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1.2 Mecanismos de ação do etanol

1.2.2 Óxido nítrico

O óxido nítrico (NO) é uma molécula extremamente lábil, podendo atuar como radical livre (SNYDER e BREDT, 1992), que desempenha funções importantes em diversos processos fisiológicos. Devido à natureza ubíqua do NO, a liberação inapropriada desse mediador tem sido relacionada à patogênese ou à etiologia de diversas doenças (KUGLER e DRENCKHAHN, 1996).

O NO é formado a partir do aminoácido L-arginina, pelas sintases do óxido nítrico (NOS). As NOS podem ocorrer na forma constitutiva: endotelial (eNOS, NOSIII) e neuronal (nNOS, NOSI), e na forma induzida (iNOS, NOSII) (PALMER et al., 1987 e 1993; DAWSON et al., 1991; GARTHWAITE, 1991; SCHMIDT et al., 1992; SHERMAN et al., 1993; FÖRSTERMANN, 1994; NATAN e XIE, 1994). As enzimas constitutivas são ativadas pelo complexo Ca2+ - calmodulina e produzem quantidades muito menores de NO do que a enzima induzida (AOKI et al., 1995; ZHANG e SNYDER, 1995). As formas constitutivas da NOS ocorrem no tecido vascular, especialmente no endotélio (GRYGLEWSKI, 1995a, b), no sistema nervoso central e em fibras nervosas não-adrenérgicas não colinérgicas, entre outros (GARTHWAITE, 1991; MONCADA e HIGGS, 1993).

A iNOS pode ser induzida em resposta a estímulos imunológicos ou inflamatórios e nesta forma é encontrada em uma variedade de células, entre elas, nos macrófagos,

neutrófilos, células endoteliais, músculo liso vascular, miócitos cardíacos, hepatócitos, células microgliais, como também nas ilhotas de Langerhans (SOUTHERN et al., 1990; KIECHLE e MALINSKI, 1993; EIZIRIK e LEIJRSTAM, 1994; KOSTKA, 1995, VLADUTIU, 1995). Há evidências de que certos tipos de células, sob certas condições, possam expressar mais do que uma isoforma de NOS. Por exemplo, células que apresentam a enzima constitutiva, quando estimuladas com citocinas e endotoxina bacteriana, passam a expressar também a isoforma induzida (GIBALDI, 1993; FERNANDES e ASSREUY, 1994; SCHULZ e TRIGGLE, 1994). O NO é considerado um mensageiro retrógado envolvido em funções centrais e periféricas diferenciadas (MONCADA et al., 1991; SCHUMAN e MADISON, 1994; ZHUO et al., 1993), que difere dos neurotransmissores clássicos, por não ser armazenado em vesículas sinápticas e porque sua liberação não depende de exocitose. O NO é formado no momento da sua liberação e difunde-se através das membranas celulares, podendo atuar no interior dos neurônios em que é formado e nas proximidades dos mesmos, participando da transmissão sináptica (BREDT et al., 1990; GARTHWAITE, 1991; SHIBUKI e OKADA, 1991). A liberação de neurotransmissores induzida pelo NO pode ser mediada tanto por processos dependentes quanto independentes de cálcio (OHKUMA e KATSURA, 2001).

A ativação de receptores AMPA e, especialmente do NMDA pelo glutamato, promove o influxo de cálcio nos neurônios permitindo a ativação de NOS cálcio-calmodulina dependente. Assim, os aminoácidos excitatórios podem estimular, através de NOS cálcio- calmodulina dependente, a síntese de NO. Esse modo de ativação pode justificar a possibilidade da neurotransmissão glutamatérgica estimular a formação de NO em segundos (GARTHWAITE et al., 1989). O NO produzido pode difundir-se para o neurônio pré- sináptico, onde ele ativa a guanilato ciclase, havendo, conseqüentemente, um aumento dos níveis de monofosfato cíclico de adenosina (GMPc) e a liberação de glutamato (BREDT E SNYDER, 1989; GARTHWAITE, 1991; MANZONI et al., 1992; MORRIS et al., 1994). A

nNOS, em particular, está conectada aos receptores NMDA através da proteína de densidade pós-sináptica (PSD-95), que é sensível ao influxo de cálcio, resultante da ativação de receptores NMDA (MIGAUD et al., 1998) (Figura 1).

