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Ética: valor central do jornalismo, segundo Manuel Carlos Chaparro

No documento PORTCOM (páginas 38-44)



 

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O que me levou a ser jornalista foi esta descoberta terrível de uma classe operária em Portugal, que por falta de informa- ção não tinha consciência da sua dignidade e não entendia o mínimo dos problemas que a afetavam, portanto não tinha capacidade de luta.

E eu imaginei certa vez que se eu fosse jornalista eu poderia ajudar a reduzir este problema, para manter informada a classe operária2.

No dia 14 de abril de 2012, o professor e jornalista Manuel Carlos Chaparro recebeu o Prêmio Averroes3 e, em sua fala de agradecimento,

1. Presidente da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação; pesquisador do CNPq; Professor do Programa de Pós-Gradua- ção em Comunicação Social da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. 2. “Discurso de jornalista e Dr. Prof. Manuel Carlos Chaparro, em agradecimento

ao Prêmio Averroes”, em São Paulo, em 14 de abril de 2012. A consulta pode ser feita em https://luanacopini.files.wordpress.com/2012/04/discurso-chaparro.pdf, acessado em 16 de agosto de 2013, às 16,48 horas.

3. A pedido do Hospital Premier/ Grupo MAIS, o Prêmio Averroes foi concebido em 2008 pelo escritor ítalo-brasileiro José Luiz Del Roio, Senador da Repúbli- ca Italiana, membro do Parlamento do Conselho da Europa em Strassburgo e

expressou o pensamento que se tornou a epígrafe desta minha inter- venção. Acho que ela explica o conjunto de ações que marcaram a vida do jornalista, do professor e do pesquisador acadêmico aqui relembra- do, inclusive por ter sido Presidente da INTERCOM. O quanto ele fez pela entidade foi muito bem analisado, recentemente, pelo seu funda- dor e hoje Presidente de Honra, José Marques de Melo, em interven- ção realizada em 20044.

Este livro pretende discutir a contribuição acadêmica do homena- geado. Por isso, decidi partir daquela passagem que tomei como epí- grafe, para discutir duas obras de Manuel Carlos Chaparro, Pragmáti- ca do jornalismo (1994) e Sotaques d`aquém e d´além mar (1998).

Recupero rapidamente alguns dados biográficos, mas apenas aque- les que me interessam para a leitura que quero propor. Valho-me, para tanto, de excelente artigo de Daiane Rufino (2010). Chaparro foi membro da JOC – Juventude Operária Católica Portuguesa. Tornou- -se jornalista em 19555, muito jovem, portanto, e em 1961 aceitou

convite para viajar ao Brasil, buscando escapar à ditadura salazarista do Estado Novo. Atendia, assim, a um convite do Bispo Dom Euge- nio Sales, de Natal, e vinha integrar-se à equipe do jornal da diocese, A ordem, que ajudou a transformar num dos melhores do Nordeste brasileiro. Chaparro conheceu, de perto, a miséria e a injustiça dos coronéis da caatinga, e por isso, mais adiante, passa a integrar a asses- soria de comunicação da SUDENE – Superintendência de Desen- volvimento do Nordeste, que então voltar a ser administrada por civis, após o golpe de 1964. Ali permaneceu durante dois anos.

Manuel Carlos Chaparro sempre desenvolveu um jornalismo de investigação e de debate, o que o levou a ganhar, por quatro vezes, em diferentes categorias, o Prêmio Esso de Jornalismo. Jornal do Co- mércio, Diário de Pernambuco e, já em São Paulo, Folha de S. Paulo, são

membro do Parlamento da União Européia Ocidental em Paris. Ele é dirigido a intelectuais que se distinguem por sua permanente disponibilidade humanística. 4. Depoimento apresentado durante o Seminário Acadêmico “Sotaques do Jornalis-

mo. Contribuições de Manuel Carlos Chaparro aos fazeres e dizeres jornalísticos”, coordenado pela Profa. Dra. Marli dos Santos, durante o XXVIII Congresso Bra- sileiro de Ciências da Comunicação, realizado pela INTERCOM, na PUCRS de Porto Alegre, no dia 31 de agosto de 2004. A consulta pode ser feita em http:// www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_d.htm, acessado em 16 de agosto de 2013, às 16,51 horas. Trata-se da edição eletrônica da Revista PJ:Br, edição 4, 2º semes- tre de 2004,

