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L ÓGICA FORMAL E A LÓGICA MATERIAL DOS JURISTAS Juliano Maranhão

Primeiro, eu gostaria agradecer o convite do Prof. Ronaldo Porto Macedo Jr. para essa palestra e também a organização. Está todo mundo de parabéns.

Na verdade eu iria falar sobre lógica formal, modelos lógicos pra interpretação e decisão, mas resolvi mudar o tema para ter a chance de ser convidado para próxima.

Vou procurar então falar sobre diferentes modelos de decisão ou de justificação de proposições normativas, olhando, em parti- cular para o problema da objetividade, que foi um tema levantado tanto ontem quanto hoje e foi objeto de uma polêmica bastante

interessante, a meu ver, entre o Prof. Virgílio [Afonso da Silva] e o Prof. Carlos Ari [Vieira Sundfeld].

Eu gosto de começar com um exemplo para aguçar nossas intui- ções e tentar eliminar as dúvidas sobre exatamente do que nós estamos falando, porque temas abstratos podem nos levar a ficar fechados em abstrações aparentemente desconectados da nossa prá- tica. Então vamos começar com um caso simples, que é um típico conflito jurídico.

Carlos, o vendedor, vende a Paulo, o comprador, um imóvel que na verdade era de Eugênio, o legítimo proprietário. Tenho uma série de descrições acerca de fatos sobre esse caso. O comprador é negro e não sabia que o imóvel era do Eugênio. Paulo pagou cin- qüenta mil a Carlos, o vendedor; Eugênio, o legítimo proprietário, é pobre e a propriedade é usada pra sua subsistência; O compra- dor, por outro lado, é milionário, é especulador imobiliário; Carlos, o vendedor, sabia que o imóvel era de Eugênio; o vendedor sabia do que estava acontecendo.

E aqui surge a questão prática importante: o comprador deve restituir o imóvel ao proprietário? Daqui parte, usualmente, uma enorme discussão. Essa discussão inicialmente é de ordem moral, o que vai criar uma grande indeterminação para a interpretação de tudo isso que está na minha frente. De todos esses fatos, quais são relevantes para fundamentar uma conclusão prática sobre esse caso? Certamente vão aparecer controvérsias e discrepâncias pro- fundas entre os debatedores baseadas em diferentes concepções de justiça.

Por exemplo, a questão de ser ou não o comprador negro será imediatamente descartada como irrelevante, por exemplo, dentro da nossa comunidade. Talvez o mesmo não acontecesse em outras comunidades em outras épocas.

A noção de proteção da propriedade vai aparecer. Então, o fato de o Eugenio ser o verdadeiro proprietário é, a partir desse inte- resse, algo relevante para a decisão da questão. De alguma forma deve-se garantir essa liberdade que a propriedade representa. E outros argumentos vão começar aparecer. Por exemplo, alguém pode levantar a relevância da segurança contratual. O contrato foi realizado e isso precisa ser de alguma forma ser protegido. Essas duas intuições acerca de liberdades fundamentais precisam ser

balanceadas. Algumas vezes, quando o contrato foi realizado em boa-fé, também um termo com forte carga moral, prevalece à segurança contratual.

E podem aparecer outros argumentos de justiça, por exemplo, baseados numa concepção de justo como proporcional, como a distribuição eqüitativa de bens. Aqui, aquele outro dado de que o comprador é um especulador imobiliário e o proprietário usa o imóvel para a sua subsistência passa a ser tomado como relevante. Os diferentes padrões morais ou as diferentes concepções de justi- ça mudam o sentido que aqueles fatos tomam como razões a favor ou contra uma solução normativa para aquela questão prática. Essa indeterminação torna tais conflitos potencialmente indecidíveis.

Para resolver esse problema a pergunta chave é: o que é rele- vante afinal? Essa pergunta, diz respeito ao que deve ser tomado como base para uma decisão. Em qual fato ou descrição de fato devo basear meu juízo. O caminho para a identificação dessa pre- missa fática relevante está no padrão normativo escolhido.

Quando fazemos essa pergunta a um jurista, imediatamente a pergunta que devolve é: qual que é a lei? Quando ele faz isso ele está já pensando num modelo de decisão. Ele pergunta qual é a lei porque o que é relevante no conjunto de descrições do caso vai depender de um padrão normativo, que já contém uma escolha pré- via sobre a relevância. Naquele balanço de razões morais ou de convicções subjetivas acerca ações ou decisões justas, eu posso dar mais peso à propriedade, menos à segurança contratual, posso con- siderar ou não a idéia de uma distribuição eqüitativa. Entre essas razões opostas para a questão prática suscitada, alguma decisão tem que ser tomada. E essa decisão vai olhar pra essas propriedades pos- síveis e estabelecer aquelas propriedades que se entendem relevantes pra uma solução numa direção ou na outra.

Então quando alguém pergunta isso pra um jurista, algum ope- rador do Direito, é razoável aparecer a pergunta qual é a lei, o que a lei diz, pois a lei vai refletir essa escolha que ameniza, ou cria con- dições pra decisão de um problema que parecia potencialmente indecidível pelo choque de concepções de justiça.

Vamos supor então uma regra, uma norma jurídica: não é obri- gatório restituir o imóvel se e somente se o adquirente age de boa fé e a título oneroso.

Somente se ele paga pelo imóvel e estava de boa-fé pode retê- lo. A partir daí eu consigo identificar quais são os casos relevantes, aquela combinação de casos que tem essas duas propriedades que foram escolhidas como relevantes e que tem a ver com determi- nados princípios que se protege. A boa-fé e o título oneroso são compensações, são concessões que eu faço à segurança contratual com relação à propriedade. São condições ou qualificações con- dicionais hipotéticas que me permitem deixar aquelas intuições iniciais e tratar o problema com maior objetividade.

A partir dessas propriedades hipotéticas, identifico uma série de casos relevantes, advindos da combinação dessas propriedades: o adquirente pode estar de boa fé e o título ser oneroso; pode estar de boa fé mas o título ser gratuito; ou estar de má-fé com título one- roso; ou ainda tanto estar de má-fé quanto o título ser gratuito.

E aqui eu crio um modelo de decisão baseado nesses casos hipo- téticos tomados como relevantes e as soluções que a norma propicia para cada um deles. Óbvio que a única operação lógica aqui não é simplesmente a subsunção. Para que eu passe da norma com o conectivo bi-condicional “se, e somente, se” para a solução de cada um dos casos, eu tenho que interpretar o seu significado. Um con- dicional é imediato: é permitido reter o imóvel “se” houver boa-fé e o título for oneroso. Isso soluciona um dos quatro casos. Mas quando eu falo “somente se”, isso significa que quando não há a condição, não há a conseqüência, ou há a solução normativa opos- ta “é obrigatório restituir”. A negação de “boa-fé e titulo oneroso” é a negação de uma conjunção, que é o mesmo que negar ambos os elementos disjuntivamente. Aqui já soluciono os três casos res- tantes, aquele em que há boa fé mas o título é gratuito e os outros dois em que não há boa fé. Se não houver boa-fé, ou o título não for oneroso é obrigatória a restituição.

Para chegar nesse conjunto de soluções para os casos relevan- tes, de forma montar um sistema normativo completo e consistente, a norma é logicamente trabalhada por meio de inferências. Até o momento em que basta a operação de subsunção, de se extrair para o caso particular, que tem as mesmas propriedades previstas na hipó- tese normativa, a mesma solução normativa.

Esse modelo subsuntivo formou-se dentro de um esforço de construção de um saber jurídico, a partir da dogmática alemã do

século XIX e se consolidou dentro do positivismo. O desafio do