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Capítulo I Enquadramento teórico-conceptual e metodologias aplicadas

3. Áreas urbanas em crise

3.1 O conceito de áreas urbanas em crise

O conceito de áreas urbanas em crise, ao contrário do da pobreza, é um tema cuja literatura é diminuta, certamente por ser um fenómeno mais recente e por integrar diversas problemáticas em simultâneo que normalmente são olhadas e analisadas individualmente.

Ou ainda, “(…) pela própria dificuldade de definição e consensualização em torno do que possam ser “áreas urbanas em crise” ou “áreas críticas”(…)”. (Freitas, 2010: 175).

No entanto, apresenta-se o conceito citado no Relatório da OCDE (1998: 15) de 1998 “Integrating distressed urban areas”. As áreas urbanas em crise são frações de cidades ou periferias das mesmas,

normalmente à escala de bairros residenciais, onde se concentram problemas sociais, económicos e ambientais. No seguimento do que foi apresentado, pode-se ainda acrescentar que nestas mesmas áreas “(…) conjugam-se contextos territoriais desfavoráveis (bairros degradados, áreas periurbanas sem qualidade urbana, etc.) com segregação social espacial (habitação social, operações de realojamento, bairros degradados, etc.) e com frequente estigmatização por razões de ordem social ou étnica.” (Henriques, 2010: 13)

As características mais evidentes destas áreas, que provocam, por sua vez, ciclos de declínio e um acentuar dos problemas, são a baixa escolaridade dos residentes, as altas taxas de desemprego, habitação precária e altas taxas de criminalidade.

Sendo áreas que tendem a aglomerar problemas diversos, nomeadamente aqueles que se acabou de referir, naturalmente que situações de pobreza encontram-se, muitas das vezes, representadas nestas áreas. Contudo, nem sempre é assim. O fenómeno da pobreza pode estar presente nestas áreas ou não, pois podem-se encontrar indivíduos a viver em situação de pobreza fora destas áreas e indivíduos não pobres a viver nestas mesmas áreas.

Quando se verifica a concentração de pobreza em áreas urbanas, esta concentração não implica apenas uma concentração espacial de indivíduos ou famílias com baixos rendimentos, vai muito além desta questão. Este género de concentrações implica também um conjunto de condições e perspetivas oferecidas a estes indivíduos ou famílias (ou melhor, a falta delas), contribuindo para o risco de constituição de formas crónicas de pobreza e de exclusão social. (Henriques, 2010: 13)

As áreas urbanas em crise são um fenómeno que merece uma atenção cuidada pois, para além de concentrarem em si problemáticas tão complexas, que seriam já suficientes para captarem toda a atenção, os sintomas presentes nestas áreas afetam também toda a área e atores envolventes. Como refere Maria João Freitas (2010: 175-176) os desafios das áreas urbanas em crise não são exclusivos, mas sim partilhados por uma variedade de atores e produtores do sistema de ação. E avança ainda que “(…) a persistência em “ações unilaterais” – independentemente da sua bondade – quando reforçadas por tendências de “produção independente” – mesmo quando ganham temporariamente força motora de processos mais partilhados acabam por apresentar enormes dificuldades (para não dizer fracassos na sua generalidade) em assegurar a sua sustentabilidade.” (Freitas, 2010: 176).

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O conceito, embora recente, vem experimentando uma evolução conceptual provocada pelo desenvolvimento social, económico e ambiental, ao longo dos anos. As áreas urbanas em crise apresentam diferentes tipologias e diferem consoante o país, tanto a nível espacial, como temporal. Tradicionalmente o conceito de áreas urbanas em crise estava ligado aos “guetos”, “bairros de lata”, “favelas”, etc., áreas onde se agrupavam habitações com condições débeis, muitas das vezes com saneamento básico precário ou inexistente e falta de higiene, que se localizavam próximo dos centros urbanos, respondendo assim à oferta de trabalho em massa proveniente das zonas industriais localizadas nesses mesmos centros.