algumas das redações pelas quais ele passa. Em 1979, aos 45 anos de idade, experimentado e calejado no jornalismo, decide-se pela univer- sidade. Faz vestibular, entra para a Escola de Comunicação e Artes da USP, forma-se e ei-lo a dar aulas, a partir de 1984. Mas não para: faz Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado e defende tese de Livre Do- cência. Aposenta-se em 2001, mas para quem pensou que ele iria se aquietar, enganou-se. Hoje em dia, edita o blog O Xis da Questão (www.oxisdaquestao.com.br), onde continua refletindo, jornalística e filosoficamente, sobre a realidade brasileira e o jornalismo. Uma de suas séries de artigos mais interessante foi gerada, recentemente, a partir das manifestações de rua iniciadas em junho do corrente ano e os modos de sua cobertura jornalística pelos mídias brasileiros, dos jornais à televisão.

Na leitura que pretendo propor, aqui, esta perspectiva biográfica vincula-se diretamente à gênese e às preocupações que encontramos em Pragmática do jornalismo e em Sotaques d´aquém e d´além mar, tal como tentarei demonstrar.

Porque a pragmática do jornalismo

Logo na introdução da obra, Chaparro enuncia três preocupações que o levaram a tais estudos: a) como se manifestam, se escondem ou se simulam os propósitos que motivam e as intenções que controlam as mensagens jornalísticas, na imprensa diária brasileira? b) que inte- resses estão conectados a tais propósitos e que princípios éticos inspi- ram as intenções ordenadoras da ação jornalística? c) que influência a explicitação ou a não explicitação das intenções exerce na vontade do leitor, no que se refere à decisão de ler ou não ler, aceitar ou rejeitar a mensagem? (1994, p. 13).

Para desenvolver seus estudos, Chaparro apóia-se na perspectiva da pragmática, assim como a entende Teum van Dijk. Chaparro tem clareza no fato de que a linguagem jornalística é uma prática mar- cada por intenções e interesses (tal como o reconhecera Max Weber a propósito das instituições em geral). Ora, a imprensa capitalista é uma instituição: ela precisa ter lucro, através de uma atividade que é a publicação jornalística. Mas esses interesses geram contradições que nem sempre a empresa consegue resolver. Fugindo, contudo, ao mani- queísmo, nosso professor também se dá conta que, em muitos outros casos, o problema não é financeiro, ainda que continue sendo político (no sentido de que se relaciona com o poder). Por exemplo, o editor

do jornal, naquele dia, sentiu-se prejudicado com alguma decisão de uma empresa pública e decide pautar o assunto, desde que o enfoque do tema seja contrário a essa empresa. Por fim, o problema pode não ser nem financeiro nem político, mas apenas de (falta de) responsabilida- de: o jornalista não apurou devidamente o acontecimento, não fez as perguntas que precisaria fazer, não prestou atenção a alguns detalhes, tinha pressa, não estava suficientemente preocupado com o que fazia, sua responsabilidade não lhe aparecia assim tão evidente...

Lembrando, em parte, algo da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas que, aliás, ele cita em várias passagens, Chaparro mostra que a função do jornalista necessita de uma plena consciência para bem realizar-se: consciência de que a informação por ele redigida e divulgada na página do jornal produz - ou não produz – efeitos e reações entre leitores. Se mal apurada e redigida, talvez não consiga mobilizar o leitor como deveria, indignando-o, por exemplo. Ou, de outro lado, traçará um quadro pessimista de algo que foi apenas casual e momentâneo, com evidentes prejuízos para alguma das partes envol- vidas no acontecimento.

Por isso, na segunda parte do livro, “Pragmática viva”, Chaparro parte para uma análise prática de uma série de situações que ele sele- cionou cuidadosamente. Na terceira parte, e a partir de uma experiên- cia concreta, que foi sua participação na reforma experimentada pelo jornal Folha de S. Paulo, ele procura mostrar como uma excelente idéia foi parcialmente desqualificada, resultando num manual de redação que, para além do tom autoritário e impositivo que acabou adotando, de pouco ou nada serve, pois o jornal e os jornalistas assumiram uma espécie de autosuficiência que os leva a resistir ferozmente às eventuais correções de suas informações, constituindo o que ele denomina de “patologia complexa” (1994, p. 105).

