122-125)

Fig. 55 - Sinfonia, Parte I.iii, de Bochmann: 3º and. Quadro da forma global

A primeira secção é constituída por 76 unidades em que a colcheia assume uma pulsação próxima dos 92 batimentos e, conforme indica o compositor, centra-se num acorde original em glissandos92, sendo que a estrutura harmónica deste acorde é formada pelos intervalos, do grave para o agudo, 11, 7, 7, 4, 3, provenientes do final do 2º andamento e ao qual se juntam os intervalos 4, 4, 3, 4.

Esta disposição idêntica ao acorde base do 1º andamento, pelo facto de se estruturar ainda no registo mais agudo por intervalos 3, e intervalos 4, irá facilitar a integração dos elementos em colagem, conforme referido anteriormente.

Da junção destas duas camadas resulta o acorde que se pode observar na figura 56. Sobre ele aparecerão alguns instrumentos com movimentos em glissando e que, sobrepostos à harpa e aos vibratos/pizzicatos requeridos nas cordas conferem uma particularidade tímbrica muito acentuada.

101 Fig. 56 - Sinfonia, Parte I.iii, de Bochmann: 3º and. Acorde inicial93

No compasso 5, sobre a camada sonora em que a densidade se altera pela interrupção (tacet) de vozes nos instrumentos em Ripieno (Vln1, Vln2, Vla, Vc e Cb.), surgem as intervenções do Oboé, Flauta, Sax alto e Clarinete, sobre a nota Mi, e que na dobragem que decorre, termina com gestos rítmicos, pequenos ricochetes, em que prevalece o intervalo 1. As Flautas articulam Mi-Fá, em tercinas de semicolcheias, o Oboé, sobre a nota Mi realiza um trilo, o Clarinete, antes, em fusas, e o Saxofone em colcheias. Os gestos da Flauta e do Clarinete são dobrados no compasso seguinte (cp.10) pelos Vln.I.1 e o Clarinete pela Vla.1,conferindo uma ligeira ornamentação a essa estrutura contínua, que nos compassos seguintes (número de ensaio 60) se vai desenvolvendo suave e delicadamente sobre uma dinâmica de pianíssimo.

O final desta secção que se verifica no compasso 19, mantém o mesmo tipo de gestos, sobressaindo os glissandi nas cordas, uns ascendentes sobre as notas mais curtas, outros descendentes que acontecem nas notas mais longas, promovendo a finalização da secção e conduzindo o discurso musical à secção seguinte.

De referir, ainda, neste final de secção, a alternância da percussão entre o Reco-reco e os T. Blocks. Este facto contribui para um fluxo de diversidade tímbrica que acontece num ambiente de efetiva serenidade.

Para além dos glissandi, dos trilos, das intervenções da harpa ou dos ricochetes estendidos que sugerem semelhanças auditivas ao próprio trilo pela utilização do tipo de intervalos, predomina o material do tipo O2, e que se refere às notas longas sustentadas.

102 Fig. 57- Sinfonia, Parte I.iii, de Bochmann: excerto do início do 3º and.

Na segunda secção, que se inicia no compasso 20, número de ensaio 61, é apresentada uma melodia em 4 instrumentos, nomeadamente o Vln.I.1, o Vln. II.1, a Vla. 1, e o Vc. 1. A

103 dobragem é feita sobre os intervalos 11, 7, 4, mantendo-se estável o campo harmónico precedente. Segundo Marecos, a esta melodia sobrepõe-se uma camada harmónica que implica um espectro natural de fundamental Fá # e da qual resultam 11 parciais harmónicos que obedecem às proporções naturais. Deste modo, firma-se uma estrutura perfeitamente equilibrada acusticamente e revestida de total consistência.

Assim, temos a sobreposição de uma camada melódica com uma constituição intervalar de dobragem relacionada com o universo explorado anteriormente (os int. 11, 7, 4) e que, como timbre artificial da linha, não se apresenta nas proporções naturais mas a sua disposição acusticamente equilibrada permite ouvir-se, de forma integrada com a camada de tipo espectral de fundamental Fá#0.

Sempre em sobreposição com a camada melódica (com os int. 11, 7, 4) a camada espectral, que se inicia a partir de Fá#, vai evoluindo através da exploração de espectros naturais de outras fundamentais de base, como Mib0 (compasso 31) permanecendo a nota Fá# no grave como uma pedal. Depois surge ainda o espectro de Ré1 (compasso 45) sobre duas notas pedais, Fá#0 e Mib0, pertencentes aos espectros anteriores.94

Tendo por base este campo harmónico formado pelo espectro natural de Fá#0 e os seus parciais distribuídos por várias oitavas, formaliza-se a colagem de duas linhas do coral Christ

lag in Todesbanden95, em mi menor, harmonizado por J.S. Bach. O teor do texto utilizado é

também significativo:

“Cristo estava envolto numa mortalha que os nossos pecados lhe trouxeram Ele levantou-se (ergueu-se) de novo e trouxe-nos a vida.”

Retrata, da parte do compositor, a intenção de manifestar o sentido de um tipo de música (tonal) que já padeceu, e o renascimento de um outro pensamento musical que desponta e se propaga no futuro.

É sobre o predomínio deste campo harmónico de fundamental Fá#, com os seus intervalos 3 e intervalos 4, e com outros Fá# distribuídos por várias oitavas, que é apresentado, no compasso 62, número de ensaio 67, o referido coral, primeiro nas cordas e depois nos sopros.

94 Marecos, Carlos, O equilíbrio das estruturas verticais na Sinfonia de Christopher Bochmann, p 25.

95 Christ lag in Todesbanden, für unsre Sünd gegeben, der ist wieder erstanden und hat uns bracht das Laben.

104 Abaixo, na figura 58, conforme mostra Marecos no trabalho já referido, apresenta-se uma redução analítica da interação entre o campo harmónico de origem espectral e o aparecimento do coral.

Fig. 58 - Sinfonia, Parte I.iii, de Bochmann: redução analítica da integração do coral no contexto anterior

O retorno à ambiência inicial procede-se através de uma melodia executada pelos Violinos I.1, o Violino II.1, a Viola 1 e o Violoncelo 1, no compasso 86, dobradas pelos

intervalos 11, 7, 4, onde se mantem o espectro harmónico de Fá# e ainda pelos trilos das cordas em Mi3 e Fá#3, gesto análogo ao utilizado pelos sopros na primeira secção. A inclusão dos glissandi no compasso 91 reforça esse retorno. O final da secção C inclui o regresso a um cluster, sustentado pelas cordas graves, em harmónicos e sobre o qual se sobrepõe uma textura executada pelos Violinos I, (cp. 98) em material do tipo O5 e pelos Violinos II e Viola 1 com

movimentos em glissandi.

A secção C (return to opening context), sendo a mais curta, apenas com 47 unidades, por um lado transporta o cluster feito sobre a nota ré, (como o original), proveniente do final da secção anterior, e que se dilui, para no número 75 de ensaio, nos compassos 116 a 121; por outro, define o acorde estruturado pelos intervalos recorrentes ao longo dos andamentos, ou seja, os int. 11, 7, 4, 3, 1, 2, o que confere retorno à sonoridade própria do início da obra. O final da secção inclui um cluster feito pelas cordas, Violinos I e Violinos II e pelos sopros, assente sobre a nota Ré (Ré, Mi bemol, Mi e Fá) e que se depreende ser a transposição de registo do mesmo cluster feito anteriormente nas cordas graves e onde a percussão reforça o carácter reexpositivo da ambiência original.

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No documento Alentejo: na demanda de um ethos musical (páginas 114-119)

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