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3.4 RELAÇÕES DE SABER PODER NA PROFISSÃO PROFESSOR PESQUISADOR E

3.4.3 A ética como cuidado de si

Essa terceira fase da obra de Foucault, o domínio do ser consigo, é marcada principalmente pelos volumes de A História da Sexualidade (2009c; 2010b; 2011), que trazem importantes elementos para ir adiante no diagnóstico do presente e pensar possíveis futuros para a educação e os educadores. O trecho a seguir mostra como o educador pode ser subjetivado de distintas maneiras.

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Nesse domínio há uma preocupação com a temática ética, com a busca de uma forma de produzir a vida, uma vida que valha a pena ser vivida.

Seguindo os passos de Nietzsche, Foucault (2011) coloca que a ética deve ser uma “estilística da existência”, onde cada indivíduo deve moldar sua vida como se produzisse uma obra de arte.

Nesse sentido, a função professor pesquisador não se restringirá apenas ao desempenho da profissão, e sim será expandida a uma trajetória e a uma filosofia de vida, cujas palavras, como ferramentas da experiência, esculpirão conceitos e perscrutarão pensamentos, sentimentos e atitudes.

Observo que uma educação que ultrapasse e transgrida a disciplinarização e a técnica será necessária para fundar as possibilidades de tal ética. Uma educação voltada para o cuidado de si mesmo e do outro, que promova novas perspectivas de reconfiguração de si e das relações vividas. Uma educação voltada a produzir, capturar e mediar pedagogicamente alguma modalidade da relação da pessoa consigo mesma tendo como objetivo explícito a sua transformação. Uma educação

que, como estratégia pedagógica de transformação, provoque a tessitura genuína de obras de arte.

Essas condições de possibilidade, no entanto, implicam tensionar como se desenvolve a consciência de si nos sujeitos, considerando a como um conjunto de operações orientadas à constituição e à transformação da própria subjetividade. Trata de produzir e mediar certas formas de subjetivação nas quais se estabelece e se modifica a experiência que a pessoa tem de si mesma.

A própria experiência de si não é senão,

O resultado de um complexo processo histórico de fabricação no qual se entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria interioridade. É a própria experiência de si que se constitui historicamente como aquilo que pode e deve ser pensado. É aquilo que o sujeito se oferece a respeito do seu próprio ser quando se decifra, se interpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina (LARROSA, 2010, p. 43).

Segundo Foucault (2010a, p. 17), para analisar a experiência de si, deve se:

[...] Analisar, não os comportamentos, nem as ideias, não as sociedades, nem suas ideologias, mas as problematizações através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser pensado, e também as práticas a partir das quais essas problematizações se formam.

A experiência de si precisa ser compreendida em sua constituição histórica, em sua singularidade e em sua contingência, a partir de uma arqueologia das problematizações e de uma pedagogia das práticas de si, conforme observado no relato seguinte:

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As formas da relação da pessoa consigo mesma são construídas, ao mesmo tempo, descritiva e normativamente. Foucault (2010a) mostra uma modalidade de regulação que é diferente tanto daquela baseada na lei quanto daquela baseada na norma. As “artes da existência” não estão ligadas ao obrigatório. São “práticas do eu” que não foram capturadas, nem por um código explícito de leis sobre o permitido e o proibido, nem por um conjunto de normas sociais. Não pertencem nem a um dispositivo jurídico, nem a um dispositivo de normalização. Integram uma ética positiva, isto é, uma ética referida não ao dever, mas à elaboração da conduta. Também não visam universalização, nem se fundam em uma teoria universal da natureza humana. Constituem, portanto, uma ética pessoal, não relacionada à identidade do sujeito, mas à livre elaboração de si mesmo com critérios de estilo, uma ética configurada esteticamente.

Larrosa (2010) propõe, para esse fim, as Técnicas do Eu, cinco dimensões fundamentais que constituem os dispositivos pedagógicos de produção e mediação da experiência de si, sintetizadas e explicitadas a seguir:

Ver se – Metaforização ótica do autoconhecimento como visão de si próprio, algo como voltar o olho da mente para dentro. A visibilidade é qualquer forma de sensibilidade, qualquer dispositivo de percepção, uma máquina ótica que determina o que é visível dentro do sujeito para si mesmo.