Atualmente está-se perante um fenómeno muito mais abrangente. As áreas referidas podem não apresentar problemas de condições habitacionais, mas enfrentam outras dificuldades que os países desenvolvidos não enfrentavam até então.

Toma-se como exemplo a França, com zonas periféricas de grandes centros urbanos, com acentuados grupos de imigrantes não integrados na sociedade e que apresentam taxas de desemprego elevadas entre eles. Bem recentemente presenciaram-se tumultos provocados por uma sociedade com condições de vida desiguais bem espelhadas, onde claramente se sentiu a revolta deste sintoma de periferização.

3.2 Tipologias atuais das áreas urbanas em crise

Atualmente pode-se verificar, em todo o mundo, nomeadamente nos países desenvolvidos, diferentes tipologias de áreas urbanas em crise, consequentes do próprio desenvolvimento das sociedades. Este é um fenómeno, infelizmente, presente na maioria dos países, que se foi transformando consoante as características e as ações aplicadas pelos próprios países.

De forma a serem melhor compreendidas estas tipologias, far-se-á uma breve exposição das mesmas:  Privação nos centros urbanos

Fenómeno que se verificou essencialmente até aos anos 50-60 na maioria dos países da OCDE. Na maior parte das cidades europeia, dos Estados Unidos da América, Canadá e Austrália, a reconstrução e “limpeza” destes locais nos anos 60-70, reabilitando e modernizando a habitação das áreas, levou também a que esses bairros começassem a ser ocupados por residentes de classe média.

No entanto, principalmente no sul da Europa, há ainda muitas cidades que apresentam áreas com condições habitacionais precárias, normalmente nos centros históricos urbanos, apresentando uma população mais idosa e com condições de vida muito precárias, normalmente compensados com subsídios estatais.

 Privação nas periferias

Fenómeno essencialmente gerado pela reestruturação e reabilitação dos centros urbanos, forçado pelo crescimento populacional localizado nos mesmos. Esta reorganização territorial levou ao realojamento de famílias com baixos rendimentos em habitações novas, construídas para o propósito, nas periferias dos centros urbanos.

De forma a manter baixos custos de construção e um realojamento em larga escala, estas habitações foram construídas em blocos, não se prevendo as consequências nefastas em que se viriam a traduzir.

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Estes bairros construídos para o realojamento das famílias deslocalizadas apresentam ainda diversas lacunas, tais como deficientes acessos a vias rodoviárias, pobre rede de transportes públicos, escolas, centros de saúde, etc. Verifica-se também uma rápida degradação nos mesmos, devido à fraca qualidade dos materiais utilizados na sua construção, a uma fraca manutenção e a atos de vandalismo. É importante salientar que muitos desses bairros foram planeados para receber determinados grupos, tais como trabalhadores imigrantes, fomentando assim condições de isolamento e alienação da sociedade em geral.

 Misto de privação nos centros urbanos e periferias

Atualmente, como foi já referido, as duas situações de privação encontram-se presentes em diversas cidades dos países da OCDE.

Na sua maioria, as áreas urbanas em crise existentes são resultado de políticas adotadas pelos governos dos respetivos países.

Em alguns casos, como o de Lisboa, pelo seu rápido crescimento populacional, observou-se uma expansão territorial circular em redor da cidade, localizando as novas habitações precisamente na fronteira da mesma, provocando assim uma concentrada polarização de determinados grupos, com as mesmas características de condições de vida.

As cidades canadianas, por outro lado, apresentam uma baixa taxa de polarização social pois adotaram uma regulação territorial distinta, que visa uma combinação de vários “graus” sociais dentro das mesmas áreas urbanas, ou seja, construíram pequenos agregados de habitações sociais em diferentes bairros.

3.3 As problemáticas das áreas urbanas em crise

Como já referido, as áreas urbanas em crise apresentam problemas multidimensionais, provenientes de fatores económicos, sociais, espaciais e ainda da falta de antecipação dos resultados de algumas políticas públicas.

Podem-se salientar as seguintes problemáticas a partir de diferentes fatores:

 Dos económicos, o aumento de desemprego de longa duração e consequente exclusão do mercado de trabalho e o aumento das desigualdades salariais, consequência da fraca procura de mão-de-obra não qualificada ou com baixa qualificação e a diminuição da remuneração atribuída a essa população.

