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Úlcera Profunda

No documento Clínica e cirurgia de equinos (páginas 81-85)

3. Monografia – Úlceras de Córnea em Equinos

3.3. Exame oftalmológico

3.4.6. Úlcera Profunda

Quando o estroma é afetado, a úlcera é considerada profunda. Tal como nas úlceras superficiais, deverá realizar-se uma citologia para diagnosticar a presença de infeção fúngica ou bacteriana. Tal como já foi referido, a regeneração do estroma é mais lenta do que a do

Figura 33 - Vista dorsal do cavalo após a colocação do cateter

epitélio e como tal, o tratamento é mais demorado e há um risco mais elevado de complicações.

3.4.6.1. Tratamento

O tratamento médico das úlceras profundas é semelhante ao das úlceras superficiais, no entanto atendendo à profundidade da úlcera deverá ser considerada intervenção cirúrgica, especialmente quando há perda de mais de 50% da espessura da córnea. A realização de enxertos de conjuntiva, transposição corneoconjuntival/corneoescleral ou transplante de membrana amniótica permite uma maior proteção da córnea que se encontra comprometida tanto estruturalmente como funcionalmente. Estes procedimentos para além da proteção física, contribuem para a regeneração da córnea e diminuição da inflamação (Denis, 2004; Brooks et

al., 2017) .

3.4.6.1.1. Enxerto de Conjuntiva

O enxerto de conjuntiva consiste na transposição de uma porção da conjuntiva ocular de forma a cobrir o defeito da córnea, mantendo o aporte sanguíneo na maioria dos casos. Os enxertos possuem células estaminais do limbo, vasos sanguíneos e vasos linfáticos que vão facilitar a chegada de sangue ao local da lesão e exercer um efeito antibiótico, antifúngico, antiviral, antiprotease e anticolagenase, através do aporte direto de células polimorfonucleadas,

plasma, anticorpos, α-2-macroglobulinas e antibióticos sistémicos. A cicatrização corneal resultante é bastante variável mas pode ser minimizada se antes da colocação do enxerto se remover todo o material necrótico da córnea.

A seleção do tipo de enxerto depende da localização e extensão da úlcera. Consoante a lesão, poderá optar-se por um enxerto pediculado (Figura 34), em ponte, de avanço, de 360º, em ilha ou tarsopalpebral (Figura 35). Os enxertos pediculados são usados em lesões periféricas. Os enxertos em ponte ou bipediculados permitem cobrir lesões mais extensas mas têm como desvantagem cobrir uma grande porção de córnea saudável. Os enxertos de avanço

Figura 34 - Enxerto pediculado três semanas após a cirurgia (adaptado de Gilger, 2017)

ou de 180º permitem cobrir uma grande área, enquanto que os de 360º cobrem a córnea inteira. Os enxertos em ilha não possuem aporte sanguíneo, apenas são utilizados como fonte de colagénio. Os enxertos tarsopalpebrais usam a conjuntiva ocular e têm como desvantagem estarem sujeitos à tensão provocada pelo movimento das pálpebras (Brooks et al., 2017).

3.4.6.1.1. Transplante de Membrana Amniótica

O transplante de membrana amniótica é o que apresenta melhores resultados em termos funcionais e estéticos. A membrana amniótica é a membrana fetal que se encontra em contacto com o feto e é constituída por três camadas o epitélio cuboidal, a respetiva membrana basal e o estroma que é avascular e quase acelular. A membrana basal e o estroma facilitam a migração de diferenciação das células epiteliais da córnea e promovem a sua adesão à membrana basal. O transplante de membrana

amniótica diminui a cicatrização do estroma corneal, tem efeito anti-inflamatório, anti-angiogénico e antibiótico. O epitélio é inviabilizado ou retirado durante o processamento e armazenamento da membrana, não sendo relevante para o transplante. Considera-se que a membrana amniótica “se sacrifica” pela córnea, pois vai sofrer a ação dos microrganismos e proteases presentes na mesma, diminuindo o seu efeito na córnea (Lassaline et al., 2005; Plummer, 2009; Brooks et al., 2017).

Este procedimento tem como desvantagem necessitar de um banco de membranas amnióticas equinas armazenadas a -80ºC ou liofilizadas. A membrana poderá ser colhida assepticamente durante uma cesariana, processada e armazenada a -80º C para que possa ser utilizada quando necessário (Lassaline et al., 2005; Plummer, 2009). Já se encontram disponíveis apresentações comerciais de membrana amniótica para correção de defeitos de córnea (EquusCell da AniOcular e Amtrix TBF da Vetrix®), no entanto ainda não estão disponíveis estudos que comprovem a sua eficácia.

