• Nenhum resultado encontrado

Águeda – na procura de soluções alternativas para os seus problemas

III. Águeda como Espaço de Construção da Cidadania da Infância

3.1 O concelho de Águeda – um concelho de contrastes

3.1.3 Águeda – na procura de soluções alternativas para os seus problemas

p. 54). E é nessa sequência que surge o Movimento de Águeda, um movimento “construído passo a passo, ao sabor da interacção com a realidade, alargando redes no espaço e no tempo (B) em que luta contra exclusão rima com dignidade e solidariedade” (d’Espiney, 2008, p.52). Um Movimento que surge logo após a revolução de 1974, “numa época marcada por uma explosão de energias e iniciativas da sociedade civil” (d’Espiney, 2008, p.61) e que se mantém até hoje, embora em moldes distintos.

Este Movimento inicia-se com a criação de uma resposta diferente, uma resposta “integrada”, para as crianças com deficiência numa altura de forte implementação das CERCIs (cooperativa de educação e reabilitação de cidadãos inadaptados) no País, através da criação de um Jardim de Infância normal com 20% das suas vagas para crianças com deficiência “em nome do direito de todos à educação, contra a exclusão” (d’Espiney, 2008, p.62).

E é esta luta, a luta contra a exclusão, que define o Movimento de Águeda. Como refere d’Espiney, “um combate que se vai diversificando e tomando diferentes formas de acordo com as circunstâncias, que também se vão alterando, mas que nunca deixou de se afirmar como tal” (2008, p.62). Uma luta, primeiro, pela integração e inclusão das crianças com deficiência, e que mais tarde alarga o seu âmbito de abrangência e procura combater a exclusão de todas as crianças e suas famílias, que vivem em contextos de alto risco social.

Uma das estratégias para a inclusão dessas outras crianças foi através da criação dos Grupos Comunitários, em 1983. Madeira (n.d) refere que o “pedido de intervenção partiu dos professores que solicitaram à equipa de educação especial, o diagnóstico e

encaminhamento especializado dos “casos difíceis” de insucesso, absentismo e abandono escolar”.

O que é especial neste caso é que a resposta a este pedido não teve como base a ideia da criança como problema social (apesar de ter sido assim sinalizada), mas “a representação da criança trabalhadora que resiste a adversidade de condições materiais e sociais de existência herdadas das suas famílias e adquiridas em trajectórias de inserção precária nas relações de produção e da comunidade na sua recusa da solidariedade afectiva tradicional” Madeira, n.d.)

Como refere Madeira (n.d.) os Grupos comunitários foram sendo constituídos pelo envolvimento directo e regular das crianças sinalizadas e a quem foi pedido a colaboração na identificação, escuta e reunião de outras crianças que estivessem nas mesmas circunstâncias sociais. “Iniciado o diálogo pelo adulto, a voz das crianças comprometidas passou a ser cada vez mais ouvida, com autoridade própria de quem conhece a realidade local e a própria realidade melhor do que qualquer outra pessoa, os encontros ocasionais iniciais, passaram a ser escolhidos e marcados directamente com, entre e pelas crianças em espaços informais, a maioria de convívio e de passagem, da comunidade” (Madeira, n.d.).

“A consolidação deste espaço de escuta e de voz das crianças no diálogo, necessariamente assimétrico com os adultos, que era sempre mediado por outras crianças participantes do grupo, foi sendo conseguida através da valorização do registo das ideias e dos acordos negociados entre crianças e destas com o adulto, na procura conjunta de imaginar soluções para as barreiras que, individual e colectivamente, enfrentavam ao ir à escola. O registo voluntário das actas dos encontros pelas crianças, foi possível alargar o tempo da relação com elas pela criação de planos de acção, que por sua vez eram apropriados com construção de uma memória de futuro a viabilizar colectivamente. Cada vez as crianças eram em maior número e a sua implicação era mais intensa nas reuniões com os adultos, com quem mantinham encontros cada vez mais regulares em lugares descobertos por elas ou com elas nas suas próprias comunidades” (Madeira, n.d.).

Nas diversas acções do Movimento de Águeda, determinados aspectos sobressaem, nomeadamente, “a cultura da simetria das relações, a partilha do poder e a participação” entre todos os actores do processo (d’Espiney, 2008, p.120). Num percurso feito conjuntamente pelos técnicos, crianças/jovens e famílias, procura-se o empowerment das pessoas que vivem nas margens, dando-lhes visibilidade, numa luta pela dignidade das

pessoas onde o que importante não é tanto como os outros a vêem mas como o próprio se vê perante os outros (d’Espiney, 2008, p.105).

Na transformação dessas relações de poder e na procura de visibilidade, o papel do profissional é fundamental e, segundo d’Espiney, este deve ser um mediador da aprendizagem do poder, pois “somente quem aprendeu o poder pode partilhá-lo, isto é, criar condições que possibilitem a sua aprendizagem” (2008, p. 121). Verifica-se, assim que o grupo promotor vai-se transformando na sua relação com os diversos grupos, (2008, p.117) e a utopia e o empenhamento, assim como, a inquietação/inconformismo, a aposta na pessoa como valor fundamental são constantes do Movimento e de todos os profissionais que, em algum momento, integraram o Movimento e nunca mais abandonaram esse modo de olhar o outro.

Em quase todas as freguesias do concelho de Águeda existem ainda sinais do Movimento de Águeda e da dinâmica instituinte dos Grupos Comunitários, que originou a criação de novas associações locais, que passaram a incluir os pais das crianças que constituíam os sectores mais desfavorecidos e subalternos da comunidade (Madeira, n.d.).

Seja nas Instituições criadas a partir dos Grupos Comunitários (quase todas as Instituições Particulares de Solidariedade Social concelhias) e nos profissionais que trabalharam nas acções do Movimento e partilham, ainda hoje, o ideário do Movimento. Talvez assim se compreenda que alguns técnicos da Escola Básica do 2º e 3º Ciclos (EB2,3) de Valongo do Vouga, tendo decidido aceitar o repto da Direcção Regional de Educação, tenham procurado construir, em conjunto com os alunos, um projecto que pudesse cumprir os objectivos do Ministério da Educação, mas, simultaneamente, responder aos interesses dos alunos na construção de uma Escola mais sua.

3.2 A acção local em favor dos direitos de protecção, provisão e de

Documentos relacionados