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Uma das maneiras de averiguar os avanços no combate às desigualdades em todo o mundo é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), instrumento adotado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2014, online), “medida média das conquistas de desenvolvimento humano básico em um país”, em três áreas consideradas fundamentais: saúde (expectativa de vida), educação (acesso ao conhecimento, calculado pela média de anos dedicados à escolaridade) e renda (“medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante, em dólar, tendo 2005 como ano de referência”) (PNUD, 2014, online).

Outro indicador de desigualdades, o Índice de Gini, aponta que, em 2010, 10 dos 15 países mais desiguais do mundo eram da América Latina: Bolívia, Haiti, Paraguai, Panamá, Honduras, Colômbia, Guatemala, Equador, Brasil e Chile. Mesmo no Uruguai, na Argentina e na Venezuela, os países menos desiguais da América do Sul, as disparidades permaneciam relevantes.

Nos últimos trinta anos, todos os países sul-americanos apresentaram melhorias no IDH, ainda que por meio das “políticas focalizadas”, típicas dos anos de Neoliberalismo, e a despeito do fato de esses países serem governados por partidos considerados de Esquerda ou de Direita.

Embora existam críticas em relação aos métodos de composição do IDH, até o momento trata-se de um dos mais importantes e aceitos indicadores da evolução das condições de vida da população em todo o mundo. Segundo o economista José Eli da Veiga (2006, p. 84), para Sen e Mahbud,

[...] só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à ampliação das capacidades humanas, entendidas como o conjunto das coisas que as pessoas podem ser ou fazer na vida. As mais elementares destas são quatro: ter uma vida longa e saudável; ser instruído; ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno; e ser capaz de participar da vida da comunidade. Na ausência destas quatro, estarão indisponíveis todas as outras possíveis escolhas.

Muitas oportunidades na vida permanecerão inacessíveis. Além disso, há um pré-requisito fundamental que precisa ser explicitado: as pessoas têm que ser livres para que suas escolhas possam ser exercidas, para que garantam seus direitos e se envolvam nas decisões que afetarão suas vidas.

Gráfico 3 – IDH no Brasil

Fonte: Elaborado pela autora, com dados do PNUD – RDH (2014) (2020).

Sobre a evolução do IDH no Brasil, os dados do PNUD dos últimos trinta anos indicam que o maior crescimento do índice ocorreu a partir dos anos 1990, quando a Constituição de 1988 passou a vigorar, com a ampliação de Direitos Sociais. Foi no mesmo período em que as Políticas Sociais focalizadas passaram a predominar. Tais políticas seguem as indicações de organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, e são limitadas pela recomendação de redução de gastos, sem que tenham sido planejadas a partir das demandas específicas de cada população.

Em outras palavras: o Brasil, assim como muitos países da América Latina, passou por um processo de redemocratização, mas suas Políticas Sociais e reformas do aparato estatal passaram a ser norteadas por metas estabelecidas por instituições supranacionais, o que resultou em medidas descoladas das realidades locais.

Segundo Baquero (2018, p. 25, grifos meus),

[...] o que se observa na América Latina, do ponto de vista de mudanças, segue um padrão no qual mudanças econômicas, políticas e sociais ocorrem dentro de uma continuidade de um modelo político que não se altera significativamente, independente da ideologia do governo incumbente, dado que coexiste com ingredientes preexistentes, possibilitando que as políticas sociais e econômicas sigam um padrão que não altera a sua raiz. Se, num contexto de mudança, as coisas precisam mudar para que fiquem iguais, então, pode-se esperar que, num contexto de (re)democratização com inércia, as instituições mudem sem, no entanto, alterar, numa direção positiva, as normas, valores e crenças normativas da população em relação à democracia.

Assim, é possível atestar que a população elege democraticamente governos que adotam medidas que não correspondem a soluções dos problemas regionais ou locais. No caso brasileiro, a lenta evolução do IDH no período democrático ilustra o

0,545 0,612 0,682 0,705 0,739 0,744 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 1980 1990 2000 2005 2010 2013 IDH - Brasil Brasil

discreto efeito que as Políticas Sociais produzem na melhoria das condições de vida da população.

O IDH do Brasil do período que abarca os anos 1980 (a chamada “década perdida”), os anos 1990 (do Neoliberalismo) e a primeira década do século XXI (do Novo Desenvolvimentismo) revela algo curioso: no caso brasileiro, a variação do IDH no período neodesenvolvimentista é menor do que a variação nos períodos anteriores. Entre 1980-90, o IDH passou de 0,545 para 0,612 (< 0,067); entre 1990-2000, passou de 0,612 para 0,682 (<0,07); e de 2000 a 2013 passou de 0,682 para 0,744 (<0,062). Situação similar ocorreu com a maioria dos países da América do Sul que elegeram governos considerados de esquerda na virada do século XXI, exceto Chile, Venezuela e Equador.

Tabela 1 – Variação IDH na América Latina

País

Variação do crescimento do IDH 1980-1990 (redemocratizações) 1990-2000 (Neoliberalismo) 2000-2013 (governos progressistas) Argentina 0,029 0,059 0,055 Brasil 0,067 0,07 0,062 Bolívia 0,06 0,061 0,052 Chile 0,064 0,049 0,069 Equador 0,038 0,015 0,053 Uruguai 0,033 0,059 0,055 Venezuela 0,025 0,013 0,081

Fonte: Elaborado pela autora, com dados do PNUD – RDH (2014, p. 170-173).

Ainda que as políticas adotadas tenham contribuído com a melhoria das condições gerais da população, a concentração de riqueza permanece muito alta: “10% dos adultos do mundo detêm 85% da riqueza global. Ao mesmo tempo, a metade mais desfavorecida da população mundial fica com menos de 1% do total.” (CATTANI, 2009, p. 548).

As explicações para as desigualdades no Brasil levam em consideração diversos fatores estruturais, como a excessiva carga tributária, que incide mais intensamente sobre os que ganham menos. Segundo Márcio Pochmann (2014), em análise a partir dos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, a carga de tributação sobre os trabalhadores com renda mensal de até dois salários mínimos é de cerca de 48% do seu rendimento, ao passo que a carga de tributação sobre a renda daqueles que recebem acima de 30 salários mínimos mensais gira em torno de 26%.

No Brasil, programas como o Bolsa Família, o PROUNI (que concede financiamento a estudantes de baixa renda em instituições privadas de ensino) e medidas econômicas, como a redução do IPI e a facilidade do acesso ao crédito financeiro, de um lado possibilitaram um vertiginoso aumento do acesso de parcela significativa da população, historicamente excluída social e economicamente, a serviços e bens como a educação superior e a aquisição de eletrodomésticos que melhoram a vida cotidiana; de outro lado, estimularam o comércio e a indústria, além do mercado financeiro. Programas como os PACs (Programa de Aceleração do Crescimento I e II), de investimentos em obras de infraestrutura, auxiliaram na geração de empregos, com o consequente aumento da renda familiar, movimentando o “círculo virtuoso” da economia.

Apesar da ampla diversidade de medidas econômicas e de Políticas Sociais implementadas ao longo do período dos governos do Partido dos Trabalhadores, desigualdades persistem, mesmo em setores tão básicos quanto educação e saneamento.

Gráfico 4 – Analfabetismo no Brasil

Fonte: Elaborado pela autora, com dados do IBGE (2020).

Se comparados os períodos neoliberal e dos governos PT, percebe-se que a redução do índice de analfabetismo foi similar: no período dos dois governos do PSDB (1995-2002), houve uma redução de 3,7%; no período do PT (2003-2014), a redução foi de 3,3%.