Existem três principais técnicas de transplantação:

 A membrana pode ser cortada e colocada de forma a cobrir apenas a úlcera, o estroma da membrana amniótica é colocado em contacto com a córnea e a membrana basal fica livre. O epitélio corneal migra sobre a membrana basal da membrana amniótica e esta é incorporada na córnea;

Figura 36 - A: Úlcera profunda com infeção bacteriana e uveíte severa; B: Olho seis semanas após o transplante de

membrana amniótica, a úlcera desapareceu, restando apenas alguma

remodelação da córnea (adaptado de Plummer, 2009)

A

 A membrana pode ser usada como pala e colocada de forma a cobrir a totalidade da córnea. Se for fixada com a membrana basal em contacto com a córnea, será incorporada na mesma, se for fixada com o estroma em contacto com a córnea eventualmente acabará por cair terá de ser retirada cirurgicamente. Este método tem como desvantagem impedir a visualização da câmara anterior após o transplante e comprometer a capacidade visual do olho;

 Em úlceras muito profundas podem-se utilizar várias camadas de membrana amnióticas cortadas de forma a preencher o defeito e cobertas por um enxerto maior no topo;

Na Figura36 pode-se observar uma úlcera profunda com infeção bacteriana e uveíte secundária e a respetiva evolução após a realização de um transplante de membrana amniótica.

3.4.6.1.2. Enxerto de Matriz Extracelular de Bexiga de Suíno

O enxerto de matriz extracelular de bexiga de suíno confere suporte físico à córnea, auxilia a migração dos fibroblastos e permite a passagem da medicação tópica. A técnica consiste na colocação e sutura de um disco de matriz extracelular no local da úlcera, seguidas de uma tarsorrafia temporária (sutura das pálpebras para que o cavalo não consiga abrir o olho durante aproximadamente duas a três semanas). Os discos são comercializados pela ACell Vet (ACell Vet®, Corneal Discs) e, tal como o nome indica, são obtidos a partir da matriz extracelular da bexiga do suíno. Têm como principal vantagem poderem ser armazenados à temperatura ambiente. Por se tratar de um material teoricamente acelular não causa reação imunitária e acaba por ser progressivamente degradado pela córnea, diminuindo o tecido cicatricial remanescente a longo prazo. Contém fatores de crescimento que promovem a proliferação vascular e a vascularização.

As principais complicações são a deiscência da sutura e falha do enxerto em casos em que ocorreu perfuração da córnea. Os discos apenas são comercializados com um diâmetro de 15 mm, pelo que apenas podem ser utilizados em defeitos pequenos. Num caso descrito por A. M. Davis (2017), foi utilizado com sucesso numa úlcera de córnea um material comercializado pela mesma empresa que apesar de ter a mesma constituição, foi desenhado para utilização em feridas e como tal é comercializado em dimensões superiores.

Ainda não existem estudos comparativos que mostrem qual das técnicas (enxerto de matriz extracelular de bexiga de suíno ou transplante de membrana amniótica) possui uma maior taxa de sucesso, com recuperação da visão e menor cicatrização da córnea possível (Mancuso et al., 2014;Davis et al., 2017).

Também estão comercialmente disponíveis discos obtidos a partir da submucosa do intestino delgado de suínos (Vetrix® BioSIS). São constituídos pela túnica muscularis mucosae, pela túnica submucosa e pelo estrato compacto da túnica mucosa do jejuno. A sua utilização

em equinos apenas foi descrita por Bussieres et al. 2004, num estudo em que foram associados a um enxerto de conjuntiva, comprometendo transparência da córnea a longo prazo. Apesar de a sua utilização em pequenos animais ser semelhante à do enxerto de matriz extracelular de bexiga de suíno em equinos, ainda não foi descrita (Bussieres et al., 2004).

3.4.6.1.3. Transposição Corneoconjuntival ou Corneoescleral

A transposição corneoconjuntival ou coneoescleral, tal como o nome indica, consiste na transposição de uma espessura parcial da córnea e conjuntiva ou da córnea, conjuntiva e esclera, respetivamente. Esta técnica consiste em avançar uma zona periférica da córnea, de forma a cobrir um defeito axial. A transposição da esclera confere maior resistência física ao enxerto, no entanto, provoca uma maior cicatrização na zona periférica da córnea e deixa a esclera menos resistente, motivos pelos quais a transposição corneoconjuntival é a técnica mais utilizada (Brooks et al., 2017).

3.4.7. Complicações

No documento Clínica e cirurgia de equinos (páginas 81-85)

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