Figura 1: Representação esquemática da ativação da nNOS no SNC.

(Adaptado de KISS e VIZI, 2001; UZBAY e OGLESBY, 2001)

A excitabilidade neuronal pode promover o aumento dos níveis de GMPc em diferentes regiões cerebrais, como o cerebelo, córtex cerebral, estriado e hipocampo (GARTHWAITE e BOULTON, 1995). Também há evidências de que o NO possa interferir com outros sistemas de neurotransmissores, além do glutamatérgico (BRENMAN e BREDT, 1997).

Em várias regiões cerebrais, o fluxo de GMPc é sensível a inibidores da NOS. É pressuposto que a maioria dos efeitos do NO, relacionados com a excitabilidade neuronal no SNC, dependa da síntese de GMPc (PRAST e PHILIPPU, 2001), sendo a proteína quinase G

a principal via de sinalização do NO (WANG e ROBINSON, 1997; SMOLENSKI et al., 1998) e as proteínas quinases A e C ligadas à produção de NO (DAWSON et al., 1998; ONOUE et al., 2002). A ativação do receptor NMDA pode estimular o aumento da formação de GMPc (EAST e GARTHWAITE, 1991), enquanto que os inibidores de NOS bloqueam esta elevação (MONTAGUE et al., 1994).

As 3 isoformas de NOS (HOBBS et al., 1999) podem ser encontradas no SNC, onde o NO parece desempenhar várias ações, incluindo: a regulação da liberação e recaptação de neurotransmissores (KISS, 2000), a inibição da função dos transportadores de monoaminas (KISS e VIZI, 2001), plasticidade sináptica (O’DELL et al., 1991), aprendizagem e memória (CHAPMAN et al., 1992; BARATTI e KOPF, 1996), ansiedade (GUIMARÃES et al., 1994; FERREIRA et al., 1999; BARETTA et al., 2001), atividade epiléptica (KAPUTLU e UZBAY, 1997), controle do sono (MONTI et al., 1999), neurotoxicidade nas doenças de Alzheimer e Huntington e isquemia cerebral (HOFFMAN, 1991; NOWICKI et al., 1991; ELIASSON et al., 1999), dor neuropática e inflamação (YAMAMOTO et al., 1993; HOLTHUSEN E ARNDT, 1995; ZIMMERMANN, 2001). É também ressaltado que o NO possa participar da tolerância rápida ao etanol (KHANNA et al., 1993c e 1995b; BARRETO, 1997) e no desenvolvimento da dependência física de algumas substâncias de abuso, como o etanol e opióides (UZBAY e OGLESBY, 2001), bem como no dano neuronal decorrente do uso de etanol (LANCASTER, 1992).

Em experimentos in vivo com coelhos, o NO exalado através da respiração diminuiu após a administração de etanol, efeito que não foi revertido com a administração de L- arginina (PERSSON e GUSTAFSSON, 1992). Foi observado que a administração aguda de etanol pode inibir a produção de NO induzida pela estimulação de neurônios não adrenérgicos não colinérgicos in vitro (KNYCH, 1994). Além disso, concentrações de etanol de 20 a 60 mmol/L não alteraram a resposta de arteríolas cerebrais, enquanto que concentrações mais

elevadas (80 e 100 mmol/L) demonstraram produzir um prejuízo na dilatação dependente de NO no endotélio, como também, interferir na atividade neuronal (MAYHAN e DIDION, 1995).

Foi constatado que a inibição de NOS e a conseqüente diminuição na produção de NO aumentam a narcose induzida pelo etanol e que o aumento na concentração de NO inibe o efeito depressor do etanol (ADAMS et al., 1994). O inibidor preferencial da nNOS, 7- nitroindazol, aumentou o efeito ansiolítico do etanol no teste do labirinto em cruz elevado em ratos (FERREIRA et al., 1999), e a utilização de outro inibidor de nNOS não seletivo reduziu a preferência do etanol no tratamento crônico (CALAPAI et al., 1996; LALLEMAND e DE WITTE, 1997). Assim, após examinar estes e outros dados da literatura, poderia ser aventado que, com a inibição das vias do NO, haveria uma acentuação dos efeitos do etanol, e ao contrário, um aumento do NO poderia diminuir as sensações decorrentes da droga.

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