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Em 28 de agosto de 1902, o jornalista Eduardo Magalhães escreveu longo artigo que foi publicado pelo Progresso Suburbano e que tratava sobre duas questões que afligiam a população suburbana: a má conservação dos logradouros e a falta de iluminação. Sendo assim, apontou os prejuízos no âmbito do comércio devido às ruas esburacadas e “sem a limpeza necessária”, pois os produtos chegavam com atraso ou em péssimas condições. Além disso, afirmou:

“(...) A freguesia de Inhaúma, tão rica e de zona extensíssima devia ser mais carinhosamente tratada pela Municipalidade, e é exatamente a que menos tem sido favorecida.

Que perigo para os habitantes, andar à noite por estas ruas, ermas, cheias de buracos, sem luz e policiamento!

(...)

E o transeunte que se recolhe a estas horas, ao lar, em busca de repouso, como não sente-se apavorado ao caminhar, tateando, por esses escuros caminhos?

Desprevenido, porque as nossas leis não dão o direito do cidadão andar armado, encontra que, além de roubá-lo dos fracos deveres, agride-o sem compaixão.

No dia seguinte a crônica policial lamenta o fato, pede providências e ... a autoridade abre o inquérito!

(...)

Por muito que queira policiar a sua circunscrição, por maior boa vontade que tenha a autoridade em cercar o cidadão honesto de garantias, cumprindo assim seu estrito dever, todos os seus esforços nulificam-se, porque no negror da noite, desaparecem os criminosos, ficando assim na impunidade.”256

Podemos notar que a opinião de Magalhães era bem diferente da de seu contemporâneo Lima Barreto. Para o jornalista, o anoitecer nos subúrbios preocupava os seus habitantes, devido à falta de iluminação das ruas, pois facilitava a ação dos ladrões. E, apesar de criticar a atuação da polícia, que só tomava ciência do crime através das páginas da imprensa, Magalhães acaba por minimizar a culpa dela, pois o “negror da noite” prejudicava o cumprimento do seu dever. Desse modo, reivindicava melhorias para os subúrbios em termos de infra-estrutura e, ao mesmo tempo, mostrava que tais problemas afetavam a segurança de seus moradores.

Contudo, é importante deixar claro que, em geral, as notícias relacionadas à polícia que apareciam nos jornais suburbanos eram distintas do artigo de Magalhães. Bem pontuais, elas serviam para informar o público-leitor sobre as apreensões realizadas. Por exemplo, em 24 de agosto de 1901, o delegado da 1ª circunscrição suburbana mandou recolher ao xadrez Pedro dos Santos que, dias antes, estava na estação do Encantado

“armado de uma faca de ponta (...) promovendo desordem e agredindo os transeuntes”.257 Em 3 de outubro do mesmo ano, Domingos Soares Pereira de Meirelles, português, dono de venda e botequim à Rua José Domingues, n. 36, também no Encantado, agrediu a foiçadas Marianno Francisco Ribeiro “por uma simples questão de tábuas que este fora reclamar”.258 Segundo o jornal, o agressor, “cujos precedentes não o recomendam muito”, foi preso em flagrante e o ofendido foi levado à Santa Casa de Misericórdia. Em 6 de abril de 1902, o cabo Francisco Gomes Pereira prendeu, na Rua Gomes Serpa, Affonso Rosas, suspeito pelo furto de uma caixa de folha de flandres com dinheiro.259 No dia 20 do mesmo mês, o “corajoso” anspeçada José Gonçalves Pereira prendeu os suspeitos Alvaro Martins Pereira, Antonio Lopes de Lima e Ambrosio Damasio da Costa na Estrada de Santa Cruz.260

Entretanto, nem sempre o objetivo de tais notícias era informar os leitores sobre o ocorrido, mas sim a polícia. Nesses casos, críticas à atuação dos meganhas eram feitas e acompanhadas por pedidos de providências. Em 22 de junho de 1902, por exemplo, o Commercio Suburbano tratou, em sua primeira página, sobre uma tentativa de assassinato. Galdino Campos Waladares, proprietário de um armazém de secos e molhados tinha como empregado Benedito José Simões, que, por seu “pouco zelo”, foi despedido. Em seu lugar, passou a trabalhar Felix Monteiro da Souza. Ao tomar conhecimento do fato, Benedito tentou esfaquear o seu substituto, mas como não foi bem-sucedido, evadiu-se. “Deste fato não teve conhecimento o cidadão Dr. Delegado da 1ª Circunscrição Suburbana a quem pedimos para averiguar.”261

Algumas semanas depois, na Rua Cesario Machado, esquina com a Gomes Serpa, os italianos Castro Ville e Caetano Bonifacio trocaram palavras e travaram luta corporal. Devido à interferência de populares, foram separados. Então, Caetano sacou um revólver e atirou contra seu adversário, mas não o atingiu. Ao final, afirma-se: “Não sabemos ainda quais as providências dadas pelas autoridades.”262 Nesse mesmo dia, por volta das 21h, na casa de pasto do “sr. Amorim”, localizada à Rua Dr. Manoel Victorino, n. 51, “um indivíduo de cor preta, em estado de embriaguez” entrou no estabelecimento e lançou uma 257 O Echo Suburbano, 24/08/1901, p. 2. 258 Idem, 9/10/1901, p. 1. 259 Cf. Commercio Suburbano, 15/05/1902, p. 1. 260 Cf. Ibidem. 261 Commercio Suburbano, 22/06/1902, p. 1. 262 Idem, 06/07/1902, p. 2.

pedra contra o caixeiro Manoel José Gonçalves, que foi ferido na testa.263 Além do distúrbio causado, o “sr. Amorim” também teve prejuízo, pois uma pia de mármore foi quebrada. Em seguida, o agressor fugiu, mas foi preso pelo dono da casa e por populares. “A polícia como sempre, foi quem por último soube do ocorrido!”.

Na Rua Botelho, próxima à estação da Piedade, moravam Nuno Bento Ferreira e Antonio Rego, que eram vizinhos. Há algum tempo, o primeiro andava implicando com o último e no dia 8 de junho, ele resolveu “ajustar suas contas”, chamando Antonio para a rua. Contudo, o conflito não aconteceu, pois algumas mulheres interferiram, “gritando e alarmando” toda a vizinhança. Nuno, que não conseguiu atingir o seu objetivo, jurou vingança. Por isso, os editores do jornal acharam por bem chamar a atenção das autoridades competentes, a fim de evitar mal maior.

Nota-se que o modo empregado pelos jornais para tratar de todos esses casos dá a impressão de que os envolvidos tentaram resolver as desavenças existentes, sem a intervenção da polícia. Ao que tudo indica, o pedido de providências partia dos próprios órgãos de imprensa, que além de informar sobre os diversos fatos que aconteciam na região suburbana, buscavam zelar pela harmonia e pelo bem-estar de seus habitantes. Contudo, veremos adiante que, em diversas situações, os indivíduos que brigavam também recorriam às “autoridades competentes”, quando se viam em desvantagem em relação aos seus adversários.