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2 – A DEMOCRACIA LOCAL NA ESTRUTURA ORGANIZATIVA TERRITORIAL PORTUGUESA

2.3.3 As Área Metropolitanas

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É com a Constituição de 1976 que surge a primeira referência às áreas metropolitanas, tendo o Código Administrativo de 1936-1940 apenas reservada a especificidade para as grandes áreas urbanas, que já na altura se afirmavam mesmo que de reduzida dimensão e concentração populacional, as federações obrigatórias de municípios limítrofes com as cidades de Lisboa e do Porto, havendo igualmente especificidades na organização dos municípios de Lisboa e do Porto relativamente aos restantes municípios.

A cada vez maior dimensão e densidade populacional sobretudo nas cidades de Lisboa e do Porto, vieram gerar novos problemas específicos de serviços públicos, transportes, de ordenamento urbano e aos quais a antiga divisão territorial municipal não conseguia responder da melhor forma, pelo que aquando da procura de soluções foram apresentadas várias alternativas para a resolução destes problemas e de um melhor e mais eficaz modelo de gestão, nomeadamente a criação de megamunicípios; a instituição de formas específicas de organização territorial; e a criação de entidades metropolitanas supramunicipais, estipulando o legislador no n.º 3 do art.º 236.º da CRP a possibilidade de nas grandes áreas urbanas e nas ilhas poderem ser estabelecidas outras formas de organização territorial autárquica de acordo com as suas condições específicas.

Para VITAL MOREIRA109, “a cláusula constitucional da organização específica das

áreas metropolitanas permite ao legislador adotar soluções originais em relação ao modelo comum de entidades intermunicipais”, pelo que estas poderão ser de vários tipos: podem ser criadas diretamente pela lei, sem dependência de iniciativa

municipal; podem ser tornadas obrigatórias110 para os municípios abrangidos na

geografia metropolitana; podem ter atribuições municipais mais intensamente integradas do que as demais entidades intermunicipais; podem ter atribuições próprias, não oriundas dos municípios componentes, diretamente conferidas pelo

109 VITAL MOREIRA, As associações...cit., p. 16;

110 Entre 1991 e 2003 (Lei n.º 44/91, 2 de Agosto) e desde 2008 (Lei n.º 46/2008, de 27 de Agosto) onde nos parece claro o regresso das federações obrigatórias constantes no Código Administrativo de 1936-1940;

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Estado ou ainda terem uma organização diferente das demais entidades intermunicipais.

Neste sentido, o primeiro diploma relativo às áreas metropolitanas foi a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, que criou diretamente as duas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e que embora tivesse por base um regime típico de uma entidade intermunicipal, tinha igualmente características próprias de uma autarquia territorial, nomeadamente a sua própria definição, que faz réplica quase em absoluto a definição constitucional de autarquias locais prevista no art.º 235, n.º 2 da CRP, ou seja, entidades que surgem enquanto pessoas coletivas de direito público de âmbito territorial e que tem como objetivo a prossecução de interesses próprios das populações da área dos municípios integrantes, sendo a maior diferença para com as autarquias locais a ausência da referência aos órgãos representativos, delimitando a lei igualmente o seu âmbito territorial aos municípios que integram as duas entidades metropolitanas e aos quais, não obstante a criação das áreas metropolitanas ser feita por lei, cabe aos municípios interessados a iniciativa de criação da entidade metropolita através, nomeadamente a sua aprovação por 2/3 dos municípios envolvidos.

Na redação da Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto são afirmadas as diferenças entre o regime das áreas metropolitanas e o regime das associações de municípios de direito público, em particular na organização das entidades metropolitanas que tinham na sua constituição três órgãos: a assembleia metropolitana, a junta metropolitana e o conselho metropolitano. A assembleia metropolitana era composta por membros eleitos, em sistema proporcional, pelos membros diretamente eleitos das assembleias municipais em colégio único. A junta metropolitana, por sua vez, era constituída pelos presidentes das câmaras municipais integrantes da referida área metropolitana ao passo que o conselho metropolitano, um órgão consultivo, era composto pelo presidente da Comissão de Coordenação Regional (CCR), pelos membros da junta metropolitana e por vários representantes dos serviços públicos prestados pelo Estado cuja ação interferia com a atividade da entidade metropolitana.

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As áreas metropolitanas surgem cada vez mais como espaços de concentração de pessoas de elevada qualificação profissional e de atividades de significativo valor acrescentado, constituindo meios inovadores, cuja importância estratégica para a promoção do desenvolvimento económico e social, motivo pelo qual foi introduzida a Lei n.º 10/2003, de 13 de Maio e que veio introduzir profundas mudanças no regime das áreas metropolitanas, nomeadamente a generalização das áreas metropolitanas, deixando assim de existir apenas duas áreas metropolitanas; a distinção entre dois tipos de áreas metropolitanas, em particular, as grandes áreas metropolitanas (GAM) e as comunidades urbanas; a criação voluntária, por meio de escritura pública e sujeita aos referidos requisitos de número mínimo de municípios e de população; delimitação territorial livre, salvaguardando o requisito da continuidade territorial, mas sem necessidade de respeitar as fronteiras das divisões territoriais estabelecidas; existindo ainda uma aproximação de regime jurídico entre as áreas metropolitanas e as entidades intermunicipais de fins gerais ou comunidades intermunicipais.