Expressar se – Metáfora da exteriorização. A linguagem é um mecanismo para a exteriorização de estados subjetivos, isto é, a linguagem exterioriza o interior. Serve para apresentar aos outros o que já se faz presente para a própria pessoa. O discurso expressivo é, portanto, aquele que oferece a subjetividade do sujeito. E essa subjetividade não seria senão o significado do discurso, máquina enunciativa que produz ao mesmo tempo significante e significado.

Narrar se –A recordação implica imaginação e composição, implica certo sentido do que somos e certa habilidade narrativa. Operação onde se constrói a temporalidade da história do sujeito, da experiência de si, ou seja, cada pessoa se encontra já imersa em estruturas narrativas que organizam de um modo particular suas experiências, atribuindo lhes um significado. Autor, narrador e personagem são a mesma pessoa.

Julgar se –Basicamente moral, representa as formas nas quais os sujeitos devem julgar a si mesmos segundo critérios de normas e valores. O ver se, o expressar se e o narrar se no domínio da moral se constituem como atos jurídicos da consciência. A construção e a mediação da experiência de si têm a ver, então, com uma dimensão de juízo (baseada na lei), normativa (baseada na norma) ou estética (baseada no estilo).

Dominar se – O poder é uma ação sobre as ações possíveis. Por isso, a história dos indivíduos ou das sociedades é a historia das relações de poder que os produzem como tais. A experiência de si, nessa dimensão, é o produto das ações que o indivíduo efetua sobre si mesmo com vistas à sua transformação.

Quadro 6 Técnicas do Eu propostas por Larrosa (2010).

Todas estas dimensões tratam de analisar a produção da experiência de si (o que conta como autoconhecimento, como tomada de consciência ou como auto reflexão crítica) no interior de um dispositivo (uma prática pedagógica com determinadas regras e determinadas formas de realização). Um dispositivo pedagógico será, então, qualquer lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si.

Tomar esses dispositivos pedagógicos como constitutivos da subjetividade é adotar um ponto de vista pragmático sobre a experiência de si. Reconhecer a contingência e a historicidade desses mesmos dispositivos é adotar um ponto de vista genealógico.

Com isso, Foucault (1990b) definiu as tecnologias do eu como aquelas nas quais o indivíduo estabelece uma relação consigo mesmo. Suas experiências constroem e medeiam essa relação e demonstram como a pessoa se fabrica no interior de certos aparatos de subjetivação12. São as

experiências de si que acabam por transformar seres humanos em sujeitos. Cada uma de suas dimensões está intimamente relacionada com essa transformação. As formas legítimas de olhar se relacionam com as formas legitimas de dizer. Ao narrar se, a pessoa diz o que viu de si mesma.

O ver se, o expressar se e o narrar se, no domínio da moral, se configuram como atos jurídicos da consciência. Isto é, atos nos quais a

12 A ontologia do sujeito não é mais do que a experiência de si que Foucault (1990a) chamou de “subjetivação”.

relação da pessoa consigo mesma acontece através do julgar se, dimensão essa constituída de valores e normas de conduta. É como se o sujeito da reflexão, além de possuir a capacidade de ver se, tivesse também um critério ou padrão que lhe permitisse avaliar o que vê, criticar se. E uma vez que a autocrítica remete o ver se, o expressar se e o narrar se a toda uma lógica do critério e do valor, o julgar se remete a uma lógica jurídica do dever, da lei e da norma.

No campo moral, a construção e a mediação da experiência de si têm a ver com uma dimensão de juízo que pode ser estritamente jurídica (baseada na lei), normativa (baseada na norma), ou estética (baseada em critérios de estilo). Mas, em todos os casos, tem se a constituição de um sujeito que julga, um conjunto de critérios (um código de leis, um conjunto de normas ou uma série de critérios de estilo) e um campo de aplicação.

Na perspectiva foucaultiana, implica o privilégio do critério:

O critério seja ele uma lei, uma norma, ou um estilo, não é exterior ao seu campo de aplicação. Tampouco é exterior ao sujeito que o aplica em juízo. O critério produz também o sujeito que julga, o juiz. Assim, tanto o sujeito do juízo quanto o que constitui o âmbito do julgado são produtos dos sistemas de critérios que se põem em jogo (Larrosa, 2010, p. 77).

