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2 CORPO, BIOTECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: MAPEAMENTO DO QUE TEM SIDO

3.5 Ética nas pesquisas em Educação e/ou uma (Bio) ética

Quando discutimos sobre as pesquisas em educação, é comum questionarmos, sobretudo, aquelas que envolvem os modelos que são tidos como base. Isso porque, ao que parece, as estruturas que regem uma pesquisa padrão estão se tornando, cada vez mais, específicas e exigentes, no que concerne ao seu desenvolvimento. É como se ter apenas um problema de pesquisa e um objetivo não se torne suficiente, mediante as insurgências que ocorrem ao decorrer de uma pesquisa, sendo a ética adotada como procedimento

metodológico, para além de uma questão burocrática junto ao Comitê de Ética em Pesquisas (CEP).

Na obra de Santos e Karnopp (2017), “Ética e pesquisa em educação: questões e proposições às ciências humanas e sociais”, diferentes textos contemplam as Ciências Humanas e Sociais (CHS), em relação às questões éticas, desde aquelas que envolvem a importância dos princípios éticos que devem ser adotados durante a realização da pesquisa e da formação do/a pesquisador/a, até mesmo os debates em torno das regulamentações, junto ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).

A necessidade de se discutir uma ética que abarque as questões mais emergentes da CHS surge das dúvidas que as/os pesquisadoras/es têm sobre a articulação da ética com a pesquisa. Partindo do pressuposto que as resoluções de autoria do CNS, possui um modelo fortemente baseado nas ciências de prefixo “bio”, concordo com Santos e karnopp (2017) no que concerne à problematização sobre a ética nas pesquisas de CHS, considerando que ao elencarmos uma única possibilidade de modelo ético para as diferentes áreas do conhecimento, sobretudo das CHS, podemos limitar as possibilidades de pesquisa e produção do conhecimento. Tendo em vista que, nem quando nos referimos a mesma área, as pesquisas e pesquisadoras/es compartilham de um único campo de visão, de um único objeto de estudo, muito menos de uma única perspectiva teórica, quiçá em outras áreas do conhecimento (SANTOS; KARNOPP 2017).

A regulamentação ética nas pesquisas que envolvem os seres humanos é regida, em nosso país, pelos CEP que existem nas instituições de pesquisas, através das Resoluções do CNS, nº 466/1221 e 510/16, que vieram em substituição da Resolução 196/96, que marcou a regulamentação formal da ética nas pesquisas brasileiras. Apesar de a Resolução 196/96 estar voltada para as pesquisas que envolvem os seres humanos, fica evidenciado em sua leitura que estas pesquisas são aquelas que envolvem as análises clínicas e experimentais. Assim, após uma longa discussão travada em produções acadêmicas, nas quais as/os pesquisadoras/es das áreas de CHS criticam a forma pela qual os CEP tratam as regulamentações para

21“A presente Resolução se fundamenta nos principais documentos internacionais sobre pesquisas que envolvem

seres humanos, a saber, o Código de Nuremberg, de 1947, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005, e outros documentos afins. Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata” (BRASIL, 2012).

pesquisas, voltadas para uma determinada área do saber, surge, sem muitas mudanças, a Resolução 466/12 (BRASIL, 1996, BRASIL, 2012, DUARTE, 2015).

A Resolução 466/12 foi fruto de um embate travado entre as áreas da Antropologia, Serviço Social e Psicologia, que se posicionavam contra os abusos da aplicação da Resolução para as pesquisas da CHS, no que concerne à avaliação ética dos procedimentos das pesquisas, que quase sempre não eram compreendidos pelos CEP, que em sua maioria são compostos por avaliadoras/es que pertencem às ciências biomédicas, bem como, os vários procedimentos que as/os pesquisadoras/es da área de CHS são submetidos, como a avaliação ética ser feita a partir de um “projeto”, e a aplicabilidade universal do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido(TCLE) (DUARTE, 2015).

Fazendo a leitura sobre a Resolução 466/12, o que a diferenciou da anterior, 196/96, foi o acréscimo de uma observação ao final da Resolução, informando que “as demandas das CHS serão contempladas em uma Resolução complementar dada a sua particularidade” (BRASIL, 2012, p. 16). Esta Resolução gerou uma atuação maior das/os pesquisadoras/es das CHS, que pressionaram a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), a reconhecer a necessidade da elaboração de uma regulamentação específica para as CHS. No ano de 2013 a CONEP organizou um grupo de trabalho, com o intuito de elaborar a minuta da Resolução que está voltada para a ética nas pesquisas de CHS, sem perder de vista a proteção dos direitos humanos das/os envolvidas/os nas pesquisas (DUARTE, 2015).