A estrutura orgânica definida na Lei n.º 10/2003, de 13 de Maio, tal como a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, compreende sempre três órgãos para as duas modalidades de áreas metropolitanas (as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas), nomeadamente uma assembleia metropolitana representativa, eleita em colégio único pelos membros das assembleias municipais; uma junta metropolitana, constituída pelos presidentes das câmaras municipais dos municípios que integram a referida área metropolitana; e um conselho consultivo composto pelos membros da junta metropolitana, pelo presidente da CCDR em que se integra a área metropolitana, assim como pelos representantes dos serviços públicos do Estado cuja atividade interessasse à prossecução das atribuições da área metropolitana.

Por sua vez, na sequência do cumprimento do programa do XVII Governo Constitucional, é aprovada e implementada a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto, que estabelece o regime quadro para o associativismo municipal ao distinguir entre associações de municípios de fins múltiplos (as referidas comunidades intermunicipais), associações de municípios de fins específicos e o regime próprio

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das áreas metropolitanas de Lisboa111 e do Porto112, sendo que estas últimas

correspondem a uma forma específica de associação de municípios correspondente às duas únicas áreas do território nacional às quais é reconhecida a existência de formas de integração económica, dinâmicas sociais, e mecanismos de interdependência e escala demográfica próprias de uma dimensão metropolitana. No âmbito das áreas metropolitanas, para além da clara opção por atribuição desse modelo apenas a Lisboa e Porto, clarificou-se que se trata da forma de associação de municípios com a estrutura adequada a dar resposta a questões típicas de espaços urbanos com elevada densidade populacional e interdependência funcional, mas não de pequenas regiões administrativas, o que consagrada a legitimidade democrática afasta a possibilidade de eleição direta de órgãos metropolitanos em concorrência com os municípios, pois para o legislador o desafio para as áreas metropolitanas é o da capacidade de assumir responsabilidades pelo planeamento à escala metropolitana na gestão dos programas de investimento do exercício de um papel de parceiro na relação com a administração central.

Neste último caso, desempenha um papel especial a Comissão Executiva Metropolitana enquanto estrutura permanente da área metropolitana com dupla legitimidade política, já que é proposta pela Junta Metropolitana, - composta pelos Presidentes de Câmara – e aprovada pela Assembleia Metropolitana, órgão com a legitimidade democrática resultante da votação em lista partidária por método proporcional pelos membros de todas as Assembleias Municipais dos municípios que integram a área metropolitana.

111 Compõem a Área Metropolitana de Lisboa os municípios da Grande Lisboa e da Península de Setúbal, nomeadamente os municípios de Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Sesimbra, Setúbal, Seixal, Sintra e Vila Franca de Xira.

112 Compõem a Área Metropolitana do Porto os municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Oliveira de Azeméis, Porto, Póvoa de Varzim, Santa Maria da Feira, Santo Tirso, São João da Madeira, Trofa, Vale de Cambra, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia. Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia.

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A Comissão Executiva Metropolitana é composta por três a cinco membros, os quais podem exercer funções a tempo inteiro, constituindo o núcleo fundador de um órgão permanente da área metropolitana. O impacto deste modelo de governação dependerá em larga medida da capacidade da Comissão Executiva Metropolitana para ocupar um papel central enquanto voz autorizada da área metropolitana junto dos municípios e na relação com o Governo.

A este propósito, da essência democrática das áreas metropolitanas, ANTÓNIO

CÂNDIDO OLIVEIRA113 tendo em consideração o facto de as áreas metropolitanas

não cumprirem o preceito constitucional previsto no n.º 2 do art.º 239.º da Constituição, de não possuírem órgãos diretamente eleitos pelos cidadãos, resulta na ausência de legitimidade democrática, própria das autarquias locais.

No mesmo sentido, as áreas metropolitanas enquanto, entes legalmente obrigatórios, não poderão ser equiparadas às autarquias locais pelo facto de não disporem de poderes públicos autónomos, definidos e exercidos em condições de autorresponsabilidade pela verificação da ausência do requisito da representatividade democrática na designação dos titulares dos respetivos órgãos, pois na opinião de

JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO114, embora possamos reconhecer que a mera

eleição indireta pelos respetivos órgãos não constitui obstáculo decisivo à presença de uma autarquia local como se comprovou em Espanha pelas províncias, sendo aí decisiva a continuidade histórica do ente e o sentido da decisão constituinte, no caso das áreas metropolitanas portuguesas, apesar de existir uma abertura constitucional, é a opção do legislador que torna decisiva a natureza não autárquica destes entes (art.º 2.º, n.º 1 e, a contrario, art.º 6, n.º 1, art.º 23.º, 28.º e 29.º da Lei n.º45/2008, de 27 de Agosto) em conexão com a legitimidade e representatividade dos respetivos órgãos (art.º 9.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, art.º 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto). Dispondo ainda de personalidade e capacidade de direito público, as áreas metropolitanas constituem uma forma de organização territorial, com a prossecução

113 ANTÓNIO CÂNDIDO OLIVEIRA, “A Democracia…, pp. 25;

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de interesses locais, embora distintos dos interesses locais prosseguidos pelas

autarquias locais que integram115 a área metropolitana, dispondo para esse efeito de

um acervo de poderes públicos que podem ser locais e supralocais116.

115 Art.º 4.º da Lei n.º 46/2008, de 27 de Agosto;

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