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3.3 ARAUAQUES E CARIBES: TRAÇOS FANTASMÁTICOS

4 RESSENTIMENTO E REMORSO VERSUS OUTRIZAÇÃO PRODUTIVA

4.2 UMA ÉPICA MENOR NA POÉTICA PÓS-COLONIAL

Quando ele deixou a praia ainda o mar prosseguia.

DEREK WALCOTT, Omeros139

A escolha desse verso de Omeros-Walcott como epígrafe desta seção não foi aleatória. Retoma-se o verso privilegiado por Marcos Botelho de Souza para intitular a conclusão de seu

Estratégias da poética pós-colonial: Derek Walcott por uma épica menor,140 ou seja, para enfatizar que, ao ‘prosseguir o mar’, outros pudessem e devessem também ‘embarcar’ ou ‘voar’ na poética caribenha, como acontece neste exercício dissertativo. O epíteto ‘menor’ do subtítulo desse trabalho está baseado, como Marcos Botelho de Souza deixa explícito, na noção proposta por Gilles Deleuze e Felix Guattari de que “uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em sua língua maior” (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 28). Ou como o próprio Marcos Botelho de Souza explica:

O termo ‘menor’, é claro, não deve ser entendido em sua semântica quantitativa, como sendo o contrário do intensificador ‘maior’, mas como um índice de ‘minoria’ e ‘subalternidade’ numa cultura central, ou de qualquer expressão literária agenciada por uma comunidade minoritária e intersticial (SOUZA, 2002, p. 80).

Comungando dessa percepção em seu horizonte, em linhas gerais, Marcos Botelho de Souza analisa o que ele chama de “poética pós-colonial” a partir de sua abertura para agenciar demandas e formas de resistência em um mundo recontextualizado e pós-europeu. A história e a literatura canônicas são rearticuladas estrategicamente, em uma pretensão de releitura dos clássicos de trás para diante, entre a subversão e, ao mesmo tempo, a homenagem aos modelos, tomando o poema Omeros, de Derek Walcott, como exemplar dessa postura pós-colonial de ressignificação, ab-rogação e reescritura da tradição, postura que impõe aos discursos dominantes a necessidade de expor os “outros” da cultura ocidental.

139 No original (cap. LXIV, iii): “When he left the beach the sea was still going on” . Trata-se do último verso do

poema.

140 Nesta seção, é exclusivamente Marcos Cézar Botelho de Souza que acompanhará este vôo, através da leitura de

sua Estratégias da poética pós-colonial: Derek Walcott por uma épica menor. Feira de Santana: Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, 2002.

Acrescenta-se que essa postura, ao mesmo tempo, também impõe a esses ‘outros’, como no caso do Caribe, uma atitude de menos confronto e mais inserção através de sua performance

cultural, como Omeros-Walcott o representa, para evitar o dilema que Décio Cruz aponta quando

analisa alguns dos poemas de Derek Walcott (na obra Collected Poems: 1948-1984):

o sujeito caribenho enfrenta um paradoxo, um problema sem solução: se ele rejeita o Outro, que o colonizador europeu encarna, ele negará seu próprio ser, pois o Outro já se tornou parte do ser colonial, em sua ancestralidade, sua cultura, e em sua educação. Aquilo que ele deseja destruir é o objeto que o engendrou e tornou-se parte do seu “eu”. O apagamento do “eu” colonial é uma automutilação equivalente a um ato de suicídio. Como, segundo Lacan, o desejo é uma falta, ele deseja a falta no Outro, deseja fragmentar-se no Outro para descobrir o que lhe falta (CRUZ, 2000b, p. 157).

Outrização produtiva, assim como as estratégias de reescritura apontadas por Marcos Botelho de Souza, estão no nível de uma solução possível do paradoxo apontado por Décio Cruz, pois o Outro colonizador não pode mais ser simplesmente rejeitado, uma vez que já faz parte do ser colonial, e ainda mais do ser pós-colonial. A destruição, em qualquer dos vetores – centro/periferia ou periferia/centro – é aniquilação da própria carne. É por isso que outrização produtiva não se dá nem no ‘centro’ nem na ‘periferia’, mas no corpo do tecido cultural múltiplo e diverso que a cena global nos oferece hoje, com suas possibilidades de encontros como o de

Omeros-Walcott – um signo da cultura caribenha – com um certo público internacional.

De volta ao trabalho de Marcos Botelho de Souza, pode-se assumir que consiste em uma análise com a qual se comunga, e a qual se coloca sob a rubrica da outrização produtiva, principalmente pela visibilidade que oferece a Omeros-Walcott no meio acadêmico baiano e brasileiro. Marcos Botelho de Souza ainda faz incursões pertinentes ao tema no universo do cinema, passando por discussões acerca da pós-modernidade e das estratégias de agenciamento da constelação (imaginária) diaspórica africana. De qualquer maneira, o que parece interessar em seu texto dissertativo são algumas das considerações tecidas em sua seção conclusiva, pois se procuram os sinais para se pensar Omeros-Walcott como um agente disseminador de uma outrização produtiva em relação ao Caribe e ao ambiente pós-colonial.

Após ter feito seu percurso adotando o signo com o qual Derek Walcott denomina

Omeros – um “poema-embarcação” – Marcos Botelho de Souza postula, como também se tenta

‘não-centrais’, uma vez que se revestem de uma postura mais politizada e utópica “para tratar dos (des)encontros e conflitos inscritos dramaticamente nas artes e nas literaturas oriundas de um passado colonial” (SOUZA, 2002, p. 159). Nas asas de um andorinhão ou na embarcação capitaneada por Derek Walcott, entende-se que Marcos Botelho de Souza se posiciona na mesma esfera epistemológica de outrização produtiva por razões muito semelhantes. Quanto à discussão anteriormente levantada sobre o caráter épico de Omeros-Walcott, também parece haver concordância:

Forcei a proposta de uma ‘épica menor’, uma épica sintonizada com as maneiras de produção das identidades culturais na pós-modernidade. Ou melhor: a identidade conceitualizada e produzida sem a fixação essencialista, unificada e permanente da epopéia tradicional (SOUZA, 2002, p. 163).

assim como aqui:

postulo a tese de que Omeros se constitui num exemplar da poética pós-colonial, a saber, uma obra empenhada em assimilar o cânone ocidental para aditar – entre a ab-rogação e a reverência – os traços locais de sua diferença cultural (SOUZA, 2002, p. 164).

O que se depreende dessa breve ‘conversa’ com Marcos Botelho de Souza é que Omeros-

Walcott se presta tanto como exemplar ‘textual’ de uma literatura pós-colonial quanto como

representativo daquilo que se está denominando de uma outrização produtiva, que visa a oferecer o Caribe para relações e encontros que possam ser mais frutíferos do que a imagem de uma

4.3 APOLOGIA DA ÉPICA DAS ANTILHAS OU OUTRIZAÇÃO

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