Os resultados desses debates empreendidos pelas/os pesquisadoras/es de CHS, com as diferentes instancias que conduzem a aprovação de Resoluções e a aplicabilidade da ética nas pesquisas, podem ser notados através da Resolução 510, aprovada em 7 de abril de 2016, pelo CNS. Que em seu artigo 33 diz que: “A composição da Conep respeitará a equidade dos membros titulares e suplentes indicados pelos CEP entre a área de CHS e as demais áreas que a compõem, garantindo a representação equilibrada das diferentes áreas na elaboração de normas e no gerenciamento do Sistema CEP/CONEP” (BRASIL, 2016).

Longe de querer romper com a ética e a necessidade desta na pesquisa científica, o que proponho, amparada nas/os autoras/es citadas/os, é a importância de (re)pensar num modelo de avaliação ética das pesquisas, que considere as particularidades e peculiaridades de cada área do conhecimento. Desse modo, concordo que a ética na pesquisa é um assunto importante e de alta necessidade para problematização, sendo necessário à sua aplicação nos trabalhos acadêmicos, na formação do/a pesquisador/a, desde a graduação até a pós-

graduação, para que esta não seja vista somente como uma parte burocrática de uma pesquisa junto ao CEP. Outro ponto a ser considerado é a importância da “ética do cuidado do si”, uma ética da imanência, que não seja fundamentada ou condicionada aos valores transcendentais.

4 PRODUÇÃO DE DISCURSOS SOBRE O CORPO BIOTECNOLÓGICO

Não é difícil encontrar anúncios de clínicas de reprodução assistida com jargões que defendem a evolução da vida, bem como a sua qualidade. Desta forma, os testes genéticos estão sendo, aos poucos, popularizados entre a sociedade. Importa ressaltar o interesse em tratar o PGD, para se pensar em quais são os limites e/ou saberes para que uma vida seja merecida ser vivida ou matada. Retomando a Agamben (2002), questiono: o uso do PGD faz com que a vida se transforme em uma simples “vida nua”, desprovida de autonomia e independência e que pode ser moldada ou aniquilada? No que se refere a uma nova condição humana que está sendo estabelecida pelo PGD, retorno a Rose (2013) para refletir sobre uma nova possibilidade de relacionamento com o corpo humano.

Neste capítulo, analiso os discursos que atravessam licenciandas/os em CB, durante os dois grupos focais e a entrevista semi-estruturada que foram realizados, bem como dialogo com outros trabalhos acadêmicos que corroboram com o objetivo desta pesquisa. A bibliografia utilizada para analisar os resultados serviu para perceber as regularidades e descontinuidades dos discursos que atravessam as/os envolvidas/os, alguns firmados em campos religiosos, outros em científicos, no que concerne à fundamentação sobre o conceito de vida, para justificarem o uso dos testes genéticos, como o PGD.

Para melhor elucidar a forma como tudo isso acontece, estabeleço categorias para como os discursos podem ser naturalizados, se configurando no local em que o saber e o poder irão se manifestar. Nesse sentido, foi perceptível a dúvida sobre o PGD ser uma liberdade de escolha ou uma nova forma em que o biopoder se manifesta, constituindo-se em uma eugenização individual, por que não coletiva? Para responder essa e outras questões de pesquisa, divido este capítulo em três partes que passo a apresentar.

Diante de tantos avanços da C&T e as controvérsias que são geradas a partir desses avanços, não poderia ficar de fora dessa discussão o currículo de formação das/os professoras/es de CB. No primeiro tópico que segue, questiono sobre as possibilidades de trabalhar as controvérsias que geram polêmicas, mediante a situação da sociedade do controle e com a atuação do currículo; Como o corpo é trabalhado no currículo de CB e qual a concepção de corpo para estas/es alunas/os; E, como as biotecnologias que operam no corpo, possibilitam reflexões e criticidade sobre o desenvolvimento da C&T.

No segundo tópico, abordo as verdades científicas e os seus ditos autorizados acerca da vida. Questiono ser professor de CB e as incumbências do Ensino de Ciências pautado na

tríplice “razão, progresso e ética”. Problematizo essa suposta neutralidade produzida pela ciência moderna. Além disso, discutindo o que seria ciência e os seus produtos.

Para o terceiro tópico, trato sobre a multiplicidade de significações sobre “vida”. Sob a perspectiva que advém de culturas diversas, considerando que cada sociedade, religião e/ou instituição, poderá estabelecer os seus próprios parâmetros que determinam quando e como se tem uma vida. Problematizo a quem se deve o direito de vida e morte e a manutenção dos monstros, que são aqueles corpos que não atendem ao padrão de saúde e/ou beleza propagado por esses testes genéticos e que não teria possibilidades de existirem caso tivesse passado por um procedimento deste porte. Trago as verdades científicas e sua autoridade em advogar sobre os corpos e a vida; a quem se direciona esse tipo de teste genético; as questões que envolvem o PGD, como o aborto e o neonazismo; a mídia na visibilização das problematizações que cercam o PGD.