A experiência de si implicada na constituição da subjetividade na dimensão do julgar se, seria, então, o resultado da aplicação a si mesmo dos critérios de juízo dominantes em uma cultura.

Essas operações de visibilidade, de enunciação e de juízo devem ser analisadas do ponto de vista das relações de poder, bem como a experiência de si, que a partir da dimensão do dominar se, não é senão o produto das ações que o indivíduo efetua sobre si mesmo com vistas à transformar se.

Aprender a dominar, a governar e a conduzir é estabilizar as ações, dar lhes uma forma, uma direção, uma composição mútua, uma ordem, um sentido. É dirigir as forças, capturar e orientar as condutas, reduzir sua indeterminação, sua fluidez, sua desordem.

Inspirada pelas Técnicas do Eu convido abrir se para outras possibilidades e ver se de outro modo, dizer se de outra maneira, julgar se diferentemente, atuar sobre si mesmo de outra forma, viver se de outro jeito.

Ouso dizer que é impossível exercer o ofício de pesquisador sem experimentar se, o que pode funcionar como “propulsão para qualquer investigação, estimulando a atitude de busca continuada do conhecimento” (LOURO, 2007, p. 239). Somos construção permanente. E é isso que pretendi com essa pesquisa: realizar um exercício de transformação, um exercício de transformar nosso olhar sobre o mundo, sobre as coisas e, sobretudo, sobre nós mesmos.

4. TRANSGRESSÕES

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Diria que este é o capítulo principal desta Tese, o protagonista, aquele que cria suas condições de possibilidade, que impulsiona e faz vibrar seus movimentos, traz o âmago da discussão proposta. Nele, analiso os acontecimentos e as materialidades que envolvem a pesquisa, e estabeleço relações entre os discursos analisados e os conceitos operados e configurados como enunciados chave. São eles: produtivismo acadêmico; governamentalidade; relações de saber poder; biopolítica; e sujeito/assujeitamento.

As materialidades compreendem: alguns documentos da Capes que orientam a pós graduação; a carta elaborada por quatro professores pesquisadores solicitando desligamento do programa de pós graduação ao qual pertenciam; e as narrativas dos mesmos, suas motivações e frustrações que acabaram culminando na referida carta.

A fim de contextualizar a situação da pós graduação brasileira através de suas políticas públicas, começo com a análise dos discursos encontrados

no Plano Nacional de Pós Graduação (PNPG); no APCN13; Avaliação Trienal

da Pós Graduação; Documentos de Área referentes à Pós Graduação em Educação dos dois últimos triênios (2007/2009; 2010/2012); e Documentos PPGE/UFPB, relacionados aos critérios de credenciamento e recredenciamento docente no programa e à Ficha de Avaliação mais recentemente emitida pela Capes.

Depois, com imenso significado para a pesquisa, apresento e discuto a carta escrita pelos docentes (Anexo 1), representando uma atitude de resistência ao “império produtivista” que articula e legitima as políticas para a pós graduação. Sua repercussão alcançou as universidades e programas do Brasil todo, sendo comentada e compartilhada por docentes e alunos através das redes sociais (Anexo 5), tornando seu conteúdo amplamente conhecido, divulgado e discutido.

E finalmente, para conhecer os processos de subjetivação que atravessaram a carta e a vida desses professores, me debruço sobre suas narrativas (Anexo 4), obtidas através de encontros fluidos, individuais. Todos os encontros foram previamente marcados, tiveram seus conteúdos gravados e foram consentidos pelos sujeitos mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 3). As narrativas foram orientadas por tópicos norteadores (Anexo 2), elaborados a partir da carta e de outros textos, mas que mantiveram se abertos, flexíveis às descontinuidades e espontaneidades que pudessem surgir.

E surgiram. A principal foi relacionada à quarta narrativa, correspondente ao encontro com a Professora Regina Behar, que teve o arquivo corrompido no processo de transcrição, inviabilizando a análise discursiva do seu conteúdo. Ainda, em função de limitações de ordem espaço temporal e técnicas, não foi possível refazer a entrevista ou encontrar outra maneira de reconstruir as falas e recuperar os discursos. Fiquei inconformada, subjetivada de maneira “trágica”, mas acabei tendo

que prosseguir e aceitar que os acontecimentos e descontinuidades são parte do processo que é fazer pesquisa.

Vamos aos documentos.

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