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O corpo-pesquisadora em imersão mestrado é percorrido por intensidades distintas, fluxos contínuos que o atravessam. Mas seria a escrita capaz de convocar essas forças a habitar o papel-tela? Será que a escrita dá conta? Será?? Perguntas que permaneciam suspensas nas silenciosas pausas dedos-teclado. Como convidar/convocar essas intensidades para habitarem a escrita?

Entendendo a ação de “habitar” o papel enquanto uma força política, uma maneira de dar a ver intensidades, através da escrita, que podem movimentar pensamentos, sensações; como o cartógrafo de Rolnik (2007), que vê a linguagem como possibilidade de proliferação, de “dar língua” para os afetos que pedem passagem e descobrir/inventar novas cartografias, outros mundos possíveis.

Ao pensar com Rolnik, então, trago também a própria escrita para ser encarada como força de pesquisa – um corpo-escrita que pode agregar possibilidades distintas de in- corporação de forças (escrita antropófaga?); e nesta ação de habitar o papel – as intensidades se movimentam e são movimentadas por palavras, imagens, sons, autores; forças que se aproximam e que se abrem a outros encontros.

Deleuze, em Crítica e Clínica (1997), diz de uma escrita de vida e de saúde, que ultrapassa a matéria da vida orgânica e encontra outros vividos – “é a passagem da vida

na linguagem que constitui as Ideias” (p.16). Uma vida múltipla que expande e movimenta devires constantes.

Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e o vivido. A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir-molécula, até um devir-imperceptível. Esses devires encadeiam uns aos outros segundo uma linguagem particular (...) O devir está sempre "entre" ou "no meio”: mulher entre mulheres, ou animal no meio dos outros”(DELEUZE, 1997, p.11, 12).

Escrita-com-vida-própria? Como a dança que toma o corpo da bailarina? Encontro de forças que viram outras forças...

Pensar/experenciar a escrita enquanto devir; uma escrita-viva que é, em vir a ser...

Escrita como vida; escrita para liberar/libertar a vida (vida que não remete apenas ao eu vivido, mas o extrapola desde lá de dentro). Vida das palavras, vida dos pensamentos, fio do tempo que entrelaça os pensamentos às palavras; as palavras à escrita; a escrita ao texto; o texto à tela (tela que convida as cores? e elas vêm?). Palavras-cores-para- penetrar-o-alvo-espectro. Pensamentos, ideias, sensações, afetos, que tecem o papel – uma superficie que se abre aos nossos olhos, lançando-nos a aventuras excêntricas, que como diria Godoy (2008), “não se sabe de antemão aonde se vai chegar, tampouco quais encontros se darão pelo caminho” (p.52); a exigência, porém, é “permanecer leve e ágil, sem sucumbir ao peso da interioridade” (p.49).

Palavras que, leves, são balançadas pelo vento? Vem, vento, vem. Ventilar a solidez da escita. Perfurar buracos nos muros da escrita-dissertação.

Nuvens que vagueiam por entre palavras, parágrafos e citações... Surgem por entre

buracos na superfície papel – brechas para desacomodar a própria escrita-que-se-quer- dissertação-de-mestrado. Vento, água, sol, atritos, que in-corporados ao papel convocam a passagem de luzes, cores, texturas, sombras, brilhos e opacidades. Materialidades que deslizam, escorregam a olhos vistos... E como apreendê-las antes que escapem velozes?

Queria escrever por imagens... Escrita por devires imagéticos? Foto-grafias, foto- poemas, foto-entrelaçamentos de ideias com vontade de se expandirem para um além

texto; extrapolar a escrita desde dentro da escrita-pesquisa. Texto-devir-imagem, imagem-devir-texto. Vira e desvira, entra virado. Imagem e escrita; escrita e imagem, e... e.... E... Grafias e foto(grafias) que se misturam umas às outras. Afastam-se e aproximam-se nos encontros efêmeros com os elementos do clima – que in-corporados à

E as nuvens foram se aproximando...

E os ventos anunciaram o cheiro de terra molhada. É chuva?

De súbito, deflagraram ventanias e cacimbos, gotas e poeiras, tudo se juntou num remoinho imenso e subiu nos céus, em girações e vertigens, até se formarem nuvens espessas e cinzentas. Depois, ribombaram trovões tamanhos que eu vi o céu rasgando-se como um papel sem préstimo. E logo se iniciaram as mágicas tintilações no nosso tecto. O zinco gargalhava com a chegada da chuva.

Foi a alegria total. E pulávamos, dançávamos, festejávamos. As gotas espessas escorriam por nós como se daquele banho fôssemos nascendo. - Vamos ao rio. Vamos agradecer, meu filho.

Eu não sabia como se agradece a um rio. À medida, porém, que os meus pés procuravam caminho entre as rochas eu entendia: não era ao rio que iríamos agradecer. Era ao fio do tempo, esse costureiro da água que entrelaçava o pingo da chuva com a gota do rio (COUTO, 2004, p.47,48).

Pois, enfim, é chuva! Seria, então, preciso rasgar o guarda-chuva para deixar um pouco desse inconcebível penetrar e movimentar a pesquisa? Convidar a chuva para tocar a pele-escrita, encharcar as palavras e deslizar seus sentidos... Chamar o vento para passear por entre folhas molhadas que se põe a secar ao sol e, quem sabe assim, abrir brechas para que o ar possa passar, circular. Arejar os pensamentos. Pesquis(ar). Palavras que se abrem a outras possibilidades, perfuram-se.

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Imagens utilizadas

Ensaio fotográfico “pesquisa inundada” (p.17, 85, 89, 90, 91, 92, 99). Fotografias produzidas por Tainá de Luccas.

Fotografias clichês (p.23). Composição imagética com capas de jornal e revista, produzida por Fernanda Pestana.

Imagem de satélite extraída do jogo de cartas produzido durante o projeto “ Vida e tempo em proliferação: experimentações na divulgação científica das mudanças climáticas” (Faepex/Unicamp). (p.70).

Imagens “instalação furacão” (p.44 a p.56 e p.58 a p.61). Fotografias produzidas pelos participantes do projeto “Vida e tempo em proliferação: experimentações na divulgação científica das mudanças climáticas” (Faepex/Unicamp). Criação/composição imagética para esta dissertação: Fernanda Pestana e Tainá de Luccas.

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