 Dos sociais, a segregação de determinados grupos populacionais da sociedade em geral, por exercerem padrões de vida distintos, diferentes níveis de integração, competências e motivações.  Dos espaciais, a deslocalização da população para as periferias e o crescimento das populações

no exterior dos centros, provocando polarizações sociais; este fator provocou também uma diminuição na preocupação em reabilitar os centros históricos, bem como numa fragmentação na jurisdição governamental, dada a expansão territorial, dificultando a implementação de ações concertadas.

 Dos fatores resultantes da falta de antecipação dos resultados de políticas públicas, nomeadamente em termos de bem-estar, políticas de habitação e de serviços público. Uma boa

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rede de transportes, diversos serviços públicos disponíveis nas respetivas áreas, como de saúde e ensino, por exemplo, são contributos determinantes para as tornar atrativas à população em geral, evitando o declínio das mesmas.

Para se criar uma solução para este fenómeno e quebrar-se o ciclo de espiral decadente, que normalmente está presente em todo este processo, é fundamental colocar as perguntas certas e perceber os desafios que se enfrenta. Como em vários conceitos, vários fenómenos, cada caso é um caso, e nestes processos específicos é necessário compreender a verdadeira natureza dos pontos críticos instalados. “E isso implica, identificar os campos de tensões que estão na sua origem e os campos de oportunidades ao seu desenlace e nomear e esclarecer as dimensões em que essas tensões e oportunidades se ativam.” (Freitas, 2010: 178).

Se nada for feito para contrariar os problemas que se verificam nas áreas urbanas em crise e para abrandar o próprio processo dinâmico de concentração da população com as mesmas características e problemáticas, estes tenderão a acentuar-se e as próprias áreas a convergir numa espiral decadente, pois “Facilitam processos que se podem tornar muito dificilmente reversíveis.” (Henriques, 2010: 13). As problemáticas referidas estão associadas a uma série de repercussões negativas, que dificultam a libertação da população do estigma e das dificuldades vivenciadas. Entre estas repercussões prejudiciais à população que lá vive, salientam-se algumas onde facilmente se demonstra as “armadilhas” que são difíceis de transpor, se nada se fizer para as desativar:

 Os residentes locais têm uma maior dificuldade em obter qualificações educacionais ou profissionais, dada a falta de serviços/estabelecimentos na proximidade e poucos modelos exemplares existentes no bairro.

 Em situação de relocalização de empresas, normalmente são os trabalhadores menos qualificados que são dispensados, ficando ainda mais isolados do mercado de trabalho.

 As externalidades negativas, normalmente associadas a estas áreas, levam a que haja alguma inibição em instalar empresas nessas áreas e por sua vez criar oportunidades de empregos.  As baixas rendas nestas zonas atraem por sua vez grupos normalmente menos equipados e

qualificados.

 Muita da economia existente nestas áreas é informal, havendo assim muita atividade não declarada.

 A morada representa, muitas vezes, uma forma de discriminação, podendo representar dificuldades em conseguir emprego, parcerias comerciais, etc.

Apenas uma ação concertada e focalizada na resolução destes problemas, com o envolvimento de todos os atores de dentro e fora da área de intervenção, poderá romper com o ciclo decadente das áreas urbanas em crise.

Como menciona José Manuel Henriques, a intervenção e as medidas a aplicar nestas áreas “(…) constitui um dos domínios de ação de maior complexidade para as políticas públicas contemporâneas nas sociedades mais desenvolvidas.” (Henriques, 2010: 14) e é já “(…) de consideração recorrente a perceção de que “não é regando os territórios ou os problemas com dinheiro que os problemas desaparecem e que a mudança acontece”.” (Freitas, 2010: 178).

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Para alterar toda esta dinâmica das áreas urbanas em crise, como refere Maria João Freitas (2010: 181-182), é tão necessário fazer uma animação territorial, como uma animação institucional, na área em causa.

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4. Avaliação realista em projetos