Fechando seu trabalho, Manuel Chaparro retoma van Dijk, desta- cando o conceito de jornalismo daquele pesquisador (1994, p. 113): “o ato de fala próprio do jornalismo é o de asseverar (do latim asseverare – afirmar com certeza, segurança)”. Distinguindo entre intenção e propó- sito (idem, p. 114) ele destaca a importância hierárquica do propósito, para resumir sua perspectiva teórica e prática (Ibidem, p. 116):

1) Sendo o jornalismo um processo social de ações conscien- tes, controladas ou controláveis, esse processo só se concretiza se os fazeres jornalísticos (envolvendo o uso de técnicas para a produção de uma expressão estética) forem cognitivamente controlados por intenções inspiradas nas razões éticas que dão sentido social a esse processo.

2) Porque as ações são conscientes e têm conseqüências sociais relevantes, o jornalista é responsável moral pelos seus fazeres. 3) Se a intenção controla conscientemente o fazer, então de- termina os procedimentos técnicos e inspira as buscas e as soluções estéticas.

4) A intenção é, portanto, liga abstrata que funde ética e técni- ca, na busca de uma estética significativa para o processo. 5) Dado que a razão ética primordial do jornalismo é a de viabilizar, asseverando, o acesso ao direito de informação, a es- tética significativa a ser alcançada pelo jornalismo é o do relato veraz – isto é: o relato do que em verdade foi visto, ouvido e sentido pelo mediador.

6) A ação jornalística se esgota no seu ato de asseverar, quando a mensagem é lida. Os efeitos derivados, em forma de compor- tamentos ou novas ações sociais, fazem parte da esfera criativa e livre do receptor, inserido em suas próprias circunstâncias sociais e seus interesses. Os comportamentos e as ações sociais derivadas dos atos comunicativos do jornalismo realimentam o processo social, provocando transformações nos cenários da atualidade e da ordenação ética e moral da sociedade.

Essa simples passagem serviria para animar um curso de ética do jornalismo, por certo, como é sua intenção, inclusive no que tem a ver com uma tendência contemporânea, iniciada aparentemente após o episódio das Diretas Já, em que a mídia pretende denunciar, processar, julgar e condenar a pretensos sujeitos de acontecimentos sociais de re- levância. Chaparro deixa bem claro – gize-se – que a responsabilidade do jornalista é asseverar, isto é, informar com segurança e fidelidade, o acontecimento, sem emitir juízo de valor e, sobretudo, sem ultrapassar sua própria função jornalística. Esta é a sua responsabilidade ética e moral, nada mais. Qualquer outra cabe ao cidadão que o jornalista também é, mas não enquanto jornalista. Dito de outro modo (2008, p.121): “denunciar à sociedade o comportamento corrupto e imoral de um presidente da República é dever do jornalismo e do jornalista; derrubá-lo é prerrogativa do povo organizado”.

O livro seguinte Chaparro, Sotaques d´aquém e d´além mar, tem uma carreira significativa. Foi primeiro editado em Portugal, em 1998, com um belo prefácio de Mário Mesquita. Dez anos depois, foi publicado no Brasil. O que propõe o autor, desta vez? A quebra dos velhos pa- radigmas que separam jornalismo informativo e jornalismo opinativo. Mais que isso, apresenta uma constatação, em 1998, que eu viria a repetir em 2008: os jornalismo português e brasileiro desconhecem- -se reciprocamente. Quando a eles acrescentamos o jornalismo que

passei a denominar de jornalismo de colônias de expressão portu- guesa6, transformadas, todas elas, após os acontecimentos de 1974 e

1975, em nações independentes, a situação piora muito, e só não é pior, porque muitos dos pesquisadores e profissionais daquelas nações têm viajado para Portugal ou para o Brasil a fim de se aprimorarem em seus estudos. O projeto de Manuel Carlos Chaparro, neste livro, de uma história comparada do jornalismo lusitano e brasileiro, que eu saiba, é pioneiro. Como estou procurando seguir o mesmo caminho, tomo-o como modelo e referência. Efetivamente, Chaparro desdobra, pelas páginas de seu trabalho, uma história cronológica e paralelística da imprensa de ambos os países, evidenciando as tendências que ambas experimentavam ou sofriam. Desta sua perspectiva avulta, com eviden- te clareza, o quão semelhante são tais histórias: de um lado, porque os personagens centrais – quer dizer, os reis, são os mesmos: Dom João VI, Dom Miguel, Dom Pedro I, etc. Por outro lado, porque as ideologias em choque igualmente são as mesmas, aliás, não apenas em Portugal e no Brasil, quanto no restante da Europa e também no restante da América Latina. Portanto, deve-se dizer que não só é possível, quanto é absolutamente necessário que uma história abrangente da imprensa em Portugal inclua o Brasil e vice-versa: mais, que uma história da imprensa de Portugal e do Brasil incluam as histórias da imprensa da Europa continental e da América hispânica. Neste caso, não se pode nem deve deixar de lado quer as colônias de Portugal, quer as colônias de Espanha. Eis um projeto fantástico a ser ainda perseguido pelos his- toriadores. Dele, temos apenas alguns ensaios. Ao final desta primei- ra parte do trabalho, Chaparro registra duas diferenças significativas (lembremo-nos da data da obra, 2008, a partir de um texto original de 1998): “No Brasil, ao contrário do que ocorre em Portugal, os grandes jornais pertencem a conglomerados familiares” e acrescenta, logo em seguida: “outra diferença [...] está na relação de forças entre redações e empresas”. O autor reconhece que, “no Brasil, não existem Conselhos de Redação, nem Estatutos Editorais, nem negociações sobre quem vai ser o próximo diretor. A lógica e as razões de mercado impõem-se ao Jornalismo diário brasileiro, para lhe garantir sucesso” (2008, p. 105).

Evidentemente que o passar do tempo obriga a rever estas duas observações: no primeiro caso, lembrar que, atualmente, os conglo-

6. Valhi-me, como indico no artigo, de expressão cunhada por Salvato Trigo, apli- cada à literatura angolana e que estendi à imprensa das mesmas regiões em que ocorreu a colonização portuguesa desde o século XV (HOHLFELDT, 2009).

merados familiares brasileiros correspondem, de certo modo, aos conglomerados multinacionais, sobretudo franceses e espanhóis, que adquiriram boa parte da mídia portuguesa. Por outro lado, quanto aos Conselhos de Redação, parte desta experiência portuguesa, que também ocorre na França, perdeu-se, devido à reviravolta sofrida nas últimas décadas, em que os títulos mais tradicionais e referenciais da imprensa de Portugal, ou desapareceram, ou foram vendidos para ou- tros controladores, nos moldes do já observado acima7.

Não obstante estas atualizações, e porque é a partir destas obser- vações que se inicia a segunda parte do livro, deve-se destacar que elas continuam absolutamente corretas e vigentes. O autor pretende comparar os textos jornalísticos de Portugal com os do Brasil. Par- te de uma classificação anteriormente apresentada por José Marques de Melo (1994), distinguindo entre jornalismo informativo (nota, notícia, reportagem e entrevista) e jornalismo opinativo (editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta). Em seguida, propõe uma periodização que, sem ser apenas histórica ou vinculada exclusivamente à evolução da imprensa brasileira, acaba se refletindo sobre as práticas da imprensa, notadamente quanto aos ob- jetivos que ele tem em vista, e que ele denomina de político-cultural. A partir daí, faz uma seleção dos jornais a serem tomados como corpus do estudo. O mesmo processo ele realizará com os jornais portugue- ses, mas com uma variante. Depois de estudar detidamente a prática dos jornais brasileiros, Chaparro limita-se a compará-la com a dos jornais portugueses.

Assim, ele faz os seguintes registros sobre a imprensa brasileira (2008, p. 119 e 136):

1. A alteração mais significativa nas formas discursivas do jorna- lismo brasileiro ocorreu entre 1985 e 1994, com o crescimento dos chamados espaços de “serviço” dos jornais. Isso significa que, neste período, o jornal ficou mais atento aos (pseudo) interesses do leitor;

2. Cresceram significativamente o que ele denomina de resumos di- dáticos sobre os acontecimentos, o que, na perspectiva da agenda setting, chamamos de efeito enciclopédia das matérias, de que os editores estão bastante cientes. Aqui, mais uma vez, destaca-se a

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